IvU
comcma
fírupo de União e Consciência Negra
Ano I Março/Abril de 1987 Na0
NEOU
ira dt Pastiral Verodelio
06 MAn987
OI DC DOCUMENTAÇÃO
LEIA NESTA
EDIÇÃO
APRESENTAÇÃO
Página 2
O NEGRO NA FORÇA DE
TRABALHO
Página 4
O MENOR NEGRO
Página 5
•DEMOCRACIA RACIAL"
NO BRASIL
Página 6
A POSIÇÃO DAS IGREJAS
NA ÁFRICA DO SUL
Página 7
O MOVIMENTO NEGRO E
A CONSTITUIÇÃO
Página 7
13 de Maio: O que houve
por frás da Lei Áurea? ^
O POVO NEGRO NA
HISTÓRIA DO BRASIL
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CONSCIÊNCIA NEGRA
Março/Abril
Apresentação
nossa sociedade: A mulher negra,
o menor negro o negro e a constituição, o negro da sociedade dita
democrática, o negro na força de
trabaího,o negro diante da discriminação na África do 'Sul. Procuramos também, em breves linhas,
lançar um questionamento sobre o
13 de Maio, data considerada oficialmente como marco comemorativo da libertação dos escravos.
Compreendendo que a libertação de um povo, de uma raça, passa
pelo conhecimento de sua história
e pelas causas de sua opressão,
propomos fazer um resumo da
História da Escravidão no Brasil. Isso seria feito por etapas: em
cada número um capítulo.
Tudo isso é muito importante.
E depois? Bem, épreciso esclarecer
que, aqui, agora, estamos apenas
dando a arrancada inicial. Para
continuar este trabalho, precisaremos da contribuição de todos.
Este boletim será feito com a colaboração de cada estado, de cada
região, enviando notícias, artigos,
desenhos, contos, poemas, fotografias. A participação de todo o grupo é que dará força, conteúdo e
sustentação ao nosso boletim. Podem começar já!
Vamos lembrar aqui, um pequeno trecho de uma das obras
mais bonitas da cultura nacional
na década de 60, retirada da peça
"Arena conta: Zumbi", de autoria de Gianfrancesco Guarnieri e
Edu Lobo, montada pelo Grupo
"Opinião":
"Se a mão livre do negro tocar
na argila,
o que é que vai nascer?
Vai nascer pote pra gente beber.
nasce gamela pra gente comer,
nasce vasilha, nasce parede
e nasce estatuinha, bonita de
se ven7"
E, se a mão livre do negro tocar na imprensa, o que é que vai
Para reforçar as lutas e o trabalho de organização do Grupo
União e Consciência Negra, divulgar passo a passo sua caminhada e promover o intercâmbio de
idéias e notícias entre os vários
■cantos do país, estamos lançando
o primeiro número do nosso boletim informativo.
O nome Consciência Negra ainda não é definitivo. Pode
continuar ou ser trocado, dependendo do que decidir a próxima
reunião da diretoria.
Este boletim propõe-se a ser
um espaço aberto para denunciar
todas as injustiças e discriminações praticadas contra nossa raça
e ser um instrumento do nosso trabalho, no sentido de cumprir os objetivos da grupo, de acordo com o
que foi estabelecido em nossos estatutos:
a) Despertar a consciência
crítica do negro, diante da realidade social, econômica, política e
cultural da sociedade brasileira,
no geral, e da raça negra em particular;
b) Procurar conhecer os cultos, os hábitos e os costumes da
raça negra, vivendo seus valores
culturais, morais e religiosos, com
o objetivo de resgatar sua memória
nacional;
c) Fomentar a descoberta das
raízes negras e a luta pela recuperação de sua identidade racial, como valor individual e comunitário;
d) Promover eventos culturais
e a elaboração de material educativo, destinados à informação e formação da consciência negra e da
cultura nacional;
e) Desenvolver a solidariedade
com as minorias oprimidas, especialmente o índio, pelo seu direito
EXPEDIENTE
É uma publicação de responsabilidade da
Secretaria Nacional do GRUPO DE
UNIÃO E CONSCIÊNCIA NEGRA.
Cx. Postal, 86ó - 74.001 - Goiânia
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VISADO pagavel em Goiânia, em nome
de GRUPO DE UNIÃO E CONSCIÊNCIA
NEGRA.
