28 de Janeiro de 1982 FOLHA DE S. PAULO Lord Lever admite que houve conluio contra países pobres Nos idos de 1973/75, houve uma conspiração ou no mínimo um conluio entre o governo dos EUA e outros países ricos, os banqueiros internacionais e os países produtores de petróleo contra os países em desenvolvimento e foi dela que resultou a astronômica dívida externa e a "quebradeira" de nações como o México, Argentina, Polônia e Brasil. A tese é sustentada há muitos anos inclusive com base em documentos pela publicação "International Currency Review", de Londres que durante todo esse tempo procurava alertar os governantes dos países desenvolvidos e os próprios banqueiros contra o desastre para o qual estavam conduzindo a economia mundial, ao induzir os países em desenvolvimento a caírem no "conto da dívida." Em meados deste ano, com os "estouros" de países e prejuízos para os bancos, as previsões da "International Currency Review" começaram a ser repetidas por quem, antes, as encarava com desdém: banqueiros, governantes dos países ricos, economistas "monetaristas" admitiram a gravidade da situação internacional e a possibilidade de uma Grande Depressão semelhante à dos anos 30. Nessa época, a "International Currency Review" obteve uma entrevista com Lord Lever, exsecretário do Tesouro (ministro da Fazenda), da Inglaterra, publicada em sua edição de julho últi- mo. Nela, Lord Lever, embora negue, diplomaticamente, que tenha havido uma "conspiração" previamente planejada, reconhece que ela existiu, na prática, com os efeitos arrasadores apontados: endividamento dos países pobres, insolvência, riscos de "quebradeira" mundial. Além do diagnóstico, que responsabiliza os países ricos por grande parte dos problemas atuais dos países pobres, o ex-secretário do Tesouro britânico apresenta propostas que dão, aos países ricos, um poder inimaginável, sobre os destinos dos países pobres. Ele propõe a criação de um comitê mundial, constituído pelos bancos centrais dos países ricos, para, em colaboração com os seus governos, estabelecerem o "teto" que os créditos internacionais deverão obedecer, em determinado ano. Esse comitê, isto é, os países ricos, decidiram ainda qual o volume de empréstimos que cada país deveria receber dentro do teto global a cada ano. Vale dizer: de nada adiantaria países como o Brasil traçarem políticas econômicas, pretendendo atingir determinado grau de crescimento dentro de determinado prazo porque seus projetos teriam que se enquadrar nos limites de financiamento decididos pelos países ricos. Para muitos observadores, essa proposta já está sendo aplicada, tanto que países como o México, Argentina e, agora, o Brasil, para poderem renegociar sua dívida externa, tiveram que estabelecer limites para volume de empréstimos externos que tencionam captar em 1982. Segue-se um resumo, adaptado, dos principais trechos da entrevista: Os governantes ficaram passivos International Currency Um artigo publicado recentemente pelo boletim trimestral do Banco da Reserva Federal de Nova York afirma que as operações no mercado do eurodólar (N. da R: no qual se contratam os empréstimos internacionais) tumultuam as políticas monetárias adotadas pelos diversos países. Os limites estabelecidos pelos Bancos Centrais, no mercado interno, são contornados com essas operações. Ora, essa afirmação do Banco representa uma reviravolta nas afirmações que os técnicos do governo norte-americano (e outros países desenvolvidos) faziam nos últimos anos, segundo as quais o mercado do eurodólar era completamente separado do sistema doméstico do dólar... Lord Lever Exato. As conseqüências dessa situação foram o descontrolado crescimento dos financiamentos internacionais, inutilizando as políticas monetárias dos países. O mercado do eurodólar é na verdade uma tentativa coletiva por parte de investidores, banqueiros e depositantes, de escapar até mesmo de um controle modesto sobre a criação de moeda e crédito... International Currency O sr. está afirmando que os governos foram incapazes de controlar o volume de liquidez mobilizado pelo euromercado? Lord Lever Eles apenas foram incapazes, como decidiram não interferir. Com isso, reduziram sua capacidade de controlar seus suprimentos domésticos de moeda, como reduziram a possibilidade de uma administração econômica firme e efetiva. "Ë realmente extraordinário que os ministros das Finanças do Mundo" não entendam isso. "Assim, um ministro das Finanças prazerosamente reduz uma verba para confecção de livros escolares", como forma de controlar a expansão de moeda em circulação, e no entanto "permanece totalmente indiferente ao fato de que bilhões de dólares estão sendo destinados a financiar (através dos empréstimos internacionais), por exemplo, a construção de navios do bloco soviético ou programas de armamentos". Mais claramente: enquanto as operações e o comportamento do mercado do eurodólar não estiverem submetidos a amplos controles internacionais, as políticas de combate a inflação adotadas por qualquer país, internamente, serão inúteis. EUA apoiaram o cartel da Opep International Currency O sr. criticou a especulação financeira internacional, mostrando