Universidade Presbiteriana Mackenzie
Centro de Educação, Filosofia e Teologia
Programa de Pós-graduação em Educação, Arte e História da cultura
Jade Pena Magave
O que acontece com a pesquisa quando a Arte toma a frente?
Potencialidades da Pesquisa Baseada em Arte
São Paulo
2014
O que acontece com a pesquisa quando a Arte toma a frente?
Potencialidades da Pesquisa Baseada em Arte
Jade Pena Magave
Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação em Educação, Arte e História da
Cultura da Universidade Presbiteriana Mackenzie,
como requisito à obtenção de título de Mestre em
Educação, Arte e História da Cultura.
Orientadora:
Prof. Dra. Mirian Celeste Ferreira Dias Martins
São Paulo
2014
M189q Magave, Jade Pena.
O que acontece com a pesquisa quando a arte toma a
frente? : potencialidades da pesquisa baseada em arte / Jade
Pena Magave. – 2014.
166 f. : il. ; 30 cm.
Dissertação (Mestrado em Educação, Arte e História da
Cultura) - Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2014.
Jade Pena Magave
O que acontece com a pesquisa quando a Arte toma a frente? Potencialidades da
Pesquisa Baseada em Arte
Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação em Educação, Arte e História da
Cultura da Universidade Presbiteriana Mackenzie,
como requisito à obtenção de título de Mestre em
Educação, Arte e História da Cultura.
Orientadora:
Prof. Dra. Mirian Celeste Ferreira Dias Martins
Aprovada em 01 de Dezembro de 2014
BANCA EXAMINADORA
Prof.ª Dra. Mirian Celeste Ferreira Dias Martins
Universidade Presbiteriana Mackenzie
Prof. Dr. Marcos Rizolli
Universidade Presbiteriana Mackenzie
Prof.ª Dra. Luiza Helena Christov
Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho
Agradecimentos
Agradeço aos meus pais e irmãos pelo apoio e exemplo de constante criação e
pesquisa;
ao Raphael pelas conversas, broncas, consolos e novas ideias;
aos Paolinetti pelo abrigo e cuidado sempre presentes;
à Noemih pelas infinitas confabulações e pela macarronada;
e à minha orientadora, Mirian, pelo entusiasmo e abraços sempre carinhosos.
A Jayr, Elba e Raphael.
RESUMO
MAGAVE, Jade Pena. O que acontece com a pesquisa quando a Arte toma a frente?
Potencialidades da Pesquisa Baseada em Arte. 2014. 166 f. Dissertação (Mestrado) Centro de Educação, Filosofia e Teologia. Programa de Pós-graduação em Educação, Arte
e História da cultura. Universidade Presbiteriana Mackenzie, 2014.
Qual o papel da arte dentro da Academia? Como a arte pode ser mais do que um objeto
contemplativo para se tornar uma base ativa de pesquisa? Perguntas como essas, que
questionam o potencial da arte enquanto forma de conhecimento, norteiam este trabalho
que busca na Pesquisa Baseada em Arte um meio de repensar o papel da arte na
pesquisa acadêmica e, de uma forma mais geral, busca aprofundar o entendimento da arte
como forma de pensamento. Assim, essa pesquisa se dirige a questões quanto à relação
entre arte e conhecimento e para isso explora a Pesquisa Baseada em Arte tomando por
base os escritos de Elliot Eisner e Tom Barone (2012), Joaquin Roldán e Ricardo Marín
Viadel (2012). A Pesquisa Baseada em Arte é também analisada em um estudo de caso:
seis trabalhos apresentados na 1st Conference on Arts- Based and Artistic Research
realizada em Barcelona em 2012. No decorrer do trabalho são apresentadas narrativas
visuais e verbais ampliando a reflexão e análise das potencialidades do uso da arte na
pesquisa ressaltando a importância dos processos de criação no processo de construção
de conhecimento em uma pesquisa acadêmica.
Palavras-chave: arte; construção de conhecimento; pesquisa baseada em arte
ABSTRACT
MAGAVE, Jade Pena. What happens to the research when arts takes the lead?
Potentialities of Arts-based research. 2014. 166 f. Dissertação (Mestrado) - Centro de
Educação, Filosofia e Teologia. Programa de Pós-graduação em Educação, Arte e História
da cultura. Universidade Presbiteriana Mackenzie, 2014.
What is the role of art within the Academy? How can art be conceived as something beyond
a contemplative object and become an active base for research? Such questions, which
inquire about the potential of art as a way of knowledge, will give the guide lines to this work
on Arts-Based Research, allowing us to rethink the role of art in the academic research
and, more generally, aiming for a deeper understanding of art as a way of thought. With
that in mind, this research addresses questions regarding the relation between art and
knowledge and for that it explores the Arts-Based Research field based on the writings of
Elliot Eisner and Tom Barone (2012); Joaquin Roldan and Ricardo Marin Viadel (2012).
The Arts-Based Research is also analyzed in a case study: six papers presented during the
1st Conference on Arts-based Research and Artistic Research held in Barcelona in 2012.
Furthermore, this work includes some visual and verbal narratives, expanding the reflection
and analysis of the potential use of art in research, as well as emphasizing the importance
of creation processes in the construction of knowledge in academic research.
Key-words: art; knowledge building; arts-based research
LISTA DE IMAGENS
Narrativa Visual 1. Jade Magave. A nova Escola de Atenas, 2014. Narrativa visual. Citação visual indireta de A
escola de Atenas (Rafael Sanzio,1510) Citações visuais indiretas de imagens de Platão, Aristóteles, Da Vinci e
Michelangelo encontradas em sites de busca na internet. Citação visual indireta ao filme Edward mãos de tesoura
(Burton, 1990). Citação visual indireta de imagem do Campus da Universidade Presbiteriana Mackenzie
encontrada no site da instituição. ............................................................................................................................. 20
Figura 2. Rafael Sanzio. Papa Júlio II, 1511-1512....................................................................................................... 27
Figura 3. Rafael Sanzio. Autorretrato de Rafael Sanzio, 1506. .................................................................................. 27
Figura 4. Alvim Correa. Os marcianos atacam, 1906................................................................................................. 41
Figura 5. Imagem retirada da internet. Cena do filme “Guerra dos mundos” (Spielberg, 2005)............................... 41
Figura 6. Jade Magave. Janelas na hora da novela, 2014. Comentário visual de trecho do poema Tabacaria
(Pessoa, 2007)............................................................................................................................................................ 50
Figura 7. Jade Magave. Ingredientes para macarrão à carbonara I, 2014. ............................................................... 68
Figura 8. Jade Magave. Ingredientes para macarrão à carbonara II, 2014. .............................................................. 68
Figura 9. Jade Magave. Macarrão à carbonara: modo de fazer, 2014. Diagrama visual de barras. ......................... 68
Figura 10. Miguel Ángel Cepeda Morales. Guardar la visita I Sonrisa, 2009. FotoEnsaio composto por seis
fotografias digitais do autor. ..................................................................................................................................... 83
Figura 11. Miguel Ángel Cepeda Morales. Guardar la visita III. Impacto, 2009. FotoEnsaio composto por nove
fotografias digitais do autor. ..................................................................................................................................... 83
Figura 12. Joaquín Roldán e Miguel Ángel Cepeda Morales. Agressión, 2009. FotoEnsaio composto por doze
fotografias digitais de Miguel Ángel Cepeda Morales, sete citações visuais literais (Hitchcoock, 1960) e duas
citações visuais indiretas (Da Vinci, c. 1503-1506). ................................................................................................... 84
Figura 13. Joaquín Roldán e Miguel Ángel Cepeda Morales. Final, 2009. FotoConclusão composta por uma
fotografia digital de Miguel Ángel Cepeda Morales (esquerda), uma citação visual literal indireta (Da Vinci, c.
1503-1506) (direita superior) e uma citação visual literal de Hitchcock (1960) (direita inferior). ............................ 84
Figura 14. Ricardo Marín Viadel e Joaquín Roldán. Cinco analogias visuais na fotografia de Eve Arnold entitulada
“Silvana Mangano no Museu de Arte Moderna”, 2009. Comentário Visual Fragmento a Fragmento composto por
dez citações visuais fragmento (Arnold, 1956) que por sua vez incluem duas citações visuais indiretas (Brancusi,
1913 e 1918) .............................................................................................................................................................. 85
Figura 15. Ricardo Marín Viadel. Detalhe junto a uma escada na FotoInstalação “Comentários visuais sobre uma
fotografia de Eve Arnold”, 2009. Fotografia Independente que inclui uma citação visual indireta (Arnold, 1956). 86
Figura 16. Jaime Mena de Torres, Xabier Medina e Guadalupe Pérez Cuesta. Espectadores na FotoInstalação II,
2009. FotoEnsaio composta por uma fotografia digital de Joaquín Roldán (esquerda) e outra de Guadalupe Pérez
Cuesta (direita) .......................................................................................................................................................... 87
Figura 17. Diagrama visual de barras horizontais. Citação visual literal. (Genet, 2013: 296-297)............................ 88
Figura 18 Jade Magave. Em busca da PBA, 2001. Narrativa visual baseada em HQs. Citações visuais literais de
imagens de personagens de HQs retiradas da internet; imagens da cidade de Barcelona e da Universidade de
Barcelona retiradas da internet; imagens retiradas de trabalhos apresentados nos Anais da 1ª Conferência em
Pesquisa baseada em arte e Pesquisa em Arte, Barcelona, 2013. .......................................................................... 103
Figura 19. Recorte de Em busca da PBA. (Magave, 2011). Citação visual literal retirada do trabalho de Melissa
Caminha (2013). ...................................................................................................................................................... 117
Figura 20. Recorte de Em busca da PBA. (Magave, 2011). Citação visual literal retirada do trabalho de Ruth
Marañón (2012). ...................................................................................................................................................... 118
Figura 21. Recorte de Em busca da PBA. (Magave, 2011). Citações visuais literais de imagens de Teresa Stratas
encontradas em sites de busca na internet............................................................................................................. 119
Figura 22. Recorte de Em busca da PBA. (Magave, 2011). Citações visuais literais de imagens retiradas do trabalho
de Ana Marqués Ibáñez (2013)................................................................................................................................ 120
Figura 23. Recorte de Em busca da PBA. (Magave, 2011). Citação visual literal de fotografia de Edgard Varèse
encontrada em sites de busca na internet. ............................................................................................................. 121
Figura 24. Recorte de Em busca da PBA. (Magave, 2011). Citações visuais literais retiradas do trabalho de Noemí
Peña Sánchez (2013)................................................................................................................................................ 122
Figura 255. Foto-diálogos. Imagem retirada do trabalho de Ruth Marañón Puente (2013)................................... 134
Figura 266. Ruth Marañón. Terra do vinho, 2012. FotoEnsaio. ............................................................................... 135
Figura 277. Ruth Marañón. Iekora, 2012. Detalhe significativo. ............................................................................. 136
Figura 288. Ruth Marañón. Septiembre, 2012. Instalação. ..................................................................................... 138
LISTA DE TABELAS
Tabela 1. Tabela sintética sobre as seis pesquisas analisadas no que concerne à: objeto de pesquisa; objetivo de
pesquisa e metodologia de pesquisa....................................................................................................................... 124
Tabela 2. Tabela sintética sobre as seis pesquisas analisadas no que concerne à metodologia usada na pesquisa.
................................................................................................................................................................................. 148
SUMÁRIO
Introdução ..........................................................................................................................11
Arte: forma de conhecimento ...........................................................................................19
A decapitação dos filósofos .............................................21
A arte da história ...............................................................28
Breves considerações sobre arte e complexidade ...........................................................37
O descobrimento do átomo ...................................................44
Complexidade revelada na literatura .............................................................................47
Pesquisa Baseada em Arte: forma de pesquisa .............................................................55
Pesquisa em Arte e Pesquisa baseada em arte ...............................................................56
Por que “pesquisa’?..........................................................................................................59
O contexto da Pesquisa Baseada em Arte .......................................................................60
Receita: macarrão à carbonara .........................................65
Receita para um jantar .......................................................69
A Pesquisa Baseada em Arte e a riqueza das formas de expressão ...............................73
Por que usar a arte na pesquisa? ....................................................................................89
Um estudo de caso: Análise dos anais da 1ª conferência em Pesquisa Baseada em
Arte e Pesquisa em Arte ...................................................................................................97
Estudo de caso: apresentação .......................................................................................100
Em busca da PBA ...................................................................103
Análise de seis experiências de pesquisa envolvendo Pesquisa Baseada em Arte e
Pesquisa em Arte ...........................................................................................................115
Quanto aos objetos e objetivos ...................................................................................124
Quanto à relação entre arte e metodologia .................................................................131
Considerações Finais......................................................................................................151
Referências ......................................................................................................................159
Introdução
11
Até entrar no curso de Letras eu não sabia que gostava de arte, afinal arte para mim
era Desenho e desde a 5ª série, quando tive que aprender perspectiva e luz e sombra
havia decidido: “arte não é minha praia”. Mas graças a um professor que um dia resolveu
dizer “literatura é arte, deveria ser ensinada como arte e não como Língua Portuguesa”,
quebrei meu pacto e resolvi conhecer um pouco mais disso que tanto encanta e tanto
assusta: arte. Tanto encanta porque todo mundo gosta de arte, de algum tipo e de alguma
forma há arte na vida de quase todos, tanto assusta porque ninguém se julga entendedor,
porque temos medo de nos aproximar deste domínio “sagrado” e “sublime” do
conhecimento humano.
Devo dizer que mesmo tendo aberto um espaço para a arte, a porta continuava
fechada para as artes visuais. Na verdade, sempre idealizei uma aula de arte que levasse
em consideração outras linguagens que não somente a visual, incluindo, é claro, a
literatura. Comecei a me interessar por arte-educação na defesa de que todos têm direito à
arte, a toda ela, e de que todos podem, e talvez devam, se aproximar desse “sagrado” e
“sublime” que é tão humano e tão nosso. Foi com esses pensamentos em mente que
entrei no programa de mestrado em Educação, Arte e História da Cultura e procurei a
professora Mirian Celeste Martins como orientadora.
Entrei no Programa com o objetivo de pesquisar sobre o ensino de arte no contexto
escolar, mas devo admitir que o fato de voltar à Universidade me incomodava. Eu nutria
um estereótipo do trabalho acadêmico que em nada me encantava: discussões puramente
teóricas, falta de comprometimento com o mundo fora da Academia, textos mal escritos e
empedrados, artigos feitos por demanda e teses por conveniência. É claro que eu sabia
que isso não era a realidade total, e entrei no Programa com a esperança de encontrar um
ambiente diferente desse dos meus piores pesadelos. Encontrei ótimos professores e uma
proposta de estudo interdisciplinar que me parecia bem mais interessante do que as
especializações. Entretanto, como fazer funcionar essa interdisciplinaridade? Como
produzir uma pesquisa que faça sentido para mim? E como criar um texto que seja útil
para outras pessoas e não só um volume morto no canto escuro de uma biblioteca?
Quando ouvi no XX CONFAEB (Congresso da Federação de Arte Educadores do
Brasil) a palestra do prof. Ricardo Marín Viadel sobre o uso das metodologias artísticas de
pesquisa nas Universidades isso acendeu em mim um sinal de alerta: outras pessoas
também estavam pensando em formas de tornar a pesquisa acadêmica algo mais
significativo para si e para o público. Não se trata, como sempre há que se ressaltar, de
12
substituir os métodos tradicionais de pesquisa ou de dizer que a partir de agora toda
pesquisa significativa é aquela feita por meio de metodologias artísticas, mas sim da busca
pela diversidade metodológica, por outra forma de dizer dentro da Academia.
Percebi então que a Pesquisa Baseada em Arte (tradução do termo em inglês artsbased research e doravante PBA) poderia ser um ponto de confluência das minhas
preocupações e aspirações para este mestrado e, contando com o apoio e entusiasmo da
minha orientadora, decidi trilhar esse caminho ainda um pouco desconhecido para mim.
Qual o papel da arte dentro da Academia? Como a arte pode ser mais do que um objeto
contemplativo para se tornar uma base ativa de pesquisa? Tais perguntas impulsionaram
nossos estudos e agora norteiam este trabalho que busca na Pesquisa Baseada em Arte
um meio de repensar o papel da arte na pesquisa acadêmica e, de uma forma mais geral,
aprofundar o entendimento da arte como forma de pensamento.
A Pesquisa Baseada em Arte, assim como outras formas de pesquisa com arte, foi
para mim o reconhecimento e sistematização de uma ideia antiga: o potencial da arte
como forma de conhecimento. Mas o que significa conhecer? Quais os caminhos que
tomamos rumo ao aprender? Se o mundo se apresenta a nós em intricadas relações
desvelando várias possíveis interpretações, como se aproximar dele para conhecê-lo e
estudá-lo? Essas são questões essenciais para se pensar a Educação e, certamente, nós
hoje não somos os primeiros a formulá-las. Há séculos o homem se pergunta sobre o
mundo e se dá conta de que é capaz de entendê-lo de alguma forma. Porém,
tradicionalmente, essa atitude inquiridora diante da realidade tem sido atribuída a nossa
capacidade da razão, baseada em uma visão dualística do homem que o divide em razão
e emoção. Seria a arte uma forma de expressão de sentimentos apenas ou podemos vê-la
também como uma forma de conhecimento, um instrumento de interpretação e
questionamento da realidade? A partir das propostas da PBA se questiona a visão de que
a arte é apenas uma expressão de sentimentos. A arte sem dúvida está relacionada à
emoções e subjetividades, mas é também um modo legítimo de interpretação da realidade,
de questionamento e de pesquisa.
Minha primeira experiência relacionada ao uso da arte dentro da Academia
aconteceu na disciplina Teoria e Processos Educacionais ministrada pelas professoras
Ingrid Ambrogi e Mirian Celeste Martins ainda no primeiro semestre do mestrado. Parte da
avaliação final dessa disciplina consistia da produção de um portfólio que resumisse, de
forma artística e criativa, o que havíamos aprendido durante as aulas e, principalmente, o
13
que elas haviam significado para nós. A ideia de transformar uma avaliação em um
portfólio me pareceu interessante embora despertasse em mim um pequeno conflito, pois
me parecia também uma forma muito “frouxa” de avaliar. Afinal, como medir o que se
aprendeu quando se transforma a avaliação em algo tão subjetivo? De todo modo, depois
de ter lido Dewey (2010) sobre a experiência e a arte, talvez fosse hora de testar algo
novo. Produzi um vídeo amador onde busquei colocar lado a lado minha experiência como
aluna na escola onde estudei, vivi e, literalmente, morei por alguns anos e, que, portanto
não era somente minha escola mas a minha casa, e o começo desta nova “escola” em São
Paulo onde eu começava a trilhar um processo não mais como aluna somente e em um
lugar que estava muito distante de ser a minha casa. Meu trabalho foi muito bem recebido
pelos colegas e professoras e para mim foi uma experiência muito significativa na medida
em que revia meu percurso dentro da Academia e minha própria vida na Educação. Como,
porém, refinar tal tipo de trabalho na Academia? Em que medida a arte poderia substituir,
ou não, alguns dos procedimentos acadêmicos mais tradicionais? O que alunos e
professores de pós-graduação teriam a dizer sobre tais procedimentos? Munidas de
interesse e curiosidade, eu, minha orientadora e mais duas de suas orientandas, Rita
Demarchi e Olga Egas, iniciamos um pequeno grupo de estudos em torno deste tema.
Começamos a partir das motivações de nossas próprias pesquisas e movidas por um
interesse em compartilhar experiências. Este trabalho nos levou a duas importantes
Conferências, a European Conference on Educational Research 2013 em Istanbul
(MARTINS et al, 2013), onde apresentamos ao público nossos questionamentos e
trabalhos ainda in process, e mais recentemente a 2ª Conferencia sobre Investigación
Basada em las Artes e Investigación Artística (MARTINS et al, 2014) em Granada, onde
apresentamos o artigo Research as poiesis? Interdisciplinary landscapes expanded by the
art and methodologies, agora já apresentando uma hipótese de pesquisa: a pesquisa como
poiesis. Solicitamos a três pesquisadoras que revelassem seus processos de criação
utilizando a mesma linguagem que haviam utilizado em suas dissertações e teses: um
postal, um caderno e um conto.
Nesse contexto de trabalho é que começou a se delinear minha pesquisa de
mestrado, especialmente após a qualificação. Mas, em que, exatamente, ela consiste?
Esta pesquisa tem por principal objetivo compreender o que é a Pesquisa Baseada
em Arte e como podemos utilizá-la como metodologia de pesquisa e de escrita dentro da
Academia. A PBA surge a partir do anseio de artistas, pesquisadores e artistas14
pesquisadores de trazerem a arte para dentro da Academia, não somente como objeto de
estudo mas como método de pesquisa, como uma ponte e não somente como o ponto de
chegada. Fazer uma pesquisa baseada em arte significa dizer que a linguagem artística
(dança, pintura, fotografia, literatura etc.) não é o objeto da pesquisa ou um apêndice do
trabalho textual, mas sim a metodologia escolhida para investigar o assunto, é a
metodologia principal a guiar o trabalho do pesquisador. Tal tipo de metodologia propõe
uma nova forma de enxergar a pesquisa, nos fazendo repensar o conceito de rigor
científico e a forma de apresentação de resultados além de, por outro lado, questionar o
que consideramos como resultado válido de uma pesquisa. É nesse sentido que se diz que
a PBA é o problema principal dessa pesquisa, e ao buscar pensar sobre o que é a PBA
pretendo investigar questões sobre os motivos pelos quais esse novo tipo de pesquisa
surge, sua justificativa e suas aspirações.
Tendo como principal objetivo compreender a PBA, será feita também a análise de
seis trabalhos apresentados na 1ª Conferência em Pesquisa baseada em Arte e Pesquisa
em Arte realizada pelo grupo de pesquisa ESBRINA da Universidade de Barcelona. Nessa
análise focalizo uma questão específica que surge a partir dos meus estudos sobre PBA:
qual é o lugar que arte ocupa na pesquisa? Seria ela o objetivo, o objeto ou o próprio
método de desenvolvimento da pesquisa? Acredito que essa distinção seja fundamental
para nos ajudar a situar a PBA no contexto das demais formas de pesquisa que têm se
desenvolvido no campo das artes e das ciências humanas e sociais, em geral.
Os três capítulos que compõem este trabalho seguem então essa trajetória de
pesquisa exposta até aqui. Cada um deles corresponde a um período da minha trajetória
de pesquisa e retratam as questões que nortearam o seu desenvolvimento do início ao fim.
O primeiro capítulo, Arte: forma de conhecimento, é fruto da constatação de como a
arte é também uma forma de conhecimento, dando assim um primeiro passo rumo a uma
reflexão mais profunda sobre a relação entre arte e pesquisa que será feita no capítulo
seguinte explorando a Pesquisa Baseada em Arte. Muito do que está presente nesse
primeiro capítulo é fruto de um estudo pessoal sobre a importância da literatura em sala de
aula, através do qual comecei a perceber como a literatura representa outra forma de
acesso ao conhecimento, diferente do texto informativo ou primordialmente conotativo, pois
através do como se a literatura consegue explorar possibilidades do real e portanto
investigar a realidade a partir de uma perspectiva própria. Daí, então, foi apenas um passo
para mover este pensamento da literatura para a arte em geral, buscando pensar sobre
15
como as diferentes manifestações artísticas contribuem, a seu modo, para a construção de
uma forma de pensamento e de uma maneira de enxergar a realidade. Ao pensar sobre
formas de enxergar a realidade, estamos tratando de formas de investigação e por isso
nesse capítulo toco na questão da complexidade levantada por Vieira (2006, 2009, 2014) e
Morin (2005, 2008), os quais consideram a arte uma importante aliada em um processo de
investigação do mundo que vá além das especificidades de cada área de conhecimento.
Tendo isso em vista, destaco nesse capítulo exemplos de como algumas obras artísticas
(no caso, advindas da literatura e fotografia) se apresentam como um verdadeiro estudo
sobre questões concernentes aos problemas humanos. Assim, o enfoque inicial, abordado
por esse capítulo, está em como a arte nos permite conhecer a realidade através de uma
perspectiva diferente, isto é, como olhar um mesmo “problema” a partir da ciência e a partir
da arte, tendo diferentes e ampliadas percepções sobre esse problema a depender do
ângulo de visão escolhido. Note-se que neste primeiro momento estamos ainda tratando
de como o contato com obras já prontas nos leva a conhecer determinado aspecto da
realidade, mas a partir do segundo capítulo começamos a nos mover para o estudo de
como a produção de arte pode ser vista também como forma de conhecimento, isto é,
como o processo de criação artística pode ser entendido como um meio pelo qual se
investiga a realidade.
O segundo capítulo apresenta a Pesquisa Baseada em Arte, entendendo-a como
um campo de estudos que busca justamente investigar essa relação entre a produção do
conhecimento e a criação artística. É importante ressaltar que existe uma diferença entre a
PBA e a Pesquisa em Arte, visto que enquanto esta última se relaciona aos processos de
criação do artista em vista à criação de uma obra, a primeira entende a arte como uma
metodologia de pesquisa a ser utilizada em qualquer tema no campo de estudo das
ciências sociais e ciências humanas. Por enfatizar a arte como método de pesquisa, a PBA
se mostra o campo perfeito para pensarmos sobre como o processo de criação artística
funciona como meio de investigação da realidade, pois é este afinal o cerne da afirmação
de que é legítimo utilizar arte na pesquisa. É assim então que, no capítulo 2, saímos de
uma discussão mais generalista sobre a relação entre arte e conhecimento para focar,
agora, na relação entre processo de criação artística e processo de pesquisa em um
ambiente formal de aprendizagem que é a Academia. Nesse capítulo, Pesquisa baseada
em arte: forma de pesquisa, apresentamos a PBA buscando sua conceituação bem como
destacando sua importância para o campo da pesquisa em ciências sociais e humanas.
16
A metodologia para a construção desse segundo capítulo foi, majoritariamente, a
pesquisa bibliográfica, utilizada a fim de buscar compreender o que significa a PBA, como
surgiu e quais os pressupostos epistemológicos que a sustentam. Para tanto, recorri a
livros e artigos publicados no Brasil e no exterior, disponibilizados na internet em bases de
pesquisa online. Para essa compreensão teórica da Pesquisa Baseada em Arte me baseio
nos seguintes autores: Eisner (1998, 2006, 2007, 2008), Eisner e Barone (2012); Barone
(2001), Roldán e Viadel (2012); Irwin e Cosson (2004); os autores contemporâneos mais
citados no que se refere a PBA, em especial Elliot Eisner o qual deu os primeiros passos
para o estabelecimento dessa forma de pesquisa na Academia. Consultei também a
coletânea de artigos publicada no Brasil por Dias e Irwin (2013) e para aprofundar a
questão da relação entre conhecimento e linguagem tomo por base Langer (1989, 2003) e
quanto à questão da arte como forma de conhecimento é em Vieira (2006, 2009) que me
baseio. Os textos de obras que não se encontram disponíveis em nossa língua, foram
traduzidos por mim e inseridos neste trabalho em língua portuguesa.
O leitor também há de notar no decorrer desses dois primeiros capítulos que
existem trabalhos paralelos intercalados em meio ao texto dissertativo. Cabe, portanto,
uma breve apresentação sobre esse “caminho paralelo” e sobre como essas pequenas
criações se relacionam com meu trajeto de pesquisa.
Quando me aproximei da PBA percebi inicialmente a necessidade de buscar uma
diversidade de linguagem em relação à pesquisa acadêmica. Minha pergunta começou
sendo: “como a arte pode dizer de outra forma?”, o que levou a outras perguntas: “há
coisas que só a arte pode dizer?” e “aquilo que a arte diz tem validade como verdade?”.
Com essas perguntas eu focava na arte como meio de comunicação de resultados e não,
como mais tarde vim a perceber através dos estudos da PBA, como meio de construção do
conhecimento. A diferença é sutil, a primeira atitude pressupõe que já existe algo
construído, um conhecimento já pronto, mas que ainda precisa ser comunicado; já a outra
pressupõe que o próprio ato de criar arte, criará o conhecimento almejado. Durante o
processo de leitura do material bibliográfico e a escrita da primeira parte deste trabalho
foram surgindo ideias de como expressar visualmente ou ficcionalmente aquilo que eu iria
apresentar neste trabalho por meio do texto dissertativo, ideias essas ainda nutridas pelo
enfoque arte como meio de comunicação e que foram guardadas no caderno para um
momento em que eu pudesse explorá-las com um pouco mais de tempo. Porém antes
mesmo de começar a me dedicar a essas ideias, comecei a me questionar a respeito de
17
como elas de fato conseguiriam me ajudar a compreender melhor a minha própria
pesquisa e se elas, realmente, cabiam dentro do escopo do meu trabalho. Seriam essas
ideias apenas um anexo ao trabalho, parte de um diário pessoal ou elas poderiam
contribuir para o entendimento da minha pesquisa e funcionar como um meio de
construção do pensamento?
Embora desde o princípio eu tivesse clareza de que eu não fazia uma Pesquisa
baseada em arte propriamente dita, mas sim um trabalho de pesquisa sobre ela, eu queria
também, de alguma forma, vivenciar processos de criação dentro do meu trabalho como
um modo de explorar diferentes linguagens e também como uma tentativa de ter um
vislumbre, digamos assim, da experiência de pesquisa por meio da arte. Dessa forma,
decidi tirar do papel algumas dessas ideias e torna-las parte desse trabalho como um
registro de um pequeno ensaio meu nas metodologias artísticas de pesquisa e também
para deixar ao leitor um espaço para pensar alguns pontos do texto desta dissertação por
meio de uma linguagem diferente da linguagem discursiva.
Os questionamentos que surgiram dessas minhas tentativas de expressar a
pesquisa por meio da arte, mostraram a necessidade de buscar outras experiências e
investigar como alguns pesquisadores têm conduzido suas pesquisas nessa área, a fim de
perceber como essa relação entre arte como meio de comunicação e arte como meio de
construção se apresenta para outras pessoas e em diferentes pesquisas. Assim, o terceiro
e último capítulo deste trabalho ─ Um estudo de caso: análise dos anais da 1ª Conferência
em Pesquisa Baseada em Arte e Pesquisa em Arte ─ busca reunir exemplos de pesquisas
que se intitulam PBA ou mesmo Pesquisa em arte a fim de retomar a discussão proposta
no capítulo 2 sobre o que é PBA e também diferenciar estas duas modalidades de
pesquisas verificando em como cada uma delas insere a arte no contexto da pesquisa.
Espero que por meio deste trabalho, o leitor seja levado a refletir sobre as relações
entre arte e conhecimento, sobre o lugar da arte na academia e sobre as possibilidades
que se abrem para a pesquisa quando a arte toma a frente. É claro que este trabalho é
apenas uma pequeníssima peça nesse enorme quebra-cabeça com as inúmeros
potencialidades que arte pode desvelar, entretanto ainda que não seja possível contemplar
ainda o quadro completo - e será que um dia o conseguiremos? - espero que esta peça
não caia embaixo do sofá ou se perca no meio de outros quebra-cabeças, mas que sirva
como lembrete de que existe uma caixa gigantesca com milhões de outras pecinhas para
compor este grande quebra-cabeça.
18
Arte: forma de conhecimento
19
Imagem da página 23-27:
Narrativa Visual 1. Jade Magave. A nova Escola de Atenas, 2014. Narrativa visual. Citação visual
indireta de A escola de Atenas (Rafael Sanzio,1510) Citações visuais indiretas de imagens de
Platão, Aristóteles, Da Vinci e Michelangelo encontradas em sites de busca na internet. Citação
visual indireta ao filme Edward mãos de tesoura (Burton, 1990). Citação visual indireta de imagem
do Campus da Universidade Presbiteriana Mackenzie encontrada no site da instituição.
