Debate A conjugação as infâncias pensadas por Descartes e Rousseau duas infâncias exprimiria uma forma singular de o homem experimentar o tempo e o desejo, ou seja, a impossibilidade na relação aos outros. Dessa forma, sustenta-se a tese de que a renúncia à educação é um sintoma contemporâneo que as ilusões psicopedagógicas mascaram a cota de política embutida tanto na produção psíquica da infância moderna quanto no seu eclipse. Infância moderna; filosofia da educação; fundamentos da educação WHAT IT IS ABOUT CHILDHOOD THAT (PSYCHO)PEDAGOGIC ILLUSION HAS MASKED The conjugation of the two infancies would express a singular form for man to experiment time and desire, that is to say, the impossibility of a relationship with others. Thus, the author insists on supporting the thesis that renouncing to education is a contemporary symptom, at the same time in which psychopedagogic illusions mask the parcel of politics built into the psychic production of modern infancy, as well as in its demise. Modern childhood; philosophy of education; the fundamentals of education O QUE DA INFÂNCIA A ILUSÃO (PSICO)PEDAGÓGICA MASCARA Leandro de Lajonquière N A^. N ã o foi p o u c a m i n h a alegria e curiosidad e q u a n d o o prof. G h i r a l d e l l i p r o p ô s d i a l o g a r m o s e m t o r n o d e Infância e ilusão (psico)pedagógica. P o r u m l a d o , o c o n v i t e a o d e b a t e i n t e l e c t u a l acarr e t o u a alegre certeza d e q u e a o b r a t i n h a s i d o d e fato lida. P o r o u t r o , i n s t a l o u u m a d u p l a c u r i o s i d a de. N a época, a leitura d e alguns de seus textos alim e n t o u m i n h a reflexão, e, p o r t a n t o , fui r a p i d a m e n te t o m a d o p e l o i n t e r r o g a n t e s o b r e o d e s t i n o q u e t i n h a d a d o às teses d o colega. M a s , f u n d a m e n t a l m e n t e , o fato d e o c o n v i t e vir de u m filósofo - o u seja, d e a l g u é m q u e felizmente u s u f r u i de certa disc i p l i n a d e p e n s a m e n t o q u e faz falta a n ó s , psicanalistas - a l i m e n t o u m i n h a v o n t a d e de entregar-me a o risco p r a z e r o s o d o certo e i n v o l u n t á r i o mal-entendid o p r ó p r i o de t o d o diálogo intelectual. Por sinal, d i á l o g o n o q u a l os espíritos b u r o c r a t a s - fora e d e n t r o d a u n i v e r s i d a d e - recusam-se a e n t r a r , temer o s o s d e q u e lhes v e n h a a faltar u m p o u c o d e raz ã o , e s q u e c e n d o , assim, q u e a razão e m excesso, e m lugar d e n o s agraciar c o m as cobiçadas idéias claras e d i s t i n t a s , a p e n a s cria m o n s t r o s . • Psicanalista, professor livre-docenre da Universidade de São Paulo. O prof. G h i r a l d e l l i afirma q u e e m m e u l i v r o falo m a i s d o p a s s a d o q u e d o presente, u m a vez q u e a argum e n t a ç ã o articula-se em t o r n o de u m a i n f â n c i a q u e n ã o existiria m a i s . M a i s a i n d a , c o m o t o d o p r o f e s s o r gen e r o s o , aproveita a ocasião para ins i s t i r n o e x e r c í c i o dessa i l u s t r a ç ã o , q u e hoje, infelizmente, escasseia, m o s trando-me aspectos que nossa ignorância sempre teima em esconder. Pois b e m , existe a i n f â n c i a q u e falo? S i m e n ã o ; d e p e n d e . de T o d o a d u l t o , q u a n d o fala da inf â n c i a , fala d a q u e l a q u e n ã o e x i s t e m a i s , u m a vez q u e o t e m p o d e l a é a q u e l e d o "já f o i " . D e s s a f o r m a , o t e m p o i d o faz c o m q u e a i n f â n c i a n ã o cesse d e ( n ã o ) se i n s c r e v e r e m nosso aparelho psíquico sob a modalidade d o "terá s i d o " . É p o r isso q u e a infância da psicanálise n ã o é u m a substância, c o m o aquela das p s i c o l o gias d o d e s e n v o l v i m e n t o . M a s t a m b é m é p o r c o n t a dessa i m p o s s i b i l i d a d e d e r e