ID: 46161912 14-02-2013 Tiragem: 20000 Pág: 11 País: Portugal Cores: Cor Period.: Diária Área: 21,84 x 35,14 cm² Âmbito: Informação Geral Corte: 1 de 1 Peça de Jorge Silva Melo estreia amanhã no Teatro Nacional São João “A Estalajadeira” que sempre adorou Jorge Gonçalves Peça retrata a história de uma jovem, Mirandolina, que herdou dos pais uma estalagem e vai lidando com os homens que se hospedam. “A Estalajadeira” estreia no Teatro Nacional de São João, no Porto, na sexta-feira, com encenação de Jorge Silva Melo, que 40 anos depois de traduzir a peça de Carlo Goldoni a leva finalmente ao palco. “’A Estalajadeira’ é uma peça que eu sempre adorei, tenho provas”, disse Jorge Silva Melo, exibindo um caderno preto onde está a sua tradução da peça, que na altura da fundação da Cornucópia, em 1972, pensou levar à cena com Glicínia Quartim como protagonista. Perante a recusa da atriz na altura, o encenador acabaria por ter de esperar 40 anos para encontrar em Catarina Wallenstein a sua Mirandolina. A peça, que vai estar no teatro do Porto até 3 de março, foi escrita no século XVIII por um dos génios do teatro europeu e teve muito sucesso na época. Chegou, segundo Jorge Silva Melo, a ser transformada em ópera e, graças à literatura de cordel, a ter mais de 40 traduções em Portugal. Conta a história de uma jovem, Mirandolina, que herdou dos pais uma estalagem e vai lidando com os homens que aí se hospedam, conseguindo manter-se senhora do seu destino. Catarina Wallenstein entrava na anterior peça dos Artistas Unidos e foi ela que interpelou o encenador, com a sua tradução editada recentemente, dizendolhe que um ator lhe tinha entregado o livro e que ela tinha de representar a protagonista. “Que estupidez, eu já te conheço há uns anos e não tinha pensado que tu estás feita para fazer este papel nem tens que ensaiar é só chegar e fazer”, foi o que pensou Jorge Silva Melo. A atriz, que ganhou noto- A Estalajadeira. A peça vai estar no teatro do Porto até 3 de março riedade com “Singularidades de uma Rapariga Loura”, de Manoel de Oliveira, gosta da personagem de Mirandolina, porque é um ser “feminino, mas o feminino com a força do trabalho, que não é o feminino bonequinha ou o feminino fútil, um feminino com dois braços carregados de cestos e com um poder que não é o da sedução, mas é o poder de gerir o seu negócio, da responsabilização da independência e do poder assumir as escolhas que faz”, explicou. Para Catarina Wallenstein este é um fator “muito importante especialmente no teatro desta época”, no que é secundada por Jorge Silva Melo, que lembra que esta é uma peça sobre uma altura de mudanças. “Este é o começo de um mundo que, curiosamente, está a acabar”, o do comércio tradicional. “O Goldoni via com exatidão o nascimento da burguesia, o nascimento do comércio como relação interpessoal” lembrou o encenador, apontando a emergência dos “valores da burguesia, do trabalho como valor, da honestidade e franqueza e a recusa dos jogos sociais”. Esta é uma peça quase sem artifícios, sem música, com poucas mudanças de luz. Interrogado o autor sobre se esta foi uma opção ponderada Jorge Silva Melo foi lapidar: “A coisa que mais diferencia o homem do macaco é a palavra. E teatro é o apogeu absoluto da palavra. O que me interessa é o jogo da palavra. Que nesta peça é fascinante”. O encenador recorda que “Goldoni era considerado no século XIX um escritor banal, porque não tinha pompa na sua escrita, não exibia a sua escrita, tinha uma escrita muito simples que parecia coloquial”. Mas, segundo ele, é esse um dos encantos da peça porque “cada personagem que está em cena está sempre nítida, porque está sempre a intervir”. E para Jorge Silva Melo é isso que hoje lhe interessa no teatro, “como lugar de reflexão a partir da palavra e do corpo dos atores”.