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A decapitação dos filósofos
“É cada vez mais inescapável a necessidade de considerar a vinculação entre
os vários tipos de conhecimento, como a Arte, a Ciência, a Filosofia, a
Religião... e o senso comum.”
Jorge Albuquerque Vieira, 2009, p. 67.
“Leonardo, contudo, era mais que talentoso. Era um gênio, cuja mente poderosa
será sempre objeto de assombro e admiração aos mortais comuns. Sabemos algo
do alcance e da produtividade da mente de Leonardo porque seus discípulos e
admiradores tiveram o cuidado de conservar para nós seus esboços e cadernos
de anotações, milhares de páginas cobertas de desenhos e notas com trechos
dos livros lidos por ele e rascunhos dos livros que pretendia escrever.
Quanto mais se leem esses papéis, menos se entende como um único ser humano
pode ter alcançado tamanha excelência em tantos campos de pesquisa diferentes
e feito tão significativas contribuições em quase todos eles. Talvez um dos
motivos seja que Leonardo era um artista florentino, não um acadêmico.”
E. H. Gombrich, 2013, p.220-221.
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22
23
24
25
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Figura 2. Rafael Sanzio. Papa Júlio II, 15111512.
Figura 3. Rafael Sanzio. Autorretrato de
Rafael Sanzio, 1506.
“[...] Rafael, como seu mestre Perugino, abandonou o retrato fiel da natureza
que fora objeto das ambições de tantos artistas do Quattrocento e lançou mão
deliberadamente de um tipo imaginário de beleza.”
E.H. Gombrich, 2013, p.243.
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A arte da história
Ille hic est Raphael, timuit quo sospite
vinci
Rerum Magna Parens, et moriente mori.1
Muitos desconhecem a verdadeira história do pintor
italiano Rafael Sanzio. Eu mesmo era um dos muitos
até encontrar em um sebo em Budapeste a biografia
escrita pelo desconhecido biógrafo Roberto Sera
Senarica em 1556. A obra, pela sua antiguidade,
pela pouca aceitação do público e devido à falta de
leitores para um gênero ainda pouco comum no século
XVI, era barata. Custou-me 370.000 florins, um
preço excelente para uma obra tão antiga e
primorosamente encadernada.
O livro era tão bem feito que comecei a folheá-lo
durante o voo de volta para a Inglaterra. Ainda nas
primeiras páginas ficava claro que não se tratava,
como o dono do sebo o rotulara, de um texto
fictício, ao contrário, Senarica buscou fontes
seguras para expor sua tese a qual depois de
pesquisa própria e cotejamento de fontes só pude
concluir que estava correta. A obra de Senarica
certamente lançava nova luz aos estudos de História
da
Arte
e
reacendia
teorias
conspiratórias
dirigidas contra a Igreja Católica.
Segue a declaração do
início de sua biografia.
próprio
autor,
ainda
no
Meu compromisso primeiro é sempre com a verdade e
com a arte, ambas talvez a mesma coisa. Sou fiel
cristão e os erros e enganos dos homens não
abalam
minha
fé
na
Santa
Igreja
e
no
representante escolhido de Deus. Assim é que
convicto de que a verdadeira história precisa ser
contada, violo a memória do santo de Deus em prol
1
Epitáfio redigido pelo cardeal Bembo para o túmulo de Rafael no Panteão
de Roma: Eis o túmulo de Rafael. Enquanto viveu, a Mãe Natureza Temia ser
por ele derrotada, morto, agora, Ela receia morrer junto.
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daquilo que aos olhos de Deus já é claro, mas aos
homens permanece obscuro.
Os fatos que desencadearam a terrível tentativa de
assassinato envolvendo Rafael e o papa Júlio II,
têm início em um encontro fatídico e decisivo entre
esses dois personagens na noite de 27 de outubro de
1508. É o que afirma Senarica depois de consultar
os livros oficiais da santa adega do Vaticano, que
registram que nessa noite o papa abriu uma garrafa
de vinho tinto e outra de vinho branco. Os detalhes
dessa conversa não podem, é claro, ser reproduzidos
com perfeita fidelidade, mas Senarica teve acesso
aos diários do guarda que vigiava a porta do papa e
guardava todos os seus segredos.
Segundo o relato do guarda Franceso Pirollo,
registrado em seu diário no dia 28 de outubro de
1508,
dia
posterior
ao
fatídico
e
decisivo
encontro, o papa e Rafael haviam naquela noite
acordado em matar um homem grego chamado Platão.
Pirollo, devido à sua própria ignorância e pouca
curiosidade, não poderia compreender a magnitude do
crime que seria cometido pois ignorava que este
homem grego era na verdade o filósofo ateniense
Platão.
Confesso que nesse ponto da exposição retomei a
hipótese de que o texto era mesmo um relato
fictício como o livreiro o havia classificado. Não
sou um grande conhecedor de História Antiga, veja
que
sou
professor
do
departamento
de
Física
Quântica,
professor
substituto.
Mas
não
era
possível que Platão e Rafael tivessem vivido na
mesma época. Consultei as enciclopédias que, é
claro, apenas validaram minha desconfiança.
Mas é quando as velhas fontes falham que o
verdadeiro conhecimento se revela, aprendi com
Senarica.
A
esse
respeito
destaco
as
sábias
palavras deste biógrafo esquecido:
Sei que já circulam nas cortes e entre eruditos
informações anteriores a essas que ora vos
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apresento. Não tomem por verdade o velho por ser
velho, quando tende a ser justamente da nova
pergunta que aflora a novidade do conhecimento.
Todos sabem, graças ao relato oficial de Vasari,
que Rafael ficou órfão e seu futuro foi incerto até
finalmente passar às mãos de seu mestre Pietro
Perugino. Mas no tempo em que viveu com sua mãe,
Maria di Battista di Nicola Ciarla, a Mágia,
aprendeu dela mirabolantes ideias que não podem ser
desprezadas em qualquer investigação mais séria
sobre sua vida e obra. E nesse ponto devemos dar
crédito ao espírito avant gard de Senarica, pois
por meios e motivos que por razões outras não cabe
especificar aqui, Senarica descobriu que Mágia não
era cristã. A mãe do famoso artista da cristandade
nutria sentimentos antissemitas e por isso, ou
talvez por causa disso, era ainda devota dos
antigos deuses gregos. Acreditava que Moisés e os
demais profetas hebreus ou mentiam ou deturpavam a
mensagem de Deus, pois um ser perfeito jamais se
comunicaria em prosa.
Mágia
acreditava
nos
deuses
gregos
porque
acreditava em Homero; ele, o supremo poeta, era
também o supremo sacerdote. A poesia era um ritual
santo e as metáforas eram, para ela, a única forma
de se comunicar com o sagrado. Os deuses gregos
eram as metáforas do mundo.
Fiquei surpreso com essa importante descoberta do
biógrafo Senarica. Mas ao que parece a adoração aos
deuses gregos era ainda uma prática muito comum
mesmo na Itália do século XVI. Era moda, todos
sabemos, a veneração dos ideais clássicos, mas o
que Senarica nos mostra é que, para algumas pessoas
e por razões claramente obscuras, a veneração era
totalmente literal.
Toda
época
escolhe
seus
homens
dignos
de
admiração
e
veneração.
Nem
todos,
porém,
conseguem distinguir entre o espelho e o vitral.
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Rafael viveu com a mãe até os oito anos de idade,
tempo suficiente para que os ensinamentos maternos,
dogma e fantasia, fizessem morada em sua mente e
logo em seu pincel. Mágia morre em 1491 de uma
doença até hoje desconhecida e três anos depois seu
pai, o pintor e poeta Giovanni Santi, segue o mesmo
caminho,
deixando
ao
filho
uma
madrasta
desagradável. No tempo em que conseguiu viver longe
dela, Rafael ficou com o tio Bartolomeo, um padre
católico menos devoto a Deus do que a Agostinho. E
foi através dos livros do tio que conheceu a Atenas
não apresentada pela mãe, conheceu os deuses e a sã
doutrina: os filósofos e suas filosofias. Para a
desgraça da mãe, que graças a Deus já estava morta,
Rafael amou mais a Platão do que a Homero. Esta
foi, a um só tempo, sua perdição e salvação.
De acordo com a cronologia traçada por Senarica,
quando o jovem Rafael entrou em contato com a obra
platônica ele já era um talentoso aprendiz do
ofício do pai e já prestava alguns pequenos
serviços para alguns dos nobres da corte do Duque
Guidobaldo de Montefeltro em Urbino. Sua mãe o
levou à arte, Platão à perfeição. Rafael não amava
metáforas, não amava prosa e poesia, não confiava
em palavras. As palavras eram um labirinto, uma
maneira imperfeita de expressar o real. Útil para o
dia a dia comum de quem não podia ir além delas.
Rafael era um pintor, ele criava imagens, ele ia
além do comum. Suas telas, se feitas com perfeição
alcançariam o mundo das ideias de modo como as
palavras, invenções impalpáveis, jamais poderiam
fazer. As palavras eram as sombras, as cores eram o
real.
Mas é sabido que Platão expulsara os artistas de
sua República, os imitadores, aqueles que criavam a
cópia da cópia e afastavam os homens do verdadeiro
conhecimento do mundo. Na cópia da República que
Rafael emprestou de seu tio Bartolomeu lê-se uma
frase acrescentada à mão: “Platone non capiva”.
Peço desculpas se demoro nos detalhes, mas neles
estão as marcas da verdadeira história e se não
fosse a pesquisa profunda desse admirável biógrafo
eu ainda estaria por aí passando os olhos nas
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páginas impressas em papel couchê com as Madonnas
de Rafael. Eu agora vejo a pessoa por trás da obra,
eu agora vejo a verdade.
Mas apresento esses dados biográficos não apenas
para exibir o primoroso trabalho desse biógrafo
desconhecido, mas por que sem elas tomaríamos
Rafael e o papa como loucos e, como muitos,
chamaríamos o exaustivo trabalho de Senarica de
ficção. Não caiamos nesse erro.
O papa Júlio II era um papa com aptidões para rei,
isso qualquer um percebia. Em 1506 ele decidiu
demolir a Basílica de São Pedro e construir uma
nova em seu lugar; seria ali o seu castelo na terra
já que ele duvidava, agora não restam dúvidas, de
que haveria de herdar algo no céu. Em um dos poucos
sermões
que
ele
mesmo
preparou
afirma:
“não
sucumbamos ao pecado do orgulho. Quem de nós pode
afirmar com convicção o que nos reserva o Criador?”
Foi talvez a falta dessa certeza que o fez chamar
Michelangelo para construir seu túmulo, garantindo
para os seus ossos aquilo que não podia garantir a
sua alma.
Mas a relação entre o papa e o pintor Rafael gira
em torno de preocupações maiores. O papa queria
mudar a doutrina cristã e Rafael a doutrina da
história. Cada um, baseado em suas convicções,
queria mudar a realidade, mudar passado, presente e
futuro, mudar tudo, criar um mundo novo e melhor.
O papa Júlio II acreditava que uma das piores
doutrinas da Igreja Católica era a ideia de que o
homem não era bom o suficiente e de que nunca
poderia igualar-se a Deus. A escolha de Eva e Adão
no paraíso, que a Igreja insistia em chamar de
“queda”, havia sido na verdade o maior salto dado
pelo homem, ali escolheu-se a liberdade, escolheuse uma vida em busca da superação. “O supremo Bem,
acima do qual nada existe, é Deus”: o papa
repudiava a afirmação agostiniana e lamentava a
influência deste monge mal resolvido. A humanidade
só poderia progredir quando se libertasse da ideia
de que não poderia ir além do Criador e finalmente
32
se desse conta de que o maior poder da criatura é
recriar sua própria essência.
Os ouvidos muito devotos mas pouco atentos dos
fiéis não conseguiam ver o segredo escondido nas
palavras do papa. Daí a importância de homens
atentos e sagazes como esse biógrafo italiano que
através de uma investigação acurada e detalhada
trouxe à tona as aspirações reais do escolhido de
Deus; um homem que nem nós.
Entusiasta do mundo, o papa estava atento à nova
trindade criadora do seu tempo, ele percebia que os
artistas que surgiam se tornavam cientes de sua
potencialidade criadora. Mas foi quando viu a
Monalisa de Da Vinci que percebera que era o
momento do próximo salto, o homem finalmente podia
criar realidades e não representações. Leonardo
conhecia o feitiço capaz de insuflar vida nas
cores.
Por isso naquela noite fatídica e decisiva de 27 de
outubro de 1508, o plano era tão absurdo e ao mesmo
tempo tão simples que Pirollo não pôde entende-lo.
Nenhum homem entenderia. O papa pedia a Rafael que
pintasse um quadro no qual se poderia matar Platão,
no qual o filósofo ficasse ali, morto dentro de uma
tela por toda a eternidade humana. Uma vez que
Platão
estivesse
morto,
morto
estava
também
Agostinho, morta estava sua teologia e um novo
homem poderia finalmente renascer. Mas como pintar
alguém que não se via? Platão não andava pelas ruas
de Roma ou Florença, era um homem morto na
história, um homem encerrado, se decompondo em
algum lugar longe dali.
Por isso o papa chamara Rafael, o mais novo dos
novos deuses. “Non è necessario per conformarsi
alla natura, il vero creatore si sovrappone”.
Assim surge o quadro mais importante, agora sei que
é, em toda a história da arte: A escola de Atenas,
de Rafael Sanzio. Rafael não segue à risca o plano
do
papa,
e
este
quando
morre,
morre
feliz
acreditando que de onde estiver, céu ou inferno,
verá o florescimento de uma nova história do homem.
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Rafael mata Platão, é fato. No quadro Platão está
decapitado, mesmo Giorgio Vasari já havia notado: o
homem que aponta para cima é qualquer um, menos o
ilustre filósofo ateniense. Mas o homem que aponta
para cima não é qualquer um, este homem é Leonardo
da Vinci.
Rafael mata Platão, mas não o elimina da história,
pois a escola permanece, a filosofia permanece, mas
quem a encabeça agora é o maior artista de todos os
tempos, o genial Leonardo da Vinci. O homem que
mostrou, a quem quis ver, que o artista é o
profundo conhecedor do mundo e o ser de alma
inquieta que persegue a natureza. Rafael tira do
centro aquele que expulsara os artistas, aquele que
non capiva, e em seu quadro coroa os artistas como
pensadores do mundo.
Chegamos então ao ponto máximo desta obra magna da
História da Arte, aí temos de fato algo a ser
lembrado nos compêndios. A arte tem poder. De fato.
O quadro de Rafael é mais que uma ideia, mais do
que uma aspiração. O artista lança mão do poder
trazido pelo seu talento e enquanto A escola de
Atenas existir Platão está morto e o artista em
primeiro plano. O assassinato é real, mas é
metafórico. O livreiro não entendeu nada, Senarica
não nos apresenta uma lenda, uma anedota, ele nos
apresenta a surpreendente verdade por trás da obra,
por trás do gênio e por trás da história.
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Há séculos atrás Platão expulsou os artistas da República. Para o filósofo grego, os
artistas criavam a cópia dentro da cópia distanciando ainda mais o bom cidadão grego do
conhecimento do real e da verdade. No livro VII de A República o filósofo nos apresenta o
conhecido Mito da Caverna, onde nos conta a história de homens que teriam nascido em
uma caverna voltados para o fundo dela e que, por isso, só viam as sombras projetadas na
parede através de uma réstia de claridade. Certo dia, porém, um dos homens decide se
virar para o lado de fora, vislumbrando então um novo mundo de cores e imagens
diferentes das sombras que estavam acostumados a ver. Os outros, porém não
acreditaram no que dizia esse homem e o condenaram como mentiroso.
Para Platão as sombras representam o mundo sensível, um mundo que é apenas
reflexo imperfeito do mundo ideal e ao qual não temos pleno acesso. Assim, se vivemos
em um mundo de sombras, a arte seria então a sombra da sombra e por isso Platão afirma
que ela está afastada em três graus da realidade.
Em A República (2005, p.294) lemos o célebre exemplo de Platão sobre a mesa.
Platão afirma que Deus criou o modelo perfeito, o real da mesa; o carpinteiro por sua vez
ao fabricar uma mesa se aproxima desse ideal mas é dele apenas uma imagem. Já o
pintor quando pinta uma mesa, está em um nível inferior ao do carpinteiro, ou artífice, pois
reproduz uma imagem que já é imperfeita (a imagem da imagem da imagem = imagem/3).
Da mesma forma, o ator - por ser capaz de imitar qualquer ofício- seria também um
enganador, isto é, ele se passa por carpinteiro, falando como um carpinteiro e agindo como
um digno mestre do ofício sem nunca ter feito tal trabalho. Enganoso também é o poeta,
que em suas histórias fala através de diferentes personagens como se fosse capaz de
dissertar sobre assuntos diversos como um mestre, como se tivesse vivido várias vidas
quando na verdade apenas imagina e projeta coisas que não são verdadeiras. “Do mesmo
modo diremos, parece-me, que o poeta, por meio de palavras e frases, sabe colorir
devidamente cada uma das artes, sem entender delas mais do que saber imitá-las [...]”
(PLATÃO, 2005, p.299)
Além disso, Platão afirmava que a arte e em especial a poesia, suscitava as paixões
humanas e exaltava comportamentos que na vida social cotidiana eram condenáveis a um
homem, tais como o excessivo pesar diante do luto e outras exaltações do espírito. Nas
tragédias, por exemplo, os sofrimentos do herói eram dignos de admiração e o bom poeta,
se quisesse agradar as multidões deveria criar personagens “com o caráter arrebatado e
variado” (PLATÃO, 2005, p.304). É assim que, depois de ter exposto seus argumentos
35
contra a pintura e a poesia, o filósofo conclui que a poesia, ou a arte, deve se limitar na
cidade somente aos cantos aos deuses pois do contrário o “prazer e a dor” a governarão.
Para Platão, cabe ao filósofo, isto é, aquele que “ama o conhecimento” virar o rosto
às sombras e olhar a luz fora da caverna, buscar a verdade e assim chegar ao ideal.
Nessa nobre missão, artistas só atrapalham, já que eles não satisfeitos apenas em viver na
sombra ousam ainda se entreter com elas. Para Platão o poeta devia dar lugar ao filósofo
no que concerne à educação da cidade, mas resta-nos perguntar se ainda hoje
seguiremos o conselho do filósofo.
Sim, a arte ocupa hoje, como sempre, diversos espaços na vida da “cidade” ou na
vida da sociedade. Porém, de certa forma ainda existem resquícios do pensamento
platônico quando cremos que em se tratando de conhecimento, de verdades, é melhor
confiarmos nos filósofos mesmo ou, de acordo com o costume dos nossos dias, nos
cientistas, novos “oráculos” da modernidade.
Pensar a relação entre arte e ciência é importante para compreendermos o status
que a arte goza como forma de conhecimento em nossa sociedade. Embora saibamos que
a arte é vista, de certo modo, como forma de conhecimento legítimo, cabendo a ela
inclusive um lugar na Universidade, geralmente não se atribui a ela a mesma importância,
no que concerne aos assuntos práticos e urgentes da vida, que se atribui à ciência. É
como se a arte produzisse conhecimento sobre si mesma ou sobre coisas
demasiadamente pessoais e subjetivas para serem levadas realmente à sério pela
sociedade como um todo. Porém na verdade arte e ciência são formas de conhecimento,
que apesar de suas especificidades, partilham um núcleo comum: a criação (VIEIRA,
2006). E é nesse sentido, então, que caminharemos neste trabalho, buscando
compreender como o processo de criação artística pode se tornar a base de um processo
de pesquisa fora do campo artístico.
Antes disso, porém, gostaria de enfocar o tema da importância da arte para nossa
compreensão da realidade, atestada a partir da perspectiva da complexidade. Ao fazer
isso, ressaltamos a importância de estudar a arte em uma perspectiva interdisciplinar pois
se ela é entendida como sendo também uma forma de investigação e compreensão da
realidade, é perfeitamente possível atrelar então, a prática e o estudo da arte, às
investigações em outras áreas do conhecimento.
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Breves considerações sobre arte e complexidade
A realidade é complexa. Certamente já ouvimos essa frase com bastante
frequência, mas o que nos diz hoje tal afirmação? De acordo com Jorge Albuquerque
Vieira (2006) nosso século emergiu com o retorno do problema da complexidade, tema
esse que foi muito discutido pelos antigos filósofos e presente na construção do paradigma
newtoniano, mas que foi aos poucos sendo abandonado em prol do “mito da simplicidade”;
uma regra metodológica que aconselhava a divisão do todo em partes mais simples para,
então, se chegar ao complexo entendendo que a natureza podia ser “resumida” a algumas
leis. Mas sabemos, é claro, que a natureza não é simples, a tal ponto que a própria ciência,
ancorada no método científico, está constantemente sendo revista e em contínuo processo
de redescobertas. Como consequência desse retorno do problema da complexidade,
percebe-se cada vez mais a necessidade de uma abordagem transdisciplinar do
conhecimento
Para o filósofo francês Edgar Morin (2008) o complexo e o global são dois
importantes eixos de análise. A interligação entre os dois eixos torna-se evidente quando
nos deparamos com problemas enfrentados pela humanidade na contemporaneidade:
desigualdades sociais e econômicas, aquecimento global, crises econômicas, crises
políticas, só para citar alguns, são problemas essenciais e de escopo global e que de
maneira alguma são parceláveis e são, não raro, indiferentes às nossas especializações.
É importante destacar que a crítica de Morin incide diretamente sobre um tipo de
pensamento marcado, por um lado, pela histórica divisão entre as ciências humanas e
ciências exatas e, por outro, pela hiperespecialização, que ele mesmo define como
“especialização que se fecha em si mesma sem permitir sua integração em uma
problemática global ou em uma concepção de conjunto do objeto do qual ela considera
apenas um aspecto ou uma parte” (MORIN, 2008)
O modelo geral de educação ocidental parece ter sido marcado de forma indelével
pelas duas dimensões acima. Mesmo na Idade Média, quando surgiram as primeiras
Universidades, o estudo do Trivium e Quadrivium pautava-se na divisão entre o estudo da
mente e o estudo da matéria, sendo essa talvez uma primeira forma de dividir ciências
humanas (estudo da mente) e ciências exatas e biológicas (estudo da matéria). O primeiro
aspecto alvo da crítica de Morin, a divisão entre humanidades e ciências exatas, já vem
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sendo discutido desde, pelo menos 1959 quando C. P. Snow (apud KNIGTH, 2004)
proferiu a palestra The two cultures and Scientific Revolution onde o autor denunciava a
existência de uma linha que dividia os cientistas: de um lado estava o mundo previsível e
lógico, baseado no experimento desapaixonado e matemático; do outro, um mundo
frequentado por aqueles treinados nas humanidades, na esfera da retórica e da
imaginação, ou algo neste espectro, bem como nos relacionamentos, intuições e
sabedoria, que permeava a literatura e a pintura.
Essa deflagrada crise no pensamento educacional moderno, repetido e reproduzido
em todos os níveis educacionais à exaustão, é, para Morin, parte fundamental do problema
da carência de uma sensibilidade em relação a ideia de complexidade. O exemplo utilizado
para ilustrar essa realidade é a atuação de um profissional da Economia que quando
focado apenas nas quantificações e modelagens matemáticas de um dado problema, pode
perder de vista a complexidade de tais situações onde necessidades e paixões humanas
também têm um importante papel.
Assim, diante de uma realidade complexa, é necessário olhar de diversos ângulos
para melhor enxergá-la, sendo para isso de fundamental importância a união dos saberes,
a união das áreas do conhecimento. Mas antes de pensarmos sobre como trabalhar de
forma transdisciplinar, é importante nos perguntarmos: até que ponto é, de fato, possível
conhecer a realidade?
Para responder a essa pergunta, Jorge Albuquerque Vieira nos apresenta a ideia de
Umwelt, termo proposto pelo biólogo estoniano Jakob von Uexkull no início do século XX
para designar a forma como uma determinada espécie interage com seu ambiente.
Utilizando a metáfora de Vieira, o Umwelt seria como uma bolha própria de cada espécie,
um intermediário entre o ser vivo e a realidade que o cerca. “Cada espécie viva vive num
mundo particular dela, dimensionado pela sua história contida e, portanto, elabora a
realidade de uma certa maneira que pode ser bastante diferente da maneira como outras
espécies elaboram.” (VIEIRA, 2009). Isso significa dizer que a realidade percebida pelo
cachorro não é a mesma realidade percebida pelo gato, e que a realidade do cavalo não é
a mesma do ser humano.
Porém, como não é nosso objetivo pensar a realidade a partir da zoologia, vejamos
como os homens lidam com a realidade e como lidam com seu Umwelt.
Viera explica que como um Umwelt filtra as informações da realidade, não temos
38
acesso à realidade em si, mas podemos representá-la, sendo então a arte e a ciência duas
formas de conhecimento na medida em que são duas formas de representação do real.
Tanto cientistas quanto artistas lidam com o real, porém a partir de perspectivas distintas,
de acordo com Vieira; a partir de hipóteses gnosiológicas diferentes.
A hipótese gnosiológica assumida pela maioria dos cientistas é o objetivismo realista
crítico, ancorada na crença em uma realidade externa e independente de nossas
possibilidades de conhecimento. Através da observação e do método científico a ciência
busca alcançar essa realidade externa, sendo a crítica, exercida pelos pares e pelo próprio
método, uma garantia de que tal percepção do real é plausível. Se um cientista afirma, por
exemplo, que todo corpo quando lançado tende naturalmente a cair e se, além dele, muitos
outros têm essa mesma percepção entende-se então que esse é um dado real. A ciência
é, portanto, uma tentativa de ultrapassar a barreira do Umwelt.
Já a arte não busca, primordialmente, saber o que é o real, mas o que pode ser real,
isto é, a arte explora as possibilidades do real. Mas de que nos serviria esta exploração de
possibilidades? Em uma palestra de Vieira disponível na internet 2 ele nos oferece um
exemplo bastante esclarecedor quanto à importância dessa exploração. Ele conta que um
grupo de cientistas pesquisando sobre como seria o movimento do corpo em um mundo
sem gravidade, convidou, para lhes demonstrar essa possibilidade, uma bailarina; alguém
cujo trabalho é vencer a gravidade ou se apropriar dela para criar novas formas de se
mover no espaço. A bailarina, como artista, lida com possibilidades do real, com a
possibilidade de um mundo sem a resistência da gravidade, com novas possibilidades de
movimento. Por isso, como ressalta Vieira nessa mesma palestra, se um dia nos
depararmos vivendo em um mundo completamente novo, um mundo sem gravidade por
exemplo, talvez sejam os artistas, especialmente os bailarinos, os que melhor e mais
rápido se adaptem ao novo padrão de existência.
A arte e a ciência são um exemplo do fato de que o Umwelt humano já deixou de
ser apenas biológico, isto é, o conhecimento da nossa espécie não se limita às nossas
possibilidades físicas. Graças à ciência podemos enxergar muito mais do que nossos olhos
permitiriam, através de telescópios, microscópios e uma infinidade de aparelhos e através
da arte podemos imaginar possibilidades de realidade que não existem de fato, mas que
podem vir a existir (a ficção científica é um exemplo evidente disso) ou podem, de uma
2
TaoIDC. Sobre Arte e Ciência – Jorge Albuquerque Vieira. Disponível em: <
http://www.youtube.com/watch?v=V0wU5wr2INo> Acesso em: 15 out. 2014.
39
forma distinta da ciência, desvelar aspectos da própria realidade existente.
Um exemplo interessante de como a arte trabalha com possibilidades do real está
na famosa peça de rádio teatro de Orson Welles transmitida no dia 30 de outubro de 1938
e que desencadeou o pânico nos ouvintes que acreditavam se tratar de uma transmissão
de rádio relatando a notícia de que extraterrestres haviam, de fato, invadido o planeta
Terra. A transmissão, no entanto, fazia parte de uma série de adaptações radiofônicas
organizadas por Orson Welles e que naquele dia fazia a leitura de trechos da obra Guerra
dos mundos de H. G. Wells. Nem todos os ouvintes haviam escutado a introdução do
programa e ao sintonizarem a rádio no meio da transmissão, supuseram tratar-se de uma
notícia real. O que esse fato demonstra é que, através da imaginação desencadeada pelo
texto ficcional, é possível acreditar em uma realidade que não é acessível aos nossos
sentidos, já que nunca os seres humanos tiveram, comprovadamente, um contato real com
qualquer tipo de vida extraterrestre. Assim, a arte, nesse caso a radionovela inspirada na
literatura, é uma forma de ultrapassar nosso Umwelt criando uma possibilidade do real. Isto
sem mencionar a influência das imagens na nossa concepção de realidade, o real é aquilo
que vemos de fato, ou aquilo que nos foi representado visualmente? O próprio caso dos
extraterrestres exemplifica isso: por que quando pensamos em ETs pensamos em seres
com uma pele animalesca, uma cabeça gigantesca e olhos assustadores? Muitas vezes
realidade e representação se confundem. Apenas a título de exemplo, vale mencionar
ainda que essa obra de Wells foi recentemente adaptada para o cinema em um filme de
Steven Spielberg, a fotografia do filme por sua vez, parece ser fortemente influenciada nas
obras do artista Henrique Alvim Correa que ilustrou a edição belga, em 1906, de A guerra
dos mundos.
40
Figura 4. Alvim Correa. Os marcianos atacam, 1906.
Figura 5. Imagem retirada da internet. Cena do filme “Guerra dos mundos” (Spielberg, 2005).
41
Essa relação entre realidade e ficção não se encerra em si mesma, mas aponta
para a capacidade humana de ultrapassar o Umwelt por meio da representação. De acordo
com Vieira (2006) aí reside a principal característica a unir arte e ciência: os atos de
criação. Não só a literatura lança mão da ficção mas também a ciência, pois como falar da
realidade micro e macro, às quais não temos acesso por meio dos sentidos? Para isso a
ciência também cria suas ficções, denominadas por ele “ficções eficientes”, são exemplos
disso o centro de gravidade, a máquina térmica de Ludwig von Boltzmann e, acrescento, o
próprio átomo.
Os atos de criação, tanto em arte quanto em ciência, exigem daquele que cria a
capacidade de imaginar novas possibilidade de realidade. A esse respeito a artista Fayga
Ostrower (1998, p.25-26) nos conta sobre a proposta que recebeu de um professor de
astrofísica, depois de o ter acompanhado em uma visita ao museu e ter lhe apresentado as
obras de alguns impressionistas:
─ Quero lhe fazer um convite. Se algum dia você quiser deixar de ser
artista, venha trabalhar comigo no Instituto de Astrofísica.
Tomada de surpresa, comecei a rir.
─ Mas, professor, eu [Fayga Ostrower] não lhe serviria para nada. Nem sei
ler uma simples equação matemática.
─ Isto não tem importância alguma ─ respondeu o professor; equações se
aprendem, é uma técnica apenas. Mas a visão especial que você foi capaz
de expor para mim, ao comentar a estrutura das obras impressionistas e as
transformações no Cubismo contem pensamentos bem interessantes. De
fato, aproximam-se de certas conjeturas que nós estamos formulando para
tentar explicar certos fenômenos no universo e, talvez, a própria origem do
universo. O que necessitamos na pesquisa é exatamente disto: a mente
aberta para novas possibilidades, a imaginação e a capacidade de
relacionar dados de maneira diferente, intuindo contextos globais em que
tais dados poderiam se encaixar em uma nova visão da realidade.
Naturalmente, depois tudo necessita de repetidas verificações. Mas pense
nisto; estou falando sério.
Eu me senti extremamente emocionada.
Esse episódio reforça a ideia de que a arte não é um luxo dos sentidos, mas possui
relações com a nossa realidade e com toda a complexidade que dela advém, sendo ela
também uma forma de conhecimento e um meio pelo qual exploramos e investigamos o
mundo. Assim, toda descoberta científica é também uma descoberta artística.
