1 Seria a legislação o melhor caminho? Uma melhor maneira de combate à pirataria Almerindo Mendes Lana Caio Cesar Teixeira Rocha Daniel do Nascimento Coelho Rodrigo Modenesi Fonseca Fabrício Eduardo Bortot Coelho Universidade Federal de Minas Gerais No presente artigo, serão apresentados dois pontos de vista sobre o combate ao compartilhamento de conteúdo proprietário na internet, considerada pirataria por um grupo e fonte de renda por outro. Para tanto, são apresentados fatos recentes referentes a implementação de leis que restringem a liberdade na internet como forma de acabar com a pirataria. Em seguida, são expostos argumentos contrários a essa corrente de pensamento, demonstrando as idéias de empresários que enxergaram uma nova maneira de ganhar dinheiro como o compartilhamento de conteúdo na rede. Na linha de pensamento tradicional, o combate à pirataria se faz um assunto frequente, presente desde em fóruns de discussão na internet até câmaras legislativas e parlamentares de vários países. Assim, as tentativas mais recentes de combate à pirataria em alguns países, como os Estados Unidos, têm se concentrado na elaboração de leis que combatam severamente o compartilhamento de arquivos pela rede, e que punam com rigidez os usuários que transgridam estas normas. Mundialmente conhecidas por siglas como SOPA, PIPA, ACTA e CISPA, as críticas a tais leis ganharam espaço em vários noticiários digitais, impressos e televisionados. Segundo a ElectronicFrontier Foundation (EFF), sociedade sem fins lucrativos que defende a liberdade dos usuários na internet, as medidas propostas por tais leis constituem uma agressão à liberdade do usuário[1]. Frequentemente, são relatados casos de usuários levados ao tribunal por compartilharem ou descarregarem ilegalmente algum 2 arquivo de direitos autorais reservados; um caso recente é o de Kywan Fisher, que foi condenado a pagar uma multa equivalente a US$ 1.500.000,00 por ter compartilhado 10 filmes que havia comprado legalmente da empresa Flava Works [2]. No entanto, em meio a calorosos debates e controvérsias, algumas teorias vêm conquistando espaço por defenderem uma solução que não envolva leis rígidas e penalidades severas, mas sim uma readequação do conteúdo oferecido e, sobretudo, de sua acessibilidade. Entre um bom número de correntes alternativas, talvez a que tenha ganhando maior projeção seja aquela que, baseada em estudos e estatísticas mais apuradas, revelam que a pirataria não é tão prejudicial quanto o divulgado por agências como a RIAA; em estudo recente, pesquisadores do Massachusetts Instituteof Technology (MIT) concluíram que os números divulgados de prejuízos com a pirataria são, em muitos casos, inflados e não correspondem à realidade [3] . Todavia, ainda que muito importante, esta corrente de estudos não aponta soluções ou alternativas de combate ao movimento de compartilhamento de arquivos. Uma possível solução, aparentemente mais simples e menos desgastante, diz respeito à maneira em que o conteúdo é disponibilizado aos usuários e coloca a acessibilidade como palavra chave para combater a pirataria. Defensores deste ponto de vista afirmam que a própria pirataria é um problema causado, em boa parte, pela má distribuição e limitada acessibilidade e praticidade do conteúdo. Esta teoria combate a ideia de que haja uma prédisposição das pessoas à pirataria, ou seja, de que mesmo possuindo recursos financeiros e meios plausíveis para comprar músicas e filmes legalmente, por exemplo, elas recorrem ao conteúdo compartilhado gratuitamente. Segund Frank Chung, essa assertiva é contestável por partir do pressuposto de que essa mídia é oferecida ao cliente de maneira que lhe seja prática e de modo que o consumidor se sinta confortável e satisfeito no ato da compra, o que nem sempre acontece [4]. Neste aspecto, é fundamental que se desenvolvam estratégias de venda de conteúdo online de uma maneira mais inteligente e com maior apelo frente aos consumidores – estratégias