V Seminá
inário de Pós-Graduação em Filosofia da UFSC
Car
19 a 23 de outubro de 2009
ANTOINE ROQU
QUENTIN: O HISTORIADOR QUE
ET
TENTA
SUPR
PRIMIR SUA HISTORICIDADE
André Chri
hristian Dalpicolo
Doutorado – Universid
rsidade Federal de
São C
Carlos (UFSCar)
Bolsista CAPES
andre_da
[email protected]
Introdução
O objetivo do trabalho
tra
é examinar o papel desempenhad
ado por Antoine
Roquentin na novela existe
stencialista A náusea, de J.-P.Sartre. O protago
gonista tem como
projeto de vida desenvolve
ver a sua liberdade à margem da alienação. Logo,
Lo
a ilusão de
Roquentin baseia-se na cre
crença de fundar uma “existência extraordiná
inária” através de
“acontecimentos ordinários
ios”. De certa forma, essa ilusão sustentar-se--á à medida que
ele destrói a sua historicidad
dade tanto através do seu isolamento social qua
uanto por meio do
esquecimento de seu passa
ssado; porém, um sentimento nauseante o inv
invade, sobretudo
após as pesquisas referent
entes ao Marques de Rollebon. Esse sentim
timento oferece a
possibilidade de Roquentin
tin entender que os acontecimentos são extraor
aordinários porque
revelam uma “irredutível no
novidade”. Roquentin compreende essa “irredu
edutível novidade”
quando percebe a inutilidad
ade de continuar suas pesquisas sobre o Marqu
rquês de Rollebon.
Outro elemento primordial
ial é o reencontro entre Roquentin e Anny, poi
pois permite que o
habitante de Bouville comppreenda sua historicidade.
Personagens
Antoine Roquentin:
n: protagonista da novela A náusea de J.-P.Sart
artre, busca a todo
instante desenvolver o con
conceito de liberdade enquanto liberdade de obtenção. Para
tanto, é necessário que suprima
sup
sua historicidade, já que esta reflete
te a excelência do
estatuto ontológico da liber
berdade de escolha. Roquentin utiliza-se de um diário onde é
retratado o quotidiano dde uma “existência extraordinária”. Este
te trabalha como
historiador.
lebon: este personagem viveu nos séculoss XVIII e XIX,
Marquês de Rolleb
representando o sustentácul
culo do projeto elaborado por Roquentin de ddesenvolver uma
forma de liberdade que est
estivesse à margem da alienação, visto que é aatravés disto do
relato de sua historicidad
dade que o historiador de Bouville poderá
erá eliminar sua
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historicidade, tornando-a uma
u
mera lembrança. De certa maneira, ess
esse relato detalha
uma “existência ordinária”.
”.
Anne: a antiga aman
ante de Roquentin desempenha um papel esse
ssencial na novela
A náusea, uma vez que é a responsável pelo fracasso do projeto do historiador de
suprimir sua historicidade;
e; porém, isto não significa que ele desconheç
heça a hipótese de
evidenciar uma outra forma
ma de liberdade que não seja aquela circunscrita
rita pelo fenômeno
da alienação; aliás, a canção
ção Some of these days revela-lhe a possibilidad
dade de viver uma
outra forma de temporalidad
dade distinta daquela determinada pela contingê
gência do Ser.
Querer é poder?
Deve-se indicar que
ue o projeto fundamental de Roquentin é atingi
ngir o absoluto, ou
seja, desqualificar a conting
ingência originária que o caracteriza, sendo qu
que o instrumento
utilizado por ele é a supre
pressão de sua historicidade. De certo modo,
o, essa supressão
garante-lhe a chance de elim
liminar o resultado produzido pelo encontro en
entre dois projetos
humanos, já que esse resu
sultado é o responsável pela impossibilidade
de do homem em
fundamentar a si próprio.. N
Nota-se, então, o quão importante é para Roqu
quentin utilizar-se
de um diário para narrar o seu desejo de suprimir o resultado produzid
zido pelo encontro
entre dois projetos humanos
nos, pois esse diário oferece-lhe a possibilidade
de de isolar-se dos
seus pares. Além disso, o diário também lhe permite compreender a iimportância dos
acontecimentos tornaram-sse cada vez mais ordinários, porque somen
ente assim a sua
“existência extraordinária”
a” ttornar-se-á inteligível.