42
“A questão real é que a arte é forma de conhecimento e todo conhecimento é
função vital, todo conhecimento garante vida e complexidade. Desvalorizar o
artístico é matar, em altos níveis de complexidade, nossa Humanidade.
Insistimos aqui: a Arte é o tipo de conhecimento que explora as
possibilidades do real. Não nos basta acreditar em uma realidade, temos que
aprender os caminhos complexos para tentar atingi-la, e temos que fazer isso
para sobreviver, não só em corpo, mas nos signos que já somos capazes de
produzir e extrasomatizar, além das necessidades biológicas.”
Jorge de Albuquerque Vieira, 2006, p.83
“Não se há de pensar, talvez, que os mundos da imaginação sejam fictícios ou
menos verdadeiros do que os mundos da razão, do que, digamos, a realidade
lógica matemática. Mundos imaginativos, sim, mas nunca apenas fantasias ou
meras ilusões. Ao contrário, a imaginação poética é a capacidade de condensar
o essencial na experiência, levando aos níveis mais interiorizados de
compreensão. Com ela, a arte penetra no real ser das coisas talvez mais do
que qualquer tipo de racionalização o pudesse fazer.”
Fayga Ostrower, 2013, p.88
43
O descobrimento do átomo
Alguns anos se passaram desde a última
vez que estive na casa da minha família
na Trácia. De lá me restaram poucos
afetos
e
o
sentimento
de
não
pertencimento que me levaria a vagar de
chão em chão. Desde que deixei a casa
depois do falecimento do meu pai, minha
mãe certamente vivia mais feliz ali.
Reinando
soberana
sobre
a
vasta
propriedade herdada, ela havia ordenado
aos servos que preparassem um banquete
em
minha
homenagem,
embora
ambos
soubéssemos que entre nós não havia nada
o que se celebrar. O tumulto na casa
gerado pelos preparativos me incomodava
muito, mas o sol e o calor do lado de
fora impediam que naquele momento eu
fugisse para as plantações de trigo e
por isso decidi repousar na varanda,
tentando pegar no sono enquanto pensava
na forma mais rápida de contar os
losangos do teto. Mas fui interrompido
pelo cheiro do pão que uma serva levava
para o cômodo de cima.
Aquele cheiro bom despertou minha fome,
mas não quis seguir a serva em busca do
alimento. Logo a fome e o cheiro
passariam. Mas não foi o que aconteceu;
o cheiro daquele pão ocupou o pátio
inteiro afetando também todos os meus
outros sentidos. Logo eu não somente
cheirava o pão, eu via, tocava e sentia
em minha boca aquele gosto inexistente,
o gosto do cheiro. Eu tocava o cheiro,
eu o enxergava. Seria isso possível? O
44
que trazia aquele cheiro até mim quando
o pão, já há muito, ia longe da minha
vista? O que trazia o calor ao meu corpo
se o sol, era sabido, estava a uma
incalculável distância de mim? Comecei a
ocupar-me dessas questões, sem desgrudar
ainda os olhos do teto. Pressenti que
aqueles losangos, que àquela altura
contavam 48, poderiam trazer alguma
resposta.
De repente, talvez por um breve reajuste
dos olhos, percebi que aqueles pequenos
losangos eram todos um só. Como que por
uma vertigem eu já não mais via os 48
losangos mas apenas um, um grande
losango
composto
por
todas
aquelas
pequenas partes que eu contava uma a
uma. Naquele momento percebi o mistério
do mundo. O mundo todo era feito de
várias partes. Não de várias coisas
simplesmente, mas das várias partes das
várias coisas. Coisas como o pão, como o
calor, como o teto daquele pátio.
Subi apressadamente em busca do pão e o
comi admirando suas migalhas; mas não
eram as migalhas aquilo que constitua o
mundo, era o que estava dentro das
migalhas e o que estava dentro desse
dentro. Algo invisível ainda, mas que
existia materialmente a despeito dos
nossos parcos sentidos. Existia para mim
e eu mal podia esperar para encontrá-lo
em todas as outras coisas.
45
46
Complexidade revelada na literatura
Partindo do pressuposto de que a arte é uma forma de conhecimento e um modo de
lidar com o real, passamos agora a pensar em como ela pode contribuir no desvelar da
complexidade humana. Vejamos, para isso, alguns exemplos advindos da literatura, a qual
de acordo com Morin (2008, p.43) “(...) nos leva diretamente ao caráter mais original da
condição humana” Em relação ao romance, diz ele (2008, p.44)
O romance é mais que um romance. Sabemos que o romance, a partir do
século XIX, tornou-se prenhe de toda a complexidade da vida dos
indivíduos, até da mais banal das vidas. Ele demonstra que o ser mais
insignificante tem várias vidas, desempenha diversos papéis, vive uma
existência em parte de fantasias, em parte de ações. Dostoievski
demonstrou vivamente a complexidade das relações do sujeito com o outro,
as instabilidades do “eu”.
Dostoievski, célebre escritor russo do século XIX, é de fato um excelente exemplo
de autor que consegue captar “as instabilidades do ‘eu’”. Em uma de suas obras célebres,
o romance Crime e Castigo, ele nos leva fundo na mente, sentimentos e motivações de um
assassino. Afinal, embora esse seja um crime horrendo, o assassino não deixa de ser
homem e portanto nada seria tão simplista como reduzir a análise do caso ao julgamento
de que “ele é um monstro e pronto”. A literatura, enquanto arte do discurso, sempre parte
do pressuposto de que nada é tão simples quanto parece, todo ser humano é mais
complexo. De acordo com escritor checo Milan Kundera (2009, p.24):
O espírito do romance é o espírito da complexidade. Cada romance diz ao
leitor: “As coisas são mais complicadas do que você pensa”. Essa é a
eterna verdade do romance que, entretanto, é ouvida cada vez menos no
alarido das respostas simples e rápidas que precedem a questão e a
excluem.
A trama principal de Crime e Castigo é uma trama relativamente simples: um jovem
comete um crime por dinheiro e por convicções ideológicas, se arrepende, porém, e oscila
entre a culpa e o medo da punição. Decide, então, confessar e se entregar à polícia e é,
assim, condenado a cumprir pena pelo crime cometido. Tal enredo porém se desenrola em
mais de 500 páginas de modo que a narrativa nos permite ir muito além dos fatos da trama
e nos dá acesso à vida interior do personagem em todas suas angústias, medos, dilemas,
amores e esperanças. É muito diferente de uma abordagem jornalística, por exemplo, onde
em uma folha de jornal lemos os principais detalhes de um crime e isso já nos basta. A
47
abordagem jornalística tende a ser sucinta e factual e embora seja questionável a
objetividade e imparcialidade do texto jornalístico, é claro perceber o quanto ela se
distancia de uma narrativa literária.
No texto abaixo podemos ler o começo de uma notícia, publicada na internet na
página do jornal Folha de São Paulo sobre um rapaz que, por ter cometido um crime, foi
amarrado a um poste e agredido por alguns civis. A notícia desse linchamento, divulgada
no início de fevereiro de 2014, ganhou notoriedade nacional e em 18 de fevereiro desse
mesmo ano, o rapaz comete outro delito e temos, então, mais uma notícia publicada sobre
esse “personagem”:
A história do adolescente que foi preso pelo pescoço a um poste, com uma
tranca de bicicleta, há três semanas na zona sul carioca, ganhou um novo
capítulo. Na última terça-feira (18), o menor voltou a uma delegacia, desta
vez a DEAT (Delegacia Especial de Apoio ao Turista), detido sob suspeita
de ter assaltado um turista em Copacabana. [...]
Ainda que a notícia se apresente, de certo modo, em forma narrativa: “a história do
adolescente [...] ganhou um novo capítulo”, ela não pode ir muito além de fatos e
simplificações da notícia em favor da concisão e pretensa objetividade.
A literatura, por outro lado, não está presa a regras de economia de texto e
objetividade, ela pode ir além. Pode nos ajudar, por exemplo, a enxergar pessoas que
andam pelas ruas invisíveis, como a personagem Macabéa do romance A hora da estrela
da escritora brasileira Clarice Lispector (1995, p. 26).
Como é que sei tudo o que vai se seguir e que ainda o desconheço, já que
nunca vivi? É que numa rua do Rio de Janeiro peguei no ar de relance o
sentimento de perdição no rosto de uma moça nordestina. Sem falar que eu
em menino me criei no Nordeste.
Também sei das coisas por estar vivendo. Quem vive sabe, mesmo sem
saber que sabe. Assim é que os senhores sabem mais do que imaginam e
estão fingindo de sonsos.
[...] Como a nordestina, há milhares de moças espalhadas por cortiços,
vagas de cama num quarto, atrás de balcões trabalhando até a estafa. Não
notam sequer que são facilmente substituíveis e que tanto existiriam como
não existiriam.
Poucas se queixam e ao que eu saiba nenhuma reclama por não saber a
quem. Esse quem será que existe?
48
A pessoa de quem vou falar é tão tola que às vezes sorri para os outros na
rua. Ninguém lhe responde ao sorriso porque nem ao menos a olham.
Esse trecho de Clarisse Lispector, aponta para uma das características marcantes
do romance moderno: a ênfase no personagem, que, por sua vez, não precisa mais ser o
grande herói grego ou saxão, como foram Aquiles ou Beowulf, mas pode ser uma simples
nordestina oculta no mundo. De acordo com Antônio Cândido (2011), no romance moderno
o personagem se torna mais complexo do que o próprio enredo em uma tentativa de
aproximar o personagem da pessoa real. É nesse caminho, então, que surge um romance
como Ulisses do irlandês James Joyce, uma obra gigantesca para narrar um único dia na
vida de um homem. Ao contrário da Odisseia de Homero, a qual narra dez longos anos de
aventuras vividas pelo grego Ulisses em sua tentativa de regresso à sua terra natal, Ítaca,
o romance de Joyce se concentra nas “aventuras psicológicas” de seu personagem,
mostrando assim que a vida de um homem comum é tão complexa quanto a de um herói
grego.
Voltando mais uma vez a Dostoievski (2008, p. 11), vemos, em Os irmãos
Karamazov, o autor defendendo a narrativa da vida de um homem comum, de um
excêntrico. Antes de iniciar a narrativa sobre a vida do personagem Alieksiêi Fiódorovitch,
o narrador busca convencer seu leitor sobre como o estudo de uma vida comum pode
“trazer em si a medula do todo”:
Ao iniciar a biografia do meu herói Alieksiêi Fiódorovitch Karámazov achome tomado de certa perplexidade. Ei-la: embora chame Alieksiêi
Fiódorovitch de meu herói, eu mesmo, porém, sei todavia que ele nada tem
de grande e por isso prevejo perguntas inevitáveis como essas: em que seu
Alieksiêi Fiódorovitch é digno de nota, por que o escolheu como seu herói?
O que lhe deu esse destaque? A quem chega a sua fama?
Por que eu, leitor, devo perder tempo estudando episódios de sua vida?
Uma coisa, é de crer, fica bastante evidente: trata-se de um homem
estranho, um excêntrico até. (...)
Porque o excêntrico nem sempre é uma particularidade ou um caso isolado,
ao contrário, vez por outra acontece de ser justo ele, talvez, que traz em si a
medula do todo...
De fato, como nos diz o autor, um personagem pode trazer em si “a medula do todo”
e com isso nos ajudar a ter, por um instante, a visão de conjunto, a visão da complexidade.
49
Janelas do meu quarto
Do meu quarto de um dos milhões
do mundo
Que ninguém sabe quem é
(e se soubesse que é, o que
saberiam?)
Fernando Pessoa (2007, p.48)
Figura 6. Jade Magave. Janelas na hora da
novela, 2014. Comentário visual de trecho
do poema Tabacaria (Pessoa, 2007).
Fazendo um paralelo com a produção científica, é razoável pensar que quanto mais
pesquisadores de diferentes áreas do conhecimento estiverem comprometidos em estudar
determinado objeto, mais nós saberemos sobre ele. Pensemos, como exemplo, em um
estudo sobre famílias migrantes, pessoas que são obrigadas a sair do seu lugar seja
devido a guerras, perseguições ou fome e por isso vivem errantes, sem um lugar próprio.
Esse tema poderia ser abordado a partir de um estudo político ou sociológico, em que se
levantariam as causas que levaram tais pessoas a essa situação, um estudo antropológico
poderia nos dizer sobre a cultura criada dentro desse novo contexto, um estudo médico
apontaria os riscos aos quais a saúde dessas pessoas está exposta e outras áreas não
teriam também, é certo, dificuldade em se engajar com a situação e encontrar nela algo de
específico com que possam contribuir. Mas e a arte, como participaria desse processo?
Uso esse exemplo, pois um artista se debruçou durante seis anos sobre essa situação
para criar sua obra de arte: o fotógrafo brasileiro Sebastião Salgado lançou no ano 2000
fotos do que ele chamou de “Projeto Êxodos”, através do qual conta a história da
50
“humanidade em trânsito” (SALGADO, 2000). Ele viajou por quarenta países fotografando
diferentes comunidade exiladas e lhe chamou a atenção o fato de que em todos os lugares
há algo em comum: as crianças estão sempre “loucas para serem fotografadas”. Diante
disso, o fotógrafo dá atenção especial para esse aspecto específico dentro desse tema
maior: como vivem as crianças exiladas? Surge então uma série de fotografias voltadas
especificamente a esse tema e publicadas no livro Retratos de crianças do Êxodos. De
acordo com Sebastião Salgado, esse livro é um registro fotográfico da seguinte pergunta:
"Como é possível uma criança sorridente representar o infortúnio mais profundo?".
Nas aulas de Metodologia aprendemos que uma pesquisa científica focaliza uma
pergunta, um “problema”. A pergunta que deu origem à pesquisa de Sebastião Salgado foi
aquela e suas fotos são o resultado de suas pesquisas. Não poderíamos pensar, então, a
partir do exemplo dado, que a arte pode contribuir como uma nova forma de enxergar uma
situação? Não se trata, é claro, da única forma nem mesmo, necessariamente, da melhor,
mas sem dúvida sua presença é enriquecedora.
Podemos citar mais um exemplo de como a arte traz uma nova forma de olhar e
portanto contribui para uma visão transdisciplinar da complexidade. Voltemos à literatura:
Imaginemos que um professor de Geografia irá trabalhar com sua turma as regiões
brasileiras e pretende abordar o assunto da seca no Nordeste, mais especificamente no
sertão de Pernambuco. Um ponto importante na sua aula seria, então, falar sobre o Rio
Capibaribe, rio que corta o estado e que hoje encontra-se gravemente poluído. Mas como
abordar esse assunto?
Talvez começar com as palavras de um célebre pernambucano, Gilberto Freyre,
sobre o Capibaribe (1942, p. 118)
O rio está ligado da maneira mais íntima à história da cidade. O rio, o mar e
os mangues. Assassinatos, cheias, revoluções, fugas de escravos, assaltos
de bandidos às pontes, fazem da história do Capibaribe a história do Recife.
O professor também poderia começar sua aula com o seguinte discurso:
O rio Capibaribe é um curso d'água do estado de Pernambuco, no Brasil.
Seu nome é originário da língua tupi e significa "no rio das capivaras",
através da junção dos termos kapibara (capivara), y (água, rio) e pé (em)1 2
3
Nasce na Serra de Jacarará, no município de Poção. Antes de desaguar no
Oceano Atlântico, passa pelo centro da cidade do Recife.
51
Possui 240 quilômetros de extensão e sua bacia, aproximadamente 5 880
quilômetros quadrados. Possui cerca de 74 afluentes e banha 42 municípios
pernambucanos, entre eles Toritama, Santa Cruz do Capibaribe,
Salgadinho, Limoeiro, Paudalho, São Lourenço da Mata e o Recife. [...] 3
Ou poderia começar a partir da fala de outro célebre pernambucano, João Cabral de
Melo Neto (2012, p. 34):
Sempre pensara em ir
caminho do mar.
Para os bichos e rios
nascer já é caminhar.
Eu não sei o que os rios
têm de homem do mar;
sei que se sente o mesmo
e exigente chamar.
Eu já nasci descendo
a serra que se diz do Jacarará,
entre caraibeiras
de que só sei por ouvir contar
(pois, também como gente,
não consigo me lembrar
dessas primeiras léguas
de meu caminhar).
Deste tudo que me lembro,
lembro-me bem de que baixava
entre terras de sede
que das margens me vigiavam.
Rio menino, eu temia
aquela grande sede de palha,
grande sede sem fundo
que águas meninas cobiçava.
Por isso é que ao descer
caminho de pedras eu buscava,
que não leito de areia
com suas bocas multiplicadas.
Leito de pedra abaixo
rio menino eu saltava.
Saltei até encontrar
as terras fêmeas da Mata.
[...]
O poeta João Cabral de Melo Neto tem um livro inteiro (2012) sobre os rios de
Pernambuco, entre eles o rio Capibaribe. Enxergar o rio através do poeta, e enxergar as
pessoas à beira do rio pelos olhos do próprio rio traz, sem dúvida, um outro olhar sobre a
3
Trecho retirado da Wikipédia: https://pt.wikipedia.org.
52
região e sobre as questões que o professor de Geografia gostaria de discutir com seus
alunos. Não se trata, ressalto mais uma vez, de abandonar as informações geográficas e
análise histórica e social da questão, mas de inserir uma outra perspectiva, de olhar o
objeto a partir de um novo ângulo. Há quem diga “eu conheço o Capibaribe” porque leu o
livro de Gilberto Freyre, há quem diga “eu conheço o Capibaribe” porque um dia mergulhou
em suas águas e há quem diga “eu conheço o Capibaribe” porque leu o livro “Rio” de João
Cabral de Melo Neto ─ esse é o meu caso. Há portanto várias formas de enxergar e várias
formas de se conhecer.
Não é objetivo deste trabalho provar a função da arte ou defini-la, mas através dos
exemplos aqui mencionados espero ter ressaltado o papel da arte enquanto forma de
conhecimento, indo além da contemplação e deleite estético. Como Morin, acredito que a
arte nos ajuda a enxergar a complexidade do mundo na medida em que problematiza o
homem em sua completude, como no romance Crime e castigo em que um assassino não
é simplesmente um assassino e ponto final; é também um filho, irmão, um sofredor, um
arrependido, um culpado, um apaixonado etc. A literatura, em especial, nos mostra que
cada ser humano é um “personagem”, é o herói de sua própria história. A arte nos dá a
oportunidade de enxergar a realidade com outros olhos, a arte nos permite acesso à uma
nova “interpretação da realidade” (CASSIRER, 1977, p.233), à interpretação do artista:
Depois de haver penetrado em sua [do artista] perspectiva, somos
obrigados a olhar para o mundo com olhos de artista. Parece como se
nunca tivéssemos visto o mundo a esta luz peculiar. No entanto, estamos
convencidos de que esta luz não é simplesmente um clarão momentâneo e
que, graças à obra de arte se tornou durável e permanente. E depois que a
realidade nos foi revelada nesta forma particular, assim continuamos a vêla.
Uma vez que que é reconhecida a importância da arte para a construção de
conhecimento e para a criação de formas pelas quais interpretamos a realidade, comecei a
me perguntar sobre como ela pode atuar como forma de conhecimento dentro das escolas
e Universidades e foi diante dessa questão que me aproximei dos estudos sobre a
Pesquisa Baseada em Arte ou Metodologias artísticas de pesquisa.
53
54
Pesquisa Baseada em Arte: forma de pesquisa
55
Se a arte traz de fato contribuições importantes para o entendimento das questões
humanas, não será surpresa que muitos pesquisadores comecem a incluir a arte em seu
arcabouço de procedimentos de investigação. É disso, portanto, que se ocupa a Pesquisa
Baseada em Arte (PBA) e também este trabalho que agora começa a se delinear mais
precisamente. Entretanto, para começarmos a falar sobre a PBA é importante situá-la em
relação à Pesquisa em Arte, a fim de que se perceba em que medida estamos falando de
algo diferente do que já tem sido feito em muitas Universidades no Brasil.
Pesquisa em Arte e Pesquisa baseada em arte
Uma das obras de referência sobre a Pesquisa em Arte no Brasil é o livro Pesquisa
em Arte: um paralelo entre arte e ciência de Silvo Zamboni (2012), onde o autor tem por
objetivo a proposição de um modelo metodológico para este tipo de pesquisa. Zamboni
afirma que a pesquisa em arte é qualquer pesquisa que se desenvolva no campo da arte.
Portanto, pesquisas em história da arte, crítica, restauração, recepção, produção, ensino
etc., todas fazem parte deste arcabouço. Porém, nesse livro, Zamboni se ocupa
especialmente da pesquisa em criação artística, ou seja, a pesquisa que é feita por um
artista com o objetivo de produzir uma obra de arte:
Usarei a expressão pesquisa em arte para me referir ao trabalho de
pesquisa em criação artística, empreendido por artistas que objetivam
atingir como produto final a obra de arte. Portanto, só tratarei nesse trabalho
da pesquisa realizada pelos artistas, ou seja, quando o artista também se
assume como pesquisador e busca, com essa dupla face, obter trabalhos
artísticos como resultado de suas pesquisas. (ZAMBONI, 2012, p. 6)
O que se nota então, é que a Pesquisa em Arte ainda que feita no contexto
acadêmico tem como fim principal a própria obra de arte, difere-se do processo de criação
de um artista que trabalha fora da Academia justamente pelo fato de o artista tomar para si
essa dupla função, a de artista e pesquisador, no sentido acadêmico que se dá ao termo
A Pesquisa Baseada em Arte, por sua vez, se distingue da Pesquisa em Arte
exatamente nestes dois aspectos ressaltados por Zamboni. Em primeiro lugar porque ela
não se desenvolve necessariamente no campo da arte, ao contrário, a Pesquisa Baseada
em Arte procura ser uma nova forma, uma nova metodologia para o desenvolvimento de
pesquisas nos mais diversos ramos das ciências humanas, sendo as pesquisas em
56
educação as que mais têm se utilizado dessa metodologia. Em entrevista à Revista Trama,
Ricardo Marín Viadel comenta também sobre a diferença entre essas duas denominações
que temos discutido neste tópico:
Atualmente, existem duas denominações gerais que são aquelas que estão
se tornando mais comum. A primeira é a "Pesquisa Educacional baseada
em Artes" (em inglês "Arts based Educational Research"), usada por
professores e acadêmicos da Faculdade de Educação e Humanidades, cujo
objetivo é investigar os problemas educacionais, através da criação
artística. O segundo, "Art Research" (em Inglês "Artistic Research"),
utilizado pelas professsoras e professores da Faculdade de Artes Visuais,
de Música, de Teatro, de Dança, cujo objetivo é investigar os problemas
artísticos através das próprias linguagens artísticas. (VIADEL. In: Trama,
2013, p.13)
Em segundo lugar, a PBA não precisa ser feita necessariamente por um artista; é
esperado que o pesquisador domine minimamente as propriedades da linguagem artística
com a qual trabalha a fim de garantir a qualidade estética do trabalho, porém é uma
metodologia que pode estar ao alcance de todos, artistas ou não. E, por fim, o objetivo
principal da PBA não é produzir uma obra de arte, mas sim uma pesquisa; é apresentar o
resultado final de uma pesquisa conduzida, não exclusivamente mas principalmente, por
meio da arte. Tal resultado não se pretende conclusivo, mas espera-se que o uso de uma
nova linguagem seja capaz de levantar novos questionamentos e permita ao pesquisador e
ao seu público enxergar o tema em questão a partir de novas perspectivas. Como colocam
Roldán e Viadel (2012, p.16); “seus dois principais objetivos são enriquecer as
investigações sociais e educacionais com a experiência das artes e fazer com que as artes
se insiram nos problemas da pesquisa social e educacional.”
Embora a Pesquisa em Arte seja diferente da Pesquisa Baseada em Arte, podemos
pensar que este segundo tipo de pesquisa, ao trazer o processo de criação artística para
dentro da Academia, contribui para utilização da arte no processo de pesquisa mesmo em
áreas fora dos programas de Arte. Sabemos que ainda que o surgimento da PBA tenha se
dado por volta do início da década de 90 através dos trabalhos de Elliot Eisner, antes disso
artistas pesquisadores já se aventuravam a transpor e a problematizar os limites
convencionalmente colocados entre arte e ciência. A PBA surge, então, a partir do anseio
de pesquisadores, artistas e educadores de trazerem a arte para dentro da Academia, não
somente como objeto de estudo mas como método de pesquisa, como uma parte
estruturante do caminho e não somente como o ponto de chegada.
57
Em 1993 Elliot Eisner organizou a primeira série de conferências sobre arts-based
research, oferecida pelo Arts-Based Research Institute na Universidade de Standford nos
Estados Unidos para os membros da American Educational Research Association
(Associação Americana de Pesquisa em Educação). Tais conferências obtiveram tanto
sucesso e provocaram tamanho entusiasmo naqueles que dela participaram que depois
dessa primeira, mais sete se seguiram entre os anos 1993 e 2005.
De acordo com Eisner e Barone (2012) foram nessas conferências que o termo artsbased research foi gerado, embora as ideias que serviram como base para o
desenvolvimento desta metodologia já viessem sendo maturadas através dos estudos de
Eisner no âmbito da educação artística e em seus questionamentos acerca da importância
da arte na educação e para a educação. Isto por sua vez o levou a desenvolver os
conceitos de crítica em educação (educational criticism) e expertise em educação
(educational
connoisseurship)
ambos
apresentados
nos
livros
The
Educational
Imagination, Cognition and curriculum e Enlightened Eye, publicados em 1971, 1982 e
1991 respectivamente. Eisner partiu então desses conceitos para promover uma
abordagem da pesquisa em educação que se apoiasse no aspecto imaginativo e
expressivo das formas artísticas. Além disso, o desenvolvimento das pesquisas sociais e,
em especial, das pesquisas ancoradas nos métodos qualitativos, juntamente com os
desdobramentos da chamada “ciência pós-moderna” abriram caminho para uma nova
forma de pesquisa em educação e, em última análise, no campo das pesquisas sociais em
geral.
Atualmente a PBA, primeiramente conhecida pelo termo em inglês somente, arts
based research, goza de um maior reconhecimento internacional. Destaco, em especial,
dois polos importantes de estudos nesse tema: a University of British Columbia no Canadá
através do grupo de estudos sobre A/r/tography (em português, a/r/tografia) onde Rita Irwin
é uma das principais representantes, e também os estudos em Metodologías artísticas de
investigación desenvolvidos na Universidade de Granada por Riacardo Marin Viadel e
Joaquín Roldán e também por Fernando Hernandéz na Universidade de Barcelona.
De acordo com Viadel e Roldán (2012), embora seja ainda um campo muito recente,
a PBA já se prolifera em diferentes enfoques e tendências, das quais se pode citar: art for
scholarship’s sake; a/r/tography, arts-based educacional research; arts-based visual
research, arts-based research; arts-informed research. Todos esses enfoques são, no
entanto, desdobramentos da Pesquisa Baseada em Arte (arts-based research; arts58
informed research), que por vezes delimita o campo de estudos em que incide a
metodologia, como é o caso da Pesquisa Educacional Baseada em Arte (art for
scholarship’s sake; arts-based educacional research) ou descrevem a modalidade
artísticas abordada (arts-based visual research). A a/r/tografia seria, dentre essas
tendências mencionadas, aquela que se distingue das demais por ser uma modalidade
metodológica dentro da PBA (Viadel, 2013) que busca unir em um mesmo enfoque
metodológico três atividades profissionais que se desenvolvem em conjunto: ser artista, ser
pesquisador e ser professor.
Não faz parte do escopo deste trabalho dissertar sobre os diferentes enfoques e
abordagens que a PBA pode abarcar. Nesse momento meu objetivo é apresentá-la de
maneira geral, buscando seus princípios norteadores e pontuando suas potencialidades,
entretanto considero importante mencionar a proliferação de estudos nesse campo a fim
de ressaltar a importância que a PBA vem alcançando no cenário acadêmico internacional
e também no cenário nacional, sendo o livro organizado por Bedilson Dias e Rita Irwin
(2013) um exemplo do interesse despertado em alguns pesquisadores brasileiros.
Por que “pesquisa’?
Por que chamar a PBA de “pesquisa”? Barone (2001) nos informa que alguns
críticos da PBA têm sugerido a utilização do termo "investigação" (inquiry) no lugar de
"pesquisa" (research). Por outro lado os defensores da Pesquisa Baseada em Arte
insistem na utilização do termo "pesquisa" e não “investigação”. Em primeiro lugar devido
ao peso semântico da palavra “pesquisa”. Embora o termo abarque uma diversidade de
atividades, a palavra se associa semanticamente a um ambiente científico, acadêmico, de
rebuscada inteligência, enfim uma coisa séria, difícil. "Investigação" por sua vez é um
termo que nos remete a um cenário mais pragmático: o do policial que investiga um crime,
algo que caminha para um resultado urgente e imediato, não tão elaborado e tão sério e
certamente não tão pomposo quanto uma pesquisa. A PBA se aproxima do primeiro
campo semântico, pois o próprio ambiente em que é produzida é o mesmo da "pesquisa".
Em segundo lugar, existe o peso político da palavra "pesquisa", talvez pela carga
semântica que carrega, e devido ao contexto em que a palavra se insere. Chamar uma
empreitada de "pesquisa" é conferir a ela um status necessário para que se reconheça a
59
seriedade e validade da mesma.
Tom Barone (2001) coloca a questão em termos claros em um artigo escrito como
réplica a Richard Meyer, o qual argumenta que a pesquisa educacional, seja ela
quantitativa ou qualitativa, reside exclusivamente no âmbito da ciência. Em relação ao uso
do termo "investigação" Barone (2001, p.27) diz:
E porque a língua é um elemento importante dentro dos “jogos de poder”
nós recusamos a oferta paternalista (de outros tradicionalistas, se não
explicitamente de Meyer) de chamar o nosso trabalho de "investigação" ao
invés de pesquisa. Primeiro, [...] ele certamente envolve pesquisa. Em
segundo lugar, no estado consciente do mundo acadêmico, tal aquiescência
implicaria uma cidadania acadêmica de segunda classe que pode resultar
no fracasso em se tornar um professor titular e ser promovido. Estariam
aqueles que fazem Pesquisa Baseada em Arte sendo convidados a
"iluminar e satisfazer" em nosso tempo livre sem esperar que nosso
trabalho seja reconhecido com bolsas e publicações em revistas científicas
de prestígio? Aparentemente sim.
Ressalta-se ainda que para os defensores da PBA como Eisner e Barone não existe
de fato uma dicotomia entre arte e ciência. Tal dicotomia existe socialmente na medida em
que esses dois domínios do conhecimento, arte e ciência, são muitas vezes vistos como
campos totalmente opostos entre si. Talvez por isso falar em pesquisa (termo ligado ao
meio científico) baseada em arte (termo totalmente “oposto” à ciência) possa parecer para
muitos um oxímoro 4.
É importante perceber, como destaca Elliot Eisner (2006), que o termo "pesquisa"
pode ser entendido como um grande guarda-chuva que abarca diferentes processos que
visam ampliar a experiência humana e promover o entendimento. São várias, portanto, as
formas de pesquisa, e a pesquisa científica é apenas uma dessas formas. Quando o
processo de criação artística se torna um processo cujo principal foco é ampliar a
experiência humana e promover o entendimento, aí temos arte como pesquisa.
O contexto da Pesquisa Baseada em Arte
A tradição do pensamento ocidental ainda carrega muitas das bases construídas por
4
Figura de estilo que reúne duas palavras aparentemente contraditórias ou incongruentes (p. ex., gentileza cruel; belo
terrível); paradoxismo.
60
Platão séculos atrás. Platão foi um dos primeiros a estabelecer um parâmetro de verdade
para o qual os esforços do homem em busca do conhecimento deveriam convergir e em
seu rastro muitos outros pensadores postularam suas teorias epistemológicas. Na era
moderna, através de Descartes, Bacon e Galileu vemos o surgimento do método científico
e o estabelecimento de um caráter unívoco entre ciência e investigação, isso é, a visão de
que a única forma de investigação cabível era aquela feita por meio do método científico.