como essas já existem, e têm provado serem realmente efetivas. Um caso conhecido é o Netflix, portal que disponibiliza um vasto número de filmes e seriados para streaming online, organizados em um sítio intuitivo e de fácil acesso, a um custo atrativo. Segundo a própria empresa responsável pelo Netflix, no início de 2013 o serviço possuía mais 3 assinantes nos Estados Unidos do que qualquer outro serviço de televisão por assinatura, e mundialmente contava com mais de 33 milhões de membros [5]. Em entrevista ao sítio Stuff.TV, o executivo Ted Sarandos, chefe de conteúdo da empresa Netflix, afirma que é um equívoco utilizar a internet como meio de publicidade, mas não de disponibilidade [6] . A publicidade é eficaz em empolgar e convencer um usuário a consumir um novo filme, por exemplo, mas é ineficaz ao disponibilizá-lo de maneira que também o empolgue e o convença; assim, o caminho mais curto seria obtê-lo através de um site de compartilhamento. Sarandos ainda afirma que, quando sua empresa abre serviços em um território dominado por serviços de compartilhamento como o BitTorrent, o tráfego de dados através da Netflix aumenta na medida em que também causa uma diminuição na quantidade de dados trafegada através do compartilhamento ilegal [4]. Diversas pesquisas e relatórios contribuem para dar respaldo às afirmativas de Ted Sarandos. O Institudo de Pesquisa NPD divulgou, no início de 2013, um relatório que aponta como o compartilhamento ilegal de músicas tem caído substancialmente desde o lançamento de portais de streaming legal de músicas, como o Spotify e o Rdio[4]. A pesquisa revela uma queda de 26% em relação ao ano anterior na transferência de arquivos de música via P2P e uma queda de 11% entre os anos de 2011 e 2012. Ainda, o compartilhamento de músicas ilegais através de mídias físicas (como discos gravados por terceiros) teve uma severa diminuição de 44% no mesmo período [4] . Por fim, o NPD apontou que cerca de metade das pessoas que pararam de compartilhar e descarregar conteúdos ilegais assim o fizeram por encontrar nos portais de streaming um serviço que atendesse às suas necessidades – o que reforça o argumento da importância da acessibilidade no combate à pirataria. Não são somente os serviços nativamente vinculados à Internet que expressam-se positivamente sobre os meios digitais de compartilhamento de informações. A gigante da TV fechada e das telas de cinema, a HBO, investiu em 2012 10 milhões de dólares em um clone da Netflix, o Quickflix. O CEO da empresa posicionou-se a favor das ideias de Ted Sarandos, afirmando que “absolutamente tudo gira em todo de conteúdo e acessibilidade”. Afirmou, ainda, que a mentalidade do consumidor está mudando. As pessoas não querem mais serem obrigadas a aderirem a um longo contrato de fidelidade com uma empresa para obterem o conteúdo desejado, o que favorece o novo modelo de entretenimento. Seguindo a mesma linha de raciocínio, o co-fundador da Valve, Gabe Newell, que criou a plataforma de distribuição de jogos Steam, descreveu a pirataria em entrevista ao The Escapist em 2011 como um “não problema”. Ele afirmou: “Nós pensamos que existe um conceito errado sobre a pirataria. Pirataria é quase sempre um problema de serviço e não um 4 problema de preço” [8] . Ele acrescentou ainda que se um pirata oferece um produto em qualquer lugar do mundo, 24 horas por dia, 7 dias por semana, que pode ser adquirido de modo confortável através de seu computador pessoal, enquanto o distribuidor legal diz que o produto é restringido por região e que vai chegar a seu país apenas 3 meses após o lançamento nos Estados Unidos e que pode ser adquirido apenas em lojas especializadas, então o serviço do pirata é mais valioso. A mesma opinião é compartilhada por Kim DotcomSchmitz[7], antigo dono do Megaupload e atual dono do Mega, vítima da maior ação de combate à pirataria na história pelo governo americano. Através de seu twitter é constante a divulgação de uma “fórmula” simples, que