à identidade, enquanto povo, pelo
uso e pela posse da terra e pela
intocabilidade de suas reservas
naturais;
f) Defender as riquezas naturais do país, apoiando os movimentos ecológicos que lutam contra
a privatização de suas reservas
nacionais;
g) Combater todo tipo de discriminação existente, ou que venha
a existir na sociedade brasileira,
em decorrência da raça, sexo, idade ou crença religiosa e contribuir
a favor da igualdade racial, política e econômica do povo brasileiro.
Nesta primeira edição, apresentamos alguns comentários sobre a situação geral da raça em
Março/Abril
CONSCIÊNCIA NEGRA
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13 de Maio: O que houve por trás da Lei Áurea?
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€SSA íe^t Sé'
Há quase um século, as crianças brasileiras vêm aprendendo na
Escola, a cultuar a princesa Isabel,
como a "Redentora", porque assinou a Lei Áurea.que terminava
com o regime de escravidão no Brasil, a 13 de maio de 1888.
Mas, será que as coisas ocorreram realmente dessa forma? Foi o
senso de justiça qe motivou o governo imperial e abolir a escravidão?
A História não aconteceu bem
assim do jeito que sempre quiseram
nos fazer acreditar. As mudanças
econômicas que ocorriam na Europa
e os interesses financeiros da Inglaterra tiveram muito a ver com
essa Lei. A Revolução Industrial
estava começando na Europa, trazendo o avanço do capitalismo. A
Inglaterra tinha muitas colônias na
Ásia e na África, e precisava dos
braços africanos para a sua produção. Se os países da América libertassem os escravos, produziriam
menos e teriam que vender mais caro sua mercadoria, do que a que era
produzida pelos escravos nas colônias da África e da Ásia. Então, para proteger a Indústria inglesa, era
necessário libertar os negros em toda a América.
Por isso, o governo inglês decretou a Lei Bill-Aberdeen.proibindo o tráfico de escravos, sob pena de aprisionar os navios suspeitos
de trazer africanos para trabalhar
na América.
Para incrementar o desenvolvimento do capitalismo industrial,
fazia-se necessário o fim dos grandes monopólios, isto é, terminar
com as grandes plantações de um
só produto, que atrapalhavam o novo processo de acumulação de capital, agora baseado na produção. Para
isso a escravidão já não era mais
importante e precisava acabar.
Essa situação influenciou a
classe dominante no Brasil, que já
não conseguia mais comprar os homens negros que precisava e tinha
que pagar muito caro pelos poucos
que encontrava nos portos.
Até aqui vimos que o fim da
escravidão era interesse das classes
dominantes da Europa, e consequentemente do Brasil.
Ao lado disso, para pressionar
o governo imperial, somou-se a
Campanha Abolicionista, liderada
por intelectuais brasileiros que sonhavam para o Brasil, as mudanças
políticas e econômicas que aconteciam no velho continente. É verdade que, entre os intelectuais que lutavam pela libertação dos escravos,
alguns entendiam que ela devia ser
realizada com participação dos negros, e nesse sentido, até ajudavam
nas fugas de escravos para os quilombos.
Também, é preciso a gente entender que os escravos brasileiros
não ficavam apenas se lamentando,
esperando que um decreto da princesa os libertasse. Desde os primeiros momentos, eles resistiam, se organizavam e lutavam pela sua libertação, chegando a construir vários
quilombos em diversos lugares do
Brasil.
De outro lado, a Lei Áurea não
trouxe uma verdadeira liberdade
para os negros. Numa sociedade
acostumada a explorar o trabalho
escravo e a considerar os negros como inferiores, não se criou nenhuma condição para que essa liberdade
significasse também o direito de
sobrevivência digna para os negros.
Por isso. os negros que vão tomando consciência de suas lutas, de
seu valor, comemoram como seu, o
dia 20 de Novembro, dia da morte
de Zumbi e Dia Nacional da
Consciência Negra.
A IMAGEM DA MULHER
NEGRA NOS LIVROS DE
ESCOLA
Se em nossa sociedade, a
mulher é discriminada, pior ainda se for negra. E se as pessoas
negras são discriminadas, mais
ainda se forem mulheres.
Os livros adotados nas escolas do Brasil reforçam todos
os tipos de discriminação — social, racial — de forma que as
crianças crescem aprendendo que
cada um tem o seu lugar marcado, fixo e eterno na sociedade.
E qual será o papel reservado
para a mulher negra e pobre?
