Frederico Sehn 6 Da porta de casa ao aterro: O que acontece com o lixo? Em Lajeado, 54 toneladas de resíduos sólidos são produzidos diariamente, mas apenas 5% conseguem ser destinados à reciclagem Na lixeira da frente de casa, abarrotada de sacolas, vê-se um “milagre” acontecendo. Os resíduos produzidos na cidade são coletados e retirados do nosso campo de visão. Em média, são 54 toneladas de lixo gerados em Lajeado todos os dias e enviados ao aterro sanitário do município. Mas nem sempre foi assim. Até o início do século XX, a produção de lixo não era considerada um problema. Em seus primórdios, a civilização era nômade – permanecia em um local até esgotar seus recursos naturais e depois buscava outra região para explorar. Com isso, deixava para trás também seus resíduos, que logo eram decompostos pela ação ambiental. Com a Revolução Industrial, o lixo teve sua escala aumentada. O homem começou a produzir artefatos para facilitar sua vida. Cidades foram se desenvolvendo e o lixo, que antes misturava-se à paisagem dos vilarejos, começou a ser destinado para locais específicos, mais afastados dos centros urbanos. Assim surgiram os lixões. Mas a partir da metade do século XX, esse modelo de descarte sofreu uma reviravolta. Com o desenvolvimento de uma consciência sobre a necessidade de preservação ambiental, modelos menos agressivos à natureza passaram a ser pensados. Surgiram, então, os aterros sanitários. Mas a questão é: até que ponto vai essa consciência? Afinal, sabemos que o lixo deve ser encaminhado à lixeira para ser coletado. Mas, você sabe realmente o que ocorre depois? Para que você, leitor, possa entender um pouco mais sobre o que acontece com os resíduos sólidos, a equipe do suplemento Meio Ambiente na Escola acompanhou o caminho do lixo, o trajeto feito por uma sacola do momento em que sai de nossas casas até sua destinação final – seja ela a reciclagem ou o aterramento. Ao seguir esse trajeto, o leitor entenderá que o tratamento do lixo da cidade não é apenas uma questão ambiental, mas também um trabalho digno e necessário. Convidamos você a ingressar conosco nessa jornada. Renan Silva Início do trajeto Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, a população de Lajeado, em 2010, era de 71.445 pessoas. Para este ano, a estimativa é de que tenha chegado a 77.761. Na outra ponta, em 2010, cerca de 42 toneladas diárias foram descarregadas no aterro sanitário local. Em 2014, já são 54 toneladas todo o dia. Um dos principais problemas da coleta em Lajeado é a falta de separação dos resíduos recicláveis Lajeado é uma cidade em pleno desenvolvimento. Está entre os municípios que mais geram empregos no Rio Grande do Sul, possui empresas de destaque a nível estadual e é considerada a cidade polo do Vale do Taquari. Seu crescimento populacional é perceptível, e com ele, o aumento da quantidade de resíduos gerados pelo consumo. Segundo o engenheiro químico Gustavo Reisdörfer, responsável técnico pelo aterro sanitário de Lajeado e coordenador do Curso de Engenharia Química da Univates, a grande dificuldade de se trabalhar com lixo é o fato de que ele nunca para de ser produzido. “Eu não posso dizer para a pessoa esperar por hoje, segurar essa semana o lixo em casa porque eu preciso organizar o aterro. A gente tem que ir trabalhando enquanto o lixo vai chegando.” Os resíduos sólidos passam por várias etapas antes de chegarem ao seu destino final. A primeira delas também é a mais óbvia: a sacola plástica. Hoje, estima-se que mais de 90% delas tenham como destino final os lixões e aterros. Mas, em Lajeado, a falta de cultura de separação do lixo faz com que o objeto não seja usado plenamente, além de prejudicar as demais etapas do trajeto percorrido pelos resíduos. Essa é uma das razões para que apenas 5% do lixo da cidade seja reciclado. De acordo com a presidente da Cooperativa dos