segundo ele acabaria com a pirataria; “1. Crie bom conteúdo 2. Que possa ser comprado facilmente 3. Lançamento mundial no mesmo dia 4. Preço justo 5. Funciona em qualquer aparelho”. O argumento de Dotcom vai ao encontro dos demais aqui mencionados. As grandes corporações de Hollywood, em parceria com o governo dos EUA, tentam acabar com a pirataria por um caminho difícil, lento e talvez que indique uma baixa capacidade adaptação da industria do setor multimídia. A evolução já mostrou que aquele que sobrevive é aquele que melhor se adapta. É óbvia a existência do problema e a necessidade de que ele acabe. Entretanto, muitos viram nessa situação uma oportunidade de oferecer o que não estava sendo oferecido, e com isso acabar com o problema pela raiz. “As pessoas são na maioria honestas” afirmou Ted Sarandos na entrevista à Adnews. O sucesso das empresas que focaram na qualidade de serviço e distribuição corrobora de maneira veemente para a idéia de que as pessoas querem facilidade de acesso ao conteúdo e que a pirataria é uma consequência de um mercado que não se adaptou à era da Internet com sua imensa capacidade de distribuição tanto de propaganda, como do produto em si. Dessa forma, pode-se concluir que é falsa a idéia pregada pela indústria de entretenimento norte-americana de que a pirataria é causada pelo excesso de liberdade na internet, devendo, assim, ser punida como um crime e eliminada através de leis que restrinjam o livre compartilhamento de conteúdo na rede. Pode-se concluir também que é valida hipótese de certos empresários, como Sarandos e Newell, de que a pirataria é resultado da adaptação dos consumidores ao deficiente e retrógado serviço de distribuição de conteúdo que algumas empresas insistem em oferecer, negando a evolução do mercado. Através desse ponto de vista, a pirataria deixa de ser um problema e passa a ser a fonte de renda de empresas como o Netflix, que vende conteúdo digital por um preço justo e com a dinamicidade que esse mercado exige. 5 Referências [1] “Conheça a TPP, a grande ameaça contra a internet”. Tecmundo. 14 de maio de 2013. Disponível em: <http://www.tecmundo.com.br/pirataria/39422-conheca-a-tpp-a-grandeameaca-contra-a-internet.htm>. Acesso em 15 de maio de 2013. [2] “How 10 PornMovie Downloads CostOne Man $1.5 Million”. Gizmodo, 2012. Disponível em: <http://updates.gizmodo.com/post/34822889443/how-10-porn-movie-downloads-costone-man-1-5>. Acesso em 15 de maio de 2013. [3] Anders Drachen, Kevin Bauer, Robert W. D. Veitch. “Distributionof Digital Games via BitTorrent”. Proceedingsofthe 15th InternationalAcademicMindTrekConference: Envisioning Future Media Environments. p 233-240. 2011. [4] CHUNG, Frank. “It'stheservice, stupid: Stoppingpiracyisn'trocket Science”. AdNews. 3 de maio de 2013. Disponível em: <http://www.adnews.com.au/adnews/it-s-the-service-stupidstopping-piracy-isn-t-rocket-science>. Acessado em 16 de maio de 2013>. Acessado em 16 de maio de 2013. [5] “NetflixNowHas Over 30 Million Streaming MembersGlobally”. Netflix, Inc. 25 de outubro de 2012. Disponível em: <https://signup.netflix.com/MediaCenter/Press>. Acessado em 15 de maio de 2013. [6] “Netflix's Ted SarandostalksArrestedDevelopment, 4K andrevivingold shows”. 01 de maio de 2013. Disponível em <http://www.stuff.tv/news/apps-and-games/newsnugget/netflixs-ted-sarandos-talks-arrested-development-4k-and-reviving-old>. Acessado em 15 de maio de 2013. [7] SCHMITZ, Kim Dotcom. “Howto stop piracy: 1Creategreatstuff 2 Make it easytobuy 3 Samedayworldwide release 4 Fair price 5 Works onanydevice”. 7 de janeiro de 2012. Twitter: @KimDotcom. Disponível em: <https://twitter.com/KimDotcom/status/ 288199968932630528>. Acessado em 18 de maio de 2013. [8] TITO, Greg. “Valve's Gabe NewellSaysPiracyIs a Service Problem”. The Escapist. 28 de novembro de 2012. Disponível em: <http://www.escapistmagazine.com/news/view/114391Valves-Gabe-Newell-Says-Piracy-Is-a-Service-Problem#2zf12iBVcwgHBJMP.99>. Acessado em: 18 de maio de 2013.