As páginas iniciais
ais de A náusea deixam entender que a úúnica forma de
Roquentin fundamentar sua “existência extraordinária” é através daa ccompreensão do
conceito de liberdade enqua
quanto liberdade de obtenção, já que essa existê
istência representa
justamente a superação daa ttese que a aponta como um fator extraordinár
nário. O seu início
acontece quando o habitant
ante de Bouville percebe o quão fascinante era a historicidade
do Marquês de Rollebon:
Relii com
c
melancolia essa nota de Germain Berger.. F
Foi através dessas
pouca
cas linhas que vim a conhecer o Sr. De Rollebon.. Como
C
me pareceu
seduto
utor e como gostei dele logo, só por essas poucas
cas palavras! É por
causa
sa dele, por esse homenzinho, que estou aqui (SART
RTRE, s/d:29).
Esse fascínio advém
ém do fato de que a historicidade do Marquêss dde Rollebon não
existe mais. Melhor: ela ex
existe apenas a título de lembrança. Dessa for
forma, o desejo de
Roquentin é projetar a sua existência em torno de uma lembrança,, porque
p
somente
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assim poderá eliminar a ssua historicidade. Portanto, fica evidente qu
que o projeto de
Roquentin é aniquilar a su
sua paixão fundamental através do deslocam
amento da mesma
para uma “esfera que see pperdeu no tempo”. Parece-lhe que esse de
deslocamento é o
fundamento da “existênci
ncia extraordinária” que tanto deseja, porq
rque sustenta os
“acontecimentos ordinários”
os” que o circundam. Pode-se dizer que essess “acontecimentos
“
ordinários” refletem um mu
mundo regular e necessário, já que este é constr
nstruído através do
conceito de liberdade enqua
uanto liberdade de obtenção.
Uma peculiaridade
de da “existência extraordinária” de Roqu
quentin é a sua
capacidade de se distinguir
uir dos demais. Prova disso verifica-se quand
ndo se examina a
solidão do habitante de Bou
ouville, já que ela reflete uma existência que
ue tenta eliminar a
sua historicidade. Percebe--se, então, a intenção de Sartre quando este ci
citou Céline 51 na
introdução de A náusea. A falta de historicidade chegou a tal ponto que
ue Roquentin não
consegue mais compreend
nder o seu próprio rosto. Decerto, ele per
percebe os traços
fisiológicos que o caracter
cterizam; porém, isto não significa que esse
se rosto carregue
consigo as marcas de seu pa
passado, uma vez que este foi aniquilado:
É o reflexo do meu rosto. Muitas vezes, nesses dias perdidos,
s, fico a contemplálo. Não enten
endo nada desse rosto. Os dos outros tem um sen
entido. O meu não.
Sequer posso
so decidir se é bonito ou feio. Acho que é feio, por
orque me disseram.
Mas isso nãoo me impressiona. No fundo, até me choca que se possam atribuir a
ele qualidades
des desse gênero, como se chamassem de bonito ou feio um pedaço
de terra ou um bloco de tocha (...).
eu olhar desc
esce lentamente, com tédio, para essa testa, para
ra essas faces: não
encontra nada
da de firme, encalha. Evidentemente há um nariz,
iz, olhos, uma boca,
mas nada diss
isso tem um sentido, nem mesmo expressão human
ana (SARTRE, s/d:
34-35).
