05/09/2013 - edição impressa
Otimismo fatal
Por Beatriz Cutait e Alessandra Bellotto
Compra, compra, compra. Preço-alvo de R$ 28, R$ 31, R$ 37. Ninguém queria ficar fora do papel da petroleira
OGX. O céu parecia o limite para uma ação que começou a ser negociada com preço de R$ 1.131 - ou R$ 11,31
considerando o valor ajustado pelo desdobramento -, e com indicações muito favoráveis. Passados mais de cinco
anos desde que a companhia do empresário Eike Batista entrou na bolsa, a história mostra que as projeções
traçadas por analistas ligados às principais corretoras e bancos de investimentos do mercado naufragaram junto
com os papéis.
Mas qual foi o grande problema? As informações transmitidas pela própria OGX ou a interpretação dos dados
por analistas habilitados para acompanhar o dia a dia da empresa? E o investidor que se fiou nos relatórios de
profissionais qualificados, como fica? A julgar pela cotação atual (R$ 0,41 ontem), nada satisfeito.
Se a atividade do analista de valores mobiliários pressupõe qualificação
técnica, boa fé, ética profissional, independência e imparcialidade, tomar
decisões baseadas em avaliações feitas por esses profissionais deveria, na
maioria das vezes e minimamente, resultar em acertos quanto à tendência dos
ativos em questão.
Mas não foi isso que se viu no caso emblemático de OGX Petróleo, que estreou no mercado em junho de 2008
como uma companhia pré-operacional. Com base em dados básicos da Bloomberg levantados pela gestora Rio
Bravo e por outras fontes do mercado a pedido do Valor, com raríssimas exceções, é possível afirmar que
praticamente nenhuma casa de análise de peso conseguiu antever a derrocada de ações que chegaram ao ápice
em outubro de 2010, quando atingiram preço de R$ 23,27. Todas as casas citadas na reportagem foram
procuradas pelo Valor, mas preferiram não se manifestar.
A trajetória de queda da companhia passou longe das planilhas dos analistas. Indicações desfavoráveis sobre o
desempenho da OGX, com poucas exceções, só passaram a ser mais comuns neste ano, principalmente a partir
da frustração com a divulgação em março dos dados de produção relativos ao mês anterior. Foi só nesse
momento que casas importantes rebaixaram suas recomendações.
Esse foi o caso da equipe de análise do Credit Suisse, comandada por Emerson Leite, que cortou a recomendação
de neutra para "underperform" (desempenho abaixo da média do mercado). O banco, que chegou a projetar
preço-alvo de R$ 29,52 para a ação em abril de 2010 e teve cobertura restrita durante quase três anos, hoje
trabalha com estimativa de preço de R$ 0,15 e indica venda, após mais um corte feito nesta semana.
Também em março, Itaú BBA e Bradesco BBI, pertencentes aos dois maiores credores da OGX, cortaram a
recomendação, mas para "market perform" (desempenho em linha com o mercado). Em relatório, os analistas
Paula Kovarsky e Diego Mendes, do Itaú BBA, escreveram: "Em revisões anteriores, no entanto, ainda estávamos
preparados para dar à OGX algum crédito pela exploração e pelo potencial do portfólio em Campos, sendo essa a
razão pela qual a recomendação 'outperform' sobreviveu por tanto tempo". Destacaram, ainda, que não
colocaram a recomendação em "underperform" por não ser recomendável vender num período de grandes
perdas dos papéis.
Até o último dado disponível - julho e agosto, para Bradesco e Itaú -, que aponta para avaliações sob revisão, as
duas casas nunca haviam indicado venda para o papel. O Bradesco, por sinal, chegou a traçar preço-alvo de R$
37,40 para as ações em setembro de 2010, valor 61% acima do pico do papel.
Já o BTG Pactual, que no início de março tinha fechado parceria com o grupo EBX, ainda mantinha
recomendação de compra para OGX, segundo reportagem doValor publicada na ocasião.
Nem mesmo momentos-chave para a companhia no passado, com eventos que poderiam servir de alerta para
mudanças de percepção de risco, foram suficientes para reduzir o entusiasmo de algumas casas. Em abril de
2011, a certificadora DeGolyer & MacNaughton (D&M) divulgou relatório sobre as reservas potenciais da OGX,
com estimativas sobre recursos contingentes e grau de incerteza piores que as sinalizações, o que chegou a
provocar queda superior a 17% das ações em um só pregão.