Graças ao método científico foi possível chegar às conclusões consideradas mais
acertadas, pois são fruto de observações objetivas submetidas a uma série de testes que
controlam sua fiabilidade. De acordo com Zamboni (2012, p. 14):
Sob esse sistema desenvolve-se a ciência atual: tudo preferencialmente é
dividido, subdividido, enumerado, classificado, passível de ser contado, de
ser medido, tudo deve ser enquadrado em linguagem matemática para
poder ser manipulado com maior coerência dentro do modelo.
Essa matriz racionalista faz com que o conhecimento humano tenda a ser
rotulado em áreas e subáreas, as divisões e subdivisões alastram-se, as
especializações prosseguem em caminhos que parecem não ter retorno.
Perde-se a amplidão, ganha-se em profundidade, mas sempre dentro do
mesmo modelo reducionista.
Sabemos também que o enraizamento dessa tradição de pensamento serviu para
ditar, durante muito tempo, o que é e o que não é pesquisa. Fundamentada no método
científico vinculado às ciências experimentais, essa tradição acabou por estabelecer uma
hierarquia onde os verdadeiros cientistas são aqueles que trabalham no âmbito das
ciências experimentais. Uma vez que o “trabalho sério” era feito por cientistas, os quais
também alcançavam os melhores resultados, isto é, resultados objetivos passíveis de
serem reproduzíveis, generalizáveis e aplicáveis, fica claro então por que no início do
século XX começou-se a falar em Ciências da Educação, Ciências da Linguagem, Ciências
Sociais e Ciências Humanas (HERNANDEZ, 2010). Carregar o nome de “ciência” era uma
forma de legitimar o trabalho investigativo feito nas diversas áreas do conhecimento. Mas
seria a ciência a única forma de investigação humana capaz de trazer bons resultados, e o
método científico o único método capaz de produzir boa pesquisa?
De acordo com Mirian Goldenberg (2005), a raiz dessa dicotomia no âmbito das
pesquisas em ciências sociais pode ser traçada a partir da tensão entre sociologia
positivista e sociologia compreensiva. A primeira, tendo por seus principais teóricos,
Augusto Comte e Émile Durkheim, entendia que o objeto das ciências sociais deve ser
61
estudado tal qual o objeto das ciências naturais e que cabe ao pesquisador buscar
regularidades e leis a fim de compreender tal objeto, sendo a pesquisa conduzida de forma
neutra e objetiva. Goldenberg ressalta ainda que a visão de Durkheim acerca dos fatos
sociais como “coisas” teve influência decisiva para que as ciências sociais acabassem por
adotar uma metodologia própria das ciências naturais. A sociologia compreensiva, por
outro lado, distingue entre “natureza” e “cultura” e portanto propõe que a metodologia de
estudos em ciências sociais seja diferente daquela das ciências naturais. Wilhem Dilthey,
um dos principais representantes dessa corrente segundo Goldenberg (2005), acreditava
que os fatos sociais não são passíveis de quantificação, pois cada um tem um sentido
próprio, diferente dos demais. Assim, mais importante era, então, a compreensão de casos
particulares do que a busca por leis generalizantes. Além de Dilthey, Max Weber também
questionava o estudo dos fatos sociais atrelado às metodologias das ciências naturais,
propondo inclusive que o pesquisador estivesse engajado na situação social que estudava.
Questionamentos como esses levaram à crise do positivismo e do cientificismo.
Percebeu-se que os fenômenos humanos são complexos e fluidos; que não cabem em um
laboratório e não obedecem a um único um método. As ações humanas, embora possam
ser estudadas, jamais serão completamente previsíveis e cada ser humano, embora
carregue muitos traços similares a todos os outros homens, é único e não generalizável.
Como conciliar a própria natureza humana com os métodos precisos e matemáticos da
pesquisa científica? Não deixaremos de buscar entender o mundo e a nós mesmos, não
deixaremos de investigar a realidade, entretanto é preciso repensar os modos pelos quais
fazemos isso.
Nesse sentido, o Pós-modernismo teve também sua influência na ciência
questionando as teorias já estabelecidas sobre o funcionamento da natureza e da
sociedade e, assim, colocou em xeque a habilidade da ciência ocidental de resolver os
problemas do mundo. De acordo com Corrine Glesne (2007) a pesquisa qualitativa é
afetada de várias maneiras pelo pós-modernismo: questiona-se a natureza “científica” da
pesquisa, o papel e autoridade do pesquisador e as formas como a pesquisa é
apresentada. Não se trata de uma atitude “anti-ciência”, mas sim a defesa de que a ciência
assuma uma postura de autocrítica e de autorreflexão.
Nesse contexto, onde se abrem possibilidades para repensar as formas de
conhecimento, de ciência, de pesquisa e a própria epistemologia, é possível, então
reconhecer que as artes propiciam um tipo de conhecimento adequado à investigação. De
62
acordo com Roldán e Viadel (2012, p.26): "Essa é uma ideia crucial e decisiva para o
desenvolvimento das Metodologias Artísticas de Investigação. Se a atividade artística e as
obras de arte não são discutidas em suas próprias áreas de conhecimento, então seria
muito difícil ou impossível de sustentar seu valor para a pesquisa."
Ainda de acordo com esses autores (2012, p.27):
Este duplo processo de argumentação baseia-se, por um lado, no decurso
do pensamento estético ao longo do século XX, alguns de cujas tendências
resultaram uma dimensão não apenas expressiva mas também cognitiva da
arte, seja através da ligação ao conceito de verdade (Heidegger , 1985;
Gadamer, 2000; Vattimo, 1994), ao de experiência (Dewey, 2008), ao de
línguagem (Goodman, 1976; Langer, 1966), às sucessivas estratificações
de seu significado (Panofsky, 1998) ou à densidade e abertura dos seus
sentidos (Eco, 1990); e por outro lado, na intensidade com que as obras de
arte são capazes de elaborar o principal objetivo da pesquisa nas ciências
humanas e sociais: aprofundar a compreensão e interpretação dos
significados dos eventos humanos (Duncan, 1928; García Marques, 1967;
Kubrick, 1968; Le Corbuiser, 1929; Lennon, 1971; Picasso, 1937; Pirandello,
1993 [1921]).
O que se vê, portanto, é que existe de fato um contexto que tornou possível a
defesa da arte como forma de pesquisa, visto que como apontam Roldán e Viadel desde o
século XX já se tem investigado a dimensão cognitiva da arte, além dos questionamentos
que têm se colocado sobre o que é ciência e o que é pesquisa. É nesse contexto, portanto,
de abertura de novas formas de perceber o conhecimento, novas formas de produzir
ciência, e novas visões sobre o homem que a PBA se estabelece.
63
64
Receita: macarrão à carbonara
“Enquanto que as metodologias quantitativas se esforçam para medir com
precisão os resultados do experimento para confirmar ou refutar a hipótese de
pesquisa, as metodologias qualitativas preferem compreender em profundidade a
complexidade e as circunstâncias dos processos envolvidos nas situações sob
investigação. As ciências humanas e sociais se propõem a explicar como são os
seres humanos, tanto individual como coletivamente, e têm, portanto, um certo
caráter auto reflexivo: são os próprios seres humanos que tentam compreender
e explicar os seres humanos. A diferente atitude humana diante das coisas e
diante de outras pessoas é incorporada na linguagem: diante das coisas
perguntamos: por que isso é assim? Enquanto que diante das pessoas
perguntamos: quem é? Quando queremos investigar algo de qualquer objeto
fazemos um experimento, por trivial que seja, o pesamos, verificamos a sua
dureza, o aquecemos ou o resfriamos, o abrimos, etc.; ao passo que, quando
queremos descobrir algo sobre uma pessoa, o mais simples é falar com ela.”
Ricardo Marín Viadel, 2012, p.20
"A Pesquisa Baseada em Arte enfatiza a geração de um sentimento que tenha
algo a ver com a compreensão de uma pessoa, lugar ou situação. Não é
simplesmente uma divulgação quantitativa de uma gama de variáveis. É a busca
consciente da forma expressiva ao serviço do entendimento. "
Elliot Eisner e Tom Barone, 2012, s/p.
65
Ingredientes
66
Modo de fazer
67
Imagens das páginas anteriores, em sequência:
Figura 7. Jade Magave. Ingredientes para macarrão à carbonara I, 2014.
Figura 8. Jade Magave. Ingredientes para macarrão à carbonara II, 2014.
Figura 9. Jade Magave. Macarrão à carbonara: modo de fazer, 2014. Diagrama visual de barras.
68
Receita para um jantar
Por Noemih Sá Oliveira
Água na panela. Melhor do filtro. Uma linha de
azeite. Sal, até que a água fique com gosto de
água do mar. Fogo alto. Outra panela. Mais um fio
de óleo e o bacon picado em cubos. Tão mais
fácil.
Queijo Gouda não vem ralado. Tirar o plástico,
tirar a casca. Reservá-la ― talvez alguém queira
algum pedaço com vinho. Onde está o vinho? Melhor
abri-lo.
Preparar o processador. Lâmina de corte, bacia de
retenção. Tomada. Faca com serra. Pequena, mas
eficiente. Cortar o queijo em cubos e jogá-lo no
processador. Ligar. Barulho sem resultado. Faltou
uma peça: o misturador. Está bem fácil na
estante. Bacia de retenção retirada, misturador
acoplado, bacia de retenção devolvida e lâmina de
corte encaixada no misturador. Nova ignição e
queijo cortado em cinco minutos.
Trocar a toalha da mesa. Organizar os pratos, os
talheres e os copos.
Água fervendo. Pegar o macarrão. Lacrados. Onde
está a tesoura? O bacon ensurdece-nos com sua
marcação de tempo. Potes de macarrão degolados.
Alguém lamenta que tivessem um fim tão trágico,
havia tantas possibilidades para eles no futuro.
Macarrão lançado à água. Tão colorido. Parece
artificial apesar de ser massa fresca.
Os ovos agora. O primeiro é lançado na tigela. É
preciso passar o dedo no fundo da casca dele,
para sair toda a clara. Novamente, e outra vez, e
mais algumas. Misturá-los. Acrescentar o queijo
processado. Misturá-los. Acrescentar uma pitada
69
de pimenta do reino. Uma pitada de todos os dedos
juntos. Mais uma misturada.
O bacon marcando o tempo. Acabaram-se as horas. O
macarrão chega ao ponto. Lançar a água fora,
quase toda. Entregar o macarrão ao bacon.
Acrescentar os ovos misturados ao queijo e à
pimenta. Deixar a mistura cozinhar no calor do
vapor e da gordura. Fogo desligado.
Pegar uma tigela grande no armário, e um pano de
cozinha seco. Tigela acomodada no mármore, panela
quente abraçada pelo pano, macarrão vertido.
Agora só falta uma tábua. Lavar a salsinha com
detergente. Tirar bem o sabão. Faca afiada e
grande. Emaranhado de salsinhas e corte em linha
reta. Novamente. Mais uma vez, e outra. Faca
correndo
com
a
lâmina
sobre
a
salsinha
aleatoriamente. Tomar o punhado de salsinha nas
mãos e distribuí-lo sobre o macarrão servido.
Chega à mesa o primeiro “Que bonito”.
acompanhado de silenciosos “Quero ver”.
Vem
A mesa começa a ficar cheia.
― Já podemos começar?
Só falta chegar o vinho.
― Foi rápido.
― Mas só leva 15 minutos na televisão.
― Claro, lá já está tudo cortado.
Mas foi quanto tempo? Quarenta minutos? Parece
rápido. Ademais, como reduzir o tempo do bacon?
― Senta.
― Está bonito.
Silêncio.
― Vamos agradecer.
70
O dia de risadas, as conversas, a feijoada no
almoço. Tomara o macarrão esteja gostoso. Que
permaneça tudo bem. Que esteja tudo bom.
― Eu sirvo.
O barulho dos talheres e comentários sobre o
vinho. Alguém comenta sobre a pimenta do reino.
― Vai muita pimenta!
Primeira garfada.
― Mas está gostoso.
Várias garfadas. Está mesmo. Menos suculento do
que devia ser. A receita mesmo pede espaguete,
mas optamos pelo talharim. Isso deve fazer alguma
diferença. Culpa da física, ou da química. Se o
ovo cozinha no calor do macarrão, então um
macarrão de maior superfície deve cozinhar o ovo
mais do que um de menor. Outra opção era colocar
mais ovos.
Um jantar com mais de oito ovos? São seis
pessoas, não obstante. Não seria um jantar tão
pesado. Mas o que é um jantar pesado, afinal de
contas?
― No norte, normalmente tomamos um café.
Lá no nordeste também. Só que lá tem cuscuz. Em
Minas come-se um pão de queijo no fim de tarde, e
com sabor de infância. Um Brasil bem grande
mesmo. Brasil do Anthony Knivet. É um bom livro
mesmo.
― Acho que você já falou desse livro.
― Deixa ele falar.
― É um bom livro mesmo.
E
as
viagens
dos
missionários?
Eram
impressionantes. Eles vinham para o Brasil bem
equipados. Muitos com conhecimento de pilotagem.
71
Era um pós-guerra, afinal de contas. Teve até
aquele que teve um surto de guerra, e fechou-se
em sua casa como se fosso um bunker. Teve aquele
outro, que parecia o Allan Quatermain. O livro
das Minas do rei Salomão.
― Vou pegar mais um pouco.
― A pimenta ficou boa.
― Mas é muita.
―
Mas
se
fosse
despercebida.
menos
acho
que
passaria
Livros e estudos. Presentemente, o mestrado, o
doutorado, as viagens. Idas e vindas. Livros e
escolas. E trabalho.
― Acho que já tem gente com sono.
― Começa amanhã as sete.
O jantar estava planejado para umas oito horas.
Onze e alguma coisa são agora. Já saiu até o
resultado da eleição presidencial. As pesquisas
vão mesmo ter de ser refeitas. Falhamos em nossos
planejamentos.
O que vai ser? Tempo futuro.
― Já vão?
Muitas horas pela frente. Nos vemos amanhã. O
tempo
de
existência
é
indeterminado.
72
A Pesquisa Baseada em Arte e a riqueza das formas de expressão
Culturalmente temos criado várias formas de expressar para nós mesmos e para
outros aquilo que pensamos e sentimos. É provável que quando se pense em expressão,
se pense em “fala”, isto é, podemos “dizer” o que estamos pensando e sentindo através da
linguagem. O desenvolvimento da linguagem por meio da fala e da escrita foi um ponto de
grande importância no desenvolvimento de nossa cultura. Através da fala é possível
passar ensinamentos de geração a geração e a escrita permite um passo a mais nesse
processo já que é capaz de conservar, por meio da grafia, o registro da memória.
Entretanto, podemos entender linguagem em um sentido mais amplo, abarcando outras
formas de representação e expressão que não somente a verbal. Há várias formas de
dizer algo e cada uma dessas formas traz consigo particularidades próprias. O som, por
exemplo, alcança sua “apoteose” por meio da música, que comunica sentido e produz
experiências que não seriam possíveis por meio da prosa ou da imagem; é o que acontece
quando saímos de um concerto e dizemos que não temos palavras para descrever o que
sentimos enquanto estivemos ali a ouvir a música tocada pela orquestra. Nesse sentido
Susanne Langer (1971, p. 107) afirma: “Todo mundo sabe que a linguagem [verbal] é um
meio paupérrimo para expressar nossa natureza emocional.” Por outro lado, a linguagem
narrativa e a poesia contam histórias e provocam experiências que não seriam possíveis
através da música ou qualquer outro tipo de linguagem.
Para Langer (1971), a filosofia e a ciência têm privilegiado a forma discursiva de
pensamento baseada na tradição do pensamento lógico da linguagem encabeçada por
teóricos como Russel, Carnap e Wittgenstein, os quais defendem a vinculação entre
linguagem verbal e pensamento, na medida em que a linguagem seria o reflexo do mundo
real, sua projeção. Roldán e Viadel (2012, p. 38) apontam também para o mesmo
problema ao dizer que “Tradicionalmente o verbocentrismo tem buscado com afinco ser
perfeitamente sinônimo de logocentrismo. Uma de suas afirmações mais expressivas é a
de Roland Barthes (1971), quem afirma que ‘é difícil conceber um sistema de imagens ou
objetos cujos significados podem existir fora da’.”
O “verbocentrismo” ou a discursividade, como coloca Langer, é o ponto distintivo da
linguagem verbal, pois reflete a necessidade da organização linear das palavras como que
73
“enfiadas uma após outra como contas em um rosário” (LANGER, 1971, p.89). A
linguagem funciona como uma projeção da realidade de modo que aquilo que falamos
corresponde aos fatos da experiência pelos olhos de quem a expressa. Entretanto para
que os fatos se tornem proposições suas relações devem ser transformadas em objetos.
Usando o exemplo de Langer (1971, p.90): se A matou B (o fato da experiência) é preciso
transformar a relação entre A e B em um objeto, no caso matar, para então expressar tal
fato discursivamente. Disso decorre que “por causa dela [discursividade] apenas os
pensamentos passíveis de um arranjo nessa ordem peculiar podem em geral ser falados;
qualquer ideia que não se preste a tal ‘projeção’ é inefável, incomunicável por meio de
palavras” (LANGERr, 1971, p.90). Para a autora, a epistemologia atual (e ela fala isso em
1941) se funda em duas assunções básicas (1971, p.95): “(1) que a linguagem é o único
meio de pensamento articulado e (2) que tudo o que não é pensamento falável é
sensação”. Ora, se o que não pode ser expresso pela linguagem discursiva é “sensação”,
além da lógica ou “indizível”, como colocou Wittgenstein, então, de acordo com os
defensores dessa visão, o estudo de tais questões cabe à psicologia e não à semântica.
Langer, entretanto, discorda dessa visão que vê sentido apenas no discurso, pois para ela
(p.94) “existe uma possibilidade inexplorada de genuína semântica além dos limites da
linguagem discursiva”. Langer, apoiada em filósofos como Schopenhauer, Cassirer,
Delacroix, Dewey e Whitehead, afirma que o campo de estudos semânticos é mais amplo
que a linguagem verbal. Há portanto um caminho a ser trilhado em busca de uma
epistemologia que considere essas outras formas de expressão simbólica que vão além da
discursividade.
A riqueza de formas de expressão produzidas pelo homem aponta para a riqueza do
olhar, do ouvir, do se posicionar frente ao mundo com todos os sentidos aflorados. Estar
no mundo, viver, é algo tão rico, tão intenso e tão vibrante que nos faz querer “dizer” de
todas as formas possíveis o que entendemos, o que sentimos e como nos vemos durante
esse breve momento que é a nossa existência.
Pensando desse modo, me parece claro que quanto mais nos apropriarmos de
formas diferentes para expressar e buscar compreender nossas experiências, melhor.
Assim, em última instância, o que este trabalho defende é que é possível dizer de formas
diferentes, que é preciso estar no mundo com olhos/ouvidos/corpos abertos sempre.
Como, porém, incorporar essas relações na pesquisa acadêmica? A PBA surge, então, a
partir dessa preocupação e faz da arte e sua diversidade de linguagem, o meio pelo qual
74
exploramos as potencialidades de expressão humana como pesquisa e como investigação
acadêmica. De acordo com Eisner e Barone (2012, s/p):
Pesquisa Baseada em Arte é um esforço para ultrapassar as restrições que
limitam a comunicação discursiva, a fim de expressar o significado que de
outra forma seria inefável. Pesquisa baseada em Arte [...] representa um
esforço para explorar as potencialidades de uma abordagem e que, quando
é feita da melhor forma, culmina na criação de algo próximo a uma obra de
arte.
Se a PBA, quando feita da melhor forma, chega em algo próximo a uma obra de
arte, podemos dizer que o que caracteriza, de modo distintivo, esse tipo de pesquisa é que
a organização da investigação, dos dados e dos resultados é regida por uma preocupação
estética, isto é, o pesquisador que faz Pesquisa Baseada em Arte pensa apresentar os
resultados de sua pesquisa se apropriando de outras formas pensar e de dizer
provenientes da arte e suas diversas linguagens, pois dessa forma espera conseguir
desvelar sentidos e aguçar olhares para pontos que, se apresentados de outro modo,
passariam desapercebidos. Para melhor compreender esse tipo de pesquisa, menciono a
seguir alguns exemplos de trabalhos já produzidos a partir dessa metodologia.
Em seu livro Arts based research Eisner e Barone (2012) trazem três exemplos de
pesquisas desenvolvidas através da perspectiva da PBA, todos elas baseadas na
utilização da linguagem literária e diretamente relacionadas ao tema da educação.
O primeiro exemplo é o trabalho de Anne McCrary Sullivan, Notes from a marine
biologist’s daughter: on the art and science of attention (Notas de uma filha de uma biólga
marinha: sobre a arte e a ciência da atenção), no qual a autora desenvolve o tema da
atenção em sala de aula retomando, de forma autobiográfica, sua experiência de atenção
aprendida de sua mãe bióloga. Sullivan desenvolve seu trabalho através de diversos
poemas que retratam experiências pessoais de atenção, o que ela chama de uma
autobiografia da atenção. Ao reconstruir experiência pessoais, Sullivan se dirige a algumas
questões comuns no ambiente escolar, porém ao escolher uma abordagem artística,
espera criar em seu leitor uma sensibilidade maior em relação a seu tema de estudo. Não
se perde de vista, entretanto, o caráter investigativo do trabalho, pois a autora coloca
claramente seu problema de pesquisa:
Em uma época de desordem de atenção e de queixas frequentes de
professores, a questão da atenção no contexto educacional é fundamental.
A insistência inicial de John Dewey de que o currículo nasce do interesse
75
das crianças (DEWEY, 1902) incluía a ideia de que os alunos dariam
atenção, sem coerção, aos assuntos e matérias de relevância imediata para
as suas vidas. Um forte contingente de educadores e pesquisadores
continua a achar essa ideia um ponto crítico. De modo mais geral, o foco
tem sido, sobre a forma de fazer os alunos prestarem atenção quer o
currículo tenha ou não interesse ou relevância: como enganar, entreter,
subornar ou coagi-los a prestarem atenção (Kohn, 1993). Historicamente,
no campo da educação, nossa preocupação com engajar e manter a
atenção dos alunos tem sido consistente, mas as nossas investigações
sobre a natureza da atenção e do seu desenvolvimento tem sido bastante
limitada.
O que exatamente os professores estão pedindo quando eles dizem:
"Preste atenção"? Quais são as relações entre atenção e motivação
intrínseca? É possível ensinar hábitos de prestar atenção? Como podemos
empregar a atenção periférica ao processo educativo? Como podemos
saber os efeitos a longo prazo de prestar atenção? (SULLIVAN In: EISNER;
BARONE, 2011)
Através dos poemas Sullivan desmonta o padrão normalmente aceito para discutir e
explorar um tema, o padrão da discursividade. Ao mudar o padrão de linguagem, a autora
apresenta a seu público um novo modo de se engajar com o problema bem como uma
nova forma de mapeá-lo. Além disso, a escolha da linguagem está diretamente relacionada
ao tema de investigação de Sullivan: ao escolher uma forma estética para abordar o
problema da atenção, ela chama o leitor ao próprio ato de estar atento, visto que a visão
estética (no caso, a leitura dos poemas) exige do leitor/espectador um alto nível de
consciência sobre aquilo que se vê, despertando portanto um nível profundo de atenção e
alerta. A poesia é, em si, uma forma de ensinar e desenvolver a atenção dos alunos e
desenvolver a habilidade de estar atento, é também desenvolver uma habilidade de
investigação da realidade. Sullivan defende, então, a importância de que os professores
desenvolvam a capacidade de enxergar o mundo esteticamente (aesthetic vision) para
conseguirem perceber e “ler” melhor as diversas situações com as quais se deparam
cotidianamente em sala de aula.
Ao retomar em seus poemas sua autobiografia da atenção, Sullivan não somente
visita sua própria história para buscar o que os momentos de atenção lhe ensinaram, mas
também mostra, por meio da arte, o que o “estar atento” nos oferece. Um exemplo disso
fica claro no poema How I learned Picasso (Como eu aprendi Picasso) a partir do qual a
autora conclui que muito do que ela aprendeu sobre artes visuais se deu em função de
simplesmente observar a arte:
76
Aos dezenove anos, eu não sabia de nada, queria saber tudo,
inclusive por que aquelas pinturas estavam penduradas no Petit Palais,
por que as pessoas faziam fila em quarteirões no frio,
por que eu estava com elas
Les Demoiselles D'Avignon. Olhei fixamente
nas formas fraturadas e rostos,
ponderei toda a carne cor de rosa
e então uma perna
quando uma linha azul grossa
mergulhava da coxa ao calcanhar
Imaginei que a linha se foi
(SULLIVAN In: EISNER; BARONE, 2012, s/p)
O poema também convida o seu leitor a “imaginar que aquela linha se foi” e o que
acontece quando a linha se vai. Em relação a esse “momento de atenção” a autora relata:
Por bastante tempo eu estava ali, querendo saber o que eu "deveria" estar
vendo. Então eu permiti que a imaginação guiasse a minha visão. Quando
eu imaginava aquela linha azul fugidia e de repente sentia na pintura uma
mudança de energia e equilíbrio, uma perda que eu não conseguia articular
mas que inegavelmente sentia-se como perda, eu percebi pela primeira vez
que todas as partes da composição importavam. Qualquer alteração da
parte teria um efeito sobre o todo. Nada era acidental. Havia uma ecologia
da obra de arte. Esta foi, para mim, uma visão revolucionária e de longa
duração, como foi a nova compreensão de que eu poderia aprender sobre a
arte, dando-lhe a devida atenção. (SULLIVAN In: EISNER; BARONE, 2012,
s/p)
Em seu trabalho, a autora não oferece ao leitor os poemas somente, há ainda uma
elaboração discursiva do tema como o que vimos acima, entretanto ao oferecer também o
poema, a autora permite que, por um instante, e se o leitor souber ser atento, ele poderá
talvez chegar também a mesma conclusão que ela quando “imaginou que a linha se foi”.
Desse modo, Sullivan não somente apresenta sua pesquisa; ela permite ao leitor que
vivencie o problema colocado pela pesquisa e chegue ele próprio a uma conclusão sua
sobre a atenção.
Outro trabalho mencionado por Eisner e Barone (2012) é o de Sabrina Case. Case
77
também apresenta sua pesquisa de doutorado através da literatura, porém dessa vez
através de uma narrativa, um conto (short story) sobre sua experiência de um ano como
professora em uma escola rural no Arkansas, trabalhando para o programa Teach for
America. O trabalho de Case, Broken & Buried in Arkansas: a non fiction short story
(Desolada e isolada no Arkansas: um conto não ficcional), é o relato de uma experiência
vivida por ela. Nesse relato o leitor é apresentado às dificuldades encontradas pela autora
em sua prática pedagógica diária em uma escola situada em uma comunidade marcada
pelo racismo e injustiça sociais. Acompanhamos, na história, as aspirações e
desapontamentos dessa professora enquanto tenta motivar seus alunos a despeito dos
inúmeros problemas da comunidade. Por ser uma narrativa, o trabalho de Case se mostra
uma forma envolvente de apresentar o leitor aos problemas educacionais envolvidos em
seu trabalho. A autora também se permite momentos de auto críticas, o que revela a
complexidade da situação em que ela se vê envolvida, tendo que confrontar, em alguns
momentos, seus medos e aspirações pessoais com o trabalho que tem a fazer no
programa. Em determinado momento da narrativa, Chad, seu supervisor no programa, a
confronta em relação aos resultados não alcançados e, acuada, Sabrina se justifica
explicando que os alunos não faziam sua parte e dessa forma acaba recebendo a
aprovação do supervisor.
Eu esperava que Chad me desse mais trabalho. Eu queria que desse.
Enquanto eu dirigia em direção a minha casa, eu me perguntava se eu
realmente poderia realizar qualquer coisa. Gostaria de saber se meus
alunos poderiam ter estado melhor com outra pessoa, alguém que talvez
fosse como eu, mas melhor. Alguém que realmente sabia o que estava
fazendo. Alguém que não era uma fraude. (CASE in: EINSER, BARONE,
2012, s/p)
Outro trecho marcante do conto se refere ao resultado de um concurso de talentos
promovido pela escola, no qual se observa a interferência de questões raciais e relações
do poder no momento em que o corpo diretivo da escola se vê na obrigação de nomear
vencedora a única participante branca do concurso, já que seu pai havia feito uma
“generosa” doação à escola.
Eu estava desconfortável assistindo as tensas interações e me perguntei
como os brancos que compunham 95% da torcida reagiriam às batidas e
danças coreográficas que meus alunos iriam apresentar. Eles estavam
sorrindo e acenando "olás" quando reconheciam um ao outro. Eles estavam
tão satisfeitos consigo mesmos pelo serviço que estavam fornecendo para
78
as crianças negras da escola pública que lutaram para excluir das salas de
aula das escolas particulares que frequentavam seus próprios filhos e netos.
[…]
Vocês estão prontos? Eu perguntei, tentando ser otimista apesar dos meus
receios sobre a audiência.
Eles concordaram, mas com menos confiança do que tinham em sala de
aula no dia anterior. "Dizem que há uma garota branca de uma escola
privada concorrendo", disse JanMarcus, um dos meus estudantes. "Isso é
verdade? Nós não a vimos."
Eu fiz uma careta, surpresa. "Eu não ouvi nada parecido. Além disso, essa
competição é apenas para as escolas públicas."
"Sim, nós sabemos", disse Tayles, convencido. "Mas isso é o que as
pessoas estão dizendo".
Lancei um olhar preocupado para Chris e disse a eles que eu iria checar
isso, e continuei a circular, à procura de Jared, um dos dois membros da
direção do evento. Encontrei-o conversando com o técnico de som, usando
um smoking.
"Há uma garota de uma escola particular concorrendo? Eu perguntei
diretamente. Meu estômago afundou quando ele fez uma careta, parecendo
cansado dessa questão".
"Sim, nós tivemos que deixá-la particar", disse ele na defensiva.
Aparentemente eu não fui a primeira pessoa a confrontá-lo sobre isso.
"Jared, que diabos? Esta é uma competição apenas para escolas públicas.
O que você quer dizer com 'tive que deixá-la?' "
"O pai dela insistiu. Ele doou muito dinheiro. Nós não poderíamos dizer
não."
"Droga," eu lamentei. De repente, senti vontade de chorar. "Você não
percebe o que vai acontecer?"
"Eu tenho certeza que tudo vai ficar bem. E lembre-se," ele disse, confiante
“eles terão um ginásio de esporte".
Nós o encaramos.
"Bem, onde ela está?" Eu exigi, examinando os participantes. Não havia
uma única criança branca entre eles.
Jared suspirou antes de falar. Ele claramente não gostou do meu tom. "Ela
vai esperar na mesa de seus pais."
"Por quê?"
"O pai dela queria ela lá com eles", disse ele bruscamente. Como se
estivesse apenas relatando os fatos.
"Ele não achava que ela estaria a salvo aqui dentro com as crianças
negras?" Eu perguntei, minha voz num tom furioso.
Jared empalideceu. Ele não disse nada.
Eu levei um tempo para respirar e desmanchar a expressão de irritação do
meu rosto antes de retornar para os meus alunos e, abraçando-os, desejeilhes boa sorte. Eles viram em meus olhos que os rumores eram
verdadeiros. Seus rostos caíram. E a decepção parecia rolar através das
crianças, como uma onda de choque. Então qual é o propósito, seus rostos
79
pareciam dizer. Uma menina branca e um público branco de jurados. Qual é
o ponto? (CASE in: EINSER, BARONE, 2012, s/p)
Diferentemente do trabalho de Sullivan, não temos acesso à análise e interpretação
da autora sobre o seu próprio trabalho, entretanto o que temos é uma situação que é
colocada diante de nós. Através da narrativa e do envolvimento que ela produz, somos
levados a pensar sobre problemas relacionados ao treinamento de professores, influência
da comunidade no desempenho da escola, desentendimentos entre os membros do corpo
escolar, o que fazer para incentivar e motivar os alunos, dentre alguns outros dos
problemas que afligem professores em seu dia a dia. A pesquisa de Case não aponta
conclusões, não nos oferece resposta a essas perguntas, mas as intensifica e abre o olhar
ao problema existente.
