JOSÉ DE ALENCAR: ENTRE O CAMPO E A CIDADE Thayanne Oliveira Rosa LUCENA¹, Dr. Gustavo Abílio Galeno ARNT² 1. Bolsista PIBIC/IFB - Instituto Federal de Brasília- Campus: São Sebastião- DF [email protected] 2. Orientador Instituto Federal de Brasília- Campus: São Sebatião- DF Introdução Sabemos que a cidade surge da necessidade da comercialização dos próprios proprietários das fazendas. Sendo assim, para iniciarmos devemos fazer uma breve observação acerca da relação histórica entre o campo e a cidade. Precisamos ter conhecimento de que o campo sempre existiu, mas, pelas necessidades que houve ao decorrer dos anos, a cidade acabou se estabelecendo, em pequenas aldeias ganhando mais terras do que o esperado, prejudicando a vida de quem morava no campo. Segundo Williams (2011) as pessoas do campo produziam com o intuito de comercialização. A cidade se instalou com o propósito de comercialização, também, se desenvolvendo a partir do surgimento da energia e indústrias. Diante de tantas mudanças, houve a necessidade de fracionar mais ainda a divisão de trabalho, na cidade. Assim, o campo, de certa forma, passou a ser caracterizado pela qualidade de vida, e pela tranquilidade. Com isso, Williams (2011) mostra que a cidade se caracteriza como um ponto de industrialização de comercialização, de saber, luz e muita agitação, ou seja, a cidade se tornou um ponto de referência não por ter uma vida de qualidade, e sim pelas comercializações que se eram feitas. Sendo assim, com desenvolvimento da cidade aumenta-se a visão que a cidade é ruim e o campo passa a ser visto como um paraíso. Mas mesmo com o surgimento da cidade, o mundo urbano nunca deixou de depender do mundo rural, pois a cidade precisa se alimentar do que é cultivado e produzido no campo. Em outras palavras, o urbano desde sempre mantém dependência com rural. É consagrada a classificação dos romances de José de Alencar em indianistas, urbanos e regionalistas, que configuram os “três alencares” de que trata Antonio Candido (2006). Neste projeto, nos interessa particularmente o confronto entre romances urbanos e romances regionalistas. Em que pese a considerável fortuna crítica da obra de José de Alencar, ainda há poucos estudos acerca dos romances rurais1 de Alencar e ainda menos investigações acerca das semelhanças e diferenças entre os romances ambientados no campo e aqueles ambientados na cidade. Dessa forma, o objetivo da pesquisa foi entender como se dá o contraste entre o rural e o urbano através da comparação dos romances O Sertanejo e Senhora, de José de Alencar Material e Métodos O material utilizado para a elaboração dessa pesquisa consiste basicamente nos livros que compõem a bibliografia. Além disso, foram utilizadas, também, outras fontes bibliográficas, tais como artigos científicos, teses e dissertações, consultadas em bibliotecas e sites da internet. O corpus foi formado pelos romances O Sertanejo e Senhora, de autoria de José de Alencar, ambos publicados em 1975. O método de pesquisa consistiu em leituras e análises do material bibliográfico. A bibliografia teórica e crítica foi resenhada e fichada de acordo com a necessidade, a fim de fornecer subsídios para as análises dos romances. As análises foram feitas privilegiando a imanência do texto e teve como embasamento teórico e crítico os fundamentos da crítica materialista dialética, especialmente os estudos de Raymond Williams. Foi de extrema importância partimos dos estudos de Raymond Williams, pois nos fez compreender como se deu o surgimento da cidade, quais foram as consequências que ocorreram com a inserção do meio urbano e o mais importante: por que houve a necessidade de criar o novo. Resultados e discussão José de Alencar ao caracterizar sua personagem principal, Aurélia, em Senhora, a apresenta de um modo grandioso: “Há anos raiou no céu Fluminense uma nova estrela. Desde o momento de sua ascensão ninguém lhe disputou o certo; foi proclamada a rainha dos 1 Embora não exista praticamente nenhum estudo de maior fôlego que se proponha a contrastar seus romances rurais com os urbanos. Porém nos últimos anos têm surgido alguns estudos importantes acerca dos romances rurais alencarianos, dentre os quais destaco os de Fernando Gil (2010; 2011) e o de Eduardo Vieira Martins (2011). salões.” (ALENCAR, 2011. p.23). Ou seja, Aurélia é apresentada como uma estrela, sendo que nunca nenhuma mulher tinha nascido com essa beleza incomum de Aurélia. Por outro lado, o autor adota outro perfil em relação ao seu personagem