Recicladores do Vale do Taquari (Coorevat), Alessandra Couto, essa é uma média nacional, e Lajeado não foge à regra. “É que a gente não consegue separar todo o resíduo que vem. É muita coisa sendo gerada. Tem dias que vem 90 toneladas, mas a média fica entre 50 e 60 toneladas por dia. Lajeado é campeã, porque é uma cidade grande, mas tem cidades maiores que geram essa mesma quantidade.” Renan Silva- [email protected] 7 Coorevat A Coorevat é uma cooperativa que atua dentro do aterro sanitário de Lajeado. Criada em 2007, ela é responsável pela triagem dos resíduos e destinação do material potencialmente reciclável. Duas esteiras estão em funcionamento e são utilizadas para classificação dos materiais, mas já houve uma terceira, que será recolocada quando um novo pavilhão, que está em construção, estiver concluído. Após a sacola de resíduos ser colocada na lixeira, a próxima etapa fica sob responsabilidade da empresa de coleta contratada pelo governo municipal. Em Lajeado, esse trabalho é realizado pela MecaniCapina Limpeza Urbana, que realiza os cronogramas de recolhimento de lixo de segunda-feira a sábado e de coleta seletiva de segunda a sexta-feira. A equipe é responsável pelo trajeto dos sacos até o aterro sanitário. “A prefeitura encaminha os resíduos até a porta da central de triagem. Da recepção dos resíduos até a venda do que vai ser reciclado, é responsabilidade da cooperativa”, explica Gustavo Reisdörfer. Na chegada e na saída do aterro, todos os caminhões são pesados. Dessa forma, a equipe consegue controlar o volume de resíduos que chegam ao local, a parcela disto que será encaminhada à reciclagem e quanto será aterrado. Mas o engenheiro químico reforça que a quantidade de lixo reciclado poderia ser muito maior com uma atitude simples da população: colocar em sacos separados. “As pessoas vão argumentar que a coleta seletiva não funciona de maneira adequada, que os caminhões misturam os sacos de lixo. Mas se os resíduos vierem em sacos separados, já facilita. Hoje, aqui no aterro, todos os resíduos são recebidos no mesmo lugar. Se tivéssemos uma coleta seletiva que funcionasse, se todo mundo separasse seus resíduos, então o caminhão de lixo orgânico nem passaria pela central. Mas como a cooperativa que trabalha na central de triagem precisa buscar o material que vai gerar o seu lucro, então eles têm que pegar todo o resíduo e tentar resgatar os mais valiosos.” fotos Renan Silva A coleta Resíduos são encaminhados ao aterro sanitário de Lajeado Todos os caminhões que entram e saem no aterro são pesados para o controle do quanto é gerado e o que vai para reciclagem Por isso, hoje o trabalho está limitado entre 25 e 30 cooperativados – com todos os equipamentos em funcionamento, pode chegar a 40 trabalhadores. A cooperativa também tem um projeto de reintegração social. “Começamos há alguns anos a trabalhar com o pessoal do semi-aberto. A Susepe nos encaminha e eles têm a chance de dar o primeiro passo”, explica a presidente Alessandra Couto. “Hoje, aqui no aterro, todos os resíduos são recebidos no mesmo lugar. Se tivéssemos uma coleta seletiva que funcionasse, se todo mundo separasse seus resíduos, então o caminhão de lixo orgânico nem passaria pela central.” Lixo é colocado pelos caminhões na unidade de triagem. Dali será empurrado para um funil que levará os resíduos às esteiras de classificação PRESTE ATENÇÃO Gustavo Reisdörfer (segue) GENTE QUE CRESCE UNIDA Há resíduos que não devem ser descartados na coleta seletiva pois contaminam o lixo que pode ser reciclado Celulares Computadores, TVs e lâmpadas eletrônicas Medicamentos, seringas e agulhas* Óleo de cozinha Pilhas, baterias FAÇA SUA PARTE! Os resíduos acima devem ser entregues na Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Saúde* Rua Coronel Flores, 353, Centro em Estrela 8 Secretário de Meio Ambiente de Lajeado, José Francisco