3 - REIVINDICANDO A FILIAÇÃO
“E caindo em si disse: ‘quantos empregados de meu pai têm pão com fartura, e eu aqui, morrendo
de fome! Vou-me embora, procurar o meu pai e dizer-lhe: Pai, pequei contra o céu e contra ti; já não
sou digno de ser chamado teu filho. Trata-me como um dos teus empregados” (Lc. 15,17-19).
Naquele momento crítico, o que foi que fez com que aquele jovem optasse pela vida?
Foi a descoberta do seu eu mais profundo.
O que quer que ele tivesse perdido – dinheiro, amigos, reputação, amor próprio, alegria interior e paz – ele
ainda continuava a ser o filho de seu pai.
Ele compreende que deixou de ser digno de sua filiação, mas ao mesmo tempo compreende que ele é, na
verdade, o filho detentor desse privilégio que pôs a perder. Sua volta ocorre exatamente quando ele reivindica sua filiação, apesar de ter perdido toda a dignidade que esta lhe conferia.
Na verdade, é a perda de todos os seus bens que o faz chegar ao mais baixo nível de sua identidade.
Parece que o filho pródigo tinha de perder tudo para entrar em contato com o seu ser. A miséria e a
solidão conduzem-no a olhar para dentro de si mesmo, a confrontar-se com o seu verdadeiro eu.
É no momento em que sua humilhação e degradação chegam ao grau máximo, quando não tinha
nenhum vínculo humano com ninguém, que o filho “caiu em si”.
“Primeiro o retorno a si mesmo e depois ao Pai” (S. Agostinho).
Quando percebeu que queria ser tratado como um dos porcos, entendeu que não era um porco, mas um
ser humano, um filho de seu pai. Esta experiência dolorosa, mas cheia de esperança, levou-o ao âmago do
seu ser e optou pela escolha certa.
“Eu te propus a vida ou a morte, a bênção ou a maldição. Escolhe, pois a VIDA, para que vivas tu e a tua
descendência, amando a Javé, teu Deus, obedecendo à sua voz e apegando-te a Ele” (Dt. 30, 19-20).
A trágica consequência de uma decisão tresloucada permitiu ao jovem examinar o passado e constatar a
insensatez de seu gesto. Tomar o caminho de volta para casa, reconciliar-se com o pai e recomeçar a vida,
com mais maturidade, foram decisões necessárias para quem chegou ao fundo do poço, sem qualquer
possibilidade de se degradar mais.
Tomar consciência da situação de perdição, refletir sobre ela e sobre si mesmo e reconhecer o próprio
pecado, são os primeiros passos no processo de “conversão”.
Também a experiência do fracasso, da humilhação, da solidão, das carências... podem ser o começo de
um processo de conversão que desembocará na experiência do amor.
Na parábola há um outro dado muito significativo. A palavra “pai” aparece 12 vezes no texto.
Ao contrário do filho mais velho, que nunca a pronuncia, o filho mais novo usa-a ao longo de todo o
relato. Podemos afirmar que a relação do filho mais novo com o pai nunca foi totalmente rompida.
A figura do pai nunca foi totalmente apagada da sua memória nem do seu coração. Por isso a encontrou
lá quando olhou para o mais profundo de si mesmo.
A lembrança do pai foi o começo do fim da sua perdição; foi o começo de um novo nascimento, de uma
vida nova a comunhão e na alegria.
Uma vez que entrou novamente em contato com a realidade de sua filiação, ele podia sentir – embora à
distância – o toque da bênção. Essa certeza e confiança no amor do pai deu-lhe força para suplicar os
seus direitos de filho, apesar de desprovido de qualquer mérito.
No discurso da volta, apesar de reivindicar sua verdadeira identidade como filho do pai, o jovem ainda
vive como se o pai, a quem retorna, lhe exigisse uma explicação.
Ele pensa no amor do pai como condicional e na morada como um lugar do qual não está muito certo.
Ainda se apoiando no seu conceito de pouca valia, escolhe para si um lugar bem abaixo ao que pertence ao
filho. Enquanto prepara respostas, ele alimenta dúvidas sobre se será bem recebido quando lá chegar, ele
ainda não está plenamente preparado para crer que a “graça é ainda maior”.
Acreditar no perdão completo, absoluto, não ocorre prontamente.
Na oração: vida ou morte: tal escolha está sempre diante de nós.
Constantemente nos sentimo tentados a chafurdar-nos em nossa miséria e a nos desligar da
graça, da nossa filiação, da bênção fundamental... Lá, na nossa solidão, começamos a caminhar em direção à
casa, devagar e vacilante, ouvindo ainda mais claramente a voz que diz:
“Você é o filho bem-amado; sobre você recai todo o meu carinho”.
Pedir a graça: - pedir a graça de descobrir que a conversão consiste em voltar para junto do Pai.
FONTE: CEI-JESUÍTAS - Centro de Espiritualidade Inaciana
Rua Bambina, 115 - Botafogo – RJ – 22251-050
[email protected] / www.ceijesuitas.org.br
Download

Reinvindicando a filiação - Centro de Espiritualidade Inaciana