p r e s e n t a ç ã o - o u seja, d e voltar a se t o r n a r presente - q u e t o d a criança n o s l e m b r a i n c o n s c i e n t e m e n t e aquela q u e n ó s f o m o s p a r a o u t r o s e, portanto, a dívida simbólica para c o m aqueles a q u e m deixamos a desejar. E m s u m a , em certo s e n t i d o , cabe dizer q u e a i n f â n c i a n ã o existe. M a s parece-me q u e n ã o se está m e pergunt a n d o p o r essa, e m b o r a , é c l a r o , eu t e n h a , sim, falado dela e m m e u livro. C e r t a m e n t e , n ã o falei da infância s o n h a d a p o r Descartes, c o m o parece ler o prof. G h i r a l d e l l i e m m e u livro, e m b o r a seja d e v e d o r n ã o só de certo i l u m i n i s m o , senão t a m b é m de u m h u m a n i s m o tipicamente freudiano. M a s t a m p o u c o falei daquela o u t r a almejada, nas a n t í p o d a s da a n t e r i o r , a q u e l a d o Emílio. A m b a s as i n f â n c i a s n ã o só, h o j e , n ã o existem, s e n ã o q u e s e m p r e e s t i v e r a m , e talvez estejam, i m p o s s i b i l i t a d a s de a c o n t e c e r . T a n t o u m a q u a n t o a o u t r a d e f i n e m os l i m i t e s v i r t u a i s p a r a q u e uma infância v e n h a d e fato a a c o n t e c e r , a d e s p e i t o de a m b a s as p r e t e n s õ e s f i l o s ó f i c a s . N e s s e s e n t i d o , c o n c o r d o c o m o filósofo q u a n d o observa que aquilo que existiu ou o p e r o u , p o r décadas, n o c o t i d i a n o da "relação a d u l t o - c r i a n ç a " é u m a espécie de c o n f u s ã o de a m b a s . M a i s a i n d a , c o n c o r d o c o m q u e essa " i n f â n c i a m i s t u r a " c o r r e o risco de estar c h e g a n d o a seu fim. O prof. G h i r a l d e l l i n o s l e m b r a que, para Descartes, a infância deve ser superada p a r a q u e , dessa f o r m a , possa advir n o lugar daq u e l a o a d u l t o d a m o d e r n i d a d e , o u seja, o indivíduo "consciente de seus p e n s a m e n t o s e responsável pelos seus atos". Por o u t r o lado, l e m b r a - n o s q u e , p a r a R o u s s e a u , o a d u l t o não deve c o n t r a r i a r o u lutar (cartesianamente) c o n t r a a infância que se s u p õ e nas crianças, m a s , ao c o n t r á r i o , intervir n o s e n t i d o de q u e a m e s m a aconteça, a fim d e q u e , a s s i m , p o s s a vir a ser s u p e r a d a ma non troppo, o u seja, p a r a q u e u m p o u c o d e l a f i q u e p r e s e r v a d a n o a d u l t o . P o i s b e m , n e n h u m a delas existe, p o i s o q u e a m b o s os pais da m o d e r n i d a d e espiritual p r e s s u p u s e r a m é, e m ú l t i m a i n s t â n c i a , u m a infância c o m o dado natural, ora a ser c o n t r a r i a d a , ora a ser preserv a d a . A p s i c a n á l i s e c o n t e s t a , p r e c i s a m e n t e , essa p r e s s u p o s i ç ã o de n a t u r a l i d a d e . Mais a i n d a , c h a m a nossa atenção para o fato de ser a t ê n u e c o n j u n ç ã o desses dois s o n h o s a d u l t o s c o m relação aos "baixin h o s " a que fez, e faz, ex/istir*, precisamente, o tempo da infância. T a n t o u m q u a n t o o o u t r o - o cartesiano e o rousseauniano são isso m e s m o , o u seja, d o i s s o n h o s filosóficos q u e , p o r sua vez, sonham o adulto cotidiano. A contingência cotidiana do h o m e m resiste a ser reintegrada e m q u a l q u e r sistema filosófico, assim c o m o as crianças resistem aos nossos pedagógicos s o n h o s a d u l t o s . P o r é m , q u a n d o o a d u l t o t e r m i n a e n c a r n a n d o in extremis q u a l q u e r u m de a m b o s os s o n h o s e, a s s i m , s i t u a n d o - s e a o a b r i g o d a i n t e r r o g a ç ã o q u e t o d o s o n h o c o n f u s o acarreta, acaba n ã o h a v e n d o i n f â n c i a . A clínica psicanalítica c o m crianças gravemente p e r t u r b a d a s ensina-nos a