Bradesco BBI e Itaú BBA, por exemplo, seguiram com recomendação "outperform" (desempenho acima da
média do mercado). Deutsche e BTG alteraram para "manutenção" e "neutro".
Mais tarde, os analistas foram confrontados com mais um episódio que poderia servir para a reavaliação do risco
embutido no projeto OGX. Em junho de 2012, a empresa informou que, após cinco meses de testes, passava a
trabalhar com um nível de produção em Tubarão Azul equivalente a um terço do volume mínimo indicado pela
própria companhia. As ações caíram nada menos que 40% em dois dias, chegando a R$ 5,05 em 28 de junho
daquele ano.
Mesmo reduzindo o preço-alvo em 46% e fazendo questão de expressar o desapontamento com o comunicado e o
"management" da empresa, os analistas Auro Rozenbaum e Bruno Varella, do Bradesco BBI, mantiveram a
recomendação "outperform". O otimismo também prevaleceu na análise do Itaú BBA, que continuou com
recomendação "outperform" na época, apesar da redução de 30% no preço projetado para a ação.
Ainda na ocasião, o Santander alterou a indicação de compra para manutenção e introduziu preço-alvo para o
fim de 2013 40% menor que o projetado para 2012. O Deutsche também revisou duas vezes consecutivas suas
previsões. Na primeira, cortou o preço em 66%, de R$ 18 para R$ 6, e na segunda, para R$ 4, passando a indicar
venda dos papéis.
Mas há quem tenha remado contra a corrente. No caso da OGX, a figura mais emblemática é a do analista Frank
McGann, do BofA Merrill Lynch. Embora tenha iniciado a cobertura com indicação de compra, como seus pares,
ainda em 2008 o analista passou a indicar a venda do papel. A maior desconfiança das perspectivas otimistas
passadas pela empresa custaram caro para a até então Merrill Lynch. A instituição ficou de fora do mandato para
participar do IPO da OGX, pelo fato de McGann se negar a chancelar a avaliação sugerida pelos demais bancos à
época, conforme mostrou reportagem do Valor em julho. Atualmente, o BofA classifica a empresa como
"underperform" (desempenho abaixo da média do mercado) e tem preço-alvo de R$ 0,10.
Fernando Bevilacqua e Fanchin, analista da Rio Bravo dedicado à seleção de ações para os fundos da casa, faz
uma ressalva e diz que, no caso da OGX, a responsabilidade pelos acontecimentos não foi exclusividade dos
analistas, mas contou com falhas da própria empresa ao divulgar dados mais promissores que os confirmados. O
presidente da Apimec-SP, Ricardo Tadeu Martins, concorda, mas admite que o profissional que atua como
analista deve estar preparado para ter visão crítica.
"O analista deve criticar construtivamente as premissas que lhe são passadas, mas, por outro lado, a
profundidade que tem lhe impede de apurar com certeza toda informação", diz Martins, ele próprio analista da
Planner Corretora.
Na visão do presidente da Associação de Investidores no Mercado de Capitais (Amec), Mauro Rodrigues da
Cunha, quando lê um relatório, o investidor precisa entender a análise, o que não é tarefa fácil para a pessoa
física. Não à toa, Cunha defende que a maior parte desse público estaria melhor atendido com um fundo de
investimentos em ações, e prega a educação financeira como a melhor solução para a questão.
Daniel Resende, diretor do site Comparação de Fundos, diz acreditar que os investidores não têm condições de
analisar relatórios e ficam praticamente nas mãos de um mercado que costuma caminhar no mesmo sentido. "É
como um exército de zumbis, com todo mundo andando para o mesmo lado", afirma. Mas em geral, diz Resende,
o investidor costuma "perdoar" indicações erradas dadas por analistas, levando em consideração um evento
imprevisto.
Salvo no caso de comprovada conduta ilegal do analista, como má fé ou omissão de situações de conflito de
interesses, não há como responsabilizá-lo por um julgamento errado, diz o advogado Jairo Saddi, doutor em
direito econômico e professor do Insper. "O mercado é que deveria buscar mecanismos para premiar ou punir
analistas." Como? Com reputação, responde. "Quem faz recomendações sistematicamente erradas deveria perder
credibilidade."
Saddi faz mais um alerta para o investidor: ler os relatórios com a reserva que eles merecem e buscar formar uma
opinião independente, sem se basear apenas no preço-alvo, que não deixa de ser um chute. Segundo ele, é
preciso desconfiar da qualidade das estimativas e, se não entender do mercado, o melhor a fazer é ficar de fora.
http://www.valor.com.br/financas/3259288/otimismo-fatal
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