OPINIÃO17 SEGUNDA-FEIRA, 23 DE NOVEMBRO DE 2015 A GAZETA Leonardo Boff É teólogo e filósofo Temos que abrir-nos “à admiração e ao encanto, e falar a linguagem da fraternidade e da beleza na nossa relação para com o mundo”. Portanto, não nos podemos restringir à ecologia ambiental, pois ela atende apenas à relação do ser humano com a natureza, esquecendo que ele é parte dela Tornar sofrimento pessoal o que acontece no mundo Atualmente, há uma fecunda discussão filosófica, também entre nós com Muniz Sodré (“As estratégias sensíveis”, 2006) e F. J. Duarte (“O sentido dos sentidos”, 2004), no sentido de resgatar a razão sensível como enriquecimento imprescindível da razão intelectual. Esta diligência é necessária, porque é através dela que nos comprometemos afetiva e efetivamente com a salvaguarda da vida no planeta e com a humanização das relações sociais. Curiosamente, o Papa Francisco, neste ponto, em sua encíclica sobre o cuidado da Casa Comum (2015) nos trouxe valiosa contribuição. Ele analisa com espírito científico e crítico “o que está acontecendo com a nossa Casa” (nn. 17-61). Logo adverte que, numa perspectiva da ecologia integral, que é o tema fundamental de seu texto, estas categorias são insuficientes (n. 11). Temos que abrir-nos “à admiração e ao encanto (...) e falar a linguagem da fraternidade e da beleza na nossa relação para com o mundo” (n. 11). Portanto, não nos podemos restringir à ecologia ambiental, pois ela atende apenas à relação do ser humano com a natureza, esquecendo que ele é parte dela. Essa relação unilateral constitui o vício do antropocentrismo, criticado em seu texto (nn. 115-121). Ocorre que o ser humano possui dimensões sociais, políticas, culturais e espirituais sobre as quais há parca preocupação e insuficiente reflexão, o que dificulta encontrar uma solução consistente à grave crise que assola a Casa Comum. Considerando a amplitude dessas dimensões, devemos ir além de uma análise meramente técnico-científica. Devemos, sim, utilizar a pesquisa científica impres- cindível, mas importa “deixar-nos tocar por ela em profundidade e dar uma base de concretude ao percurso ético e espiritual daí derivado” (n. 15). Mais ainda, “devemos transformar em sofrimento pessoal aquilo que acontece ao mundo” (n. 19). Isso vale também com referência às vítimas dos atos terroristas acontecidos recentemente em Paris, sem esquecer também das vítimas feitas pelos pesados bombardeios de forças militares ocidentais, com dezenas de vítimas, sobre um hospital de médicos sem fronteiras e sobre uma escola cheia de crianças. A compaixão não pode ser seletiva. Ricos e pobres carregam a mesma dor, que deve se transformar em nosso própria dor. O Papa Francisco tem clara consciência de que por trás das estatísticas há um mar de sofrimento humano e muitas feridas no corpo da Mãe Terra. Como somos parte da natureza e tudo está inter-relacionado (tema sempre recorrente na encíclica, nn. 70, 91,117, 120, 138,139 etc.) e nós nunca estamos fora da “trama das relações” (n. 240) que a todos envolve, participamos das dores da crise ecológica. Chega a advertir que “as previsões catastróficas já não se podem olhar com desprezo e ironia (...) o estilo de vida atual, por ser insustentável, só pode desembocar em catástrofes, como aliás estão acontecendo periodicamente em várias regiões” (n. 161). Mas o papa não se deixa intimidar por esse cenário. Dá um voto de confiança no ser humano, em sua criatividade e em sua capacidade de regenerar-se e de regenerar a Terra (n. 205); e, muito mais, confia no Deus que, segundo as palavras da tradição judeu-cristã, “é o soberano amante da vida” (Sab 11, 24 e 26: nn. 77, 89). Ele não permitirá que nos afundemos totalmente (n.163). Disso nascerá um novo estilo de vida (alternativa repetida 35 vezes na encíclica), fundado na cooperação, na solidariedade, na simplicidade voluntária e na sobriedade compartida, o que implicará