Em geral, será o de doméstica. Se tiver sorte e conseguir
espaço no mercado de trabalho,
receberá um salário menor que
o dos homens e dos brancos. Se
a taxa de desemprego entre as
mulheres brancas é de 16%, sobe
a 2Q7c entre as mulheres negras.
As mulheres negras que conseguem estudar, são prejudicadas no mercado de trabalho e um
dos principais motivos disso, é
a imagem que dela passam os livros escolares.
Quando aparecem personagens negras nesses livros, raramente têm nomes, são tratadas
por apelidos. A mulher adulta
aparece sempre como a empregada doméstica e umas são sempre iguais às outras, em quase to-
dos os livros. Iguais no físico,
na personalidade, na profissão:
em geral, nos livros escolares, a
mulher negra não tem história,
não tem família, não tem opinião
própria, não tem vontade.
Diz Fúlvia Rosemberg, no livro "Discriminações étnico-raciais na literatura infanto-juvenil brasileira": a mulher negra
adulta aparece em 30% dos textos, como doméstica, 57% como
gorda e 53% usando avental, com
lábios grandes, seios avantajados, lenços na cabeça...
Mas, não é apenas como empregada, gorda, ignorante e serviçal que a mulher negra aparece
nos livros para crianças e adolescentes. Aparece também, em
vários deles, como mulher má,
praticante de bruxaria, intrigante, desleixada e, às vezes, como
prostituta (neste caso, a prostituição sendo encarada, não como
um problema social, mas como
um pecado, um vício pessoal).
Daí, é preciso que as mulheres negras, as mães, professoras,
e todos que são sinceramente interessados na questão, se movimentem e façam uma campanha
para mudar essa e outras deturpações nos livros escolares.
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Março/Abril
O negro na força de trabalho
O caderno do CEAS, n0 104.
de agosto/85 apresenta um longo
artigo sobre a participação do
negro na força de trabalho no
Brasil, de autoria de Luiza Barros.
Achamos importante, para
melhor conhecimento de nossa
realidade, extrair alguns dados
desse artigo, como alguns exemplares concretos que mostram a
discriminação racial que existe
nesta sociedade, que se ufana de
não ser racista:
Fracassando as tentativas
de escravidão do índio, passouse a trazer o negro para o trabalho pesado nas lavouras. A dominação e exploração total do
negro foram justificadas pelas
diferenças raciais.
Na segunda metade do século XIX, o desenvolvimento do
capitalismo dispensava o trabalho escravo do negro, e passou
a requerer a vinda de trabalhadores europeus para a expansão
da lavoura de café e mão-de-obra nas indústrias que iam surgindo.
Um decreto de 1890 dizia: "é
inteiramente livre, nos portos da
República, a entrada de indivíduos válidos, aptos para o trabalho, excetuando os indígenas
da Ásia ou da África, que somente com autorização do Congresso Nacional poderão ser admitidos."
A preocupação de evitar a
entrada de não brancos no país,
persistiu até mais tarde. Um decreto de Getúlio Vargas, de 1945,
regulava a imigração de acordo
com "a necessidade de preservar
e desenvolver, na composição étnica da população, as características mais convenientes de sua
ascendência européia". Isso, trocado em miúdos, quer dizer: o
governo brasileiro queria que só
viessem brancos para o Brasil,
a fim de "embranquecer" a população.
A conseqüência disso para
os negros, foi que tiveram suas
chances diminuídas no mercado
de trabalho; dava-se preferência
aos brancos, porque os negros já
eram marcados, desde o tempo
da escravidão, como "ignorantes", "preguiçosos", etc.
Os negros que deixavam o
campo passavam a formar o
exército de desempregados ou
sub-empregados; a mulher negra, quando conseguia trabalho,
era como doméstica.
A "modernização" do capitalismo, pouco ou nada mudou
essa situação. As práticas racistas continuam a desqualificar os
negros na força de trabalbo, a
empurrá-lo para as posições inferiores, para as que têm menos
chances de promoção e que são
mais desvalorizadas.