O último exemplo apresentado no livro, é o exemplo de um trabalho desenvolvido
por Tom Barone sobre o problema da evasão escolar através de um estudo de caso, ou
mais especificamente, a partir de entrevistas realizadas com Billy Charles Barnett, um
garoto que, segundo o vice-diretor de sua escola, muito provavelmente não concluiria seus
estudos. O trabalho chama-se Ways of being at risk: the case of Billy Charles Barnett
(Maneiras de se estar em risco: o caso de Billy Charles Barnett). Nesse trabalho, Barone
também cria uma narrativa que, diferente do texto de Case, é mais uma narração
psicológica do que factual. No trabalho de Barone, um encontro entre ele e Billy em um
McDonald’s é o que desencadeia a narrativa, a qual, por sua vez, está centrada em uma
autorreflexão feita por Barone a respeito do seu papel como educador e sobre o porquê de
se insistir tanto que alunos como Billy Bannet não abandonem a escola. Ao final da
narrativa, Barone lança as seguintes perguntas:
Arrisco-me a sugerir a heresia de que poderíamos não necessariamente
estar em melhor estado se a taxa de evasão diminuísse dramaticamente
amanhã. Nós convenientemente esquecemos o papel da escola americana
tradicional em perpetuar uma noção seriamente empobrecida do que
constitui uma Educação. Antes de podermos dizer que uma menor taxa
constitui uma boa notícia, nós necessitaríamos saber se as razões para os
alunos não deixarem a escola são válidas. Estariam os estudantes
permanecendo porque nós temos nos tornado sérios sobre introduzir
sentido na vida das salas de aula? Estariam eles permanecendo porque
temos equipado nossos professores com os meios para saber e respeitar o
passado dos seus estudantes a despeito de suas tentativas de abrir novos
horizontes futuros? E por que deveríamos saber se essas coisas estão
ocorrendo? Por que Billy Charles Barnett tem nos lembrado que fazer
80
qualquer coisa menor do que isso ainda é um negócio muito arriscado.
(CASE in: EINSER, BARONE, 2012, s/p.)
Portanto, mais uma vez, o que se vê é uma “conclusão inconclusa”; nota-se pela
maneira como Barone encerra seu relato que seu foco principal é oferecer ao leitor
questionamentos mais do que respostas. E se pensarmos bem, veremos que é isso o que
fazem muitos dos grandes escritores da literatura; nos expõem uma história para a partir
dela gerar em nós profundos questionamentos.
Merece destaque também outro trabalho de Barone, Touching eternity: the enduring
outcomes of teaching (Tocando a eternidade: os duradouros resultados de ensinar), que é
apenas mencionado no livro. Esse também um caso interessante onde se vê, mais uma
vez, o uso da narrativa na apresentação e condução da pesquisa. Em sua pesquisa,
Barone busca analisar o alcance da influência de um professor sobre a vida de seus
alunos, partindo também de um estudo de caso: o professor Donald Forrister e uma turma
de seus ex alunos. Antes de levar a cabo a escrita de Touching eternity, Barone já havia
realizado um estudo de caso sobre o programa de ensino de artes desenvolvido por
Forrister em uma escola de ensino médio em Swain County, Carolina do Norte, Estados
Unidos. Este primeiro estudo, financiado por um fundo de pesquisa, o Rockefeller Brothers
Fund’s for Excellence in Arts Education, visava investigar o programa de ensino de arte
desenvolvido pelo professor Forrister uma vez que este havia sido indicado, à época, como
um dos dez melhores programas de ensino de arte em escolas públicas nos Estados
Unidos. A partir desse primeiro contato, Barone decide, posteriormente, investigar mais
profundamente a vida deste professor e a influência de seus ensinos, como professor e
como indivíduo, na vida de um grupo de ex-alunos.
Barone intercala em seu trabalho trechos narrativos e trechos interpretativos, isto é,
trechos que analisam, a partir de uma perspectiva mais acadêmica, os resultados colhidos
nas entrevistas e observações. Porém é através da narrativa que Barone constrói o texto
que informa a perspectiva dos alunos sobre seu professor e a perspectiva autobiográfica
do próprio Forrister sobre si e sua prática em sala de aula. Mas qual é o objetivo de Barone
ao desenvolver o tema da influência do professor por meio de uma história narrativa? A
que resultados ele pretende chegar? O que espera de sua pesquisa?
[...] Este é um livro que se destina a incomodar. Ele é projetado, em
conteúdo e estilo, para desafiar o leitor, a levantar questões importantes
sobre a questão educacional - na verdade, visa provocar o leitor a fazer
81
perguntas sobre os propósitos fundamentais da educação, e a capacidade
de um professor para alcançá-los. Maneiras habituais de pensar sobre tais
propósitos podem ser perturbadas e desafiadas. Uma reação a essa
constatação de Henry Adams pode ser menos confiante e certa. E
perguntas a muito tempo enterradas sob respostas podem ser
desenterradas. (BARONE, 2001, p. 2-3)
Assim, podemos dizer que o principal objetivo de Barone, e de muitos outros autores
que utilizam a literatura para fazer uma pesquisa baseada em arte, é envolver o leitor em
uma situação, quase sempre uma situação real, de forma que uma vez “dentro” do
contexto, ele possa ser levado a questionar formas de pensar já estabelecidas e buscar
novas perguntas e também novas repostas para o problema colocado na pesquisa.
Os trabalhos citados até aqui possuem a característica comum de serem trabalhos
que tomam a literatura como a linguagem artística sobre a qual desenvolvem suas
pesquisas. Porém uma pesquisa baseada em arte pode ser feita a partir de qualquer uma
das linguagens artísticas e não somente linguagens predominantemente discursivas como
é o caso da literatura. Em relação a trabalhos feitos a partir do uso de imagens, trago
alguns exemplos reunidos por Roldán e Viadel no livro Metodologías artísticas de
investigación en educación (2012), onde os autores, além de apresentar diversas faces da
PBA, trazem exemplos valiosos dos trabalhos que vêm desenvolvendo com seus alunos
com o uso da fotografia.
Nesse livro não são apresentadas teses ou dissertações como aquelas vistas acima,
mas exemplos de métodos de pesquisa utilizando fotografias e pinturas.
Um desses métodos é a narração fotográfica. De acordo com Roldán e Viadel
(2012), o uso metodológico da narração fotográfica se baseia em princípios da montagem
cinematográfica e tem por objetivo criar uma sequência de imagens que funcionem como
uma estratégia narrativa dentro do trabalho. "O conjunto possui duas funções que são de
grande interesse para os fins da pesquisa que utiliza imagens artísticas nos seus relatórios
finais: uma é dar continuidade ao discurso visual e a outra é fornecer um estilo de narrativa
diferenciado”. (ibidem, p.92)
As imagens a seguir são parte da narrativa visual apresentada por Joaquín Roldán e
Miguel Ángel Cepeda Morales no capítulo quatro do livro Meodologías artísticas de
investigación em educación (ROLDÁN; VIADEL, 2012, p.90). Com essa narrativa visual, os
autores abordam o tema das relações entre diferentes grupos de espectadores e as obras
de arte no contexto do museu, fazendo uma relação com a clássica cena do chuveiro no
82
filme de Alfred Hitchcock Psicose. Aqui reproduzo apenas alguns trechos dessa narrativa,
a título de exemplo.
Figura 10. Miguel Ángel Cepeda Morales. Guardar la visita I Sonrisa, 2009. FotoEnsaio composto
por seis fotografias digitais do autor.
Figura 11. Miguel Ángel Cepeda Morales. Guardar la visita III. Impacto, 2009. FotoEnsaio
composto por nove fotografias digitais do autor.
83
Figura 12. Joaquín Roldán e Miguel Ángel Cepeda Morales. Agressión, 2009. FotoEnsaio
composto por doze fotografias digitais de Miguel Ángel Cepeda Morales, sete citações visuais
literais (Hitchcoock, 1960) e duas citações visuais indiretas (Da Vinci, c. 1503-1506).
Figura 13. Joaquín Roldán e Miguel Ángel Cepeda Morales. Final, 2009. FotoConclusão composta
por uma fotografia digital de Miguel Ángel Cepeda Morales (esquerda), uma citação visual literal
indireta (Da Vinci, c. 1503-1506) (direita superior) e uma citação visual literal de Hitchcock (1960)
(direita inferior).
Outra metodologia apresentada nesse livro, é o uso dos Comentários visuais, os
quais são releituras de imagens clássicas inspirados nos comentários filosóficos
produzidos desde o período helenístico até o final da Idade Média. O comentário visual se
compõe de duas partes, primeiro a citação literal e análise do objeto visualmente citado e
depois a intepretação e releitura que o pesquisador dá a este objeto. Nas imagens a seguir
são apresentadas algumas fotografias com o registro da FotoInstalação Comentário sobre
uma foto de Eve Arnold produzida pelo “grupo f.0” e apresentada ao público na Fundação
EuroÁrabe de Altos Estudos, em Granada. Nessa FotoInstalação, como o próprio título já
informa, o grupo apresenta a interpretação e releitura da fotografia de Eve Arnold intitulada
84
Silvana Mangano no Museu de Arte Moderna. Assim, a FotoInstalção, nesse caso, reúne
uma série de comentários visuais à fotografia de Eve Arnold, sendo portanto, ela mesma,
um grande comentário visual. Na fotografia Silvana Mangano no Museu de Arte Moderna,
o que é decisivo, segundo os autores, é que na imagem se nota uma fusão entre a figura
humana e as peças de escultura; a fusão entre a espectadora e as peças do museu. É
portanto a partir desse argumento da fusão que se desenvolvem os comentários
apresentados na FotoInstação. Para melhor observamos como isso acontece, reproduzo
abaixo algumas das imagens da FotoInstalação.
Figura 14. Ricardo Marín Viadel e Joaquín Roldán. Cinco analogias visuais na fotografia de Eve
Arnold entitulada “Silvana Mangano no Museu de Arte Moderna”, 2009. Comentário Visual
Fragmento a Fragmento composto por dez citações visuais fragmento (Arnold, 1956) que por sua
vez incluem duas citações visuais indiretas (Brancusi, 1913 e 1918)
85
Figura 15. Ricardo Marín Viadel. Detalhe junto a uma escada na FotoInstalação “Comentários
visuais sobre uma fotografia de Eve Arnold”, 2009. Fotografia Independente que inclui uma
citação visual indireta (Arnold, 1956).
86
Figura 16. Jaime Mena de Torres, Xabier Medina e Guadalupe Pérez Cuesta. Espectadores na
FotoInstalação II, 2009. FotoEnsaio composta por uma fotografia digital de Joaquín Roldán
(esquerda) e outra de Guadalupe Pérez Cuesta (direita)
Em um artigo mais recente, Viadel e Roldán (2014) apresentam sete instrumentos
fotográficos de pesquisa desenvolvidos a partir das práticas com alunos na Universidade
de Barcelona, quatro instrumentos quantitativos (tabela visual de resultados; diagrama
visual de barras; média visual e tabela numérica e visual de distribuição de frequências) e
três
instrumentos
qualitativos
(fotoensaio
dedutivo;
fotoensaio
metafórico
e
FotoInstalação). Tais instrumentos se baseiam em procedimentos já estabelecidos para a
apresentação de resultados de pesquisa, conjugando dessa forma as técnicas e
procedimentos das pesquisas em ciências humanas e sociais com técnicas e
procedimentos da arte contemporânea, tal conjugação, de acordo com os autores, é um
dos principais traços distintivos da pesquisa baseada em arte. Com esse artigo, Viadel e
Roldán pretendem, além de apresentar sete instrumentos fotográficos, também reafirmar a
identidade da PBA como algo distinto das já conhecidas metodologias quantitativas e
qualitativas. A imagem seguir se refere ao exemplo de um Diagrama Visual de Barras
apresentado pelos autores.
87
Figura 17. Diagrama visual de barras horizontais. Citação visual literal. (Genet, 2013: 296-297).
O Diagrama visual de barras é inspirado em um procedimento comum de
apresentação de resultados quantitativos e é, portanto, uma forma de representar
visualmente os dados de uma pesquisa. No caso representado na imagem acima, se
consegue visualizar um conjunto de fotografias que informam como os alunos participantes
de uma pesquisa, fotografaram o espaço urbano. A organização dessas fotografias em
forma de um diagrama de barras permite observar as imagens mais comuns resultantes da
pesquisa com os alunos, facilitando a análise dos dados.
Há ainda várias outras formas de se usar a fotografia como recurso na apresentação
dos resultados da pesquisa, porém o que é importante perceber, no momento, é que tanto
as pesquisas mencionadas por Eisner e Barone (2011) quanto os exemplos dados por
Roldán e Viadel (2012) parecem estar mais relacionados à comunicação da pesquisa do
que à sua própria condução metodológica. Voltaremos a discutir melhor esse ponto no
capítulo três, onde se analisará seis pesquisas apresentadas como PBA ou PA. De todo
modo, o que já se pode perceber a partir desses exemplos é que a PBA não se resume às
pesquisas no campo da arte, pois técnicas como a narrativa literária ou a fotografia podem
servir como base de pesquisa e base documental para trabalhos em áreas diversas,
notadamente na área da Educação, onde se enquadram, por exemplo, os trabalhos de
Anne McCrary Sullivan, Sabrina Case e Tom Barone expostos anteriormente.
A partir desses exemplos, então, nota-se que a PBA não é uma pesquisa sobre a
88
arte, necessariamente, mas é uma pesquisa com arte e claro, baseada em arte. Trata-se
de reconhecer características próprias da arte como forma de conhecimento e buscar um
meio de fazer uso disso em uma pesquisa acadêmica. Trata-se de buscar um ponto de
vista a partir da arte.
Por que usar a arte na pesquisa?
O que seria então um ponto de vista próprio da arte? No início deste trabalho ao
falar sobre como a arte se relaciona com o conhecimento e criação de novas ideias, se
buscou mostrar as potencialidades da linguagem artística e sua capacidade de desvelar
determinados aspectos da nossa vivência. Como se pôde ver a partir dos exemplos
trazidos, a Pesquisa Baseada em Arte busca trazer à tona essa potencialidade e abrir um
outro espaço onde se possa pensar esteticamente, afinal a arte não se restringe apenas
aos “lugares da arte” como museus, exposições e salas de espetáculos, ela ocupa também
os “lugares de conhecimento”, pois a arte fala da vida e a vida ocupa todos os espaços.
Eisner e Barone (2012) destacam dois motivos pelos quais a arte deve ser vista
também como processo de pesquisa. Em primeiro lugar, os autores destacam que o
sistema simbólico a partir do qual a arte é construída tem o poder de sugerir aspectos
diversos da realidade e não apenas ligar fato e linguagem verbal, ou significado e
significante, como acontece quando se usa a linguagem denotativa. De acordo com Eisner
e Barone, essa capacidade de sugestão faz com que as pessoas notem, percebam algo
diverso e que através dessa percepção do particular é que é possível formular percepções
mais amplas de um determinado fenômeno. Os autores dão o exemplo da literatura, em
que através da história de um personagem singular somos levados a refletir sobre um
conjunto muito maior de personagens/pessoas. Nesse sentido, pode parecer estranho que
uma linguagem que se utilize de recursos simbólicos sirva como linguagem de pesquisa já
que esta, por sua vez, busca a clareza da relação entre fato e linguagem, isto é, busca se
aproximar o máximo possível do real e utilizar a linguagem para dizer aquilo que é. Tal
visão, entretanto, diverge dos objetivos aos quais se propõe a PBA, de acordo com Eisner
e Barone (2012). A PBA não quer buscar fazer declarações sobre o estado das coisas,
sobre aquilo que é, mas sim apontar para a complexidade das relações humanas e do
intricado processo de construção da realidade social. Assim a PBA teria como objetivo
89
primeiro levantar questões e promover outros pontos de vista e não necessariamente fazer
declarações conclusivas sobre determinado fenômeno.
O outro motivo pelo qual Eisner e Barone acreditam na importância da PBA é que
ela permite ao pesquisador, e também ao receptor da pesquisa entender a partir da
empatia e assim adquirir uma outra forma de conhecimento. A arte tem o poder de nos
fazer viver, de certa forma, a vida de outro e assim nos permite contemplar a vida a partir
do olhar de outra pessoa, a partir de um diferente contexto. Tal característica é
profundamente enriquecedora na medida em que promove maior compreensão entre os
homens e justamente por isso se torna muito útil para entender mais profundamente um
caso ou situação objeto de uma pesquisa. “Os fatos, desconceitualizados como são muitas
vezes, quase nunca são adequados para contar toda a história” (EISNER; BARONE, 2012,
s/p).
Pensemos, por exemplo, em uma pesquisa sobre a evasão escolar em determinado
bairro ou município. Para essa pesquisa, é importante levantar dados sobre os motivos
pelos quais alguns alunos desistem da escola. Estes dados, por sua vez, podem ser
organizados de forma estatística de maneira a tentar compreender por que nem todos os
alunos conseguem chegar ao final do Ensino Fundamental e, a partir da análise desses
dados, buscar formas de solucionar o problema. Uma outra forma de entendimento porém,
seria contar a história de um desses estudantes desistentes e, a partir do caso de um,
tentar se aproximar de muitos outros, "empatizar", que foi o que fez Barone (2001) em sua
pesquisa mencionada anteriormente.
Promover empatia e novo olhar sobre o mundo, não seriam essas características de
toda pesquisa? E de novo, perguntamos: Por que escolher conduzir uma pesquisa
baseada em arte ao invés das pesquisas já tradicionalmente estabelecidas, utilizando-se
dos diversos métodos trazidos pela abordagem qualitativa?
Porém é preciso ter clareza sobre até que ponto esse fenômeno da empatia
realmente existe de maneira positiva. Recentemente duas pesquisas; How Does Fiction
Reading Influence Empathy? An Experimental Investigation on the Role of Emotional
Transportation (Como a leitura de ficção influencia a empatia? Uma investigação
experimental sobre o papel da transferência emocional) (BAL; VELTKAMP, 2013) e
Reading Literary Fiction Improves Theory of Mind (A leitura de ficção literária desenvolve a
teoria da mente) (KIDD; CASTANO, 2013) foram publicadas provando que a leitura de
90
textos literários, textos ficcionais mais especificamente, influencia o sentimento de empatia
pelos outros e contribui para melhorar nossas “habilidades interpessoais”.
Em um artigo na revista americana New Yorker, o crítico Lee Siegel (2013),
questiona tais estudos afirmando que não é possível prever se a literatura é de fato um
meio de fazer as pessoas melhores, de promover a compreensão e sentimentos como
generosidade, bondade e simpatia. Para Siegel, tais pesquisas são fruto da necessidade
americana de encontrar utilidade em todas as atividades e uma resposta ao “incômodo” de
valorizar uma atividade aparentemente inútil, a literatura. A empatia, embora associada
quase sempre ao seu aspecto positivo, isto é, a capacidade de ser sensível e gentil com
outras pessoas, pode ser entendida também como a capacidade de simplesmente
entender as pessoas, e dessa forma não há como prever o que será feito a partir de tal
entendimento. Homens de negócio, por exemplo, são extremamente empáticos, mas
podem usar tal habilidade para convencer e manipular clientes.
O que Lee Siegel diz, e com o que eu concordo, é que pode ser sim que a literatura
nos ajude a compreender melhor os homens, mas não significa que isso irá gerar uma
atitude positiva em relação às pessoas que nos cercam. Não acredito que a literatura seja
uma atividade redentiva da humanidade, mas como já mencionado aqui ela aponta para o
caráter complexo do mundo e dos homens e por isso pode nos levar a enxergar a nós
mesmos e a realidade que nos cerca de forma diferente e mais crítica. Assim, quando
menciono a importância da empatia neste trabalho, estou me referindo à capacidade de
enxergar as pessoas com um novo olhar, de se colocar no lugar outro, exercícios que
essencialmente podem ser tanto positivos quanto negativos, mas que, entretanto, vamos
assumir que sejam, em nossas mãos, positivos.
De acordo com Eisner e Barone (2012), o que deve guiar o pesquisador diante da
escolha por seguir ou não a Pesquisa Baseada em Arte é saber se aquilo que ele quer
dizer só pode ser dito por meio da arte. Isto é, a pesquisa deve ser conduzida de forma
artística pois de outra forma não seria possível apresentar aquilo que o pesquisador
pretende, visto que há uma estreita vinculação entre o objeto de pesquisa e a metodologia
a ser empregada. Para estes autores, a PBA deve ter uma utilidade pública, o que significa
dizer que a escolha não deve ser pautada na preferências e predisposições do
pesquisador somente, mas atrelada a isso deve existir uma real necessidade social pela
pesquisa. Porém, o que podemos considerar uma necessidade pela PBA?
91
Mais uma vez, de acordo com Eisner e Barone (2012), a PBA se distingue das
demais metodologias naquilo que ela almeja como resultado final. Nutrimos um desejo pela
verdade, um desejo por certezas. Tal desejo guia também nossa busca por conhecimento
o que, em última instância, pode ser entendido como uma busca justamente pela verdade.
Assim, o que as pesquisas em ciências sociais geralmente se propõem a fazer é trazer
uma certa conclusão sobre determinado assunto; uma proposta de como, aos olhos do
pesquisador, as coisas realmente são. É claro que uma das características do fazer
científico é o contínuo questionamento das posições já estabelecidas e hoje pesquisadores
admitem que não há como afirmar, em relação a qualquer resultado, se ele é de fato
definitivo. Apesar disso, as pesquisam seguem em busca de um resultado; em busca de
provas e evidências conclusivas. Tal atitude não é, de forma alguma, condenável. Como
dito anteriormente, é parte de nossa própria natureza procurar por certezas, por verdades.
De acordo com Eisner e Barone (2012) este tipo de pesquisa é importante não somente
pelos resultados que pode nos trazer, mas também porque funciona como um "antídoto
para a nossa ansiedade", isto é, acalma o nosso anseio pelas certezas.
A PBA, porém, adiciona outra importante motivação à atividade científica: a
necessidade do desequilíbrio. “O propósito da Pesquisa Baseada em Arte é a promoção do
desequilíbrio – da incerteza – de forma que tanto o autor/pesquisador quanto a audiência
do trabalho vejam importantes fenômenos culturais e sociais” 5 (EISNER; BARONE, 2012,
s/p). Embora se saiba que os posicionamentos estabelecidos em determinada área do
conhecimento não sejam definitivos, existe uma tendência a reforçá-los na medida em que
as pesquisas acabam por seguir as linhas e os autores já consagrados naquela área.
Tendo isso em vista, o que a PBA traz de importante é o questionamento das certezas;
uma tentativa de capturar outros olhares, abrir novas janelas. Isso acontece porque não é
objetivo primordial da PBA lançar uma conclusão, mas sim incitar o diálogo, causar
estranhamento e a partir daí suscitar novas discussões. Tal estranhamento já começa na
escolha da linguagem: pensar um tema a partir de um poema é diferente de pensá-lo a
partir de uma dissertação argumentativa. A mudança de linguagem já é em si um fator de
desequilíbrio e embora seja natural a nossa busca por equilíbrio, o desconforto e a
incerteza nos levam a novas possibilidades, nos levam à criação.
5
Tradução livre. No original: "The purpose of arts-based research is the promotion of disequilibrium -uncertainty- in the
way that both the author/researcher and the audience of the work regard important social and cultural phenomena".
92
Em vez de contribuir para a estabilidade das premissas já estabelecidas
sobre esses fenômenos (seja explicitamente através de proposições,
argumentos, retratos, seja implicitamente através do silêncio ou supressão),
reforçando a forma convencional de vê-las, aquele que faz pesquisa
baseada em arte pode convencer os leitores ou receptores do trabalho
(incluindo o próprio artista) a revisitar os mundos a partir de uma direção
diferente, vendo-o através de outros olhos, e, assim, pondo em questão um
ponto de vista singular e ortodoxo.( EISNER; BARONE, 2012, s/p)
Para Eisner e Barone a Pesquisa Baseada e Arte tem como um dos seus principais
traços distintivos a capacidade de world-making, isto é, promover um outro olhar sobre o
mundo, construir uma nova imagem sobre determinado fenômeno. Neste ponto,
lembramos o que anteriormente foi mencionado sobre a contribuição da arte para uma
outra forma de enxergar o mundo e experienciar a realidade.
Porém, resta ainda uma importante pergunta: O que faz a PBA ser pesquisa e não
obra de arte.
Eisner e Barone (2012) distinguem entre work of art (obra de arte) e work of art
(obra de arte). Em inglês se utiliza a palavra “trabalho” para o que chamamos de “obra” e
no jogo de sentidos proposto pelos autores a distinção está na ênfase dada a cada
palavra, na primeira o foco reside no processo, no trabalho (work), o qual se dá por meio
de atividades estéticas. Na segunda, mais do que o processo vale saber se o resultado
carrega características estéticas de qualidade, podendo ser de fato chamado “arte”. Neste
último caso temos uma obra de arte, um objeto de arte, no outro uma experiência com a
arte. O primeiro enfoque julga o “fazer” e, nesse sentido, todos podemos participar deste
trabalho, uma vez que se domine os procedimentos do fazer artístico. É nesse âmbito que,
segundo os autores, a PBA se insere.
Em relação ao valor do “fazer”, isto é, ao processo de criação artística, Salles (2011,
p. 127) também destaca sua importância como processo de conhecimento ao afirmar que:
O processo criativo pode ser observado sob a perspectiva da construção do
conhecimento. A ação dos artistas leva à aquisição de uma grande
diversidade de informações e à organização desses dados apreendidos.
Está sendo, assim, estabelecido o elo entre pensamento e fazer: a reflexão
que está contida na práxis artística (Evandro Carlos Jardim, 1993). O
percurso criador deixa transparecer o conhecimento guiando o fazer, ações
impregnadas de reflexões e de intenções de significado. A construção de
significado envolve referência a uma tendência. A criação é, sob esse ponto
de vista, conhecimento por meio da ação.
93
Embora Salles se refira ao processo de criação do artista mais especificamente e
cujo objetivo maior é a produção de uma obra de arte de fato ─ e não de uma pesquisa
nos moldes mais acadêmicos, como temos colocado aqui ─ vale aqui também ressaltar a
importância do processo de criação em si e, portanto, capaz de produzir conhecimento a
qualquer um que dele participe, pois não há como criar nada sem um processo de
construção do conhecimento envolvido.
A partir dessa explicação, entendo que a principal ênfase da PBA recai sobre o
processo de criação da pesquisa e que é, ao mesmo tempo, o processo de criação
artística. Embora o fim último da PBA não seja produzir uma obra de arte, se empregam
nela procedimentos usados justamente na produção de obras artísticas. Aqui surge então,
minha principal pergunta. A arte na PBA é uma forma de comunicar resultados, sendo
nesse sentido justificada pela importância da utilização de diversas linguagens na
comunicação de um determinado assunto ou, mais que isso, a arte é um procedimento de
pesquisa, uma metodologia?
Os trabalhos trazidos como exemplo por Eisner e Barone (2012) deixam claro o
papel da arte, da literatura no caso, na comunicação dos resultados e dados da pesquisa,
mas em que medida o processo de escrita, o processo de construção das narrativas ou
poemas foi também um processo de pesquisa para seus autores? Teriam eles pesquisado
primeiro e depois comunicado suas pesquisas de forma artística? São essas fases, duas
fases distintas do processo ou podemos pensar processo de criação e processo de
pesquisa como algo híbrido?
Roldán e Viadel (2012) ao sugerirem o termo metodologias artísticas de pesquisa
parecem dizer que a arte é sim mais do que a linguagem pela qual se expressa o
pesquisador, ela é também o meio, o método a partir do qual ele pensa seu objeto de
pesquisa. Ao apresentar diversos instrumentos de pesquisa baseados na fotografia os
autores corroboram a ideia de que o próprio processo de criação artística é também
processo de pesquisa.
Este uso da fotografia (ou do desenho, ou do diálogo dramático, ou do
canto) implica não só uma investigação fotográfica composta de muitas
fotografias (de qualidade fotográfica satisfatória), mas também, e isso
geralmente é levado em conta, que a metodologia de pesquisa será
fotográfica, ou seja, que o modo de proceder e trabalhar no processo de
pesquisa se assimilará aos modos de proceder em um trabalho fotográfico
profissional. (2012, p.24)
94
Em um artigo sobre as teses e dissertações baseada em arte produzidas na
Universidade da Columbia Britânica (UBC) entre 1994 e 2009, Sinner, Leggo, Irwin,
Gouzouasis e Grauer (doravante SINNER et al) destacam que “como pesquisa indutiva,
Peba [Pesquisa educacional baseada em arte] utiliza os elementos, processos e
estratégias de práticas artísticas e criativas na investigação acadêmica” (SINNER et al,
2012, p.107). Esse grupo da UBC, que utiliza o termo a/r/t/ografia, destaca justamente
essa mestiçagem entre criação artística e pesquisa e mais, entre estes dois e ensino, isto
é: criar, pesquisar e ensinar é um processo só, um processo híbrido mas único. Assim,
ainda nesse mesmo artigo, Sinner et al declaram sobre estes pesquisadores que “eles
estão procurando anunciar em teoria e prática como poesia, teatro, ficção, artes visuais e
performance contribuem para formar novos modos de saber e, ao mesmo tempo, tornamse concepções da epistemologia e ontologia” (SINNER et al, 2012, p.107).
Diante dessas declarações resta a pergunta: como funciona esse processo híbrido?
Nesse ponto retomo aquilo que foi mencionado no início deste trabalho: arte e ciência têm
em comum justamente o fato de ambas serem criação e por isso pensar processo de
pesquisa (entendendo-o como o processo de investigação acadêmica em ciências
humanas e sociais) e processo de criação artística como dois processos profundamente
interligados é algo perfeitamente possível. Mas como, na prática, operar com esses dois
procedimentos?
No capítulo seguinte passo a explorar essa pergunta a partir da análise de seis
relatos de pesquisas apresentados na 1ª Conferência em Pesquisa Baseada em Arte e
Pesquisa em Arte realizada pela Universidade de Barcelona em Janeiro de 2013. A partir
desses relatos espero retomar a discussão deste capítulo sobre o que a PBA proporciona
à pesquisa mas também observar como diferentes pesquisadores lidam com a arte em
suas pesquisas: ela é metodologia, de fato, ou apenas objeto ou objetivo?
95
96
Um estudo de caso:
Análise dos anais da 1ª conferência em Pesquisa
Baseada em Arte e Pesquisa em Arte
97
A 1st Conference on Arts-Based and Artistic Research — Critical reflections on the
intersection between art and research (1ª Conferência em Pesquisa Baseada em Arte e
Pesquisa em Arte — reflexões críticas sobre a interseção entre arte e pesquisa), realizada
em Barcelona no início de 2012, é fruto das atividades desenvolvidas, a princípio, pelo
grupo de pesquisa ESBRINA — Subjectivitats i entorns educatius contemporanis – na
Universidade de Barcelona, mas que se estendeu abrangendo também outros
pesquisadores na Europa (notadamente Espanha e Portugal) e Américas (em especial
Brasil e Canadá, conforme relato pessoal de alguns dos organizadores do evento).