desconfiar d o s s o n h o s q u e n ã o d ã o lugar a q u e o s o n h a n t e desc o n f i e q u e se t r a t a , p r e c i s a m e n t e , d e s o n h o s e, p o r t a n t o , q u e o a d u l t o reclame da criança a ilustração o u a e n c a r n a ç ã o dos m e s m o s n o real. Assim, cabe dizer, c o m t o d a s as licenças d o caso, q u e enq u a n t o o autismo é e f e i t o d e u m s o n h o q u e s o n h a n a d a d e v e r s o n h a r p a r a u m a c r i a n ç a , as psicoses r e s u l t a m d e u m o u t r o q u e s o n h a , ao c o n t r á r i o , n ã o d e i x a r m a r g e m n e n h u m a p a r a q u e u m a criança possa vir a s o n h a r u m lugar p a r a si n o s o n h o dos o u t r o s . A m b o s n ã o são, de fato, s o n h o s : estão mais p a r a v e r d a d e i r o s pesadelos. Nesse s e n t i d o , poder-se-ia dizer q u e e n q u a n t o u m t e m algu- m a coisa de r o u s s e a u n i a n o , o o u t r o parece u m p o u c o c a r t e s i a n o . E m o u t r a s palavras, o p r i m e i r o n ã o desconfiaria q u e o seu pequen o selvagem n u n c a será suficiente b o m , já o s e g u n d o n ã o suspeitaria q u e o a d u l t o e s p e r a d o estará i m p o s s i b i l i t a d o de ser c o n s c i e n t e e responsável pelos atos de "seu" p e n s a m e n t o . Q u a n d o u m a c r i a n ç a chega de fato a este m u n d o , já faz u m t e m p o q u e o a d u l t o o h a b i t a . A c h e g a d a d o p e q u e n o i m p l i c a de fato u m a r e o r d e n a ç ã o d o m u n d o , já q u e a criança, n ã o s e n d o u m a d u l t o e m m i n i a t u r a n o real, instala u m a diferença q u e , feita tensão t e m p o r a l , m o v e r á o devir adulto. T o d o a d u l t o , q u a n d o se endereça a u m a criança, demanda-lhe deixar atrás essa sua c o n d i ç ã o de infans, que, n ã o t e n d o n a d a de n a t u r a l , deriva da p r ó p r i a presença a n t e c i p a d a d o a d u l t o n o m u n d o . M a s , ao m e s m o t e m p o , o a d u l t o sabe da i m p o s s i b i l i d a d e de o p e q u e n o r e s p o n d e r n o real à a l t u r a da d e m a n d a , o u seja, sabe d o t e m p o p r ó p r i o à espera. A s s i m , dem a n d a , e n q u a n t o dá t e m p o ao t e m p o , a p o s t a n d o n o d e s d o b r a m e n to d a diferença p o s t a n a o r i g e m . À criança, t o m a d a nesse dispositivo t e m p o r a l e p s í q u i c o q u e n o livro c h a m e i de denegação da demanda educativa, s e m p r e lhe escapa o p o n t o de vista d o a d u l t o e, p o r isso m e s m o , n ã o p o d e m e n o s q u e l h e s u p o r u m saber fazer c o m a vida. Mais ainda, passa a desejar saber esse saber s u p o s t o n o s grandes e, dessa forma, e m b o r a às vezes de brincadeira, faz questão, u m a e o u t r a vez, de e n t r a r n u m m u n d o já v e l h o e a d u l t o . Q u a n d o p o r fim chega seu t e m p o , a criança, agora u m a d u l t o , defronta-se c o m o fato de q u e o p o n t o de vista a d u l t o n ã o é t ã o s a b i d o assim e q u e , p o r t a n t o , o t e m p o q u e a p r ó p r i a espera f a b r i c o u era a p e n a s p a r a ser p e r d i d o . P o r é m , o n o v o a d u l t o , l o n g e de se resignar, ensaia recuperar o t e m p o , ora fazendo filosofia o u psicanálise, ora e d u c a n d o crianças, d e s c o n f i a n d o s e m p r e u m p o u c o de q u e tal e m p r e s a esteja g a r a n t i d a n o p o n t o de p a r t i d a . C o m o vemos, a i n t r o d u ç ã o da criança n o real de u m a história e m c u r s o n ã o faz mais d o que i n s t a u r a r u m a tensão n o c a m p o d o d i s c u r s o entre o l a d o de lá - o d o infans - e este o u t r o de cá - o d o a d u l t o . E m q u e a m b o s n ã o são p o n t o s de u m a l i n h a genéticoe v o l u t i v a r u m o - seja n a m a r r a o u n ã o - a u m a r a z ã o m a i s o u m e n o s i