Vejamos alguns depoimentos de trabalhadores negros
baianos que sofreram na carne
essa discriminação no trabalho:
1. Uma professora primária,
21 anos, estudante de pedagogia,
com experiência em alfabetização. No Io semestre de 1985,
apresentou-se para estágio numa escola para crianças, num
bairro de classe média em Salvador. Depois de algumas semanas,
trabalhando sem remuneração,
viu que a coordenadora e as colegas estavam satisfeitas com o
seu trabalho, mas não foi con-
Para a mulher negra, essa sitratada. Explicaram-lhe que a
tuação
é duas vezes pior. Mesmo
decisão não era da escola mas
nos
trabalhos
considerados "feuma imposição dos pais dos alumininos",
como
o de professora
nos. Ela não fazia o "tipo" que
primária,
a
mulher
negra está em
os agradasse. Foi substituída
desvantagem:
"servente
negra
por uma professora loura, de
pode,
mas
professora,
não!"
olhos azuis, sem experiência. A
Isso mostra como é necessáescola, entretanto, empregava
rio
a
luta para se fazer, na Consvárias negras como serventes
tituinte,
leis que combatam a dis(Jornal da Bahia, setembro,!985)
criminação
racial. Mas só isso
2. Um cozinheiro formado
não
basta.
É
preciso um grande
pelo SENAC, ouviu a seguinte
esforço
dos
negros
e dos que são
declaração, quando buscava trasensíveis
a
essa
questão,
no senbalho no Café do Shopping-Center Itaigara, em Salvador: — "In- tido de mudar a mentalidade; de
felizmente, eu vou lhe ser since- fazer cdm que as pessoas em gero: preto aqui, só pode trabalhar ral, abram mais a cabeça e superem preconceitos impostos hisescondido".
toricamente pela classe domiFatos como esses se repe- nante. Isso diz respeito tanto
tem, quase todos os dias, em to- aos não negros, como aos pródo o território e mostram como prios negros que assimilam a
a condição racial prevalece sobre distorcida visão racial dos dominadores europeus.
quaisquer outras condições.
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CONSCIÊNCIA NEGRA
Março/Abril
O menor ne
O tema lançado pela CNBB para
a Campanha da Fraternidade/87 é
sobre o menor, principalmente o
menor marginalizado: ' Quem acolhe o menor, a mim acolhe". Muitas
revistas, jornais e boletins, em todo
o país, vêm publicando estudos e
artigos diversos sobre a realidade
do menor em nossa sociedade.
Em tudo o que se tem escrito
e falado sobre o menor abandonado,
podemos ver que a causa principal
de sua situação é a desigualdade de
classe.
E o menor negro? Como é que
fica a situação do menor de cor negra ou mestiça, nesta sociedade que
procura negar sempre que é o resultado da mistura de várias raças?
A respeito disso, apresentamos
aqui, um resumo adaptado do artigo
do padre Benedito de Jesus Laurindo, publicado na Revista Pastoral
de março/87abril de 1987.
A sociedade brasileira sempre
se esforçou para vender a falsa
imagem de "democracia racial"
neste país. Na verdade, é impossível
negar que existe a discriminação
racial nos fatos, nas situações concretas.
O elemento negro é discriminado desde o começo^ da nossa história. Foi trazido da África para ser
escravo no Brasil-Colônia e marginalizado nas transformações sociais
e econômicas que ocorreram após a
abolição da escravatura.
Rejeitado socialmente, até como mão-de-obra, muitas vezes só
encontrava condições de sobrevivência na marginalidade; obrigado
a morar nas favelas em condições
sub-humanas.
Os poucos que escapam da favela, são explorados como peões ou
bóias-frias nas áreas rurais ou habitam os cortiços das grandes cidades.
Poucos são os elementos negros
que conseguem vida digna, e poucas
as crianças negras que escapam das
instituições. Sendo em sua grande
maioria, tilhos de alcoólatras, prostitutas, ladrões, o menor negro segue só, abandonado, primeiro pelafamília, depois nas instituições onde são obrigados a ficar e, finalmente dentro da comunidade.
As instituições onde são colocados, são verdadeiros depósitos,
onde se amontoam um grande número de crianças que têm atendidas
apenas as suas necessidades de alimentação, roupa e local para dormir.
Dentro das instituições, a
criança negra sofrerá bem de perto
a discriminação racial. Quando se
procuram crianças para adotar, os
meninos negros são rejeitados, às
vezes por famílias negras, que preferem adotar crianças brancas. E,
se alguma família branca se interessa por crianças negras, será para
transformá-las em mão-de-obra
barata.
Esses meninos são quase sempre hostilizados por seus colegas,
por causa de sua pele, do nariz, e
dos cabelos. Em geral, nem sequer
são tratados pelo nome; mas sim por
apelidos que servem para diminuílos, como: "Muçum ', "Negrão",
"Tição", etc.
Muitas vezes, o menor negro
é discriminado até pelos profissionais encarregados de cuidar deles.
atingir um grau social superior, se
permite que o negro se torne jogador de futebol, mulata, cantor ou
compositor.
