CMYK Editora: Ana Paula Macedo [email protected] 3214-1195 • 3214-1172 / fax: 3214-1155 14 • CORREIO BRAZILIENSE • Brasília, sábado, 8 de agosto de 2015 Cientistas constatam que, a cada cinco anos de ingestão do contraceptivo, há uma redução de 25% na chance de surgimento do tumor. Oncologistas ponderam que o medicamento deve ser usado com orientação Pílula evita câncer do endométrio a década de 1950, o endocrinologista Gregory Pincus e o ginecologista John Rock iniciaram testes com um medicamento que revolucionou a forma como a mulher se relaciona com a própria sexualidade: a pílula anticoncepcional. Inicialmente, a ideia era apenas impedir a gravidez. Mas estudos conduzidos nos anos seguinte revelaram mais sobre os efeitos da substância: além de aliada da independência feminina, o remédio que chegou ao mercado em 1960 trouxe benefícios extras à saúde, como o alívio dos sintomas do ovário policístico. Um dos mais recentes trabalhos nesse sentido indica que a pílula também protege contra o câncer de endométrio até mesmo depois que as mulheres deixam de usá-la. Especialistas, porém, ressaltam que a ingestão dela, com efeitos negativos também comprovados, demanda orientação médica. A recente descoberta, detalhada na última edição da revista The Lancet Oncology e resultado de uma colaboração internacional de pesquisadores, é uma notícia especialmente boa para mulheres que fazem — ou estão prestes a fazer — parte da população idosa: raro em jovens, o câncer endometrial se torna frequente à medida que a idade avança. Para investigar a associação entre a ingestão de contraceptivos orais e o risco para a doença, os autores reuniram e analisaram 36 estudos epidemiológicos, totalizando dados de 27.276 casos de câncer endometrial. A idade média das mulheres estudadas foi de 63 anos. Os pesquisadores notaram que, quanto maior o tempo de uso de anticoncepcionais orais, maior a redução no risco de câncer de endométrio. Para se ter uma ideia, cinco anos de ingestão estão associados à N Duas perguntas para Nunca ter tido filhos é um fator de risco para o câncer de endométrio? As mães, na realidade, têm menos chances (de ter a doença) porque, durante a gravidez, ficam livres de estímulos hormonais no endométrio que podem provocar esse câncer. Os verdadeiros fatores de risco são obesidade, diabetes, colesterol e triglicérides altos. redução de um quarto nas chances de a mulher desenvolver a neoplasia. E mais: o efeito protetor persiste por mais de 30 anos após a medicação ser interrompida. “O forte efeito protetor dos contraceptivos orais contra o câncer de endométrio e que persiste por décadas após a interrupção da pílula indica que as mulheres que o usaram na faixa dos 20 anos ou até mais jovens continuam a se beneficiar em seus 50 anos ou mais, quando a doença se torna mais comum”, observa Valerie Beral, principal autora do estudo e docente da Universidade de Oxford, no Reino Unido. Não se pode prescrever o contraceptivo apenas com esse intuito protetivo porque é uma droga que tem efeitos colaterais. Há, por exemplo, o bem conhecido risco de trombose e embolia” Mariana dos Santos Barbosa, oncologista Qualquer dosagem Como as pacientes estudadas começaram a ingerir o medicamento nos anos de 1960, 1970 e 1980, os autores cogitaram que o efeito protetivo poderia ser reflexo das alterações na composição hormonal das pílulas. Desde os primeiros anticoncepcionais, as doses de estrogênio têm diminuído sensivelmente. Embora poucos estudos forneçam informações sobre os componentes hormonais das pílulas iniciais, sabe-se que as disponíveis na década de 1960 continham, em geral, concentrações muito mais elevadas de estrogênio do que as vendidas 20 anos depois. Ao longo do estudo, porém, os cientistas notaram que não houve diferença aparente no risco de desenvolvimento de tumores entre as participantes do estudo conforme a geração de pílulas ingeridas. Os resultados indicaram que a dose inferior de estrogênio nas pílulas é suficiente para reduzir a incidência de câncer do endométrio. Na pesquisa, a relação entre o declínio no risco de desenvolvimento de câncer de