A ERGONOMIA NO DESIGN DA MODA
A Ergonomia, numa acepção ampla, tem como objetivo a busca da melhor
adequação possível do objeto aos seres vivos em geral. Sobretudo no que se
refere à segurança, ao conforto e à eficácia de uso, de funcionalidade e de
operacionalidade dos objetos – mais particularmente nas atividades e tarefas
humanas. Nesse contexto, a palavra objeto assume a significação de coisas de
modo geral. Contempla, portanto, todos os produtos ou sistemas de produtos,
desde os mais simples aos mais complexos ou sistêmicos.
No que se referem ao design da moda, os conhecimentos da ergonomia
relativos à sua metodologia projetual são absolutamente necessários e sua
aplicação contempla um imenso universo de produtos que configuram o vestuário
e seus acessórios complementares e concorre como um instrumental valioso para
a melhor adequação desses produtos aos seus usuários consumidores.
Devido a essa grande abrangência, vamos deter-nos em alguns exemplos
demonstrativos pontuais da aplicação da ergonomia, mas que podem ser
extrapolados para muitos outros, contemplando dois tipos de vestuário, o
convencional e o profissional.
Vestuário convencional
Um dos exemplos mais importantes da utilização da ergonomia é o das
roupas íntimas, nas quais as soluções ergonômicas inteligentes são as mais
necessárias em termos de segurança, conforto e comodidade corporal, além da
facilidade do vestir.
Diz respeito, principalmente ao correto dimensionamento e especificação
dos tecidos e de outros materiais e, como é óbvio, ao próprio design dos diversos
modelos, peças e aviamentos que configuram esses tipos de vestimenta.
São peças usadas por pessoas com biótipos e percentis antropométricos
(critério utilizado para classificar as dimensões do corpo humano para diferentes
tamanhos) extremamente variáveis e com características corporais que mudam
significativamente nas passagens para a adolescência, idade adulta e provecta,
com diferenças significativas em termos de volume corporal – destacando-se
especialmente as transformações relativas às nádegas, pernas e seios.
Esses dados ergonômicos, por sua vez, vão influenciar o design dessas roupas,
consubstanciados em grande variedade de tipos de produtos como, por exemplo,
os sutiãs em seus formatos taça, 1/2 taça, triangular e outros.
Os sutiãs apresentam funções diversas: de simples proteção física; para
aumento do volume do seio - enchimento no bojo de pano, de água, de óleo;
estruturado com arame etc.; para amamentação (sutiã que se abre na frente, em
parte ou totalmente); e até os especiais, com outras finalidades como, por
exemplo, os apropriados para cumprir funções eróticas.
Complementando o sutiã, as alças (retas, cruzadas, transparentes,
removíveis e outras) apresentam também variadas características, como, além de
seu próprio formato, vários tipos de dispositivos de fixação, ajustes e regulagens,
que permitem o uso de diferenciados decotes nas roupas.
Guardadas as devidas proporções, as mesmas considerações ergonômicas
se aplicam a cuecas, calções e sungas, também configurados em diferentes
modelos e cumprindo diferenciadas funções. Em todos esses exemplos, o design
dessas peças deve apresentar soluções de configuração segura, confortável e,
sobretudo, funcional, independentemente do estilo estético formal.
Outro exemplo de vestuário convencional e rico de aplicação da ergonomia
diz respeito às calças de modo geral. Aqui se destacam estudos e soluções
ergonômicas que devem estar integrados naturalmente às funções de uso,
operacionais e estéticas, de que são exemplos:
• na modelagem, que implica principalmente os aspectos de correta adequação de
dimensionamento de perna, coxa, quadril, cintura, gancho, cavalo;
• na funcionalidade, que implica uma série de itens, entre os quais podem ser
citados a definição formal, a quantidade, o tamanho, o dimensionamento e a
localização de bolsos;
• nos passantes, que implica a definição de quantidade, do tamanho e
posicionamento deles, em função de diferentes tipos de cintos;
• nos aviamentos, que implica a correta escolha e especificação de tipos de
colchetes, tecido de velcro, botões e zíperes para abertura e fechamento;
• no conceito de flexibilidade de uso, como as calças que podem ser
transformadas em bermudas.
Vestuário profissional
Composto de uniformes, macacões, fardas, aventais etc. (em muitos casos,
complementados por acessórios e dispositivos especiais), estes se caracterizam
por vestimenta própria para as atividades de determinada profissão.
Supre principalmente necessidades de proteção e segurança operacional
ou ainda qualquer outra necessidade que tenha como objetivo um vestuário
comum para determinados indivíduos ou classe de indivíduos e, nesse sentido, os
tipos e variedades de trajes são incontáveis, justamente por servirem para uso em
inúmeras atividades sociais, culturais, esportivas e de trabalho principalmente.