Quando alguns membros da comunidade negra consegue "subir na
vida", tratam com indiferença e até
desprezo, os de sua raça, dificultando cada vez mais, a situação do
menor negro.
Hoje, um pai de família negra
não se sente seguro diante da violência policial, pois sabe que, a
qualquer momento seu filho poderá
ser confundido com um trombadinha, ser espancado na FEBEM, pelo
simples fato de ser negro.
De outro lado, o homem negro
vem contribuindo para aumentar o
abandono da criança negra, uma vez
que essas crianças são, em grande
parte, filhos de pais desconhecidos.
As mulheres acabam assumindo todas as responsabilidades.
E ainda pouca a contribuição
do movimento negro para a integração do menor nesta sociedade.
CANTO NEGRO PARA ANGOLA
Vem do mar um canto negro,
um canto de negro mar.
Pelos navios negreiros
pelos lançados ao mar.
Pelo fogo dos quilombos,
berimbaus silenciados,
vem do mar um canto negro
um canto de negro mar.
Tambores da noite,
acordai na terra turva
ossos roídos de sal
e séculos!
Látego dos engenhos!
gosto morno de açúcar mascavo!
ventre revolto de minas!
Abrandai a pele das campinas!
assisti vencidos à marcha
dos escravos redividos!
ossos esquecidos sob o mar,
cessai o andar erradio
pelos abismos,
retornai à terra negra,
de branca noite liberta.
Sinos cegos de sal,
aruanda renasceu!
visto que essas pessoas sairam desta mesma sociedade racista.
E quando crescer, o menor negro terá que enfrentar a discriminação no mercado de trabalho, encontrando barreiras por causa de
sua raça.
A comunidade costuma ver no
menor negro, quase sempre, um
trombadinha, um ladrão. Por isso,
procura expulsá-lo de seu meio,
forçando o seu retorno ao lugar de
origem, à favela. O que resta então,
a esse menor, a não ser cumprir o
papel determinado por essa sociedade racista?
E à criança negra não assistida
por instituições, cabe a solidão de
viver numa sociedade traçada em
branco, onde todos os seus valores
são pecados. Os meios de comunica-
ções reforçam a imagem do negro
como sub-humano, servil e submisso. Na escola, ele sofre humilhações; a verdadeira história da escravidão não é ensinada: não se fala
dos quilombos, dos mocambos, das
revoltas e rebeliões; nada é dito sobre a batalha travada pelo negro
contra o regime escravo.
A História do Brasil não mostra que o trabalho do homem negro
sustentou o período colonial e forneceu o capital necessário para erguer a sociedade que temos hoje.
Ser negro nesta sociedade significa
ser identificado com o mau, o sujo,
o-duvidoso. Significa ter um lugar
inferior na sociedade — tornar-se
um bom trabalhador braçal ou uma
boa doméstica. No máximo, para
sangue de Zumbi
em minhas veias,
olhos negros de zumbi
nos seus olhos peregrinos:
Angola, menina negra,
vestida num vento vermelho
de rebeldia!
cantarei um canto negro,
um canto negro de mar
até que a marcha
dos ossos convocados
domine meu canto
Torna ao mar um canto negro,
um canto negro de mar.
(Pedro Tierra)
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CONSCIÊNCIA NEGRA
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Março/Abril
Democracia racial" no Brasil
Padre Gílio foi transferido
para Passo de Sobrado, onde
predomina a colonização alemã
e é reduzida a presença de negros.
BRANCA NÃO QUER
NEGROS NA CALÇADA
A professora Eneida Maria
V?íZ, da cidade de Rio Grande,
nu ?.ic Grande do Sul, deu queixa à Polícia, de sua vizinha,
Cleuza Rodrigues, por "ofensas
discriminatórias".
Em meados de fevereiro,
Cleusa impediu os dois filhos da
professora de passagem pela
calçada defronte à sua casa. Segundo a professora Eneida, as
provocações da vizinha eram
constantes, mas chegaram ao
máximo, em meados de fevereiro, quando diante dos outros
moradores, Cleusa Rodrigues
falou, aos gritos, que "odiava
negros e não permitiria mais que
passassem pela sua calçada".
O inquérito está sendo feito
na 1' Delegacia de Polícia de Rio
Grande, onde a professora Eneida entrou com a denúncia.