Antunes Com 11 anos de funcionamento, o aterro sanitário de Lajeado possui duas células com cerca de 15 mil metros quadrados cada. A primeira, ativa desde 2003, está chegando ao fim de sua operação. A segunda recebeu licença para operar na metade do mês. “Hoje, o aterro causa um impacto muito grande para quem vai lá, porque acabou virando uma célula positiva, que está acima do solo. Mas isso acabou otimizando uma área, porque aquela já está impactada. Então, quanto mais tu levantares e o aterro aguentar, melhor”, argumenta Gustavo Reisdörfer. De acordo com o secretário municipal de Meio Ambiente, José Francisco Antunes, o aterro municipal tem grande importância ambiental para a cidade, mas também colabora para que Lajeado cumpra a Política Nacional O aterro de Resíduos Sólidos, que estabelece os prazos para que as cidades acabem com os lixões. “O fato de podermos acompanhar e trabalhar a destinação dos nossos resíduos ao invés de simplesmente mandá-los para Minas do Leão também tem grande importância”, reflete. O aterro de Minas do Leão, mencionado pelo secretário, foi inaugurado em 2001, tem 73 hectares (o equivalente a 730 mil metros quadrados), capacidade para até 25 milhões de toneladas de resíduos e recebe o lixo gerado por cerca de 250 cidades. Basicamente, o aterro sanitário é uma vala protegida por uma geomembrana - um plástico reforçado utilizado para proteção do local. Após a geomembrana, é colocado o colchão drenante, composto por uma camada de brita com um sistema de canalização fotos Renan Silva Frederico Sehn 9 que coleta o chorume gerado, líquidos da chuva e da própria decomposição do lixo. Esses resíduos são canalizados e retirados da célula. E acima da brita é colocada uma camada de argila, para que se possa transitar sobre a célula. “Isso é um aterro sanitário. É claro que tem outras exigências na sua operação. Eu tenho que tentar evitar ao máximo que águas externas entrem dentro do aterro, porque quanto menos água e menos chorume eu precisar tratar, melhor. E também tem a drenagem dos gases gerados pela decomposição. Se esses gases ficarem fechados dentro da célula, pode chegar um momento que aquilo vai abalar a estabilidade, vai começar a rachar, e podemos perder todo o aterro por causa disso. Então, essa é a função dos drenos de gás”, sintetiza o engenheiro químico. A unidade de triagem Já no aterro, após ser pesado, o caminhão descarrega os resíduos em uma área de recepção da unidade de triagem. É neste local que será feita a classificação dos materiais. Uma máquina empurra o lixo até o funil e ele cai na esteira. “Ali na esteira, o pessoal da cooperativa faz a separação dos materiais de acordo com seu tipo: plástico, papel, papelão, latinha, todos esses materiais vão para bombonas onde ficam armazenados temporariamente. Quando enche uma bombona, os resíduos são encaminhados para o enfardamento”, explica Gustavo Reisdörfer. Embora a equipe de cooperativados se mobilize para separar o máximo de resíduos possível, apenas 5% do lixo gerado diariamente em Lajeado tem a reciclagem como destino – ou seja, pouco mais de 2 toneladas por dia. Porém, 40% de todo o lixo gerado é de mate- rial potencialmente reciclável. Dentre os fatores que prejudicam esta estatística estão a redução de número de esteiras – que deve ser normalizado após a conclusão da obra do novo pavilhão – e a falta de separação do lixo seco do orgânico. O material que passa pelas esteiras mas que não será reciclado vai para o chão impermeabilizado do depósito até ser recolhido por uma retroescavadeira, carregado para um caminhão e levado para a célula onde será aterrado. “Ele é depositado, mas a gente geralmente espera acumular uma certa quantidade. Depois, vai fazendo a conformação dos taludes do aterro. De tempo em tempo, pelo menos semanalmente, é feita uma cobertura, joga-se uma camada de argila em cima