seus efeitos sobre a economia mundial, inclusive a inutilidade das políticas monetárias de "cintos apertados”, adotadas pelos diversos países, já que elas são destruídas pelas operações no mercado internacional. O sr. diz, também, que os governos das maiores potências financeiras do mundo simplesmente se omitiram, e observaram, de braços cruzados, o inchaço do euromercado. Não haveria algo mais do que isso? Trabalhos anteriores publicados por esta revista mostraram que na realidade, os Estados Unidos através do Tesouro (equivalente ao Ministério da Fazenda) e do Banco Central adotaram uma política deliberada para permitir a expansão do mercado de eurodólares. Em determinado momento, nos anos 73/75, o governo dos EUA descobriu que poderia financiar seus déficits através da venda de seus títulos aos países exportadores de petróleo, precisando do euromercado para a chamada "reciclagem" dos petrodólares, que comprariam seus papéis... Lord Lever Os EUA, evidentemente, perceberam uma oportunidade que os capacitaria a vender títulos a um mercado inteiramente novo, a um ritmo prodigioso. No entanto, eu nego que, em absoluto, tenha havido uma conspiração... International Currency De qualquer forma, as autoridades dos EUA tiraram a máxima vantagem da situação, em lugar de recuar e indagar se não se estava conduzindo (o mundo) para uma catástrofe. Lord Lever "O cartel do petróleo surgiu em 1973. É bastante claro que os EUA e outros governos efetivamente forneceram as bases para o (êxito do) cartel. Foi combinado que haveria fartura de crédito internacional à disposição dos países mais pobres do mundo, para que eles pudessem pagar os preços, mesmo exorbitantes, que o cartel decidisse cobrar... Logicamente, um dos problemas que o cartel da Opep enfrentaria era exatamente o fato de uma grande parcela dos países importadores não disporem de condições para pagar o preço imposto pelo monopólio. Assim, se os países ricos e seus banqueiros não tivessem através do mercado do eurodólar emprestado maciçamente aos países pobres, a Opep teria que reduzir seus preços. Como conseqüência os países pobres se tornaram clientes dos bancos ocidentais, e se endividaram. Não há dúvida de que os banqueiros previram grandes lucros, aproveitaram sua opor- tunidade e foram encorajados pelos seus governos a fazê-lo. International Currency O que o sr. está dizendo, confirmando nossas análises publicadas anteriormente, é que o mecanismo de reciclagem (dos petrodólares) foi montado como uma forma de escamotear os efeitos que a alta de preços traria e sua principal conseqüência foi, exatamente, perpetuar o cartel (os preços altos) e capacitá-lo a continuar em operação, e levar a economia mundial à beira do colapso. Lord Lever Correto. Sob esse ponto de vista, os governos dos países ricos estimularam uma política financeira internacional que representou o máximo da irresponsabilidade. "No entanto, eu tenho que acrescentar que os governos abdicaram de sua responsabilidade, e continuam a fazê-lo em parte, devido à sua compreensão limitada. É quase impossível alguém acreditar que pessoas eruditas, zelosas, competentes, sábias como temos em nosso Tesouro (Ministério da Fazenda), os alemães ocidentais têm em seu Tesouro, e os americanos têm no deles, podem sentar-se e observar esse sistema destrutivo operando e não enxergar o que ele está fazendo à economia internacional e às operações financeiras mundiais, sem ficar alarmados... Eu preciso dizer-lhe que eu posso confirmar que há uma persistente falta de compreensão da gravidade deste problema." A proposta para defender bancos Currency Review Diante do agravamento da situação financeira internacional, que propostas o sr. faria? Lord Lever Precisamos de um controle total sobre a expansão do crédito internacional, para disciplinar bancos e países: a) haveria um sistema pelo qual os bancos centrais dos países líderes, agindo em colaboração com seus governos, preparariam uma previsão periódica do volume total de recursos necessários para a reciclagem da liquidez, ou, em outras palavras, para os financiamentos pelos bancos. b) Essa cifra total, então, seria dividida, em quotas, para cada área do mundo. Se o Comitê considerasse necessário, por razões políticas ou econômicas, que os países da América Latina recebessem US$ 40 bilhões no próximo ano, seria essa a fatia do crédito internacional que caberia à região. c) Essa quota seria então distribuída, entre os bancos financiadores que se candidatassem a fazer as operações. d) As quotas seriam liberadas em parcelas: a Polônia poderia receber, por exemplo, os recursos necessários para cobrir um semestre. e) Os bancos emprestadores teriam que registrar todos os seus empréstimos junto ao Comitê que manteria um detalhado roteiro de acompanhamento de todos esses empréstimos. f) Se, apesar de todos esses controles, o país tomador do empréstimo viesse a enfrentar problemas e não pagasse seus débitos, os governos dos países dos bancos emprestadores cobririam os prejuízos dentro de determinadas salvaguardas. Isto significa que os bancos nunca iriam a falência, ou enfrentariam crises de liquidez, devido a devedores faltosos. (A.B.)