Na verdade, é muito raro
que as pessoas discriminadas racialmente se queixem à Justiça.
A maioria desconhece que, embora fraca, há uma lei que proíbe
e pune atitudes de discriminação
racial.
POLÍCIA PRENDE E
ESPANCA JOVEM NEGRO
Para quem insiste em acreditar que não existe racismo no
Brasil, mostramos algumas notícias publicadas pelos jornais
deste ano, entre os meses de janeiro e fevereiro. São pequenas
amostras da discriminação racial, entre outras que nem chegam a ser divulgadas:
CLUBE TIRA GAROTO
NEGRO DA PISCINA
Na véspera do Carnaval, na
cidade de Salvador, na Bahia, o
menino Marcelo Santana, de 7
anos, foi expulso da piscina do
Clube dos Médicos, no bairro da
Boca do Rio, por ser negro. A
denúncia foi feita pela publicitária Angela Mancini, que havia
levado o garoto ao clube, juntamente com seu filho, de 6 anos.
Ela contou que um médico,
dizendo-se diretor do clube e
que não se identificou, expulsou
Marcelo, alegando que ele poderia contaminar as outras crianças, por não ter "princípios de
higiene", sendo um "menino de
rua" (o menino tomava conta dos
carros estacionados em frente ao
clube).
A publicitária discutiu com
o diretor, dizendo que se Marcelo era um menino de rua, seu filho também era, pois costumavam andar juntos, mas o médico
não quis saber. A diferença é que
o filho da publicitária é branco,
loirinho e, certamente por isso,
não foi incomodado.
PADRE NEGRO
TRANSFERIDO NO SUL
No início do ano, o padre Gí-
lio Felício, da Paróquia de Rió
Pardo, Diocese de Santa Cruz do
Suí, foi transferido daquele local, por causa das pressões da
comunidade branca.
Padre Gílio é um dos 10 pa'res negros, dos 7 mil existentes
no estado e o único entre os 75
padres da Diocese. Em dezembro, ele celebrou uma missa com
elementos da cultura negra (instrumento típicos, danças e cantos
ritmados) na localidade de Arrolo das Pedras.Aliás, neste local, existem duas capelas: a
Imaculada Conceição,freqüentada pelos brancos e a capela
Bela Crnz,frequentada pelos
negros. Cada uma delas tem diretorias e comemorações diferentes, apesar de estarem separadas por apenas 20 metros.
No dia 2 de fevereiro, o acadêmico de direito e artista de
teatro, Ivancésar Leal de Souza,
procurou a portaria do Clube
Recreativo Araguaia, em Gurupi,
Goiás, onde se realizava um baile de Carnaval, para se eocontrar
com um amigo que estava lá dentro e lhe entregar um talonário
de cheque.
Ao ser barrado na porta,
disse ao porteiro que não queria
entrar no clube, mas apenas falar
com o amigo. Nesta hora, já eram
4:30 da marhã e a entrada do
clube estava liberada. Sem ter sido chamada, a polícia interveio
de forma agressiva, e espancando-o, levou-o para a Delegacia,
onde continuou com o mesmo
tratamento. O motivo do impedimento de entrar no clube e da atitude da polícia, foi o fato de
Ivancésar ser negro.
Março/Abril
A política racista, violenta e
criminosa do governo da África
do Sul, liderada por Peter Botha, vem sendo mantida, apesar
da revolta de quase todos os povos do mundo.
Porém, é verdade que vem
crescendo e se fortalecendo a
oposição de muitas Igrejas e de
organizações políticas e populares a esse regime racista.
A respeito disso, a revista
Tempo e Presença,publicou um
artigo de Francis MacDonagh, em
sua edição de janeiro/fevereiro
deste ano. Mostramos aqui alguns tópicos principais deste artigo:
— A história das instituições
cristãs, controladas por brancos,
não é nada gloriosa. Legitimaram a exploração baseada no racismo, tantaram abrandar os
efeitos do sistema com obras de
caridade, mas não desafiaram a
ideologia do racismo e da desigualdade econômica.
— Somente nos anos 50, que
a oposição das Igrejas se tornou
forte, porque o Estado invadiu
sua área de ação. As Igrejas católicas e anglicanas opuseram-se
à Lei de Educação Bantu.de
1953, que separava e inferiorizava as crianças negras. Os anglicanos fecharam suas escolas
e os católicos se retiraram da
educação do Estado, mantendo
suas escolas sem a ajuda do governo.