A aplicação da ergonomia neste tipo de vestuário é intensa, justamente pelo
fato de ser uma roupa predominantemente funcional. Seu design implica uma
série de fatores, muito deles altamente científicos e tecnológicos.
Em síntese, o design do traje profissional - desde os mais simples aos mais
complexos - deve ser pensado inicialmente em função de sua adequação
funcional à ocupação do usuário. De modo geral, sempre dependendo da tarefa,
pode ser conferido ao traje informações como as de identificação pessoal,
funcional ou institucional, de características técnicas, de uso etc; provisão de
bolsos, alças, ganchos, engates especiais, locais para a eventual guarda de
pertences como ferramentas, instrumentos e outros acessórios ou dispositivos
estratégicos necessários para facilitar o trabalho operacional, de que são amostras
os uniformes utilizados nas corporações militares; por trabalhadores na indústria,
no campo e na construção civil; nas atividades esportivas, de transporte, de
exploração espacial, e assim por diante.
Evidentemente, em alguns casos, o designer necessita trabalhar ou contar
com o auxílio de outros profissionais na busca de informações para complementar
seu trabalho projetual.
No caso de mergulhadores, pilotos de fórmula um e astronautas, por
exemplo, os trajes são projetados cientificamente e ajustados individualmente,
contemplando as características não só antropométricas como também as que se
ligam a dispositivos específicos e necessários aos trajes, em função do meio
ambiente e da natureza da tarefa que vão desempenhar.
Somados aos dois tipos de vestuário, existem os aviamentos (botões,
zíperes, colchetes, lacres, etiquetas, velcro, linhas de costura etc.) que são peças
geralmente intrínsecas e integradas às próprias roupas. Os acessórios
complementares são compostos de uma infinidade de itens: calçados, cintos,
relógios, jóias e bijuterias, chapéus, bonés, gorros, capacetes, gravatas,
suspensórios, cachecol, luvas e muitos outros. No caso do vestuário profissional,
há muitos e diversificados dispositivos de uso e operacionais, que auxiliam no
desempenho das diversas tarefas inerentes a cada tipo de atividade.
É importante salientar que, particularmente no que se refere aos itens de
aviamentos, de acessórios complementares e de dispositivos especiais, a
ergonomia já se encontra disseminada e aplicada por meio da metodologia de
concepção e desenvolvimento do projeto na especialidade do Design do Produto.
Uma referência importante que deve ser lembrada diz respeito ao talento e
à criatividade que o designer deverá possuir para articular e conciliar as soluções
ergonômicas com uma série de atributos relacionados ao design da moda, tais
como os padrões e estilos estético-formais de aparência, desempenho,
estabilidade, segurança e outros ligados principalmente à escolha e especificação
dos materiais (por exemplo, tecidos resistentes, duráveis, impermeáveis, flexíveis,
transpiráveis), aviamentos e processos e métodos de confecção.
Outra referência fundamental é a constatação de que a indústria do
vestuário atende a uma população de usuários, femininos e masculinos, composta
de bebês, crianças, jovens, adultos e idosos. São indivíduos que apresentam
dados antropológicos, antropométricos (medidas lineares e volumétricas) e
biótipos (endomorfo, mesomorfo e ectomorfo, e suas combinações) extremamente
diversificados e com características corporais que variam significativamente.
Tais variações atualmente podem ser contornadas graças a estudos
antropométricos (com dados estatísticos e dinâmicos) classificados de acordo com
percentis específicos para cada tipo de indivíduo, tabelados em publicações
ergonômicas.
A aplicação da ergonomia pressupõe também conhecimento, estudo,
pesquisa e, sobretudo, experimentos (básico para correções e ajustes necessários
- essenciais para produção seriada em grande escala) que devem fazer parte do
repertório cultural do designer na utilização de seus principais conceitos, critérios,
parâmetros, procedimentos e normas para orientação, concepção e
desenvolvimento do produto.
Em resumo, os produtos para o vestuário devem ser concebidos e
fabricados industrialmente com a correta aplicação da ergonomia, com destaque
importante para os moldes e modelos confeccionados a partir de faixas
dimensionais estabelecidas segundo os critérios mencionados (geralmente
resultantes de complexos cálculos estatísticos no tratamento de uma dada
amostragem de população de usuários).
Por último destacamos que, apesar da ergonomia exercer papel importante
no projeto da vestimenta sua aplicação pode, eventualmente, ensejar um maior
grau de flexibilidade no rigor de sua utilização. Isto muitas vezes acontece devido
a uma maior prioridade conferida pelos designers ao estilo estético-formal das
roupas e de outros fatores de ordem informacional, simbólica, semiótica ou
emocional, que no final podem acabar predominando sobre os fatores funcionais
de uso do vestuário.
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