l u m i n a d a , mas posições n o discurso c o m relação ao desejo. Para q u e s e m e l h a n t e g i r o de p o s i ç ã o a c o n t e ç a , é n e c e s s á r i o q u e o a d u l t o t o m e c o m o metáfora o desencontro no real c o m esse pequen o ser n o m u n d o . Educar é, p r e c i s a m e n t e , i s s o . O u , e m o u t r a s palavras, é t r a n s m i t i r marcas simbólicas - i n v e n t a r metáforas - que p o s s i b i l i t e m ao p e q u e n o sujeito u s u f r u i r de u m lugar a p a r t i r d o qual possa se lançar às empresas impossíveis d o desejo. Esse giro de p o s i ç ã o n o d i s c u r s o é a p r ó p r i a c o n d i ç ã o de p o s s i b i l i d a d e de q u e v e n h a a existir u m t e m p o de i n f â n c i a . Q u a n d o o infans deixa de ser t a l , a infância passa a existir c o m o perdida, mas não toda. O que resta desse (des)encontro c o m o adult o , e m parte, inscreve-se p s i q u i c a m e n te c o m o desejo sexual e infantil, ou seja, c o m o a q u i l o q u e passa a fazer falta n u m m u n d o s e m p r e a d u l t o . J á u m a o u t r a p a r t e desse ( d e s ) e n c o n t r o , o u falta de relação (rapport) a d u l t o criança, p e r m a n e c e c o m o gozo. P o i s b e m , p a r a t a n t o , o u seja, para q u e t u d o issc? se desdobre, n ã o é preciso fazer m u i t a coisa. Mais aind a , é, a t é c e r t o p o n t o , i r r e l e v a n t e a q u i l o q u e os a d u l t o s d e l i b e r e m perseguir c o m o metas pedagógicas-*. Entretanto, t a m b é m n ã o é sem conseq ü ê n c i a s , e, p o r t a n t o , c a b e a f i r m a r q u e esse f u n c i o n a m e n t o s i m b ó l i c o é o b j e t o de inflexões m ú l t i p l a s . O h o m e m sonha-se a si m e s m o e, a s s i m , i n v e n t a - s e s e m p r e o u t r o . Na chamada modernidade, passou a se relacionar consigo m e s m o , o u seja, a e x p e r i m e n t a r o t e m p o , de m a n e i r a nova. N a época, aquilo que sempre resta e m seus s o n h o s d e i x o u de ser creditado a u m paraíso perdido no p a s s a d o e passou a ser b u s c a d o neste m u n d o de h o m e n s . O h o m e m m o d e r n o l a n ç o u - s e à sua p r o c u r a , mesm o s a b e n d o que isso s e m p r e falta ao e n c o n t r o , p o i s está s e m p r e n u m outro lugar neste nosso ú n i c o m u n d o h u m a n o . Isso q u e p a s s o u a se esperar p a r a o a m a n h ã a q u i n a terra - e fora c h a m a d o utopia - foi e s c u l p i n d o aos p o u c o s o r o s t o d a i n f â n c i a nesses seres p e q u e n o s . A insatisfação p u l s i o n a l , i m p l i c a d a n o mal-estar n a cultura, o u t r o r a e q u a c i o n a d a graças à referência a u m passado vivido em c o m p a n h i a dos deuses, na m o d e r n i d a d e , i n s u f l o u , a o c o n t r á r i o , a idéia d e u m f u t u r o d i f e r e n t e a q u i n a terra. Assim s e n d o , v i r o u m a t é r i a - p r i m a para se i n v e n t a r a infância m o d e r n a , u m a vez q u e a criança, t e n d o chegad o d e p o i s q u e os a d u l t o s , faz-se rap i d a m e n t e d e p o s i t á r i a i m a g i n á r i a de u m a diferença t e m p o r a l a m a i s . A infância, u m a espécie de coágulo dos sonhos que o h o m e m mod e r n o p a s s o u a s o n h a r p a r a si, é u m ponto numa trama contraditória e, p o r t a n t o , e n c e r r a e m si m e s m a u m a tensão de e q u a c i o n a m e n t o delicado. A infância m o d e r n a é o p o n t o de fuga n o h o r i z o n t e d o s s o n h o s a d u l t o s , e m q u e se t o c a m de f o r m a a s s i n t ó t i c a desejo e narcisismo. O a d u l t o m o d e r n o a c a b o u se e n t r e g a n d o ao s o n h o de u m m u n d o diferente, de u m m u n d o em que i m p e r a s s e , p o r e x e m p l o , a liberdade, a igualdade e a fraternidade. Essa fig u r a ç ã o da utopia, e m