Atualmente a Conferência já se encontra em sua terceira edição que será realizada na
cidade do Porto (Portugal) em janeiro de 2015, tendo antes disso sido realizada também
em Granada em Janeiro de 2014. Trata-se de um evento com o qual temos (eu e Mirian,
minha orientadora) certa familiaridade por termos participado com a apresentação de um
trabalho na 2ª Conferência em Granada (o qual contou também com a co-autoria de Rita
Demarchi e Olga Egas, ambas doutorandas orientadas por Mirian). Meu primeiro contato
com a PBA se deu durante a palestra de Ricardo Marín Viadel no CONFAEB em São
Paulo (sendo a primeira palestra proferida no Instituto de Arte da Unesp e a segunda na
Universidade Presbiteriana Mackenzie). Deste encontro também resultou, posteriormente,
uma entrevista à revista do Programa de Pós Graduação em Educação Arte e História da
Cultura, a Revista Trama. Porém cabe justificar porque optamos por centrar esta análise
na primeira conferência e não na segunda, da qual efetivamente participamos.
A opção por analisar os anais da 1ª Conferência em Pesquisa Baseada em Arte e
Pesquisa em Arte se deu por três motivos principais. O primeiro motivo é que busca-se
seguir a tendência natural de “começar pelo começo”, isto é, sendo essa a primeira
Conferência sobre PBA a ser realizada por esse grupo me pareceu pertinente analisar o
que as pessoas que participaram da conferência entendiam por Pesquisa Baseada em
Arte (PBA) e Pesquisa em Arte (PA) à época que inscreveram seus trabalhos. Além disso,
a conferência surgiu de discussões advindas de práticas de pesquisa no próprio grupo
ESBRINA e na disciplina “Pesquisa Baseada em Arte” oferecida de forma optativa no curso
de graduação em Belas Artes da Universidade de Barcelona, tal origem fez com que os
temas debatidos durante o evento se centrassem na conceituação e validação deste
método de pesquisa, visto que mesmo para os pesquisadores envolvidos com a PBA esta
era ainda uma forma nova de fazer pesquisa, tal como novo é este tema para mim neste
momento. Vale mencionar, inclusive, que à época da 1ª Conferência inscrevi um trabalho
98
para esse evento, apresentando o projeto, ainda bastante incipiente, da minha pesquisa de
mestrado, já que seriam aceitos também trabalhos ainda em desenvolvimento, pois como
mencionado no site oficial da Conferência
6
, o objetivo do evento visava o
compartilhamento e debate das práticas emergentes nessa área de pesquisa. Além disso,
os organizadores da Conferência encorajavam não somente professores e estudantes
universitários, mas também profissionais das áreas de arte e cultura a participarem do
evento, mostrando assim a disposição para um diálogo aberto e diversificado. Meu
trabalho foi aprovado com o pedido de que eu expusesse minha percepção sobre o
desenvolvimento da PBA no Brasil, oferecendo ao público da Conferência o “estado da
arte” da PBA em nosso país. Infelizmente, não pude ir à Barcelona para participar do
evento, mas oportunamente posso dele agora participar através desta mesma dissertação
que planejei, no início, discutir lá.
O segundo motivo pelo qual optamos por esse documento é de ordem prática: a
forma como os trabalhos apresentados na conferência foram organizados neste
documento único. Embora os arquivos da 2ª Conferência estejam também disponíveis
online 7 , eles ainda não foram organizados de forma temática à maneira como foi feito
nesse primeiro documento. Essa organização prévia, entretanto, é útil por agrupar em um
mesmo capítulo os trabalhos que narram experiências de pesquisa realizadas a partir das
duas metodologias abordadas no Congresso e assim oferecer um recorte com o qual
podemos trabalhar de forma mais sistemática. Além disso, na 2ª Conferência foi possível
aos participantes enviar uma segunda versão dos trabalhos apresentados na Conferência
incorporando as discussões levadas a cabo durante o evento, porém essa nova versão
anda não aparece disponível no site da 2ª Conferência.
O terceiro motivo pelo qual optamos pela análise deste documento é a semelhança
de objetivos entre as discussões levantadas nesta primeira conferência e o tema desta
dissertação. No site oficial do evento, são listados os seguintes objetivos:
Explorar, debater e refletir sobre as diferenças metodológicas,
epistemológicas e teóricas entre, e dentro, da Pesquisa em Arte e da
Pesquisa Baseada em Arte;
Melhorar a nossa compreensão crítica de onde, como e por que a arte é
apresentada como pesquisa, prestando especial atenção às justificativas de
como a arte produz conhecimento;
6
7
Disponível em: http://som.esbrina.eu/artsbased/`. Acesso em: out. 2014.
Disponível em: <http://art2investigacion.weebly.com/artiacuteculos-completos.html>. Acesso em: out. 2014.
99
Identificar tensões e problemas que surgem quando entram em colapso as
fronteiras entre a nossa compreensão da arte e da pesquisa;
Disseminar tendências locais para um público internacional;
Experimentar novas formas de compartilhar os nossos processos de
trabalho e resultados, extraindo tanto dos formatos acadêmicos quanto dos
artísticos expositivos;
Construir uma comunidade de "amigos críticos" que podem inspirar,
desafiar e validar nossas práticas;
(1st Conference on Arts-Based and Artistic Research. website)
Para fins dessa pesquisa, destacam-se os três primeiros itens, todos de alguma
forma relacionados ao entendimento conceitual do que é PBA. Sendo para isso importante
buscar estabelecer diferença entre PA e PBA, reflexões críticas sobre o modo como arte e
pesquisa se relacionam, além de tecer justificativas sobre como a arte produz
conhecimento e identificar tensões geradas pelas diferentes visões sobre o que é arte e o
que é pesquisa. Acredito que estes pontos fazem parte deste trabalho e estão presentes
naquilo que se discutiu nos dois capítulos anteriores. Agora, por meio da análise desses
seis trabalhos apresentados na Conferência, será possível aprofundar a discussão a partir
de exemplos concretos sobre a produção em PBA e PA.
Estudo de caso: apresentação
De acordo com Fernando Hernandez e Rachel Fendler, no prefácio dos Anais da 1ª
Conferência em Pesquisa Baseada em Arte e Pesquisa em Arte, essa Conferência foi
pensada para cobrir a multiplicidade de aspectos envolvidos tanto na PBA quanto na PA
buscando aprofundar os diferentes significados atribuídos a cada uma dessas pesquisas e
assim encontrar também pontos de divergência e convergência entre ambas. De fato o que
se nota, como ficará evidente à medida que prosseguirmos com a análise, é uma
diversidade de abordagens em relação à PA e PBA, trazendo à tona a complexidade de
variáveis que devem ser levadas em consideração nos estudos sobre esses tipos de
pesquisa.
Em relação aos temas de discussão gerados durante a Conferência, HernándezHernández (2013, p. x) destaca:
100
Usar imagens em um processo de investigação não significa que o projeto é
uma pesquisa baseada em arte ou uma pesquisa em arte. Hoje existe uma
crescente valorização da utilização de metodologias visuais nas ciências
sociais - e também dentro das ciências experimentais - e, portanto, é
importante questionar e debater as diferenças e interseções dessas
tradições distintas.
O desenvolvimento de um projeto artístico usando imagens - que
documente intervenções ou resultados - não é necessariamente uma
pesquisa artística. Um projeto pode ser considerado uma investigação
criativa, mas a pesquisa deve ir além do ato de exibir ou tornar o resultado
público. Em vez disso, ela deve capturar um processo, bem como as
decisões que foram tomadas, e os fundamentos que nortearam o projeto,
tornando-se mais do que uma observação feita por um artista ou um arteeducador.
Uma questão recorrente que foi levantada ao longo dos dois dias foi se
imagens, como obras de arte, "falam por si". Tendo em conta que a própria
posição sobre esta questão condiciona a nossa compreensão da pesquisa
artística, é fundamental o esclarecimento neste ponto para avançar o
projeto que esta conferência tenta unir e promover.
Proporcionar legitimidade, utilizando critérios comuns que permitem a
avaliação dos pares das pesquisas em arte ou baseadas em artes, é
entendido como uma prioridade. Para este fim, algumas contribuições deste
volume oferecem alternativas que precisam ser discutidas, a fim de
desenvolver uma base comum.
A distinção entre estratégias de ensino de arte e propostas de pesquisa
baseada em artes levaram ao reconhecimento de um conjunto de relações
e diferenças que evidenciam a necessidade de um debate sobre este tema,
a fim de esclarecer os limites e pontos de contato entre esses dois
conjuntos de práticas.
Por fim, apesar dos desenvolvimentos atuais dentro das duas áreas
abordadas nesta conferência, ainda há uma grande necessidade de discutir
- com base nas contribuições em conferências, bem como nas publicações as possibilidades e limites do que pode ser considerado pesquisa baseada
em arte e/ou pesquisa em arte. Quando não há parâmetros e "tudo passa",
corremos o risco de desvalorizar a nossa proposta de que existem formas
alternativas de fazer pesquisa, minando o projeto por falta de significado e
reconhecimento.
Como se verá mais adiante a análise dos trabalhos apresentados na Conferência
vai se centrar mais especificamente no segundo e quinto pontos, buscando a distinção
entre PBA e PA e entre a investigação artística e a pesquisa, o que é também um dos
focos desta dissertação.
101
Os Anais estão organizados em cinco capítulos diferentes. O primeiro, Re-defining
research (Re-definindo pesquisa), foca na discussão sobre os paradigmas de pesquisa já
existente e em como a PBA e a PA se relacionam com eles, ressaltando suas possíveis
contribuições para a pesquisa e afirmando sua validade como metodologia e forma de
conhecimento. O segundo capítulo, Arts based research in practice: narrating experiences
(Pesquisa Baseada em Arte em prática: narrando experiências), traz uma descrição
detalhada de seis pesquisas desenvolvidas através da PBA e PA, permitindo um rápido
olhar sobre o que tem sido produzido nesta área e evidenciando a heterogeneidade e
complexidade da ABR hoje. O terceiro capítulo, Arts based educational research:
problematazing arte education & education through art (Pesquisa Educacional Baseada em
Arte: problematizando arte educação e educação através da arte), foca especificamente
em pesquisas que relacionam arte e pedagogia seja na educação formal ou informal e
reúne textos que analisam como a arte se engaja no processo de ensino-aprendizagem e
sua potencialidade de criar experiências colaborativas. O quarto capítulo, At the crossroads
between learning, researching and art practice (Na encruzilhada entre aprender, pesquisa
e fazer arte), foca na questão “como a arte produz conhecimento?” e cada texto traz uma
contribuição diferente para responder a esta pergunta, tendo em comum a interseção entre
aprender, pesquisar e produzir arte. Por fim, o quinto capítulo, On the question of
communicability (Sobre a questão da comunicabilidade), discute a “forma” em PBA e PA
pensando em como a pesquisa é apresentada ao grande público através da arte e como
este “tom” próprio dado pela PBA e PA contribuem para o entendimento da pesquisa.
Dentre os cinco capítulos que compõem o documento, optamos por centrar a
análise no segundo apenas. Entendemos que como os trabalhos são narrativas de
experiência e não estão centrados em discutir um tema, mas sim em apresentar uma
pesquisa, eles funcionam melhor como objeto de análise, por focarem nos procedimentos
adotados e resultados obtidos. Com isso tentamos observar como cada pesquisador
define, explicitamente ou implicitamente, a PBA e a PA e se o uso da arte na pesquisa se
liga mais ao objetivo, objeto ou metodologia da pesquisa. A variedade dos trabalhos
elencados nessa seção, seja nos temas abordados ou nas metodologias seguidas pelos
pesquisadores, se mostra um corpus intrigante e interessante, possível de suscitar
diversos questionamentos.
102
Em busca da PBA
Imagem nas páginas 102-111.
Figura 18 Jade Magave. Em busca da PBA, 2001. Narrativa visual baseada em HQs. Citações
visuais literais de imagens de personagens de HQs retiradas da internet; imagens da cidade de
Barcelona e da Universidade de Barcelona retiradas da internet; imagens retiradas de trabalhos
apresentados nos Anais da 1ª Conferência em Pesquisa baseada em arte e Pesquisa em Arte,
Barcelona, 2013.
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Análise de seis experiências de pesquisa envolvendo Pesquisa Baseada
em Arte e Pesquisa em Arte
O segundo capítulo do documento reúne o relato de seis pesquisas envolvendo arte
em diferentes aspectos. No entanto, ainda que reunidas em um mesmo lugar, as
pesquisas divergem muito entre si em relação ao objeto e objetivo de estudo, à
metodologia escolhida e, principalmente, ao lugar que a arte ocupa neste processo. A
despeito das diferenças, porém, todas afirmam ser PBA ou PA e em alguns casos
justificam porque se autodenominam como tal. Mas justamente por serem tão diferentes,
estas pesquisas levantam a questão sobre o que é, de fato, PBA e o que é PA, pois não
caberiam todas elas dentro de um mesmo rótulo. Ou seriam estes rótulos complementares
e intercambiáveis?
Diante do exposto, um dos objetivos da análise ora proposta é buscar semelhanças
e diferenças entre elas e a partir do que foi exposto no capítulo anterior distinguir entre
diferentes formas de pesquisas a partir da arte. Além disso, esta análise busca levantar
qual é o lugar da arte nessas pesquisas a fim de estabelecer diferenças entre a pesquisa
que tem a arte como metodologia e a pesquisa que a tem como objeto ou objetivo.
Acredito, no entanto, que essa distinção entre metodologia, objeto e objetivo está no cerne
da distinção entre PBA e demais formas de pesquisa envolvendo a arte, o que, portanto,
só corrobora o objetivo inicial de buscar nessa análise um caminho para estabelecer uma
conceituação um pouco mais precisa do que é PBA. Para tanto parto de três classificações
possíveis de pesquisa: 1) Pesquisa para a arte; 2) Pesquisa sobre arte; 3) Pesquisa
baseada em arte. Estes três tipos de pesquisa envolvendo arte se distinguem na forma
como a arte se faz presente no processo de pesquisa. Na pesquisa para a arte, a arte é o
objetivo da pesquisa, é então a pesquisa envolvida no processo de criação artística que
tem por fim a criação de uma obra de arte. Neste caso a arte não é nem a metodologia de
pesquisa e nem a forma pela qual o pesquisador comunica seus resultados, a arte é o
próprio resultado da pesquisa, a pesquisa teve lugar porque o pesquisador é, ele mesmo,
um artista. Na Pesquisa sobre a arte, a arte é o objeto de pesquisa e neste caso o
resultado costuma apresentar uma conclusão sobre algum aspecto de determinada obra
artística e não precisa ser, necessariamente, conduzida dentro de um departamento de
arte pois sendo a arte apenas o objeto, a forma como se olha tal objeto e o objetivo de se
115
olhar este objeto pode partir de diferentes aportes teóricos. Por fim, a Pesquisa baseada
em arte seria aquela onde a arte é a metodologia da pesquisa. Cabe dizer que a PBA,
conforme temos estudado até aqui, não se define como metodologia somente e pode
incluir a arte e processos de criação em outras etapas e lugares da pesquisa que não só a
metodologia. No entanto, neste momento coloco este ponto distintivo para nos ajudar a
nortear melhor a análise e conseguir estabelecer diferenças entre os tipos de pesquisa em
arte que se colocam nos Anais da Conferência.
Para nortear a análise e nos ajudar a perceber os diferentes tipos de pesquisa na
área de arte, irei também comparar as pesquisas em dois aspectos: 1) quanto aos objetos
e objetivos e 2) quanto à relação entre arte e metodologia.
É claro que a realidade não é assim tão facilmente categorizável e acredito que a
própria análise desenvolvida a seguir vai nos mostrar que nem toda pesquisa se presta a
uma classificação única. Mas também considero importante, nessa etapa dos meus
estudos, tentar buscar parâmetros de análise a fim de criar uma base inicial para pensar
sobre a relação entre arte e pesquisa através da PBA.
Antes de passar para a análise propriamente dita, apresento brevemente as seis
pesquisas sobre as quais iremos nos deter e em seguida um resumo com os principais
pontos de cada pesquisa, a fim de prosseguirmos tendo em mente a visão do todo.
The Cunt clown show and Transclowning: Performative Impulses Inspired by
Dissident Practices (doravante Clown) — Melissa Lima Caminha (Universidade de
Barcelona)
O trabalho apresentado por Melissa Caminha — “O show Cunt Clown e
Transclowning: impulsos performáticos inspirados por práticas dissidentes” — compreende
uma parte de um projeto de pesquisa maior que a autora desenvolve durante o seu
doutorado. Como parte da sua pesquisa de doutorado, Women clowns: constructing
cartographies of female comic performances — Mulheres clown: construindo cartografias
de performances cômicas femininas —, a autora criou duas performances para o seu
clown a fim de explorar conceitos e temas relacionados a sua pesquisa e expandir as
formas de comunicar o seu tema de estudo. A performance The cunt clown show, baseada
na Cunt Art dos anos 60 e 70, é uma performance solo de Lavandinha (a personagem
clown de Melissa Caminha), e a performance Transclowing é desenvolvida em conjunto
116
com a personagem transgênica Gisele Almodóvar encenada por Silvero Pereira. No
trabalho apresentado na Conferência, a autora explora a relação que existe entre a criação
e execução dessas peças com o seu processo investigativo sobre questões envolvendo o
feminismo e arte clown.
Figura 19. Recorte de Em busca da PBA. (Magave, 2011). Citação visual literal retirada do
trabalho de Melissa Caminha (2013).
Septiembre. Culture and landscape: An identitiy discourse in Rioja Alavesa (doravante Septiembre) — Ruth Marañón Martínez de la Puente (Universidade de
Granada)
O trabalho “Septiembre. Cultura e paisagem: Um discurso da identidade em Rioja
Alavesa”, que se coloca explicitamente como Pesquisa Baseada em Fotografia, utiliza a
fotografia como método de investigação para o tema da identidade na região de Rioja
Alavesa (uma região espanhola próxima ao País Basco). A fim de buscar uma definição de
identidade que considere os diversos aspectos envolvidos nesse contexto a pesquisadora
lança mão de quatro instrumentos da Pesquisa Baseada em Fotografia: foto-diálogo; fotoensaio; detalhe significativo e instalação. Através desses instrumentos de pesquisa, ela vai
levantando dados para uma análise das questões que envolvem o tema da identidade,
117
análise essa que prossegue até o momento da “conclusão” durante a instalação artística
montada para apresentar os resultados.
Figura 20. Recorte de Em busca da PBA. (Magave, 2011). Citação visual literal retirada do
trabalho de Ruth Marañón (2012).
The gesture in the art of singing of Teresa Stratas: an art-based research based on
an artistic research — (doravante gesture-stratas) — Deborah Moraes Gonçalves de
Oliveira (Universidade Federal do Piauí/Universidade de Aveiro).
O ensaio “O gesto na arte do canto de Teresa Stratas: uma pesquisa baseada em
arte sobre uma pesquisa em arte” tem por objetivo discutir o papel tanto da PBA quanto da
PA como formas de pesquisa e conhecimento. Para isso, a autora parte do pressuposto de
que o processo de criação artística é, inerentemente, um processo de pesquisa e portanto
deve ser reconhecido como uma forma de construção de conhecimento. Para Oliveira, a
PA é qualquer pesquisa desenvolvida por um artista tendo em vista a criação, daí porque
ela analisa os ensaios da cantora Teresa Stratas para mostrar como seu processo de
criação pode ser visto como uma pesquisa. Já a PBA é, para a autora, a pesquisa que
busca informação no processo de criação e assim, à medida que ela estuda o processo
criativo da cantora para compreender a importância do gesto na performance, ela está
fazendo PBA.
118
Figura 21. Recorte de Em busca da PBA. (Magave, 2011). Citações visuais literais de imagens de
Teresa Stratas encontradas em sites de busca na internet.
Artist’s book: creation and investigation of new formats in art education - (doravante
Artist’s book) — Ana Marqués Ibánez (Universidade de La Laguna – Espanha)
Neste trabalho — “Livro de artista: criação e investigação de novos formatos em arte
educação” — Ana Ibánez relata a experiência de um projeto sobre a criação de livros de
artista envolvendo os alunos da disciplina Imagem 2, na área de Desenho na Faculdade de
Belas Artes em Pontevedra na Espanha. O projeto apresentado é um projeto piloto ligado
ao estudo de Culturas Visuais e que tem por objetivo integrar diversas técnicas e conceitos
ligados à cultura visual na produção de um livro de artista.
119
Figura 22. Recorte de Em busca da PBA. (Magave, 2011). Citações visuais literais de imagens
retiradas do trabalho de Ana Marqués Ibáñez (2013).
(Re) creating a Performance: exploring flutist’s imaginary on Density 21.5 —
(doravante Density) — Shari Simpson de Almeida (Universidade de Aveiro)
O trabalho — “(Re) criando a Performance: explorando o imaginário de flautistas
sobre Density 21.5” — apresentado na Conferência compreende uma investigação sobre a
peça para flauta Density 21. 5 de Edgard Varèse, que teve por objetivo criar uma
performance multimídia para essa peça. Essa pesquisa faz parte do projeto de doutorado
desenvolvido pela autora e, nesse sentido, é também uma forma experimental de
desenvolver sua pesquisa mais a fundo. Para criar a performance, a autora realizou
pesquisa bibliográfica e entrevistas com três flautistas a fim de colher suas interpretações e
comentários sobre a peça. A partir desse material, um produtor cinematográfico produziu
um vídeo estritamente ligado com a performance da peça executada por Almeida, o qual
foi apresentado para o público da Conferência a fim de testar como a audiência receberia
os elementos extra musicais inseridos na performance.
120
Figura 23. Recorte de Em busca da PBA. (Magave, 2011). Citação visual literal de fotografia de
Edgard Varèse encontrada em sites de busca na internet.
Methodological reflections of an experimental proposal with a blind community —
(doravante Blind) — Noemí Peña Sánchez (Universidade do Valladolid)
A pesquisa de Noemí Sánchez — “Reflexões metodológicas sobre uma proposta
experimental com a uma comunidade de cegos” — envolve um projeto de fotografia com
cegos, partindo da hipótese de que as pessoas podem criar imagens mesmo sem a visão.
Para isso a pesquisadora busca novas formas de ler e criar fotografias, as quais sejam
acessíveis a um público cego ou com problemas graves de visão. A partir de uma pesquisa
teórica sobre trabalhos similares e de um trabalho de observação participativa em um
grupo de cegos, a autora consegue criar uma forma de levar o grupo não só a produzir
suas próprias fotografias, mas também discuti-las e expô-las para o público.
121
Figura 24. Recorte de Em busca da PBA. (Magave, 2011). Citações visuais literais retiradas do
trabalho de Noemí Peña Sánchez (2013).
Análise das pesquisas quanto aos objetos e objetivos
Objeto da pesquisa
Clown A performance
cômica feminina.
Objetivo da
pesquisa
Analisar as relações
entre a visão cultural
e social do feminino e
a atuação da mulher
como atriz cômica.
Metodologia
Bricolagem;
Pesquisa
bibliográfica;
Entrevistas;
Etnografia;
Septiembre Identidade em Rioja
Alavesa.
Encontrar um
discurso sobre a
identidade de Rioja
Alavesa baseado nos
critérios “cultura” e
“paisagem”, os quais,
por sua vez, são
Performances Clown.
Foto-ensaio;
Foto-diálogo;
Detalhe significativo;
Instalação.
122
percebidas a partir da
eno-cultura.
Gesture-Stratas O processo de
Verificar as
criação na
implicações da
performance musical postura corporal na
de Teresa Stratas.
comunicação de
emoções em uma
ópera.
Como o processo de
criação afeta a
performance.
Artist’s Book Arcabouço teórico
relacionado aos
Livros de artista,
bem como aspectos
artísticos envolvidos
na sua criação.
Density Peça para flauta
Density 21.5 de
Edgard Varèse.
Verificar se o
processo de criação
pode ser considerado
investigação e como
ele contribui para a
criação de
conhecimento.
Levar os alunos da
disciplina a construir
seus próprios “Livros
de artista”.
Discutir sobre as
possibilidades do uso
do Livro de artista
como prática
pedagógica.
Criar uma
performance
multimídia para a
peça.
Análise de um vídeo
de ensaio do dueto
“Sono Andate”;
Análise de um vídeo
da performance
“Sono Andate” ao
vivo;
Análise da partitura
musical de “Sono
Andate”.
Pesquisa teórica
(análise de diferentes
linhas teóricas em
relação à produção
de Livros de artista);
Análise de exemplos
de “Livros de
artistas”.
Pesquisa
bibliográfica;
Entrevista com três
flautistas.
Contribuir para a
pesquisa de
Doutorado da
pesquisadora sobre
os aspectos comuns
nas interpretações de
grandes obras do
repertório musical
para flauta.
Blind A relação entre
imagens e cegueira.
Explorar a relação
entre imagens e
cegueira através da
realização de uma
oficina de fotografia
Pesquisa
bibliográfica;
Pesquisa de acervo
(conhecer
123
com pessoas cegas.
fotográficos que
também trabalham o
tema da cegueira ou
são, eles próprios,
cegos);
Pesquisa-ação
(envolvimento na
ONG através de uma
oficina);
Análise das
fotografias
produzidas pelos
cegos que
participaram do
workshop.
Tabela 1. Tabela sintética sobre as seis pesquisas analisadas no que concerne à: objeto de
pesquisa; objetivo de pesquisa e metodologia de pesquisa.
Quanto aos objetos e objetivos
Como colocado anteriormente, a pesquisa cujo fim último é a produção de uma obra
de arte é aquela onde a arte se faz presente no objetivo da pesquisa e é, portanto, a
pesquisa para a arte. Nesse sentido a pesquisa para a arte se aproxima da utilização do
termo “pesquisa em arte” feita por Zamboni em seu livro A pesquisa em arte: um paralelo
entre arte e ciência (2012). Nesse livro, embora o autor faça a ressalva de que a Pesquisa
em Arte pode envolver qualquer pesquisa feita na área de Artes, ele utiliza o mesmo termo
— “pesquisa em arte” — para se referir à pesquisa que é feita por artistas visando produzir
uma obra de arte: “Usarei a expressão pesquisa em arte para me referir ao trabalho de
pesquisa em criação artística, empreendido por artistas que objetivam atingir como produto
final a obra de arte.” (ZAMBONI, 2012, p.6). Portanto, a pesquisa para arte seria
equivalente ao uso feito por Zamboni para “pesquisa em arte” no livro mencionado.
Entretanto, nem sempre se utiliza o termo “Pesquisa em Arte” no sentido somente da
pesquisa feita por artistas. Como o próprio Zamboni também destaca, esse termo pode
abarcar um sentido mais amplo, incluindo também pesquisas feitas na área de Artes que
não objetivam, necessariamente, a produção de uma obra de arte. Assim, para não causar
confusão entre o sentido mais amplo que o termo “pesquisa em arte” também carrega,
124
opto por utilizar a expressão “pesquisa para a arte” para me referir às pesquisas cujo fim
último, isto é, cujo objetivo é a obra de arte.
A pesquisa cujo foco artístico reside no objeto é a pesquisa sobre a arte, conforme
colocado anteriormente. Entretanto o que veremos em alguns casos é que a arte se faz
presente tanto como objeto quanto objetivo da pesquisa. É o que se vê, por exemplo, no
trabalho de Shari Almeida (Density). O que foi apresentado no Congresso é parte da
pesquisa de Doutorado da autora sobre a peça Density 21. 5 de Edgard Varèse, e envolve
a pesquisa para a criação de uma performance multimídia da peça musical. No Resumo,
Almeida (2013, p. 113) afirma: “Este artigo apresenta uma investigação sobre a peça solo
para flauta Density 21. 5 (EDGAR VARÈSE, 1936), feita com o objetivo de criar uma
performance multimídia para a peça. [...] Esta pesquisa é parte da pesquisa de doutorado
da autora e foi usada como um [projeto] piloto para desenvolver uma investigação adicional
à pesquisa [de doutorado].” Portanto, a partir do próprio Resumo notamos que a pesquisa
para a produção da performance abarca ainda outro objetivo que é desenvolver a própria
pesquisa de doutorado de Almeida sobre a peça de Varèse. Assim, Density configura um
exemplo de como processos de criação artística se transformam em etapa de uma
pesquisa que é, também, teórica. Há que se destacar que para a pesquisa de doutorado a
autora também deverá apresentar sua própria performance musical da peça Density 21.5,
daí depreendemos que sua pesquisa envolve tanto uma pesquisa sobre a arte, na medida
em que ela deverá prover informações e análises sobre a peça de Varèse, mas é também
uma pesquisa em arte, pois se espera dela uma obra de arte como resultado (nesse caso
a execução musical da peça). Há, portanto, uma mescla de objetivos e a arte caminha por
vários lugares durante o desenvolvimento da pesquisa; ora é o objeto da pesquisa (quando
se pesquisa sobre a peça musical), ora é objetivo da pesquisa (quando se tem em mente a
criação de uma performance multimídia a partir dos dados da pesquisa), ora é metodologia
(um meio pelo qual a autora aprofunda sua pesquisa de doutorado).
De maneira similar se desenvolve também a pesquisa de Melissa Lima Caminha. A
autora também apresenta na Conferência apenas um recorte da pesquisa que ela
desenvolve em sua tese de Doutorado a qual também se insere no campo da arte, mas
dessa vez analisando uma questão mais geral que é a performance cômica feminina
representada pelas mulheres clown. Assim como Almeida, Melissa Caminha envolve
processos de pesquisa para a arte em sua pesquisa sobre arte quando cria performances
artísticas que funcionam ao mesmo tempo como um laboratório para a sua pesquisa e
125
como uma forma de comunica-la ao público geral. A autora afirma que o trabalho
apresentado para a Conferência é ainda um work in progress de sua pesquisa cujo título é:
Women clowns: constructing cartographies of female comic performances (Mulheres clown:
construindo uma cartografia de performances cômicas femininas). De acordo com
Caminha: “O surgimento de performances de clown femininos e festivais, e seus
problemas singulares relacionados a gênero e sexualidade, me inspirou a pesquisar sobre
esta genealogia menor em relação a outras histórias menores.” (CAMINHA, 2013, p. 74).
Fica claro então que o objeto da pesquisa são as mulheres clowns e portanto o objetivo
primordial da autora é a investigação conceitual de um problema. Neste caso, ainda que
exista um processo de criação, diferente de Density, o resultado artístico não é objetivo da
pesquisa, mas é uma consequência dela. As performances surgem a partir da pesquisa
por uma necessidade de comunicação e por um impulso criativo.
Esses fragmentos incorporam os problemas que eu estou lidando na
pesquisa e constituem uma possibilidade de trazer a pesquisa e a
investigação crítica além dos muros da universidade e da comunidade
acadêmica [...] Eu chamo essas obras de impulsos performativos inspirados
por práticas dissidentes […]” (CAMINHA, 2013 p. 72-73).
Assim, Clown também é um exemplo de pesquisa que caminha por entre as
diferentes categorias estabelecidas para a análise neste trabalho. É uma pesquisa sobre
arte, mas é também uma pesquisa para a arte, já que reflete diretamente no seu trabalho
pessoal como clown. A pesquisa de Caminha, traz à tona também a questão quanto a
inseparável característica de ser artista e ser pesquisador, o que nos leva a pensar que
para um artista sua pesquisa talvez seja sempre uma pesquisa que é para a arte, sobre a
arte e baseada em arte, já que a arte é parte fundamental de sua vivência pessoal. O
artista acaba por levar sua pesquisa para o palco, assim como leva sua arte para a
pesquisa e nesse processo híbrido de pesquisa e criação artística, em algum momento a
arte se fará presente como método, como meio através do qual o artista/pesquisador
estrutura seu pensamento. Melissa Caminha (2013, p. 75) resume essa relação ao dizer
que “Quando eu comecei a atuar como clown, eu era uma clown. Depois que entrei na
dimensão da pesquisa e investigação das práticas artísticas, eu me tornei uma clown
pesquisadora. E quando me vi diante da arte e teoria (pós) feminista eu me tornei uma
clown pesquisadora (pós)feminista.”