endométrio e o maior tempo de uso do medicamento não variou conforme uma lista grande de características das participantes: índice de massa corporal (IMC), realização de reposição hormonal na menopausa, idade da primeira menstruação, tabagismo, origem étnica e ingestão de álcool. Os efeitos protetivos foram mais acentuados, porém, em países de renda maior, o que se deve ao fato de que essas nações têm mais idosos e, portanto, mais pessoas com risco de ter câncer, acreditam os pesquisadores. Nas regiões mais ricas, observou-se que 10 anos de pílula reduziram o risco absoluto de câncer endometrial antes dos 75 anos em quase 50%. Nas mulheres que nunca ingeriram o medicamento, a incidência era de 2,3% de casos a cada 100, enquanto entre aquelas que tomavam contraceptivos, de 1,3 caso a cada 100 mulheres. Cautela Mariana dos Santos Barbosa, médica oncologista da Oncomed Belo Horizonte, explica que, apesar de merecerem destaque, os resultados devem “ser interpretados com cautela”. Segunda ela, como qualquer outro medicamento, a pílula anticoncepcional deve ser prescrita e utilizada com responsabilidade. “Embora seja uma redução de 50%, em termos absolutos, é pequena. Não se pode prescrever o contraceptivo apenas com esse intuito protetivo porque é uma droga que tem efeitos colaterais. Há, por exemplo, o bem conhecido risco de trombose e embolia”, ressalta a também médica do Instituto Mario Penna, referência para tratamento de câncer na capital mineira. Em comparação aos primeiros contraceptivos, as pílulas atuais oferecem menos riscos. Os pioneiros, criados à base de estrogênio, até aumentavam o risco para o câncer de endométrio. Porém, a combinação com a progesterona conseguiu quebrar o efeito adverso, conta a oncologista. Mariana Barbosa alerta que as melhorias na composição não excluem a droga dos riscos inatos de qualquer medicação. Estudos também recentes encontraram indícios de relação entre a ingestão do medicamento e o aparecimento do câncer de mama.“Não há nada provado, e a terapia de reposição hormonal é realmente a que apresenta uma correlação mais forte”, pondera. Luiz Antônio Bruno, do Instituto do Câncer do Sistema de Saúde Mãe de Deus, em Porto Alegre, reforça que os achados não podem servir de ferramenta para a recomendação da ingestão indiscriminada do anticoncepcional em todas as mulheres em idade fértil. “Apresenta-se como um ‘colateral favorável’ para aquelas que têm indicação precisa dessa forma de evitar a gestação. Por outro lado, para as mulheres com história familiar importante de câncer de endométrio, o uso como diminuição de risco poderá ser recomendado, mas isso necessitará de uma avaliação por estudos prospectivos”, avalia o oncologista. EVANIUS WIERMANN, PRESIDENTE DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE ONCOLOGIA CLÍNICA (SBOC) Infelizmente, não existe exame que detecte esse tipo de neoplasia, e a mulher descobre na menopausa, quando sofre um sangramento incomum. Isso também não significa que qualquer sangramento será câncer. Além disso, o aparecimento dessa doença não tem nada a ver com endometriose, que é a presença do tecido interno do útero, o endométrio, CMYK » ISABELA DE OLIVEIRA em outras regiões do corpo. Pode ser em qualquer lugar, até no pulmão. Ao menstruar, a mulher sangra também em regiões onde não deveria. Então, para ficar livre de possíveis danos a longo prazo, o recomendável é que elas usem a pílula? Nada nessa vida sai de graça, tudo tem seu custo. Dados indicam a redução da incidência de câncer de endométrio, ovário e até o câncer de cólon, mas outros apontam que as pacientes têm mais risco de evento cardiovascular. Quando a medicação é prescrita, tem a clara intenção de prevenir a gestação, e um dos ganhos adicionais é a redução de risco para câncer de endométrio. Isto é somente um plus, não uma finalidade. Infelizmente, as que têm mais risco desse tumor são justamente as com mais chance para trombose: as diabéticas, as obesas e as com síndrome metabólica. Por isso, é preciso conversar com o médico antes de qualquer coisa, pois várias variantes devem ser levadas em consideração.