Arnaldo na obra O Sertanejo. Era o viajante moço de vinte anos, de estatura regular, ágil, e delgado do talho. Sobreava-lhe o rosto, queimado pelo sol, um buço negro como os compridos cabelos que anelavam-se pelo pescoço. Seus olhos rasgados e vívidos, dardejavam as veemências de um coração indomável. (ALENCAR, 2005. p. 14) Dessa forma, percebemos que Alencar em Senhora faz uma descrição de Aurélia com esplendor, causando no leitor uma admiração precoce por sua personagem principal; isso ocorre porque Alencar dá uma descrição exata para seu leitor de quão formosa é sua protagonista, mas até o momento ele só descreve fisicamente sua personagem. Entretanto, com relação à obra O Sertanejo, o romancista faz uma descrição minuciosa de Arnaldo, o protagonista, de modo a trazer ao leitor não um homem qualquer, mas um herói em meio ao campo. O autor detalha até mesmo o físico de Arnaldo, mostrando com detalhes as imperfeições em seu corpo. Embora seja um rapaz corpulento, forte e delgado, possui em si marcas físicas causadas pela vida no campo. No entanto, a caracterização de Arnaldo como herói é feita a partir do mascaramento de sua condição de trabalhador rural explorado. Apesar de vários aspectos distintos nos romances Senhora e O Sertanejo, há semelhanças relevantes nos dois romances, dentre estas semelhanças destacamos a forte tendência de os personagens principais serem submissos. Em Senhora Seixas, é comprado, temos uma transação comercial, ou seja, ele se torna propriedade de Aurélia. Já em O Sertanejo, Arnaldo, não participa de nenhuma transação comercial, muito menos é comprado, mas é submisso ao seu senhor, isto é, ele mantém essa dependência por não ter recursos financeiros para se manter. Conclusão Em suma, entendemos que o autor escreve duas obras na mesma época, sendo que em uma traz características puramente regionalistas. Alencar se apropria da história brasileira mostrando a dificuldade que o povo do sertão tinha. O autor explora a beleza da natureza do nordeste. Na outra obra os aspectos são mais urbanos, ele mostra a sociedade daquela época, uma sociedade egoísta que só se importava com seus próprios interesses. Diante disso, Senhora e O Sertanejo se diferenciam na dinâmica das ações, sendo que Senhora estabelece como dinâmica um ambiente tendo cenas escuras e lentas. Já em O Sertanejo essas dinâmicas vão se diferenciar, pois temos como cenário os acontecimentos das ações mais aceleradas. Temos, também, como oposição o espaço das ações, pois em Senhora o espaço é caracterizado por se estabelecer em ambiente fechado, privado da intimidade do casal, do interesse particular de cada personagem. Já em O Sertanejo esse espaço é diferenciado, pois as cenas principais acontecem em espaço aberto, com a presença da natureza, mas os dois romances nesse aspecto vão ser semelhantes, uma vez que em O Sertanejo o espaço é aberto só que também privado , pois não é qualquer espaço, é a fazenda do capitão-mor. A princípio, temos um elemento em comum nos dois romances, que é a submissão que os personagens principais têm a quem detém o poder. Em Senhora, Seixas fica alienado pelo desejo de se tornar rico e acaba se casando, isto é, acaba sendo submisso a Aurélia, perdendo sua liberdade e dignidade. Já em O Sertanejo, Arnaldo se submete a ser um servo fiel ao Senhor Capitão-mor, isso acontece porque Arnaldo não tem opção de efetiva liberdade, ele é constrangido a viver nessa humilhação. As semelhanças e principalmente as diferenças entre os romances nos revelam os vínculos entre a forma de cada romance e a experiência social brasileira, ou seja, o romance rural apresenta especificidades decorrentes da matéria rural, bem como o romance urbano é tributário da matéria decorrente da cidade. Em suma, essa conclusão aponta para o modo próprio que o romance, enquanto forma de arte, tem de se relacionar com a sociedade. Referências bibliográficas ALMEIDA, José Maurício. A tradição regionalista no romance brasileiro. Rio de Janeiro: Achiamé, 1981. ALENCAR, José de. O sertanejo. Rio de Janeiro: Letras e Artes, 2004. ______. Senhora. 36ª ed. São Paulo: Ática, 2011. CANDIDO, Antonio. Literatura e Sociedade: Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul, 2006 HOLANDA, Sérgio Buarque. Raízes do Brasil: São Paulo: Companhia das Letras, 1995 SCHWARZ. Roberto. Ao vencedor as Batatas. São Paulo: Duas Cidades, 2012 WILLIAMS, Raymond. O campo e a cidade: na história e na literatura. Tradução: Paulo Henriques Brito. São Paulo: Companhia de Bolso, 2011.