MASSACRE DE
SHARPEVILLE
A matança de 69 africanos
em Sharpeville, em 1960, motivou a mudança de atitudes das
Igrejas. Nesse ano, 8 Igrejas sulafricanas afirmaram o direito
dos negros de participar do governo do país. Formou-se nesta
época o Instituto Cristão, que
iniciou uma política de apoio às
Igrejas multi-raciais e um diálogo com as Igrejas independentes
negras. Nos anos 70, encorajou
o movimento de consciência negra a colaborar com a iniciante
Teologia Negra nos Estados
Unidos, reivindicando o acesso
dos negros ao poder. Foi fechado pelo regime racista em 1977.
NEGROS
CONQUISTAM
ESPAÇOS
NAS IGREJAS
— Em 1963, pela primeira
vez, a Igreja Metodista elegeu
um presidente negro.— A Igreja Anglicana sagrou
CONSCIÊNCIA NEGRA
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como arcebispo da cidade do Ca- ção de figuras como a do Arcebo, Desmond Tutu, que pertencia bispo Desmond Tutu, do revêao Conselho Sul-Africano das rendo Boesak, e do padre MkIgrejas, elemento importante na
luta contra o racismo.
AS IGREJAS ENTRAM FIRMES NA LUTA
— Em 1977, os bispos católicos comprometeram-se com a
causa do povo, por meio de uma
"Declaração de intenção". Desde
então, a maioria das Igrejas
apoia o movimento popular contra o racismo.
— Em agosto de 1986, os bispos católicos da África do Sul,
conclamavam o governo da África do Sul a reconhecer as reivindicações dos negros, como um
movimento justo de reivindicação, a soltar os presos políticos
e negociar com as verdadeiras lideranças do povo. Muitos cristãos têm papéis importantes nas
organizações de oposição.
NEGROS ASSUMEM A LIDERANÇA
— Atualmente, tanto nas Igrejas
como na política, são os negros
que definem os rumos da luta.
A organização mais importante
é o Instituto de Teologia Contextual, dirigido pelo reverendo
Frank Chikane. Esse Instituto
coordenou a redação do "Documento Kairós", que apresenta a
primeira expressão verdadeira
de fé dos cristãos negros. Ele
chegou a chocar os bispos anglicanos e católicos, por rejeitar o
conceito de "reconciliação" e
justificar a luta dos militantes
negros.
— Com a publicação do "Documento Kairós", e com a atua-
hastshwa, os cristãos negros tomaram a liderança moral das
Igrejas.
O movimento negro
e a constituição
Nas eleições para a Constituinte, no ano passado, poucos
eram os candidatos negros com
uma consciência amadurecida de
sua raça. Alguns deles são usados pelos partidos e não colocam
a questão racial como bandeira
de luta.
A discriminação racial é considerada uma contravenção penal pela Lei 1390/51, conhecida
como Lei Afonso Arinos, com
penalidades leves para o infrator que pode, inclusive, ser liberado sob fiança. Uma das lutas
do movimento negro é, justamente, a substituição desta lei,
por uma outra que considere a
discriminação racial como crime
sem fiança, com penas de prisão
para os que a praticarem.
Algumas das principais reivindicações dos militantes ne-
gros é no campo da educação.
Nesse sentido, lutamos pela proposta de que o ensino público (e
mesmo o particular) adote no
seu programa, a história da cultura afro-brasileira. É preciso
rever a maneira como a história
dos negros no Brasil é contada
nas escolas.
Propomos ainda: a criação
de leis que punam os meios de
comunicação ou pessoas por divulgar idéias racistas; proibição
da sub-empreitada da mão-deobr%, por parte das empresas governamentais, pois este é um
modo disfarçado de explorar a
mão-de-obra negra e da pop"'ação pobre em geral. E que o lia
20 de novembro, dia de Zumbi
seja transformado em feriado
nacional.
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Março/Abril
CONSCIÊNCIA NEGRA
O povo negro na História do Brasil
Para assumir nossa identidade de negros, nossas raízes
africanas, e nossa história de
afro-brasileiros, é que existe o
Grupo União e Consciência
Negra. Precisamos reescrever a
História deste país que, tendo sido freqüentemente escrita por
brancos das classes altas, esconde a verdadeira contribuição do
povo negro.