p a r t i c u l a r , foi sonhada, disputada e reivindicada c o m insistência p o r m u i t o s . Ela resum i u u m a m a n e i r a n o v a de o h o m e m interrogar-se sobre o impossível que p e r m e i a sua r e l a ç ã o c o m seus semel h a n t e s , o u seja, i m p l i c o u u m a o u t r a e c o n o m i a p s í q u i c a d o desejo^. O a d u l t o m o d e r n o p a s s o u a esp e r a r q u e a c r i a n ç a viesse a u s u f r u i r n o f u t u r o esse o u t r o m u n d o t e r r e n o , mas t a m b é m se dedicou a instalar n a cabeça dela o s o n h o de sua possibilidade. Assim, a diferença c r i a n ç a / a d u l to virou objeto de m á x i m a tensão psíquica e social. N o revoltoso século XIX, a escola "laica, gratuita e obrigat ó r i a " foi a f i g u r a ç ã o i n s t i t u c i o n a l m a i s a c a b a d a da i n f â n c i a m o d e r n a de fato, verso e reverso de u m a mesm a m o e d a , objeto de d i s p u t a s políticas. O usufruto da escola republicana foi r e i v i n d i c a d o c o m o d i r e i t o , a desp e i t o da v o n t a d e de alguns, que semp r e q u e r e m q u e os d i r e i t o s sejam de fato p r i v i l é g i o s de p o u c o s . P o r quê? Porque t o d o s i n t u í a m que ela d e t i n h a a chave de acesso à infância. A escola incorporou a tensão narcisismo/desej o e m b u t i d a n a i n f â n c i a , e, a s s i m , além de ter e x p r i m i d o , c o m o t o d a i n s t i t u i ç ã o , u m p r o j e t o de moralização, f u n c i o n o u c o m o u m a m á q u i n a m o v i d a a desejo p o s s u i d o r a de grande força subjetivante. A infância que estamos perdend o e da q u a l eu falei n o l i v r o é p r e c i s a m e n t e essa, isto é, o dispositivo discursivo que tenciona o cotid i a n o das c r i a n ç a s n o s e n t i d o de se tentar a impossível conversão do real e m ideal. N ã o falei dela para reclamar resp e i t o a n ã o se sabe que n a t u r a l i d a d e , mas apenas para alertar que as ilusões (psico)pedagógicas, p ã o n o s s o de cada dia, m a s c a r a m , hoje, a p e r d a de u m a i n f â n c i a q u e , e m s u m a , carrega c o n s i g o o s o n h o de o h o m e m vir a inventar u m m u n d o mais justo na polis. É i s t o o q u e m e p r e o c u p a . A infância (psico)pedagogizada seja d e r i c o s o u de p o b r e s - é u m a pseudo-infância esvaziada de desejo. É p o r isso q u e ela i m p e r a e n t r e n ó s . Ela resulta d o e s t r e i t a m e n t o da dialét i c a p s í q u i c a d o s t e m p o s e m cujas entrelinhas articula-se o desejo. Assim, n ã o d e v e m o s n o s s u r p r e e n d e r de q u e as c r i a n ç a s recusem o m u n d o d o s números e das letras, e n q u a n t o preferem o i m e d i a t i s m o p r ó p r i o das coisas, c o m o , p o r e x e m p l o , as d r o gas. É claro, a diferença de classes dá seu t o q u e de d i s t i n ç ã o a essa p s e u do-infância, affaire de gozo. O risco de vir a desaparecer a infância m o d e r n a é o s i n t o m a de u m mundo adulto que, não querendo s a b e r m a i s d a e x i g ê n c i a d e se t e n t a r o impossível de u m sonho** - edu- car as c r i a n ç a s - , entrega-se a o pesadelo dos mercados mais e n q u a n t o se a u t o p e r d o a variados, exclamando: "Fazer o quê? É assim m e s m o ! " • NOTAS * O u seja, existir fora de si, o u ser a r r o jado n o tempo. Leia-se o ^ O que inconsciente. não quer dizer que seja irrelevante o que os a d u l t o s decidam fazer c o m a vida na polis. ^ Cf. Lajonquière, L. de. "Psicanálise, m o dernidade e fraternidade. Notas t ó r i a s " . In K e h l , M . R. ( o r g . ) . A fraterna. introdufunção R i o de J a n e i r o , RJ: R e l u m e D u - mará, 2000. ^ Cf. Lajonquière, L. de. "Freud, 1'éducation et les e n f a n t s : e n t r e la p s y c h a n a l y s e et la politique". In psychanalyse. Paris, 2000. États généraux de la