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14 • CORREIO BRAZILIENSE • Brasília, sábado, 8 de agosto de 2015
Cientistas constatam que, a cada cinco anos
de ingestão do contraceptivo, há uma redução
de 25% na chance de surgimento do tumor.
Oncologistas ponderam que o medicamento
deve ser usado com orientação
Pílula evita câncer
do endométrio
a década de 1950, o endocrinologista Gregory Pincus e o ginecologista John
Rock iniciaram testes com
um medicamento que revolucionou a forma como a mulher se relaciona com a própria sexualidade: a
pílula anticoncepcional. Inicialmente, a ideia era apenas impedir a
gravidez. Mas estudos conduzidos
nos anos seguinte revelaram mais
sobre os efeitos da substância: além
de aliada da independência feminina, o remédio que chegou ao mercado em 1960 trouxe benefícios extras à saúde, como o alívio dos sintomas do ovário policístico.
Um dos mais recentes trabalhos
nesse sentido indica que a pílula
também protege contra o câncer de
endométrio até mesmo depois que
as mulheres deixam de usá-la. Especialistas, porém, ressaltam que a
ingestão dela, com efeitos negativos
também comprovados, demanda
orientação médica. A recente descoberta, detalhada na última edição
da revista The Lancet Oncology e resultado de uma colaboração internacional de pesquisadores, é uma
notícia especialmente boa para
mulheres que fazem — ou estão
prestes a fazer — parte da população idosa: raro em jovens, o câncer
endometrial se torna frequente à
medida que a idade avança.
Para investigar a associação entre a ingestão de contraceptivos
orais e o risco para a doença, os autores reuniram e analisaram 36 estudos epidemiológicos, totalizando
dados de 27.276 casos de câncer endometrial. A idade média das mulheres estudadas foi de 63 anos. Os
pesquisadores notaram que, quanto maior o tempo de uso de anticoncepcionais orais, maior a redução no risco de câncer de endométrio. Para se ter uma ideia, cinco
anos de ingestão estão associados à
N
Duas perguntas para
Nunca ter tido filhos é um fator de
risco para o câncer de endométrio?
As mães, na realidade, têm menos
chances (de ter a doença) porque, durante a gravidez, ficam livres de estímulos hormonais no endométrio que podem provocar esse câncer. Os verdadeiros fatores de risco são obesidade,
diabetes, colesterol e triglicérides altos.
redução de um quarto nas chances
de a mulher desenvolver a neoplasia. E mais: o efeito protetor persiste
por mais de 30 anos após a medicação ser interrompida.
“O forte efeito protetor dos contraceptivos orais contra o câncer de
endométrio e que persiste por décadas após a interrupção da pílula
indica que as mulheres que o usaram na faixa dos 20 anos ou até
mais jovens continuam a se beneficiar em seus 50 anos ou mais, quando a doença se torna mais comum”,
observa Valerie Beral, principal autora do estudo e docente da Universidade de Oxford, no Reino Unido.
Não se pode prescrever
o contraceptivo apenas
com esse intuito
protetivo porque é uma
droga que tem efeitos
colaterais. Há, por
exemplo, o bem
conhecido risco de
trombose e embolia”
Mariana dos Santos Barbosa,
oncologista
Qualquer dosagem
Como as pacientes estudadas
começaram a ingerir o medicamento nos anos de 1960, 1970 e
1980, os autores cogitaram que o
efeito protetivo poderia ser reflexo
das alterações na composição hormonal das pílulas. Desde os primeiros anticoncepcionais, as doses de
estrogênio têm diminuído sensivelmente. Embora poucos estudos
forneçam informações sobre os
componentes hormonais das pílulas iniciais, sabe-se que as disponíveis na década de 1960 continham,
em geral, concentrações muito
mais elevadas de estrogênio do que
as vendidas 20 anos depois.
Ao longo do estudo, porém, os
cientistas notaram que não houve
diferença aparente no risco de desenvolvimento de tumores entre as
participantes do estudo conforme
a geração de pílulas ingeridas. Os
resultados indicaram que a dose inferior de estrogênio nas pílulas é
suficiente para reduzir a incidência
de câncer do endométrio.