Os fatos históricos, em toda
a América Latina, são contados
a partir das experiências e com
a visão do conquistador. Dessa
forma, as crianças brasileiras e
latino-americanas
em
geral,
crescem com estranhas idéias na
cabeça, acreditando que seus antepassados negros, índios ou
brancos da classe pobre, pouco
ou nada fizeram neste continente. Quando se fala da atuação na
história, dessas camadas oprimidas, é de forma distorcida:
uma revolta legítima de escravos
é omitida ou transformada em
fato negativo; a resistência dos
índios é transformada em "preguiça de trabalhar" e bestialidade; a luta geral dos trabalhadores por melhorias de vida é, nos
livros de história, considerada
como rebelião subversiva, badernas.
Um exemplo típico disso é
a maneira como a história oficial
trata o fato da abolição da escravatura no Brasil, como se
fosse um ato de extrema bondade da monarquia, personalizada
na princesa Isabel. Não se mostra as implicações deste fato
com uma longa luta de libertação
travada pelos escravos e com as
necessidades de mudança quees1
tavam surgindo no capitalismo
nacional e internacional.
Enfim, tudo se faz para esconder ou distorcer as verdadeiras causas dos acontecimentos
históricos e ó papel do povo neles, principalmente dos negros e
dos índios.
Ultimamente, essa questão
tem preocupado a várias pessoas e grupos comprometidos
com a causa popular e com as
minorias. Nesse sentido, vêm
surgindo algund livros e ostras
publicações com o objetivo de
aprofundar mais a participação
dos oprimidos em nossa história. Algumas delas tratam, de
maneira mais específica, do povo
negro, desde a sua vida forçada
da África, sua resistência em vários tempos e lugares.
A partir de agora, mostraremos em capítulos, alguns fatos
importantes da caminhada do
povo negro na História do Brasil. Começaremos por sua vinda,
logo após o descobrimento e
prosseguiremos, nos próximos
números, dando maior peso aos
movimentos de organização e luta dos negros, principalmente na
formsção dos quilombos.
1. CONQUISTA DE NOVAS
TERRAS
Para entender a escravidão
e o tráfico de negros africanos,
é preciso lembrar o que estava
acontecendo na Europa nos séculos XV e XVI (entre 1401 e
1599), quando estava saindo da
Idade Média e entrando na Idade
Moderna. Foi quando começaram
as viagens pelo mar, em busca
de novos mercados para o comércio, e os países que mais se
destacaram foram Portugal e Espanha.
Nessas viagens, os europeus
dominavam os povos dos lugares desconhecidos onde chegavam, formavam colônias e chamavam-nas de "novas terras".
Mas, para os povos que já
habitavam as terras invadidas
pelos europeus, "novos" eram
os que chegavam. Por isso, quando se diz que os portugueses
descobriram o Brasil, é muito
relativo. Para os índios,'o Brasil
já estava descoberto há muito
tempo.
COLÔNIAS E METRÓPOLES
Os países europeus que tinham colônias eram chamados
de metrópoles. O crescimento
econômico das metrópoles dependia das colônias. Essas riquezas era só para a classe dominante das metrópoles, porque
os pobres continuavam sendo
explorados pelos ricos.
A metróplole tinha todos os
direitos de monopólio em relação às colônias. Isso quer dizer
os seguinte: só a metrópole podia comprar ou vender mercadorias para as colônias. No caso
brasileiro, só Portugal podia comercializar com o Brasil.
No início, os portugueses
foram levando do Brasil, além de
outras coisas, o pau-brasil, e o
açúcar e mais tarde, o ouro e a
prata.
A produção de cana-de-açúcar enriquecia os comerciantes e
os reis portugueses de várias
maneiras:
1. Os mercadores portugueses compravam a cana a preços
baixos, e revendiam a altos preços na metrópole;
2. Compravam na Europa,
produtos que revendiam na colônia por um preço alto. Eram produtos de consumo para os senhores de engenho;
3.Monopólio do tráfico negreiro, isto é: só os portugueses
traziam escravos da África para
vender no Brasil. Dos lucros do
tráfico negreiro, uma parte ia
para os comerciantes, outra para
a Coroa portuguesa e outra ia
para os padres da Ordem Jesuíta.
O tráfico e a escravidão foram
fundamentais para esse sistema
funcionar bem. Inicialmente, só
Portugal traficava escravos.
Mais tarde, todas as metrópoles
queriam participar também, porque dava muito dinheiro. Os ingleses e holandeses foram para
a África compra escravos.
Na próxima edição de Consciência Negra veremos como foi
o começo da escravidão no Brasil.
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13 de Maio: O que houve por frás da Lei Áurea? ^