ALEGRE EXÓTICO
Alegre “cidade jardim”. Esta frase é sempre dita através dos alto-falantes de “A Voz da Cidade”
do Rachid Abdalla, talvez a 1ª rádio-poste do Estado.
No meu tempo de criança, “A Voz da Cidade” ia ao ar em duas edições, sendo que às 22 horas,
encerrada a transmissão, íamos logo para casa, num toque de recolher informal. Em Alegre há
coisas que merecem registro ontológico, pois a singularidade dos casos faz daquela cidade um
lugar exótico.
Na década de 70 do século XX um juiz de Direito colocava policiais militares ao término dos
turnos de aula, em frente à sua casa na Av. Dr. Wanderley para que os alunos do colégio não
passassem na calçada e viessem a perturbar o sossego da “maior” autoridade do município.
Em nome do silêncio houve até uma ordem de prisão contra o Rachid, pois os alto-falantes da
“Voz da Cidade” incomodavam o meritíssimo, naquele tempo vivíamos sob a égide da ditadura
militar. O prefeito Antônio Lemos, homem honestíssimo, entrou também na briga para
resolver a questão criada e ficou o dito pelo não dito.
Digno de registro é que, talvez, como em nenhum outro lugar os apelidos são uma marca da
cidade. Existe de tudo. De nomes de verduras, veículos, peixes, animais, insetos, legumes,
vegetações e até de ícones do esporte nacional e internacional.
Mexerica, Bananeira, Jiló, Formigão, Cebola, Jujuba, Beijinho, Mangueira, Capadinho, Gatinha,
Charuto, Mamão, Cacau, Tomate, Taioba, Traça, Batata, Cabana, Cabaninha, Caixão, Angu,
Ferramenta, Chevrolet, Zebrinha, Tatu, Tatuzinho, Carrapato, Traíra, Sapão, Mosquito,
Jaqueira, Tiririca, Macarrão, Maradona, dois Garrinchas e vários Pelés, um deles de cor branca
- o Carvalho.
Entre as exoticidades a ”Casa dois irmãos” era de três pessoas da mesma família, o “Bar
Católico” pertenceu a um evangélico. O nome da cidade nasceu da tristeza, ou seja, pela morte
acidental da “cadela” dos tropeiros mineiros que se chamava “alegre”. Era comum encontrar
com o “general” Puaia fantasiado com as medalhas de suas batalhas de ficção no peitoral de
uma pseudo farda militar. Era uma verdadeira graça!
A geografia da cidade também é engraçada, pois o bairro “Vila do Sul” fica na região norte e
”Rua do Norte” fica na região Oeste.
O melhor “médico” da cidade foi por muito tempo um farmacêutico sem titulação acadêmica,
mas detentor de um saber prático inigualável. Nas consultas sempre acertava a dose. Era o
Lauro Lima, recentemente falecido.
A ordem pública era mantida com poucos policiais. Entre eles o lendário cabo Lastênio, o
Ciganinho e o Paulo Vieira.
Em Alegre Rosa Branca não é nome de flor, mas sim o apelido de um “gentleman” de cor negra
e o “Careca” era portador de uma longa cabeleira loira e lisa.
O técnico das categorias de base do Comercial era o ”Marreco” e o goleiro do time infantil o
saudoso Márcio “Ganso”. Outro jogador era o “Galo Cego”, apelidado assim, pelos óculos de
lentes grossas. No time titular jogava o “Tiziu” filho do grande “gourmet” da cidade – o
“Nanico”.
Os árbitros de futebol não escapavam à regra. Todos recebiam apelido. Um era o “Pião”, outro
o “Picolé”, outro o “Tijolinho” e o outro não vou falar o apelido.
Os bares não são exceção, também têm seus apodos. Quem não ouviu falar dos restaurantes
dos irmãos “Zé Tinhorão” e “Paulinho Samambaia”, este último falecido inesperadamente.
Na Escola de agronomia, hoje CCA da UFES, alguns alunos viravam “bichos”. Entre os notáveis
estão: o “Suíno”, o “Canarinho”, o “Boi”, o “Calango”, o “Rato”, o “Bodinho”, o “Tucano”, o
“Jabuti”, o “Pantera” e o “Carneirinho”.
As ruas, antes do asfalto, eram calçadas pelo Sr. “Botina”, depois pelo “Sargento”, que mesmo
não sendo militar recebeu este apelido. Também existe o “Major” que nunca usou farda.
Antes da informática Alegre já tinha o seu “Chipe” e nesses tempos de fumacê, lá já existia o
“Zezé Fumaça”. O Assis, um andarilho, ia de Rive a Alegre todo dia só para comer um pão na
padaria da rodoviária, na volta, quando lhe era oferecida uma carona a resposta era: “estou
com pressa”.
Lembro-me do “Perereca” que comigo e com meu irmão mais velho até tarde da noite, varria
as salas de aula da escola onde aprendi a ler e escrever com a dona Aída – o inesquecível
colégio “Aristeu Aguiar”.
Notável foi o Virgínio Terra – um gênio. Décadas antes do RENAVAM, ele sabia todas as placas
dos veículos e os respectivos proprietários, de cor e salteado.
Hoje temos o “Fuscão Preto” um jovem criado no Lar da Criança e que sempre sorridente
dirige o seu “veículo” imaginário pelas ruas mais do que centenárias do Alegre.
Por fim quem nasce no Alegre acostuma-se logo a dizer quando alguém lhe pergunta: Você é
de onde? A resposta imediata é: sou “dú Alegre”. Eu também sou “dú Alegre”.
Júlio Cezar Costa é tenente coronel da PMES – Comandante do 11º BPM em Barra de São
Francisco – ES.
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