um novo modo de produzir e de consumir e, por fim, nos dará “a consciência amorosa de não estarmos separados das outras criaturas, mas de formamos com os outros seres do universo uma estupenda comunhão universal” (n.220). Como se depreende, aqui não fala mais somente a inteligência intelectual, técnico-científica, mas a inteligência emocional e cordial, como o tenho detalhado nos meus dois livros “Saber Cuidar” e “O Cuidado Necessário” (Vozes). O papa, em suas palavras de afeto e de carinho para com todos, especialmente para com os pobres e os mais vulneráveis, dá claro exemplo do exercício deste tipo de inteligência tão urgente e necessária para superarmos a profunda crise que recobre todos os âmbitos da vida. Em razão desta inteligência emocional, pede que saibamos “ouvir tanto o grito da Terra como o grito dos pobres” (49). Enfatiza o fato de que “nós, com todos os seres do universo, estamos unidos por laços invisíveis e formamos uma espécie de família universal, uma comunhão sublime que nos impele a um respeito sagrado, amoroso e humilde” (n. 89). Kaio Leonardo É jornalista Como tática para levar o terror para a Europa, terroristas têm se infiltrado entre os refugiados no continente Voltando para a França Trinta e dois mil combatentes é a estimativa de pessoas que deixaram seus países para lutar pelo Estado Islâmico no Iraque e na Síria. Da França, a estimativa é de que mais de 1.200 foram para o território sírio, onde foram treinados para lutar em favor de um califado radical. Os serviços secretos americano (CIA), israelense (Mossad), inglês (MI5) e até o francês (DGSE) sabiam que esses combatentes estavam vol- tando para seus territórios de origem com o intuito de punir os países que têm atacado as posições do EI e impedido o exército do ISIS de ter êxito na conquista de mais espaços. Também pesa a derrota do presidente sírio Bashar Al-Assad e de rebeldes moderados. Como tática para levar o terror para a Europa, terroristas têm se infiltrado entre os refugiados que se aventuraram em atravessar o Mediterrâneo e também pela fronteira com a Turquia. Segundo a Agência da ONU para Refugiados, que acompanha a crise e registra as famílias que estão fugindo do confronto, cinco mil refugiados da guerra síria foram para a França desde 2012, sendo que o país prometeu acomodar mais 24 mil até 2017. Independentemente dessa porta aberta, no decorrer da semana o Daesh - pronúncia em árabe para Estado Islâmico -, deu sinais de ofensivas além das fronteiras que esse “estado” domina e alertou o mundo. Em Beirute, no Líbano, país de maioria xiita e rival ao EI, um ataque organizado com duas explosões matou 41 pessoas e feriu 180. Anteriormente, o grupo derrubou um avião da Rússia, país que tem feito ataques às bases do EI e é aliado do presidente sírio. Nesse atentado, foram vitimadas 224 pessoas após a explosão de um artefato de fabricação caseira com potência equivalente a um quilo de TNT, como indicou o presidente russo, Vladmir Putin. Na última terça-feira, 17, o diretor da CIA, John Brennan, disse que “nada vai mudar”, ao advertir sobre a possibilidade de novos ataques terroristas como o que aconteceu na França no último final de semana. Se não houver empenho das autoridades em deter a saída de pessoas recrutadas pelo Estado Islâmico, bem como o seu retorno ao país de origem, é provável que realmente nada mude e que seguidos ataques sejam assistidos com frequência e dimensão maiores. Diretor de Jornalismo: ABDO CHEQUER [email protected] | Editor-chefe: ANDRÉ HEES [email protected] | Editores Executivos: EDUARDO CALIMAN [email protected] e ELAINE SILVA [email protected] | Editor Executivo Digital: AGLISSON LOPES [email protected] | Editor Executivo Visual: EDSON DE MELO [email protected] | Domingo: LÚCIA GONÇALVES - [email protected] | Editor de Arte: DIRCEU GILBERTO SARCINELLI [email protected] | Editora de Qualidade: ANDRÉIA PEGORETTI [email protected]