A pesquisa Artist’s book de Ibánez (2013) que a um primeiro olhar parece ser uma
pesquisa um pouco deslocada em relação às demais do grupo, problematiza essa divisão
126
feita entre sobre a arte e para a arte. A pesquisa, que se desenvolve durante uma
disciplina do curso de graduação em Belas Artes, tem por objetivo a criação de um livro de
artista, portanto uma pesquisa para a arte. Porém como criar um livro de artista sem
estudar sobre o livro de artista? É isso, então, que essa pesquisa nos mostra
enfaticamente: a aprendizagem de uma técnica artística, a aquisição das habilidades de
produzir a obra de arte (do para a arte) vem do estudo sobre a arte. Mas note-se que,
diferente de Clown, a pesquisa não foca em análises extra artísticas do objeto (no caso de
Clown, as questões de gênero que permeiam o mundo do clown feminino) e nem vai a
fundo no estudo do processo de criação em si ─ visto que no contexto em que está sendo
desenvolvida cabe ainda aos alunos de graduação aprenderem o processo. Nesse sentido,
sendo o objetivo principal a criação de um artefato artístico (livro de artista) a pesquisa
Artist’s book pode ser vista como uma pesquisa para a arte, isto é, uma pesquisa que é
feita com objetivos explícitos de criação artística. Aqui também vê se que para arte, sobre
arte e baseado em arte se misturam, embora o enfoque maior recaia sobre os dois
primeiros aspectos, o que aproxima a pesquisa de Ibáñez mais da PA do que da PBA.
Assim como Artist’s book levanta claramente a questão de que todo processo de
criação é por si mesmo um processo de investigação, a pesquisa Gesto-Stratas toma essa
ideia como ponto de partida para uma discussão teórica dos conceitos de PBA e PA: como
ponto de partida para uma discussão teórica dos conceitos de PBA e PA, como afirma
Oliveira (2013, p. 94): “Para diferenciar e reconhecer tanto a pesquisa baseada em arte e a
pesquisa em arte como formas significativas de investigação, proponho o presente texto,
um exemplo do que eu acredito ser uma pesquisa baseada em arte sobre a pesquisa em
arte.” Porém, embora possamos tomar esse como o objetivo primeiro da pesquisa, ela se
desenvolve a partir de vários outros objetivos, muito bem organizados discursivamente no
texto de Deborah Oliveira. A autora divide o trabalho em duas partes, na primeira parte ela
se propõe a discutir a possibilidade de processos de criação serem considerados
investigação e de que PA e PBA contribuem, portanto, para a aquisição de conhecimento.
Na segunda parte, ela analisa o processo de criação da cantora de ópera Teresa Stratas e
dessa forma “reconhecer” tanto a PA como PBA como formas de pesquisa. Assim, existe o
objetivo de verificar como o processo de criação afeta a performance de Teresa Stratas,
análise esta que tem por objetivo mostrar como a PA contribui para o conhecimento, o que
por sua vez cumpre com o objetivo de validar a PA como forma de pesquisa e é, ainda, um
exemplo de como PA se diferencia da PBA. Mas o que Oliveira considera PA e PBA? Para
127
ela:
Eu acredito que talvez pudéssemos considerar o processo criativo como
Pesquisa em Arte, ou seja, sempre que os artistas tentarem encontrar
formas de se expressar através da arte, isso poderia ser considerado
pesquisa;
[...] na minha opinião, sempre que houver um artista buscando por
melhorias em seu próprio trabalho artístico, tendo como base e meta o
próprio trabalho artístico, isso é pesquisa. (OLIVEIRA, 2013, p.95)
Assim, PA é o mesmo que processo de criação sem a necessidade de uma análise
e estudo formal desse processo ou apresentação dele como uma pesquisa acadêmica, isto
já seria, na concepção de Oliveira (2013, p. 96), a PBA:
Pesquisa Baseada em Arte, por outro lado, não parece ter que ser feita por
artistas. Um pesquisador desta natureza procura por informações no
processo artístico, e no produto artístico, que vai trazer resultados úteis para
qualquer pessoa interessada no assunto investigado. Isso geralmente:
resulta em um texto escrito; procura formas de organizar o conhecimento
tácito em conhecimento explícito; tenta oferecer ao leitor uma maneira de
fazer ou compreender algo relacionado à arte; e pode, por exemplo, resultar
em um método para o desenvolvimento artístico. E é assim que a Pesquisa
Baseada em Arte contribui para o conhecimento. (OLIVEIRA, In:
HERNANDÈZ; FENDLER, 2013, p.96).
Pensando nos termos que temos adotado neste trabalho, para Oliveira PA seria
aquela pesquisa voltada para a arte, enquanto que a PBA seria a pesquisa sobre arte: “Eu
acredito que a Pesquisa Baseada em Arte e a Pesquisa em Arte talvez pudessem ser
consideradas dois tipos diferentes de pesquisas no campo das artes.” (OLIVEIRA, 2013, p.
96). Ela exemplifica essa distinção em seu próprio trabalho ao analisar o gesto na
performance artística da cantora Teresa Stratas, buscando compreender como o processo
de criação da cantora, percebido através dos ensaios, afeta sua performance final. Para
isso a autora analisou um vídeo de ensaio e um vídeo da apresentação final da
performance de Stratas para a ópera La Bohème de Giacomo Puccini, onde pode notar
que a interpretação vocal da cantora é amparada por um caráter teatral marcante e que,
portanto, a comunicação gestual é um importante fator a ser levado em consideração tanto
no momento de criação quanto na apresentação final da performance. Na interpretação de
Oliveira, a pesquisa da cantora seria então uma PA pois compreende o processo de
preparação e ensaio para a construção de uma obra de arte (no caso a performance
musical). Já a sua própria pesquisa (a de Oliveira) seria uma PBA por tomar uma produção
128
artística como ponto de partida para uma análise e transformar esse processo criativo em
um conhecimento organizado sistematicamente para um público mais amplo. É nesse
sentido, então, que a autora considera o seu trabalho uma Pesquisa Baseada em Arte
baseada em uma Pesquisa em Arte. Se partirmos da concepção de que toda a pesquisa
que se desenvolve no campo da arte é Pesquisa em Arte, não haveria porque fazer
distinção terminológica entre os dois enfoques de pesquisa apontados por Oliveira, visto
que ambas seriam PA, porém conduzidas de maneiras diferentes e com objetivos
diferentes. Mas se tomarmos as definições que temos visto até aqui sobre PBA também
não poderíamos tomar a pesquisa de Oliveira como tal, visto que, ainda que se insira no
campo da arte, a pesquisa não traz em si própria processos de criação em relação ao tema
de análise. Além disso, nos termos adotados pelos pesquisadores espanhóis, a arte não
funciona em nenhum momento da pesquisa como metodologia, ela é sempre o objeto de
análise. A pesquisa de Oliveira parece, a meu ver, apontar para uma necessidade de
melhor definição conceitual das formas de pesquisa no campo da Arte.
Blind, artigo de Sánchez (2013), por sua vez, é uma pesquisa sobre arte mas que
envolve, também etapas de pesquisa para arte ─ evidenciando mais uma vez a imbricada
relação entre esses dois campos. Pensando nas categorias estabelecidas, a pesquisa de
Noemí Sanchez parece ser uma pesquisa sobre a arte, pois ela investiga um aspecto
conceitual na produção artística relacionado a forma como criamos e interpretamos
imagens: “Neste artigo vamos nos concentrar sobre a relação entre imagens e cegueira
para compreender ambos os conceitos e também para entender a percepção de quem não
pode ver.” (SÀNCHEZ, 2013, p.121). Sanchéz coordena uma pesquisa em que cegos
produzem suas próprias fotografias guiada pela hipótese de que pessoas cegas podem
criar suas próprias fotografias mesmo sem visão É claro que a hipótese não aborda a mera
possibilidade física do ato fotográfico, pois é óbvio que uma pessoa cega pode pressionar
um botão e tirar uma foto. Mas enfoca aquilo que de fato envolve a criação fotográfica, que
é escolher a imagem a ser fotografada a partir de um sentido atribuído por aquele que
fotografa. Assim, embora a pesquisa de Sanchéz envolva a criação artística, esse
processo não é vivido diretamente pela pesquisadora, mas pela comunidade cega que ela
pesquisa; uma pesquisa que é mais sobre a arte do que para a arte. Mas olhando de outra
perspectiva, podemos entender que o objeto da pesquisa de Sanchéz não é o trabalho
fotográfico realizado pela comunidade de cegos, mas sim, como colocado no Resumo do
trabalho, a relação entre imagens e cegueira. Nessa perspectiva, a pesquisa se utiliza da
129
fotografia como uma metodologia de investigação aliada a pesquisa bibliográfica,
colocando em cheque mais uma vez a hipótese de um lugar único para a arte dentro do
espectro da pesquisa. Se entendemos o objeto da pesquisa de Sanchez como sendo a
relação entre imagens e cegueira, fica claro então que a opção pelo uso da fotografia foi
uma escolha motivada pelo próprio objeto da pesquisa, como uma ferramenta adequada
para investigar essa relação proposta pela autora.
Por fim resta falar da pesquisa de Ruth Puente (2013), Septiembre. Essa pesquisa
se destaca das demais por ser a única a ter por objeto de pesquisa um tema que não é,
em si, próprio da arte: a questão da identidade. Tal tema não pressupõe de imediato uma
abordagem artística, pois pode ser analisado a partir dos referenciais de diferentes áreas
do conhecimento, sendo a mais comum, uma análise a partir da sociologia ou ciências
sociais. Puente, no entanto, busca uma maneira de encontrar um discurso sobre a
identidade na região basca de Rioja Alavessa a partir da arte, baseada na concepção de
que a arte desempenha um papel importante na expressão de identidade de um povo.
Nesse sentido então, a pesquisa Septiembre se encaixa no primeiro grupo, já que o
objetivo principal é buscar um esclarecimento conceitual sobre um tema que se liga a arte,
porém não só a ela. Em relação, ao tema da pesquisa, Septiembre é a que mais se
aproxima da ideia de fazer da arte uma metodologia de pesquisa que possa ser aplicada
também a outros campos de estudo das ciências humanas, pois, como veremos no item a
seguir, a pesquisa se configura primordialmente em uma pesquisa baseada em arte, visto
que a fotografia é a metodologia base da pesquisa. Assim, deixo para o próximo tópico a
análise mais detalhada dessa pesquisa quando poderemos observar mais a fundo como se
dá o uso de metodologias artísticas em uma pesquisa.
Encerro este tópico sobre os objetivos da pesquisa, certa de que as pesquisas no
campo da arte, sejam elas PA ou PBA, envolvem um quadro vastíssimo de possibilidades,
deixando claro que a pesquisa pode servir aos mais diversos objetivos. Os trabalhos aqui
analisados mais do que fornecer respostas, acabam por suscitar, a cada leitura, novas
perguntas e questionamentos sobre as distinções entre os tipos de pesquisa na área de
arte ao mesmo tempo em que confirmam as diversas possibilidades que se abrem a partir
do entendimento da arte como forma de pesquisa. Continuando ainda nesse caminho de
exploração e novas perguntas, resta ainda compreender melhor como as pesquisas se
desenvolvem de forma a alcançar os objetivos a que se propõem, isto é, que
procedimentos são adotados e qual o papel da arte nesses procedimentos.
130
Quanto à relação entre arte e metodologia
Este é, em minha opinião, um ponto essencial da análise pois é onde reside o
principal ponto distintivo entre PBA e demais formas de pesquisa em arte visto que,
conforme temos exposto até aqui, as pesquisas em arte tendem a colocar a arte como
objeto ou objetivo, mas nem sempre, ou pelo menos não prioritariamente, como
metodologia. Tal afirmação pode, à primeira vista, parecer estranha quando pensamos na
pesquisa que é feita para a arte, pois se o objetivo é criar uma obra de arte, é claro que a
metodologia para isso vai envolver o próprio ato de fazer arte. No entanto, não me parece
ser essa a abordagem comum seguida por autores como Eisner e Barone (2012), Roldán
Viadel (2012) conforme discutido no capítulo anterior.
Para falar sobre essa relação entre arte e metodologia, me baseio em Roldán e
Viadel (2011), de quem também vem o próprio uso do termo “metodologia” (metodologias
artísticas de pesquisa) em contraste com o termo “base” (Pesquisa Baseada em Arte)
proposto por Eisner e adotada no Brasil em Bedilson e Irwin (2013). É importante também
destacar que a PBA não se obriga a utilizar somente metodologias artísticas, mas pode
incluir diversas metodologias ─ tais como aquelas já bastante conhecidas advindas das
ciências sociais. Mas o que significa, mais precisamente, dizer que uma pesquisa tem a
arte como metodologia?
Em termos gerais a Metodologia nada mais é do que a ciência do método, isto é, o
estudo dos melhores meios para se atingir um resultado. De acordo com Roldán e Viadel
(2011), na Academia, os dois termos funcionam praticamente como sinônimos, sendo
predominante o uso do termo metodologia para se referir aos meios pelos quais uma
pesquisa é conduzida: “A metodologia é a ordem e o procedimento que se segue para
fazer e para levar a cabo uma tarefa [...]” (ROLDÁN; VIADEL, 2012, p.20). Porém a
metodologia não deve ser confundida com uma simples lista de procedimentos ou com o
cronograma da pesquisa. Ela é, de acordo com esses autores, a própria estrutura
conceitual da pesquisa:
Uma metodologia de pesquisa não é uma simples agenda de atividades
realizadas em um projeto, nem uma mera descrição cronológica das
sucessivas fases ou processos que têm sido desenvolvidos, mas trata-se de
uma estrutura conceitual que estabelece e justifica como serão formuladas
as perguntas e hipóteses de trabalho; que tipo de dados e observações
serão feitas e que tipo de ferramentas de investigação; que relações e
131
implicações serão mantidas com as pessoas envolvidas neste problema;
como são organizados, analisados e contrastados os dados obtidos e com
que instrumentos serão realizadas tais análises e comparações; e como e
com que validade serão tiradas as conclusões ou se obterão as respostas
para as perguntas originais. (ROLDÁN; VIADEL, 2012, p. 18)
Mais à frente, depois de comentar as diversas possibilidades metodológicas, os
autores afirmam ainda que “O decisivo em uma classificação de métodos de pesquisa é
como se destacam as decisões sobre como fazer as perguntas e as observações e como
se argumenta e justifica o interesse dos resultados.” (ROLDÁN; VIADEL, 2012, p.20) Parto,
então, desses três pontos para analisar como se dá a relação entre arte e metodologia nas
pesquisas aqui estudadas, buscando responder as seguintes perguntas:
1. Como fazer as perguntas: as perguntas já encaminham, por si mesmas, o
pesquisador para procedimentos de criação artística?
2. Como fazer as observações: O modo de se observar o objeto pressupõe formas
estéticas de olhar?
3. Como se argumenta e justifica a relevância dos resultados: Como o uso da arte
como metodologia influenciou os resultados da pesquisa?
Umas das pesquisas em que se vê claramente o uso da arte como metodologia é a
pesquisa Septiembre, de Ruth Puente (2013). Ainda no Resumo a autora deixa claro ao
leitor que as técnicas de pesquisa do seu projeto englobam quatro métodos: foto-ensaio,
foto-diálogo, detalhe significativo e instalação. Todos esses métodos são advindos da
Fotografia e, portanto, métodos advindos da arte. O objeto de pesquisa de Puente é o
discurso identitário em Rioja Alavesa formando a partir da enocultura (cultura do vinho) e
da paisagem natural do local. Para investigar e formar esse discurso, Puente se vale da
Fotografia, partindo da concepção de que o universo visual é um excelente conformador de
identidade. Assim, é no universo visual da região que Puente vai buscar os dados para a
sua pesquisa e a forma de fazer isso é, justamente, através da arte (Fotografia). A autora
classifica a sua pesquisa como Photography based research.
“[...] Essa relação com o meio ambiente e com seu contexto tem forjado
uma relação experiencial, um profundo conhecimento e pesquisa empírica.
Isso é possível, através do contato direto com a paisagem, a cultura e as
pessoas. Rioja Alavesa abriu-se diante de mim e foi se mostrando como um
espelho, permitindo-me absorver todas as suas analogias e símbolos. [...]
Assim, as técnicas deste projeto de pesquisa são definidas por quatro
métodos que vou descrever abaixo: o foto-ensaio, o diálogo fotográfico,
132
detalhes importantes, e finalmente a instalação e a sua narrativa.”
(PUENTE, 2013, p. 83)
A pergunta inicial da pesquisa não pedia, necessariamente, uma abordagem
metodológica que fosse artística, pois a princípio é possível estudar a identidade a partir de
diferentes métodos. Entretanto, no momento que a autora escolhe a fotografia como o
modo de observação adotado na pesquisa para abordar seu tema, começa a se entrever a
possibilidade de uma pesquisa baseada em arte. Assim, em Septiembre o modo como
proceder com a observação pressupõe, sem dúvida alguma, uma abordagem artística e
desse modo, o fazer artístico se transforma em método de pesquisa: “Ela [a fotografia]
fornece um método para definir e classificar os diferentes componentes que descrevem o
contexto e conceitos em um tempo e espaço específicos.” (PUENTE, 2013, p.84)
A autora afirma que os dados utilizados na pesquisa como base de análise não
estavam dados, mas foram na verdade criados a partir da Fotografia. Eu usei conceitos
visuais como uma de suas principais estratégias, uma vez que Pesquisa Baseada em
Artes Visuais nos lembra que os dados 'não são encontrados' como 'é construído'.”
(PUENTE, 2013, p.84). É justamente porque a fotografia se torna o meio de construção
dos dados da pesquisa que ela é a metodologia de base do trabalho de Ruth Puente. As
quatro técnicas fotográficas que a autora menciona como métodos da sua pesquisa são os
meios pelos quais ela cria os dados que irão lhe fornecer um objeto de análise.
O método foto-diálogo é uma forma de realizar entrevistas não verbais com os
sujeitos envolvidos em uma pesquisa. Cada fotografia em um foto-diálogo representa uma
pergunta e/ou uma resposta e portanto as fotos se ligam umas às outras como partes de
uma conversa. Em sua pesquisa (2013, p.85), Puente se valeu deste método para colher
informações sobre como alguns dos habitantes locais viam a região: “Tentei fazer um
diálogo visual onde aspectos específicos da região e de diferença de identidades seriam
refletidos nas imagens, com prejuízo ou, ao contrário, as tradições e aspectos culturais”.
Puente coloca em seu trabalho um exemplo dos diálogos visuais conduzidos durante sua
pesquisa. Não há, por parte da autora, um detalhamento maior sobre como exatamente os
foto-diálogos contribuíram em sua pesquisa. Analisando a imagem abaixo, porém,
observamos a variedade de respostas a uma mesma “imagem-pergunta”, uma prova visual
das subjetividades e diversidade de interpretações que uma fotografia pode provocar,
gerando assim dados diversos ao pesquisador que dela se utiliza. De acordo com Roldán e
Viadel (2012, p.166)
133
Perguntar, responder e dialogar com imagens visuais são operações que se
sustentam em processos de comunicação tão complexos e ricos, tão
ambíguos ou definitórios, tão sugestivos ou tão absurdos, tão pessoais e tão
socialmente condicionados, como em qualquer outra forma de
comunicação, incluindo, certamente, a linguagem verbal.
Figura 255. Foto-diálogos. Imagem retirada do trabalho de Ruth Marañón Puente (2013).
Essa complexidade e diversidade da comunicação da qual falam Roldán e Viadel,
se percebe na explicação de Puente (2013, p.85) acerca dos resultados obtidos em sua
pesquisa a partir desse método:
Portanto, a partir dos Foto-Diálogos (FD daqui em diante) eu extraí ideias
que esclareceram a minha percepção do contexto de Rioja Alavesa. FD são
realmente interessantes porque a partir de uma mesma imagem inicial
surgem numerosas e variadas respostas. Algumas são semelhantes, mas,
ao mesmo tempo, elas possuem relatos completamente diferentes que
trazem singularidade para cada argumento.
Além disso, cada pessoa traz a sua própria pequena visão da região,
enquadrada dentro de uma fotografia e, geralmente, sem questões políticas.
Portanto, elas têm feito alusão aos aspectos mais relevantes desta zona:
paisagens, objetos, pessoas ou sociedade, mas sempre a partir de uma
nova perspectiva (mesmo para si mesmas), graças à imagem fotográfica,
como eles fizeram-me conhecer.
Nota-se então que essa metodologia forneceu importantes dados para a pesquisa
134
pois trouxe à tona aspectos relevantes a serem considerados durante a investigação sobre
o discurso identitário em Rioja Alavesa que não só os discursos de verve política que
afloram na região em virtude de sua proximidade com o País Basco.
O método do foto-ensaio também foi importante nesse processo por explorar as
possibilidades narrativas e demonstrativas das imagens feitas durante o processo de
investigação. De acordo com a autora, as fotos feitas para o foto-ensaio são fotografias
das paisagens de Rioja Alavesa, pois esse tema visual (paisagens) é capaz de montar o
cenário no qual sua pesquisa se insere: “A razão para a ênfase no contexto natural é
porque através de suas diferentes nuances, várias mudanças, detalhes e formas; ele
estabelece a cena, as características do povo, suas tradições e construções culturais.”
(PUENTE, 2013, p.86). Se observarmos, então, a imagem abaixo notamos que através da
fotografia a autora coloca a cultura do vinho como cenário ou contexto visual de sua
pesquisa. A fotografia da plantação quando colocada em destaque, graças a seu maior
tamanho em relação à fotografia do cacho de uva, estabelece visualmente uma noção de
maior amplitude fazendo convergir o pensamento para uma generalização visual em
relação ao território de Rioja Alavesa. A folha e o cacho de uva na fotografia menor,
informam também visualmente que aquela grande plantação é uma plantação de uvas, e
que todo aquele verde é uma coleção dessas várias pequenas folhas.
Figura 266. Ruth Marañón. Terra do vinho, 2012. FotoEnsaio.
Em relação ao método do Detalhes significativo, a autora o utiliza como uma das
bases que justificam o foco dado à paisagem como meio de construção de um discurso
sobre identidade na região de Rioja Alavesa; fazer a leitura artística de uma paisagem
135
significa colher dela os aspectos mais importantes, daí então porque o detalhe enquadrado
através de uma fotografia se torna importante em um processo de investigação:
Colocar detalhes significativos no contexto de uma história é dar sentido a
esse significado. A primeira tarefa é identificar características significativas,
em seguida, encontrar o padrão a que pertencem e descobrir uma narrativa
que explica as conexões entre elas. Reconhecer um padrão em um lugar é
procurá-lo em outros, procurar por histórias semelhantes e, talvez,
desenvolver e testar uma teoria. (PUENTE, 2013, p. 89)
A imagem seguinte é apresentada por Puente como exemplo de uma imagem em
que se destaca o aspecto do Detalhe significativo. Na imagem, certamente se nota o
destaque de um detalhe, um punhado de verde em um enorme campo de plantação.
Entretanto, não nos é dado no texto o que há, segundo a autora, de significativo neste
detalhe.
Figura 277. Ruth Marañón. Iekora, 2012. Detalhe significativo.
O método da Instalação, por sua vez, está relacionando a própria conclusão da
pesquisa, pois comunica ao público os resultados obtidos durante a investigação; “a
136
conclusão na forma de uma instalação artística” (PUENTE, 2013, p.89). Nessa instalação a
autora buscou expressar de forma metafórica diversos aspectos que compõem a
identidade em Rioja Alavesa. Os galhos alocados em uma rede suspensa representavam
as tradições culturais da região além de ressaltar a importância da agricultura, em especial
o cultivo das vinhas, para a formação da identidade local. A rede que sustentava os galhos
no ar simbolizava, por sua vez, a intangibilidade dos símbolos, ideias e conceitos que
definem a identidade cultural de um lugar: “Os ramos representavam todos os conceitos
que influenciam Rioja Alavesa mas não podem ser exatamente definidos, ainda, como
identidade; porque a identidade é tão diversa como os ramos que estão interligados na
rede.” (PUENTE, 2013, p.90). Já as pedras no centro da Instalação e os próprios pilares
que seguravam a rede suspensa com os troncos, representavam os aspectos tangíveis,
físicos, “reais” formadores da identidade como pessoas e instituições:
Portanto, poderíamos dizer que no chão estavam representados materiais
físicos tangíveis com os seus próprios atributos e características, bem como
pessoas de pensamento reflexivo; enquanto que na parte superior, em outro
estado, estavam as ideias metafísicas e conceitos intangíveis. Estes têm
uma grande importância epistemológica no contexto basco de Rioja
Alavesa. (PUENTE, 2013, p. 90)
Na imagem a seguir observa-se como estes conceitos e símbolos se materializam e,
Septiembre.
137
Figura 288. Ruth Marañón. Septiembre, 2012. Instalação.
Todos esses conceitos articulados de forma metafórica na Instalação transformaram
Septiembre em uma experiência participativa para aqueles envolvidos nesse processo,
espectadores e pesquisadores, de forma que a conclusão da pesquisa é menos uma
informação que é dada pronta ao público do que um conceito construído em conjunto
através da experiência proporcionada pela Instalação.
Por esta razão, o público desempenhou um papel fundamental na sala de
exposição, que é característica da Instalação [...]. O espectador torna-se um
leitor que absorve as características estéticas. Isto permite-lhe manter uma
reflexão crítica sobre o que percebeu. Desse modo, permitindo uma
perspectiva pedagógica e um contato com a obra. Portanto, a percepção
estética e/ou artística se torna uma forma cognitiva. (PUENTE, 2013, p.89)
O que fica claro em Septiembre é que a arte foi não somente o principal método
condutor da pesquisa como também a forma escolhida para comunicar os resultados. A
conclusão da pesquisa ao não se propor como uma conclusão de fato ─ pois deixa espaço
para diferentes interpretações e não dá uma definição pronta sobre o que é a identidade
em Rioja Alavesa.
Por fim, é válido encerrar a análise de Septimebre com a conclusão de Ruth Puente
138
(2013, p.91) sobre sua pesquisa:
Em busca de uma definição de identidade, esta pesquisa é resumida e
exposta ao público de uma maneira artística, ou melhor ainda, com a
criação de uma obra artística conclusiva (o showroom que mencionei). Ela
pode ser qualificada como uma consideração artística e uma tentativa de
apreender a nova realidade sócio cultural em Rioja Alavesa, a partir da
perspectiva de uma pesquisa baseada arte; que tem usado a fotografia
como um método para definir e classificar os diferentes componentes que
descrevem o contexto em um tempo e espaço específico.
O que se vê, então, a partir da conclusão tirada por Puente é que sua pesquisa
pode ser considerada PBA pois ela se utiliza da fotografia (uma linguagem da arte) como
método que define e classifica os conceitos envolvidos no trabalho, é através da arte que a
pesquisadora sai em busca de uma definição de identidade e é também através da arte
que essa definição é colocada ao público.
As demais pesquisas do grupo não fazem um uso tão explícito da arte como
metodologia, pois como vimos no ponto anterior nesses trabalhos a arte está,
principalmente, colocada no objeto e objetivo da pesquisa. Entretanto vale ressaltar alguns
aspectos interessantes no que diz respeito à metodologia seguida em cada uma dessas
pesquisas.
A pesquisa de Melissa Caminha, Clown, não coloca perguntas a serem respondidas
em sua pesquisa, na verdade ela já parte de um pressuposto: o de que as mulheres clown
estão à margem da história oficial da arte e das mulheres artistas, o que, por sua vez, a
conduz a refletir sobre as questões de gênero relacionadas a esse fato. De acordo com
Caminha, foi a percepção de sua ignorância (e não só dela, da sociedade em geral) a
respeito do papel das mulheres em diversas práticas sociais que despertou nela o desejo
de produzir as performances artísticas. Portanto, em relação ao nosso primeiro ponto de
análise, o que se nota é que não ouve uma pergunta que, por si mesma, encaminhou a
pesquisadora ao desenvolvimento de uma criação artística como uma metodologia dentro
do seu trabalho. O que acontece é que a percepção de um fato da realidade impele uma
artista a criar arte. Não é o modo como se faz a pergunta que encaminha para a arte, mas
sim o fato de a própria pesquisadora ser uma artista. Retomo a declaração de Caminha:
“Quando eu comecei a atuar como clown, eu era uma clown. Depois que entrei na
dimensão da pesquisa e investigação das práticas artísticas, eu me tornei uma clown
pesquisadora. E quando me vi diante da arte e teoria (pós) feminista eu me tornei uma
139
clown pesquisadora (pós)feminista.” (CAMINHA, 2013, p.75)
Em relação ao segundo ponto, como fazer as observações, não há no texto
apresentado na Conferência esclarecimento mais preciso sobre o modo como as
observações foram feitas. A autora menciona diversas formas de abordagem ao tema:
entrevistas, trabalho etnográfico, pesquisa bibliográfica e as performances artísticas,
porém não entra em detalhes sobre a condução desses procedimentos. Em relação às
performances, foco do trabalho apresentado na Conferência, a autora se ocupa em
mostrar ao leitor as motivações que a levaram à criação das performance bem como
explicitar os objetivos almejados, mas não há algo que nos permita concluir com mais
precisão a relação das performances com a pesquisa desenvolvida no Doutorado em
termos de criação de dados para análise. Isso fica evidente no encerramento do texto
quando a autora se despede deixando ao leitor algumas das perguntas levantadas durante
a Conferência sobre o seu trabalho:
O que essas peças têm a ver com história e genealogias?
Será que elas informam questões relacionadas com cartografias de clown
femininos e genealogias? Se sim, de que maneira? Se não, quais as
estratégias que eu deveria seguir para ser capaz de fazer isso?
Será que elas se engajam em uma narrativa genealógica que promove a
diversidade e impulsiona a interdisciplinaridade?
Será que elas servem para a crítica social e transformação política?
Será que elas têm boa qualidade estética? Como essa qualidade afeta o
objetivo da pesquisa?
Será que elas convidam o público a participar de conversas sobre mulheresriso-sexo-sexualidade-história-visibilidade?
Como devo administrar a complexidade de dados que estou recebendo de
uma variedade tão grande de fontes: teorias feministas e queer, clown
feminino, experiência pessoal, várias respostas para diferentes mídias:
papers, performance e fotos?
Quais características dessas peças podem ser consideradas pesquisa em
arte? O que pode ser considerado pesquisa baseada em arte? Existe
alguma diferença entre essas duas formas de pesquisa? (CAMINHA, In:
HERNANDÉZ; FENDLER, 2013, p. 78)
As duas primeiras perguntas levantadas mostram que ainda é necessário refletir
mais sobre a relação entre as performances e os temas da pesquisa de Caminha.
140
Sabemos que a relação existe na medida em que foram motivadas pela pesquisa, mas se
da pesquisa abre-se caminho para a performance, como se dá o retorno da performance
para a pesquisa? Caminha afirma (2013, p. 77): “As performances promovendo a
pesquisa, e a pesquisa promovendo as performances. Teoria informa a prática, e a prática
informa a teoria, em um processo criativo contínuo que visa transformar realidades [...] As
performances com um propósito social, político e pedagógico muito claro.”