Na pesquisa, a relação entre o
declínio no risco de desenvolvimento de câncer de endométrio e o
maior tempo de uso do medicamento não variou conforme uma
lista grande de características das
participantes: índice de massa corporal (IMC), realização de reposição
hormonal na menopausa, idade da
primeira menstruação, tabagismo,
origem étnica e ingestão de álcool.
Os efeitos protetivos foram mais
acentuados, porém, em países de
renda maior, o que se deve ao fato de
que essas nações têm mais idosos e,
portanto, mais pessoas com risco de
ter câncer, acreditam os pesquisadores. Nas regiões mais ricas, observou-se que 10 anos de pílula reduziram o risco absoluto de câncer endometrial antes dos 75 anos em
quase 50%. Nas mulheres que nunca ingeriram o medicamento, a incidência era de 2,3% de casos a cada
100, enquanto entre aquelas que tomavam contraceptivos, de 1,3 caso a
cada 100 mulheres.
Cautela
Mariana dos Santos Barbosa,
médica oncologista da Oncomed
Belo Horizonte, explica que, apesar
de merecerem destaque, os resultados devem “ser interpretados com
cautela”. Segunda ela, como qualquer outro medicamento, a pílula
anticoncepcional deve ser prescrita e utilizada com responsabilidade. “Embora seja uma redução de
50%, em termos absolutos, é pequena. Não se pode prescrever o
contraceptivo apenas com esse intuito protetivo porque é uma droga
que tem efeitos colaterais. Há, por
exemplo, o bem conhecido risco
de trombose e embolia”, ressalta a
também médica do Instituto Mario
Penna, referência para tratamento
de câncer na capital mineira.
Em comparação aos primeiros
contraceptivos, as pílulas atuais oferecem menos riscos. Os pioneiros,
criados à base de estrogênio, até aumentavam o risco para o câncer de
endométrio. Porém, a combinação
com a progesterona conseguiu quebrar o efeito adverso, conta a oncologista. Mariana Barbosa alerta que as
melhorias na composição não excluem a droga dos riscos inatos de
qualquer medicação. Estudos também recentes encontraram indícios
de relação entre a ingestão do medicamento e o aparecimento do câncer de mama.“Não há nada provado,
e a terapia de reposição hormonal é
realmente a que apresenta uma correlação mais forte”, pondera.
Luiz Antônio Bruno, do Instituto
do Câncer do Sistema de Saúde Mãe
de Deus, em Porto Alegre, reforça
que os achados não podem servir
de ferramenta para a recomendação da ingestão indiscriminada do
anticoncepcional em todas as mulheres em idade fértil. “Apresenta-se
como um ‘colateral favorável’ para
aquelas que têm indicação precisa
dessa forma de evitar a gestação.
Por outro lado, para as mulheres
com história familiar importante de
câncer de endométrio, o uso como
diminuição de risco poderá ser recomendado, mas isso necessitará
de uma avaliação por estudos prospectivos”, avalia o oncologista.
EVANIUS WIERMANN, PRESIDENTE DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE ONCOLOGIA CLÍNICA (SBOC)
Infelizmente, não existe exame que detecte esse tipo de neoplasia, e a mulher
descobre na menopausa, quando sofre
um sangramento incomum. Isso também não significa que qualquer sangramento será câncer. Além disso, o aparecimento dessa doença não tem nada a ver
com endometriose, que é a presença do
tecido interno do útero, o endométrio,
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» ISABELA DE OLIVEIRA
em outras regiões do corpo. Pode ser
em qualquer lugar, até no pulmão. Ao
menstruar, a mulher sangra também
em regiões onde não deveria.
Então, para ficar livre de possíveis
danos a longo prazo, o recomendável
é que elas usem a pílula?
Nada nessa vida sai de graça, tudo
tem seu custo. Dados indicam a redução da incidência de câncer de endométrio, ovário e até o câncer de cólon,
mas outros apontam que as pacientes
têm mais risco de evento cardiovascular. Quando a medicação é prescrita, tem a clara intenção de prevenir a
gestação, e um dos ganhos adicionais
é a redução de risco para câncer de
endométrio. Isto é somente um plus,
não uma finalidade. Infelizmente, as
que têm mais risco desse tumor são justamente as com mais chance para trombose: as diabéticas, as obesas e as com
síndrome metabólica. Por isso, é preciso conversar com o médico antes de
qualquer coisa, pois várias variantes
devem ser levadas em consideração.
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Cientistas constatam que, a cada cinco anos de ingestão do