desse material. E quando fechou todo um platô do aterro, a gente faz uma cobertura mais definitiva.” Engenheiro químico Gustavo Reisdörfer é o técnico responsável pelo aterro sanitário de Lajeado Outras formas de destinação “Só um modelo de país mais desenvolvido, que mexe no bolso da pessoa, para mudar isso. Levar multa se não separares. ” Embora o aterro sanitário seja a forma mais comum e viável tecnicamente para descarte final de resíduos, Gustavo Reisdörfer lembra que existem outras técnicas utilizadas para destinação do lixo. Alessandra Couto Uma delas é a incineração, mas seu custo é elevado e a demanda precisa ser muito grande para que se torne viável. Além disso, ela também tem outro grande problema: as emissões atmosféricas originadas pela queima dos resíduos. Cooperativados da Coorevat são os responsáveis pela separação dos materiais e sua destinação à reciclagem A presidente do Coorevat, Alessandra Couto, acredita que a dificuldade da coleta seletiva não se trata de pouco conhecimento por parte da população, mas sim falta de hábito. “É mais a questão de cultura. Tu podes fazer campanha, mas não adianta. Só um modelo de país mais desenvolvido, que mexe no bolso da pessoa, para mudar isso. Levar multa se não separares. Tu podes investir em mídia falando dos dias que passa a coleta seletiva, de como tem que ser feita a separação, mas as pessoas simplesmente cresceram sem esse hábito”, argumenta. Para ela, se essa semente for plantada hoje, vai demorar um bom tempo a dar frutos, até as pessoas aprenderem sobre a O problema da separação necessidade da separação. Segundo o engenheiro químico, Gustavo Reisdörfer, mesmo que seja muito difícil de chegar à reciclagem de 40% dos resíduos, um percentual considerado bom ficaria entre 12% e 15% - o triplo do índice atual. Para ele, essa destinação seria convertida não apenas em retorno financeiro para a cooperativa, mas também em tempo para o aterro da cidade. “Talvez esse nosso aterro dure mais dez anos. Então, talvez daqui a dez anos teremos que procurar outro lugar, e Lajeado já não tem muito espaço. Qual o ganho de conseguir aumentar (o percentual de reciclagem)? Ganho de tempo, de dinheiro, de espaço dentro de uma célula. Aumentar esse percentual deve ser uma das metas”, enfatiza. Justamente com o objetivo de aumentar o índice de reciclagem da cidade que um novo projeto está em desenvolvimento. De acordo com o secretário de Meio Ambiente, José Francisco Antunes, o novo pavilhão que está sendo construído no aterro deve ficar pronto até o fim do mês. Com a conclusão, um novo sistema de separação de resíduos deve ser implantado, com mais esteiras e equipamentos que auxiliem no melhor aproveitamento e reduzam o descarte. “O trabalho da secretaria tem sido voltado a melhorar o sistema de tratamento e destinação de resíduos no aterro.” Para Alessandra, quando a nova estrutura estiver concluída e os novos equipamentos instalados, Lajeado deve tornar-se um modelo de reciclagem. “Com o pavilhão e o maquinário novo, tende a triplicar a quantidade (de resíduos reciclados), a princípio. Tem um certo tipo de maquinário, que é projeto futuro, mas que multiplica por cinco o resultado. Então, isso é um sonho. Porque, na verdade, não é só em valor comercial que a gente fala, mas em vida útil de uma célula. O investimento que a administração faz é muito grande. Quando esse maquinário novo estiver funcionando vai ser bom para todos. E para a natureza, e isso é o principal.” A outra técnica é a compostagem, utilizada para descarte de resíduos orgânicos e transformação desses materiais em adubo. “É um método que exige um pouco mais de operação. Não posso simplesmente dispor meus resíduos de qualquer maneira e eles vão se decompor. Eu tenho todo um procedimento operacional em cima deles. Então, acaba dificultando muito, principalmente em órgãos públicos”, acredita.