Ao final do texto, a autora inclui alguns tópicos que mostram ao leitor essa
articulação entre arte e pesquisa, mas sendo apenas tópicos, não se tem dados mais
concretos para saber se de fato os resultados alcançados foram aqueles esperados e
portanto analisar com mais propriedade a sua relevância. De todo modo, vale a pena
sintetizar alguns tópicos elencados por Caminha (2013, p. 77) sobre a performance:
como oportunidade para promover o diálogo e fomentar a investigação
sobre gênero e sexualidade relacionada ao riso, à comicidade e à paródia,
gerando múltiplos significados.
como laboratórios que funcionam oferecendo novas percepções e novos
dados que podem informar minhas questões de pesquisa e design e feed
backs de uma diversidade de públicos.
como ferramenta, como uma experiência de conscientização (história de
vida), uma ferramenta performativa que trabalha subvertendo antigas
ignorâncias, medos e preconceitos.
como uma experiência física e emocional nas possibilidades imaginativas
de amplificar o amor, carinho e desejos.
como uma das possíveis representações da narrativa cartográfica e
genealógica sobre clowns femininos e desempenho cômico femininos que
experimenta formas criativas que podem melhorar e convidar o público para
o pensamento crítico.
como deslocamento da pesquisa para além dos muros da Universidade, da
comunidade acadêmica e dos guetos artísticos.
O que de fato salta aos olhos diante dos resultados apresentados por Caminha em
relação a sua pesquisa, é que o uso da arte é capaz de promover um alargamento e
aprofundamento da pesquisa. É muito provável que as performances produzidas pela
pesquisadora despertaram no público receptor da sua pesquisa/performance a percepção
do particular e a capacidade de sugestão mencionadas por Eisner e Barone (2012). Mais
do que afirmar denotativamente a presença das questões de gênero no mundo clown
feminino e fazer declarações, a autora sugere interpretações e percepções, e trazendo ao
141
palco sua personagem, Lavandinha, permite a visão do todo através do particular.
A pesquisa de Deborah Oliveira, Gesture-Stratas, não traz como resultado ou como
metodologia a criação artística. Sua comunicação na Conferência tem por objetivo
responder a duas perguntas diferentes: 1. Quais as implicações da postura corporal na
performance artística da cantora de ópera Teresa Stratas? 2. Qual é a diferença entre PA e
PBA? A partir dessas perguntas, a autora desenvolve uma análise de conceitos que tem a
arte como objeto e não como metodologia ou objetivo conforme já discutido anteriormente.
É interessante notar que a primeira pergunta poderia encaminhar a pesquisadora a um
processo de criação artística, pois caso Oliveira fosse também uma cantora (essa
informação não é fornecida no texto), ela poderia fazer a análise das implicações da
postura corporal em sua própria performance. Embora, nesse caso, estaríamos mais
próximos à PA do que à PBA. Não foi esse, no entanto, o caminho escolhido pela autora.
Em relação ao modo de observar o objeto, pode-se afirmar que ele pressupõe, sim, formas
artísticas de olhar, pois como responder à primeira pergunta sem um olhar atento às
qualidades estéticas da performance? Diz Oliveira (2013, p. 98): “[…] o processo de
observar e analisar passo a passo um momento de criação, e então escrever sobre ele na
tentativa de explicá-lo, talvez torne o entendimento sobre uma obra de arte — e/ou sua
construção — acessível a muitas pessoas.”
Assim como na pesquisa de Caminha, o texto não discorre detalhadamente sobre o
modo como se fez a observações, mas o faz passo-a-passo e foca nas conclusões tiradas
a partir delas, nas respostas. Quanto ao terceiro ponto, em relação aos resultados, como
não houve na pesquisa o uso da arte como metodologia, não há argumentação sobre a
relevância dos resultados nesses termos. O resultado é relevante por estabelecer
diferenças conceituais e identificar um posicionamento teórico, mas não é apresentado de
forma artística.
O trabalho apresentado por Ana Ibáñez, Artist’s book, é um trabalho “fora da curva”
como se disse anteriormente. Não se trata de uma pesquisa de mestrado ou doutorado,
mas do estudo de um objeto de arte e de procedimentos de criação dentro de um curso de
graduação em Belas Artes. Nesse caso, a arte é uma metodologia porque se está
aprendendo a fazer arte e como é sabido; só se aprende a fazer, fazendo. Portanto,
metodologia nesse trabalho é compreendida de forma diferente dos demais, pois aqui não
há opção por um método artístico de pesquisa, o próprio contexto em que se desenvolve o
trabalho já exige uma abordagem artística ao objeto. Note-se também que não há um
142
problema de pesquisa, a não ser o problema colocado pela disciplina, o de conhecer
melhor o que é um livro de artista e como produzi-lo. Nesse sentido ─ e também porque o
contexto onde se desenvolve o trabalho é muito determinante ─ é esperado que a
pergunta ou o problema lançado seja “respondido” com a criação de um objeto artístico,
nesse caso um livro de artista. Assim tanto o modo de observação como a conclusão sobre
os resultados adquirem uma nova configuração nesse trabalho, pois não é uma pesquisa
no mesmo sentido que as demais, visto que se trata do desenvolvimento de uma disciplina
de graduação e portanto o resultado esperado não é a comunicação de uma pesquisa mas
a aprendizagem de um procedimento de criação por parte dos alunos.
A pesquisa Density de Shari Simpson de Almeida, mostra como a utilização de uma
metodologia artística, no caso a criação de um vídeo pode trazer resultados interessantes
à pesquisa. A pergunta principal apresentada no texto de Almeida é como outros flautistas
─ na verdade três flautistas selecionados pela autora ─ interpretam a peça de Edgard
Varèse, Density 21.5. Para responder a essa pergunta, a autora realizou entrevistas com
esses três flautistas a fim de recolher suas impressões e interpretações sobre a peça
musical. É interessante notar, no entanto, que a pergunta lançada por Almeida traz a
possibilidade de ser respondida a partir de um processo de criação artística, sendo o mais
óbvio deles a execução da interpretação de cada entrevistado em uma performance
própria da peça Dentisy 21.5. Entretanto não foi esse o caminho seguido pela
pesquisadora a qual, no momento dessa pesquisa apresentada na Conferência, coleta
informações para a criação de sua própria performance ao final de sua pesquisa de
Doutorado. Embora a entrevista tenha sido o método escolhido para buscar a resposta
para sua pergunta, uma das formas para fazer a análise dos dados obtidos foi a criação de
uma performance multimídia a partir das entrevistas “Para a performance multimídia o
objetivo foi explorar as informações coletadas durante as entrevistas, tentando demonstrar
parte das reflexões interpretativas dos flautistas envolvidos” (ALMEIDA, p.116). Daí se nota
que em relação ao modo de observação, há também um modo de observar o objeto (a
interpretação dos flautistas sobre Density 21.5) que é artístico.
O vídeo desenvolvido por um cinegrafista brasileiro, Celio Dutra, é uma coreografia
de fumaça em um fundo preto que se desenvolve a partir do áudio da peça gravado em
uma performance de Shari Almeida. Entretanto, como não seria possível realizar a
performance musical da peça no dia da apresentação de Shari na Conferência, o vídeo
teria que ser apresentado sem a música. Isto, por sua vez, inspirou a ideia de “enxergar a
143
música” abrindo à pesquisadora um novo caminho em sua pesquisa, a saber, a
investigação sobre a influência de elementos extra musicais na performance. Nesse
sentido, ao apresentar seu trabalho na Conferência, Almeida transforma sua apresentação
em uma performance, somando ao vídeo outros elementos extra musicais: frases do
compositor Edgard Varèse embaladas a som de um metrônomo marcando o mesmo tempo
da peça, um quarto igual a 72 e um quarto igual a 60. “A ideia era verificar se o público iria
gostar da performance e achar interessante o uso de outros elementos além da música, o
objetivo era verificar se esses elementos seriam também uma boa maneira de se
comunicar com o público e investigar se eles poderiam trazer conhecimento extra para a
performance.” (ALMEIDA, 2013, p.118) Ao transformar sua apresentação na Conferência
em uma performance, Almeida faz uso portanto de uma metodologia artística para explorar
aspectos de sua pesquisa.
A conclusão sobre a relevância dos resultados fica em aberto, pois como afirma a
autora (2013, p.119): usar uma performance como uma ferramenta para tecer conclusões
sobre a pesquisa é algo novo e que merece ainda mais discussão.
Ao apresentar a performance multimídia criada para Density 21.5 na 1ª
Conferência em Pesquisa Baseada em Arte e Pesquisa em Arte, o objetivo
foi estimular um debate sobre a representação dos resultados de pesquisa
em uma performance. Coletar dados em pesquisas bibliográficas e
entrevistas é um processo de investigação comum, mas utilizar a
performance como uma ferramenta para evidenciar elementos conclusivos
da pesquisa não é tão comum e isso faz com que seja necessário discutir
sobre como explorar esta técnica e se essa ideia é válida.
Por fim, resta analisar presença da metodologia na pesquisa de Noemí Sanchez,
Blind. Sanchez afirma que a pesquisa foca na relação entre imagens e cegueira, buscando
compreender esses dois conceitos e também entender como funciona a percepção
daquelas pessoas que não conseguem enxergar. Sanchez não nos apresenta uma
pergunta, mas uma hipótese: a de que cegos podem criar suas fotografias mesmo sem a
visão. Para confirmar sua hipótese a autora segue dois caminhos, o primeiro, uma busca
bibliográfica e o segundo, um workshop de fotografia realizado com algumas pessoas
cegas. Portanto se vê que a arte, no caso a fotografia, é parte da metodologia de pesquisa
no trabalho de Sanchéz, o que a leva a considerar seu trabalho uma PBA:
No campo da Educação Artística, a Pesquisa Baseada em Arte abre a
possibilidade de utilizar diferentes estratégias metodológicas que nos
permitem mergulhar no imaginário das pessoas cegas. Deixe-me refletir
144
sobre o processo que temos seguido nesta proposta experimental. Ele nos
permite avançar e conhecer em profundidade os tópicos que estamos
tecendo em nossa pesquisa e nos dá a plena consciência sobre a
importância de escolher as ferramentas certas para alcançar nossos
objetivos. (SÁNCHEZ, 2013, p.122)
Para Sanchéz a possibilidade de explorar estratégias metodológicas diferentes, ou
ferramentas diferentes como ela coloca, é importante pois lhe permite através da fotografia
mergulhar no imaginário das pessoas cegas. Mas como isso acontece? Acontece no
momento em que os cegos conseguem produzir suas próprias fotografias, mas não apenas
apertar o botão da máquina fotográfica, mas escolher o que será fotografado e explicar
sobre suas próprias fotografias mostrando ao público as intenções e interpretações por trás
de cada fotografia, nesse sentido conseguem de fato mobilizar uma espécie de
conhecimento imagético. Assim, em relação a forma como é feita a observação, percebese que na pesquisa de Sanchez a observação do resultado artístico é essencial pois é
através das fotografias criadas que a autora conseguirá validar sua hipótese sobre a
relação entre imagem e cegueira. Nesse sentido, se justifica a necessidade do uso da arte
como metodologia visto que o uso da fotografia como a ferramenta de pesquisa apropriada
ao tema é essencial para que a pesquisadora consiga explorar com mais profundidade a
sua hipótese.
Ao terminar este tópico vale ressaltar que a análise aqui feita tomou por base os
textos apresentados na Conferência somente e não a pesquisa completa dos autores ─
daquelas que eram também parte de uma pesquisa de Doutorado. Portanto o que se
avaliou em relação ao modo como a arte é desenvolvida nesses trabalhos teve por base
somente aquilo afirmado pelos autores durante a Conferência e acessível por meio de
seus respectivos textos publicados nos Anais do evento.
É interessante notar que, à exceção de Septiembre, os trabalhos não dão ênfase
aos desdobramentos metodológicos da pesquisa, evidenciando assim que nem todos
parecem perceber o uso da arte como metodologia como uma característica distintiva da
PBA. Aliás, a diversidade das pesquisas e seus objetos, objetivos e métodos mostra o
quanto é complexo esse campo da pesquisa em arte ou baseada em arte em que se
misturam diversas facetas da pesquisa cada uma abrindo novos questionamentos e por
vezes colocando em xeque conceitos de pesquisa já estabelecidos.
Para resumir o que foi visto neste tópico, quanto à relação entre arte e metodologia,
apresento o quadro a seguir.
145
Análise das pesquisas quando à relação entre arte e metodologia
Como fazer
as perguntas?
Como fazer
as observações?
Como se
argumenta e
justifica a
relevância dos
resultados?
Septiembre
A pergunta sobre a
As observações são
O resultado obtido a
questão da
feitas a partir de
partir de uma
identidade em Rioja
métodos da
metodologia artística
Alavesa é abordada
Pesquisa baseada
de pesquisa permite
através do uso da
em Fotografia.
uma “conclusão
fotografia.
inconclusa” que
sugere aspectos da
identidade em Rioja
Alavesa mas deixa
espaço também
para a intepretação
do leitor da
pesquisa.
Clown
Stratas
A performance
Não há no texto
Espera-se que o
artística é motivada
indícios claros de
resultado das
por constatações e
como as
performances
não por perguntas.
performances
artísticas seja o
As performances se
artísticas tenham
engajamento do
concentram em
funcionado como
público com as
comunicar conceitos
um modo de
questões que a
e não tanto em
observar o objeto e
autora desenvolve
responder
sim uma forma de
em seu trabalho.
perguntas.
comunicar o objeto.
Perguntas
Observação teórica
O resultado é
conceituais que
e análise de
relevante por
levam a uma
performances
estabelecer
146
abordagem
artísticas.
conceitual.
diferenças
conceituais e
identificar um
posicionamento
teórico.
Artist’s Book Pergunta sobre um
Observações
Foco na
objeto de arte e seu
externas (análise do
aprendizagem de
método de criação.
objeto criado ou
um procedimento de
outro) e
criação artística.
observações interna
(análise do próprio
trabalho produzido).
Density
A pergunta sobre a
Observações feitas
Criação de uma
interpretação da
a partir da
performance em
peça para a flauta
realização de
vídeo gerou novos
Density 21.5 abre a
entrevistas, as quais
dados e abriu
possibilidade de
levaram à criação
espaço para a
criação artística,
de uma performance inserção de mais um
mas a pesquisadora
em vídeo reunindo o
opta por responde-la resultado das
Blind
ponto de análise na
pesquisa.
com entrevistas.
observações
Pergunta sobre a
As observações têm
O fato de que os
relação entre
início em consultas
participantes
imagem e cegueira,
bibliográficas e
tenham conseguido
geradora da
depois são feitas a
criar suas
hipótese de que
partir da análise da
fotografias e
cegos podem
participação de
comentar sobre ela
também criar suas
cegos em um
comprova a validade
próprias fotografias
workshop de
da hipótese bem
mesmo sem o uso
fotografia.
como do método
da visão.
utilizado para testála.
147
Tabela 2. Tabela sintética sobre as seis pesquisas analisadas no que concerne à metodologia
usada na pesquisa.
Ao analisar esses textos apresentados nos Anais da Conferência, o que mais
chamou minha atenção foi perceber como pesquisas tão diversas clamam para si os
mesmos títulos: PA ou PBA. Embora nem todas coloquem explicitamente sua “filiação”
metodológica, o fato de serem trabalhos inscritos em uma Conferência que trate desses
dois tipos de pesquisa, já nos informa a categoria de pesquisa na qual os autores inserem
seus próprios trabalhos. De todo modo, a distinção entre PA e PBA não parece ser um
tópico essencial nos trabalhos aqui estudados, pois à exceção de Oliveira, em TeresaStratas, nenhum pesquisador se ocupou com afinco em buscar esclarecer se o seu
trabalho deveria ser considerado como PBA e não PA e vice e versa e quais as diferenças
entre essas duas abordagens. O mais importante foi mostrar como a arte foi usada na
pesquisa e, como vimos, os usos foram diversos. A arte ocupou, em cada pesquisa,
lugares distintos dentro da estrutura de um trabalho pesquisa.
Os trabalhos aqui analisados mostram que essa distinção entre PA e PBA e mesmo
a definição de PBA, buscada nesta dissertação, é algo complexo a envolver diversas
variáveis. Restam portanto perguntas ainda a serem explorada: É possível que a arte seja
tanto metodologia como objetivo, como no caso da pesquisa Artist’s Book; nesse caso será
que tipo de pesquisa? Pode acontecer também que o pesquisador não utilize a arte como
metodologia de uma forma sistemática, mas por ser, além de pesquisador, um artista,
inevitavelmente transformará parte de sua pesquisa em arte e parte de sua arte em
pesquisa, como vimos acontecer no trabalho de Melissa Caminha; nesse caso que tipo de
pesquisa temos? Será tão fácil distinguir entre o que é objeto, objetivo e método mesmo
em uma pesquisa que não envolva arte em nenhum desses aspectos? Será que existe
uma forma única de responder a uma pergunta com a arte? E mais, será que a arte deve
sempre transparecer na pesquisa?
Enfim, encerro esta análise ainda com algumas perguntas sobre o que é, de fato a
PBA. Entretanto o que fica claro é que ainda que a busca pela definição conceitual ainda
seja um ponto importante ─ e em que área não se está sempre a buscar definições? ─
Pesquisas Baseadas em Arte estão sendo feitas e estão produzindo resultados
interessantes. O fato dessa Conferência já se preparar para a sua 3ª edição no ano de
2015, mostra que o debate e a busca pela melhor maneira de se trabalhar com a PBA
continua a interessar pesquisadores. Para essa 3ª edição da Conferência o que é proposto
148
aos participantes é que os trabalhos e discussões se movam do tema da legitimidade da
PBA como forma de pesquisa para se engajar com o que já está sendo feito e exemplos
concretos do que essa abordagem à pesquisa em arte tem produzido. Acredito que este é
um importante passo na divulgação e popularização da PBA na Academia.
149
150
Considerações Finais
151
Encerro este trabalho com a impressão de que ele não poderia ainda ser encerrado.
A cada releitura há sempre um vislumbre de que mais poderia ser feito; outros pontos
poderiam ser debatidos, tópicos e até mesmo capítulos inteiros poderiam ser
acrescentados, novos livros deveriam ser consultados e quem sabe o título e o objetivo do
trabalho inteiro poderiam ser alterados. Mas quando percebo que se torna forte o impulso
de começar de novo, quando começo a visualizar um trabalho completamente novo é
porque, de fato, o trabalho atual terminou. Só é possível pensarmos em mudar, refazer,
reeditar quando algo de fato existe para ser mudado, refeito e reeditado. Acho, então, que
este trabalho existe, o que não existe é o ponto final, este nós colocamos porque é preciso
dar à pesquisa uma certidão de nascimento para que ela possa existir e cumprir sua
função: ser lida, pensada, repensada e alterada.
Diante disso, posso compartilhar perguntas que ainda causam inquietação em
relação ao que foi discutido neste trabalho. A primeira delas continua a ser o que é
pesquisa baseada em arte?, pois à medida que encontro novos trabalhos e novas
discussões sobre esse conceito percebo que PBA é um termo que abarca uma diversidade
grande de pesquisas. Diante disso me pergunto também se esse seria o melhor termo para
traduzir o que se tem feito nessa área: será que uma pesquisa pode ser baseada só em
arte? Em todas as pesquisas e trabalhos apresentados aqui, o que observamos é que
aliado ao uso da arte os trabalhos também se utilizam de outros métodos tradicionais de
pesquisa qualitativa. O que me parece é que a arte se torna mais uma das metodologias
empregadas pelo pesquisador em busca de explorar aspectos diversos do seu objeto de
estudo, aspectos esses que muitas vezes só a arte consegue alcançar. Nesse sentido, me
parece portanto mais apropriado o termo metodologias artísticas de pesquisa que vem sido
utilizado na Espanha a partir do trabalho de Ricardo Márin Viadel, Joaquin Roldán,
Fernando Hernandéz entre outros.
Assim, o que se vê é que a PBA levanta importantes questões que caminham junto
ao pesquisador: O que é arte? Arte é linguagem, processo ou produto? Qualquer um pode
fazer arte? O processo de criação artística leva, necessariamente, a uma obra de arte de
fato? Essas questões se tornam essenciais no momento de levar a cabo uma Pesquisa
baseda em arte e estabelecer parâmetros de eficácia e validade para esse processo.
Igualmente importante é pensar sobre o que é a estética e em que medida essa qualidade
se torna essencial em uma PBA.
152
Diante dessas questões, não sinto que depois dessa pesquisa seja possível, para
mim, ser capaz de criar listas com o que é e o que não é PBA, ou o que é boa e má
pesquisa. O objetivo, aliás, nunca foi esse mas sim, dar um primeiro passo rumo a um
caminho que me mostrasse como expandir as fronteiras da arte dentro dos ambientes
formais de educação, seja a escola, seja a Academia. Assim, creio que meu maior ganho
com esta pesquisa foi perceber com mais precisão e clareza o potencial da arte como
forma de conhecimento e, sendo mais específica, como forma de pesquisa. Acredito que
uma vez que se reconhece o uso da arte como metodologia válida de pesquisa dentro da
Academia, é possível também que a arte nas escolas vá além da própria aula de arte. À
medida que desmistificamos o caráter “sagrado” da arte ─ atividade reservada somente
aos grandes gênios da humanidade ─ e entendemos como sendo, também, uma forma de
linguagem e um tipo de metodologia é possível expandir as fronteiras do fazer artístico e
alcançar pessoas não artistas como eu e, com certeza, tantos outros que não se julgam
“geniais” o bastante para adentrar esse solo.
Alguns dizem que todos nascemos artistas, mas a escola mata esse artista em nós;
se isso for verdade para a escola, a Universidade seria então o lugar onde esse artista é
finalmente enterrado, pois uma vez dentro da Academia são poucos os lugares onde há
espaço para a criação e experimentação artística e nem sempre o acadêmico terá a
oportunidade de criar música, criar narrativas, criar performances, pois essas coisas não
caberiam no contexto acadêmico. Espero, no entanto, que, com esta pesquisa, tenha sido
possível ao leitor perceber que não precisamos enterrar nossas capacidades artísticas,
mas sim explorá-las como uma forma válida e essencial de conhecimento, acessível a
todos. Por que não ensinar nas Universidades, juntamente com os métodos já
consolidados de pesquisa, os métodos artísticos de pesquisa? Por que não dar a um
professor, historiador, geógrafo, economista etc., a possibilidade de explorar a arte dentro
de sua pesquisa?
Os experimentos que apareceram no meio desse trabalho e que escolhi chamar de
narrativas paralelas, são um exemplo para mim de como o uso de metodologias artísticas
enriquece a pesquisa. Chamei de narrativas paralelas não porque elas caminhassem de
forma alheia à pesquisa, como retas que nunca se cruzam, mas sim porque a ideia inicial
era produzir uma dissertação paralela, isto é, a imagem espelhada desta dissertação
apresentada de forma artística; uma tentativa de “dizer de outro modo” como mencionei na
Introdução. Embora não tenha conseguido produzir essa perfeita imagem espelhada,
153
acredito que aquilo que foi aqui colocado funciona como alguns fragmentos desse espelho
que não se formou.
À medida que eu estruturava este trabalho, iam surgindo algumas ideias de como
explorar artisticamente determinados tópicos através da literatura ou da fotografia. Daí
então porque cada narrativa, verbal ou visual, começa sempre com uma citação, pois foi a
partir da teoria que veio o impulso criativo. A ideia foi explorar de forma criativa os
conceitos apresentados pela teoria, buscando através da arte outra maneira de comunicalos ou, ao menos, sugeri-los. As imagens e conto que abrem este trabalho são resultados
dessa ideia. Enquanto pesquisava na internet alguns dados biográficos sobre Platão me
deparei com a pintura de Rafael Sanzio e alguns comentários que sugeriam que o autor
haveria pintado, em A escola de Atenas, os rostos de Leonardo da Vinci e Michelangelo
nos lugares de Platão e Aristóteles, respectivamente. Achei irônico que, se isso fosse
verdade, Platão, que havia expulsado os artistas da República, havia sido representado,
justamente, com a cabeça de um artista no lugar da sua. Pensei então que isso poderia se
transformar em uma espécie de metáfora da relação entre arte e conhecimento, pois em A
escola de Atenas, considerando a hipótese acima, o artista ocupa um lugar de mestre, de
conhecedor. Com essa ideia na cabeça, pensei em criar uma narrativa visual que contasse
visualmente a história imaginária da decapitação de Platão feita pelo pintor Rafael Sanzio.
Assim, inspirada na narração fotográfica baseada na montagem cinematográfica exposta
por Joaquín Roldán e Miguel Ángel Cepeda Morales no livro Metodologías artísticas de
investigación em educación, resolvi criar minha própria narrativa visual para abrir esta
dissertação, anunciando ao meu leitor que em minha pesquisa os artistas ocupam lugar de
destaque em nossa Escola de Atenas, daí então por que trazê-los, ao final, para o
Mackenzie.
A essa narrativa visual se juntou, logo em seguida, uma narrativa verbal, pois queria
continuar a desenvolver esse argumento da decapitação através de um conto, explorando
um pouco mais da metáfora proposta com as imagens. No conto, no entanto, me deparei
com força do texto verbal como atestado de verdade; percebi que, manipulando o texto, eu
poderia fazer uma mentira parecer verdade.
A narrativa da “descoberta” do átomo surgiu enquanto eu folheava um livro ilustrado
cujo título é Uma história da ciência. Vendo algumas fotos ali e as histórias de grandes
descobertas, me pareceu que a fronteira entre arte e ciência se tornara naquele momento
muito frouxa. Ao ler sobre Demócrito e sua teorização sobre o átomo que, segundo a
154
“lenda”, começou de um questionamento sobre como o cheiro do pão chegava até ele,
lembrei do narrador-personagem que recorda as memórias narradas na obra a partir do
cheiro de uma Madeleine molhada no chá (No caminho de Swann, primeiro volume da
obra Em busca do tempo perdido de Marcel Proust). Me pareceu, então, que explorando
imaginativamente essa “lenda” eu poderia por meio da narrativa comunicar a proximidade
entre o processo de criação do artista, no caso o escritor, e o do “pesquisador”, no caso o
filósofo Demócrito.
As fotografias com os macarrões e ingredientes para uma macarronada, tentando
imitar um gráfico de colunas surgiram da comparação entre a pesquisa qualitativa e a
pesquisa quantitativa. Aqui também foi essencial a inspiração advinda das metodologias
artística de pesquisa, em especial o uso do diagrama visual de barras e tabela visual de
resultados, ambas estratégias de pesquisa apresentadas por Joaquín Roldán e Ricardo
Marín Viadel na Conferência em Granada. A ideia foi ensinar como preparar um jantar no
formato de uma receita quantitativa expressa nas fotos (ingredientes e modo de fazer) e
uma receita qualitativa expressa na narrativa produzida por Noemih Sá Oliveira, uma das
participantes desse jantar. Assim, a intenção foi contrastar uma abordagem quantitativa e
uma abordagem qualitativa a um mesmo objeto: a preparação de um jantar. Dessa forma,
mostra-se como há coisas que o quantitativo diz melhor ─ afinal como preparar uma boa
receita sem a noção das quantidades adequadas ─ porém as relações pessoais e as
subjetividades envolvidas no processo de preparo do jantar são expressas de uma forma
melhor quando expressas de forma qualitativa.
Por fim, a História em Quadrinhos usada para apresentar os seis trabalhos
analisados no terceiro capítulo é inspirada no trabalho de Enrico Beccari escrito em forma
de Quadrinhos e apresentado também na 1ª Conferência em Pesquisa Baseada em Arte e
Pesquisa em Arte. O trabalho de Beccari trata justamente do uso das HQs na Pesquisa
baseada em arte, explorando na pesquisa as potencialidades desse tipo de linguagem.
Inspirada também no trabalho apresentado por Ricardo Marín Viadel e Joaquín Roldán
nessa mesma Conferência, juntei a possibilidade de uso metodológico do HQ ao conceito
de Introdução visual, para tentar, mais uma vez, apresentar ao meu leitor outra
possibilidade de leitura dentro dessa dissertação.
No decorrer do processo de pesquisa e processo de criação, me incomodava muito
a ideia de estar fazendo arte como comunicação e não como metodologia. Percebia que
minhas tentativas de criação acabaram recaindo muito mais em um objeto que comunica
155
ideias do que eram um meio de construção do pensamento. Elas funcionavam mais como
anexos da pesquisa, como um desenvolvimento paralelo de determinados pontos que me
chamaram a atenção durante este processo de pesquisa sobre a PBA. Assim, as ideias
surgiam como ilustração de um tema e não como uma metodologia de pesquisa. O conto e
as imagens baseadas em Escola de Atenas, por exemplo, não foram um meio pelo qual eu
pude compreender melhor a relação entre arte e conhecimento, mas apenas uma forma de
explorar o tema livremente, sem fazer disso uma metodologia de fato. É claro que cada
caso exigiu uma certa pesquisa. Pensando no conto A arte da história, por exemplo, tive
que pesquisar com detalhes a vida de Rafael Sanzio, do Papa Júlio II, informações sobre a
corte em Urbino, o Vaticano e o próprio período do Renascimento italiano. Mas apesar de
reconhecer neste processo um caminho de aprendizagem, tal caminho se afastava um
pouco do objetivo principal da minha pesquisa que era saber como a arte pode funcionar
como metodologia. Assim, a escrita de um conto deveria me levar a essa pergunta e não a
questões sobre o Renascimento italiano e o discurso literário. Percebo que uma das
dificuldades que senti nesse processo é que a pesquisa começou a se transformar em uma
“metapesquisa”, metalinguagem: pesquisar por meio da arte sobre como se pesquisa por
meio da arte.
Porém comecei a perceber que minhas narrativas, visuais e verbais, não eram uma
metodologia para entender a PBA no sentido de através delas chegar a um conceito, uma
definição, a um verbete de dicionário perfeito para o termo. As narrativas eram uma forma
de me fazer pensar sobre a relação mais ampla entre arte e pesquisa, processos de
criação e processos de pesquisa sem, contundo, me fornecer a resposta conclusiva que eu
tanto buscava. Mas não é isso, afinal, o que se propõe a Pesquisa Baseada em Arte? Não
é seu objetivo justamente criar novas perguntas e sugerir novas interpretações por meio da
apresentação de resultados que são, propositadamente inconclusos?
As narrativas apresentadas neste trabalho, não me proporcionaram a resposta para
a pergunta o que é PBA? mas proporcionaram outras experiências de aprendizagem; me
mostraram como a organização de ideias em narrativas visuais, gráficos visuais ou HQs
exige uma capacidade de síntese que só é possível de se alcançar com o domínio teórico
e conceitual do que se quer traduzir em imagens, mostram também que a seleção e
organização de imagens abre espaço para novos questionamentos como, por exemplo, por
que eu deveria me colocar na HQ como o Super-Homem? Por que é esperado do
pesquisador que haja como um super herói em prol da ciência? As narrativas verbais
156
mostraram a importância da seleção de informação, pois nem tudo o que se sabe sobre a
história é essencial para a narrativa da história, como escolher aquilo que é relevante?
Como criar cenários para as ideias e não só para as histórias? Enfim, há vários aspectos
que poderiam ser analisados a partir dessas pequenas experiências, mas esse já seria, na
verdade, um outro trabalho. O que vale ressaltar, ainda para este trabalho que agora se
encerra, é que ao se explorar as potencialidades da arte há, uma grade chance de
conseguir explorar as questões marginais que envolvem uma pesquisa e que às vezes não
conseguimos enxergar por estarmos tão absortos em cumprir à risca nossos projetos
tradicionais de pesquisa acadêmica.
Diante disso, minha preocupação em relação a arte como comunicação e arte como
metodologia se dissipa, pois mais importante do que tentar encontrar o melhor lugar da
arte na pesquisa ─ e a análise das seis pesquisas mostrou o quanto isso chega a ser
complexo ─ é dar, de fato, lugar à arte na pesquisa; deixar, por vezes ou completamente,
que ela tome a frente, que abra caminhos novos, faça perguntas novas e possibilite ao
público e pesquisador um novo olhar sobre a realidade. Essa abordagem pode não ser a
melhor ou a mais correta e não é, e nem deve ser, a única. Entretanto acredito que é
importante que seja aberto espaço dentro da Academia para que ela aconteça, para que
estudantes, professores e pesquisadores explorem as potencialidades da arte como forma
de conhecimento. O que acontece com a pesquisa quando a arte toma a frente? Ela se
expande.
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