REFERÊNCIA INDUSTRIAL QUÍMICA NA MADEIRA Tratamento de madeiras é para profissionais Foto: UPM - Irmãos Maggioni Se um leigo observa uma Usina de Preservação de Madeiras em operação, muitas vezes com automação completa, sequer pode imaginar os fenômenos e variáveis que estão em jogo para que, ao final do processo e com o trabalho de profissionais capacitados, se obtenha uma carga de madeira tratada de modo homogêneo, com valores de retenção e de penetração nos padrões estabelecidos pelas normas vigentes 40 | www.referenciaindustrial.com.br O processo de tratamento preservativo de madeira sob pressão é um fenômeno de transporte de massa (mecânica dos fluidos), em que um líquido preservativo deverá ser transferido de um reservatório para o interior da madeira, que é um meio poroso com características próprias, por meio de pressão externa que é a chamada driving force. Para se ter uma ideia, trata-se de um processo muito mais complexo do que o bombeamento doméstico de água de um poço subterrâneo para um reservatório ele- vado que, então, abastecerá uma habitação por gravidade. Neste exemplo, desde que o dimensionamento tenha sido feito de maneira correta e não haja problemas com a tubulação, o transporte se dá em regime turbulento (número de Reynolds > 2000) e facilmente se atinge o estado estacionário. Nesta situação, otimiza-se a transferência de líquidos de modo simples, alterando-se o diâmetro de tubulações, potência e tipo de bomba. No caso da impregnação de madeiras, as condições são bem diversas porque grande parte do processo de JULHO | 41 QUÍMICA NA MADEIRA Foto: divulgação transferência ocorre em regime laminar, não estacionário e com diversas variáveis intervenientes. Algumas delas podem, de maneira simplificada, ser assim enumeradas: • Diferentes espécies de madeira (anatomia) em um mesmo tratamento; • Densidade variável das peças a serem tratadas; • Relação cerne/alburno; • Variabilidade do teor de umidade entre as peças; • Relação: lenho inicial/lenho tardio; • Permeabilidade da madeira (dimensão dos poros); • Aspiração de pontoações (só no caso de coníferas); • Viscosidade da solução de tratamento; • Quantidade de material particulado; • Teor de extrativos; • Polaridade do solvente; • Tempo de impregnação; • Magnitude e duração das fases de vácuo e pressão. O relacionamento da retenção e da penetração obtidas em um tratamento preservativo, diante de tantas variáveis envolvidas, tem sido estudado e equacionado por diversos pesquisadores (Siau, Skaar, Stamm, Petty, entre outros), Humberto Tufolo Netto Diretor comercial da Montana Química S. A. 42 | www.referenciaindustrial.com.br Foto: divulgação REFERÊNCIA INDUSTRIAL Ennio S. Lepage Consultor técnico da Montana Química S. A. mediante adoção de modelos matemáticos, alguns deles bem complexos. Nesses modelos a retenção é expressa em termos de fração de vazios disponíveis na madeira, designada pela notação FVL. Em uma primeira aproximação, em regime estacionário, Siau, J. determinou depois de formidável desenvolvimento matemático, envolvendo a quase totalidade das variáveis anteriormente mencionadas, que a retenção é proporcional à raiz quadrada do tempo de impregnação, isto é FVL = (2 t)1/2, onde: FVL = fração de vazios = retenção máxima T = tempo de impregnação. Essa relação foi confirmada por Petty, J.A., usando madeira de Pynus sylvestris. Posteriormente Gonzales, G.E. e Siau, J., trabalhando com Fagus grandifolia e Eucalyptus diglupta (ambas folhosas) observaram um comportamento parecido. A diferença é que as permeabilidades e retenções variaram ao longo do tempo, com três permeabilidades diferentes, caracterizadas graficamente (retenção X tempo) por três segmentos de reta com coeficientes angulares diferentes (k1= 18,9; k2= 0,75 e k3= 0.01). Em outras palavras, as permeabilidades do substrato (madeira) mudaram três vezes com o tempo. A retenção de ingredientes ativos na madeira é so- mente um dos três parâmetros de um bom tratamento, que pode assegurar a qualidade final do produto. Não se pode desprezar os parâmetros de penetração e distribuição do preservativo em toda extensão da porção permeável, tema amplamente estudado para as espécies de madeira comumente utilizadas pelas usinas de preservação de madeiras. Soluções amparadas por análise simplista do processo têm sido difundida por fornecedor, objetivando estimular as usinas a adotarem mudanças em seus equipamentos. Isso colocaria em risco aspectos relacionados à segurança operacional e à qualidade do tratamento. A elevação da pressão de tratamento de 12kgf/cm² (quilograma força por centímetro quadrado) para até 18kgf/cm², com objetivo de reduzir o tempo de duração da fase de pressão, é uma medida muito preocupante, pois coloca em risco vários aspectos. Alguns deles são apresentados a seguir: A elevação da pressão de trabalho exige reestudo técnico de engenharia do vaso de pressão (autoclave), principalmente das calotas (fundo e porta). Também é necessária a reavaliação do dimensionamento das tubulações, válvulas e também redimensionamento da válvula de segurança. Exige, ainda, uma readequação de projeto (revisão de cálculos) e do prontuário técnico, em atendimento à NR13 do Ministério do Trabalho e Emprego. Devemos destacar que a preservação de madeiras no Brasil conta com importante representatividade da Abpm (Associação Brasileira de Preservadores de Madeira) que juntamente com empresas do setor conduziram a revisão e atualização das normas técnicas NBR e desenvolveu o Qualitrat – programa de autorregulamentação que tem por objetivo a certificação de usinas que operam dentro das boas práticas de origem, qualidade e legalidade e, portanto, acréscimo de valores para o mercado de madeira tratada. O aumento da pressão de trabalho, com redução do tempo de pressão, colocará em risco a segurança operacional e a qualidade da madeira tratada. Todas estas considerações foram feitas com objetivo de mostrar aos empresários responsáveis do setor de preservação que o encurtamento do ciclo de tratamento de uma carga de madeira, principalmente de folhosas, está longe de ser resolvido com medidas paliativas tomadas com alterações operacionais do ciclo de tratamento. Elas passam ao largo do nível de responsabilidade das pessoas que, por desconhecerem os aspectos legais envolvidos em uma operação de Usina de Tratamento de Madeira, ignoram a necessidade de regularização da Licença de Operação da unidade com a nova descrição dos procedimentos de trabalho.