Falcão:‘O juiz ausente é um funcionário público que falta ao trabalho’
Sucessor de Eliana Calmon na Corregedoria do CNJ quer magistrados no interior
Francisco Falcão, novo corregedor do CNJAGÊNCIA O GLOBO / GUSTAVO MIRANDA
RIO - O novo corregedor do Conselho Nacional de Justiça, Francisco Falcão, se lembra do tempo
em que o pai, Djaci, cumpria longas temporadas como juiz no interior pernambucano. O exemplo
do pai, que chegou a presidir o STF, inspira Falcão na primeira medida no cargo que assumiu em
setembro. Ele promete jogar duro com o juiz gazeteiro, que só aparece duas ou três vezes por
semana para trabalhar.
Logo após assumir a Corregedoria do CNJ, o senhor negou que faria uma gestão mais moderada do
que a da antecessora, a ministra Eliana Calmon, famosa pela dureza contra os “bandidos de toga”. O
senhor chegou a dizer que muita gente sentirá “saudades da Eliana”. Na prática, o que deixará as
pessoas saudosas?
Estou começando a definir a agenda, mas já acertei uma viagem à Paraíba no dia 31. O motivo é
relevante. Em parceria com a Corregedoria de Justiça do estado, vamos lançar um programa que
obrigará os juízes de cidades do interior a marcar audiências preferencialmente às segundas e
sextas-feiras. Queremos garantir a presença do magistrado na comarca. Fazendo isso, nós o
obrigamos a passar a semana inteira ali, e não apenas dois ou três dias, como ocorre com
frequência.
O senhor teme reação corporativa?
De modo algum. A presença na comarca, de segunda a sexta-feira, é obrigação de todos os juízes,
prevista na Lei Orgânica da Magistratura. Meu pai, Falcão, que presidiu o Supremo, foi juiz de
comarca. Ele morava nas cidades. Levava a família. Hoje, as queixas sobre o problema são
recorrentes. Se existem alguns casos de descumprimento, as corregedorias locais devem agir para
punir os maus magistrados. O juiz ausente é um funcionário público que falta ao trabalho. E quem
perde é a sociedade, os advogados que viajam horas e horas, chegam lá e não encontram ninguém.
Alguma razão especial pela escolha da Paraíba?
Vamos começar por lá pois tivemos a boa vontade do Tribunal de Justiça local, mas outros estados
também enfrentam o mesmo problema. Sendo assim, a meta é ampliar o programa para todo o
Brasil, sempre agindo em parceria com os Judiciários estaduais. Às corregedorias caberá monitorar
as audiências.
O senhor citou o exemplo de seu pai. O que lembra dessa época?
Como juiz de comarca, entre as décadas de 1940 e 1950, ele passou por municípios como Serrita,
São Joaquim do Monte, Caruaru, Triunfo e Paulista, em Pernambuco. Onde ele esteve, fez questão
de morar na própria cidade. Primeiro, solteiro. Depois, com a família. Em uma delas, recusou-se a
aceitar a casa cedida por uma família abastada. Pagava o aluguel. Quando nasci, ele trabalhava em
Paulista, onde passamos quatro anos com raras idas à capital. Ele só viajava a Recife a cada seis
meses ou um ano.
O senhor disse que agirá sempre em parceria com as corregedorias locais. Isso pode ser entendido
como uma diferença da gestão anterior, marcada por confrontos entre Eliana Calmon e os tribunais
estaduais?
Volto a dizer que não haverá diferença. Fiz poucas mudanças. Dos setes juízes auxiliares, três
trabalharam com ela. Os demais saíram por motivos alheios à minha vontade. Eu diria apenas que
sou pessoa mais discreta. Falo pouco, mas reafirmo: corre-se o risco de sentir saudades da Eliana.
Evidentemente, não vou condenar ninguém antes do julgamento nem vou quebrar sigilo de
ninguém. Mas defendo que nenhuma autoridade pública deva ter sigilo bancário ou fiscal.
Que outras questões terão prioridade no início da gestão?
O programa “Mutirão do Juri”, para desafogar os tribunais de juri. Vamos começar por Jaboatão
dos Guararapes, município em Pernambuco, onde há 2.400 processos a serem julgados. Isso
representa uma quantidade expressiva de criminosos soltos. Sempre com a colaboração da Justiça
local, pretendemos mobilizar de 30 a 40 juízes para reduzir o estoque de ações. Localizada na
região metropolitana de Recife, Jaboatão é um celeiro do crime. A Justiça precisa entrar ali para
mostrar a sua mão forte. Mas não faremos só em Pernambuco. A pedido do governador de São
Paulo, Geraldo Alckmin, preocupado com a escalada da criminalidade, São Paulo terá o seu mutirão
do júri logo após as eleições.
Como o senhor disse que as mudanças na Corregedoria do CNJ serão poucas, pretende contar com a
contribuição de sua antecessora?
Assim que a ministra Eliana Calmon voltar de viagem, quero propor uma parceria com a Escola
Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam), agora dirigida por ela. O
objetivo é preparar as corregedorias menores, padronizar as ações, pois elas têm pouca noção sobre
como começar um procedimento administrativo.
O CNJ, ao fazer isso, quer reduzir seu protagonismo nos processos disciplinares?
Fortalecendo as corregedorias, a ideia é descentralizar o trabalho. O Conselho Nacional de Justiça,
como órgão nacional, tem que cuidar das questões macro, as mais importantes. No início de
novembro, haverá um fórum de corregedorias. Levaremos essa posição. A ideia é delegar, quando
se tratar de pequenos problemas, e dar um prazo. Fizemos isso recentemente com a Corregedoria de
Goiás. Fixamos um prazo de 60 dias. Se o problema não é resolvido, aí entramos e agimos. Mas há
casos em que só a Corregedoria do CNJ tem condições de resolver. Em breve, começaremos a atuar
a pedido de um estado.
Já que o senhor citou prazos, a pergunta é inevitável: o que mais o CNJ pode fazer para enfrentar a
morosidade do Judiciário?
Uma das metas diz respeito às execuções fiscais. Não é possível que um processo deste tipo demore
mais a tramitar do que a ação principal. A parte vitoriosa ganha, mas não leva, e isso inclui
municípios, estados e União. No Rio de Janeiro, o Tribunal de Justiça, preocupado com a questão,
deu prioridade no processamento das execuções e está promovendo mutirões de julgamento. É uma
experiência que eu pretendo levar para outros estados, mas sempre em parceria.
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