Tudo seria perfeito
ito no mundo regular de Roquentin caso nã
não existisse um
sentimento nauseante quee o acompanha em todas as situações. Esse sentimento
se
revela
um longo processo peloo qqual Roquentin deve passar antes de com
ompreender a sua
existência. De saída o m
morador de Bouville percebe o quão dolo
loroso será esse
aprendizado forçado, porqu
rque o obriga a refletir sobre a veracidade de sua “existência
extraordinária”. Em vão Ro
Roquentin procura abrigo entre seus pares, um
uma vez que estes
não poderão ajudá-lo. Iss
Isso acontece porque ele esqueceu-se de su
sua historicidade,
elemento fundamental para
ra o bom convívio em sociedade. Essa falta de abrigo provoca
o horror de Roquentin face
ce aos objetos, já que estes não podem ser co
controlados; aliás,
ele fica aterrorizado com ttudo que o circunda, pois tudo se revela com
como contingente.
51
“É um rapaz sem importância
ia ccoletiva; é apenas um indivíduo” (SARTRE, s/data:7).
7).
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Percebe-se, então, que o sentimento nauseante não está em Roque
uentin, visto que
acontece justamente o contr
ntrário.
Pensar é existir
Roquentin compree
reende a náusea que sente quando abandon
ona as pesquisas
históricas referentes ao Ma
Marquês de Rollebon, assim abandonando o pprojeto de viver
uma historicidade que nãoo existe mais; porém, isto não significa que ten
tenha desistido de
fundamentar uma “existênci
ncia extraordinária” baseada no conceito de libe
liberdade enquanto
liberdade de obtenção. Prov
rova disso verifica-se à medida que Roquentin
in ddeseja projetar a
sua historicidade em cimaa daquela vivida por Anny, o seu antigo am
amor. O resultado
desse novo projeto é a com
mpreensão da contingência dos existentes, bem
em como a recusa
expressa em aceitar a ne
necessidade como destino livremente aceito
ito pela realidade
humana.
O diálogo entre Roq
oquentin e Anny pode ser considerado um pon
ponto marcante de
A náusea, porque revelaa como o projeto de fundamentar o conceit
eito de liberdade
enquanto liberdade de obten
tenção é equivocado; aliás, pode-se assinalarr qu
que a intenção de
Sartre ao escrever A náusea
ea é justamente mostrar o fracasso desse projet
jeto. Para entender
esse diálogo, é preciso co
compreender o papel desempenhado por A
Anny na novela
existencialista, uma vez qu
que o projeto fundamental dela é desenvolve
lver o conceito de
liberdade enquanto liberda
dade de obtenção. No entanto, ela o desenvo
volve de maneira
distinta à de Roquentin, jáá qque procura extrair de “acontecimentos não-oordinários” a sua
“existência extraordinária”.
a”. Melhor: Anny deseja retirar das “situaçõess pprivilegiadas” os
“momentos perfeitos”. Desd
esde a sua infância o amor antigo de Roquentin
tin almeja em vão
descaracterizar a contingênc
ência dos acontecimentos, tornando-os simples
es produtos de sua
vontade; porém, falta-lhe a compreensão de que os acontecimentos sãoo espontâneos, ou
seja, nada os determina.
Após uma série de decepções, Anny entende que as “situaçõe
ões privilegiadas”
não existem, porque toda si
situação é privilegiada por excelência. Conseq
seqüentemente, os
“momentos perfeitos” não
ão podem ser elaborados, ao menos não da fo
forma que ela os
imaginava. Assim, a úni
nica solução para Anny manter o seu co
compromisso de
desenvolver o conceito dee liberdade enquanto liberdade de obtenção é apegar-se a sua
historicidade, já que esta é capaz de revelar-lhe a pálida lembrança do tempo em que
acreditava na existência dos
os “momentos perfeitos”:
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-Vivo
vo no passado. Recordo tudo o que me aconteceuu e ordeno-o. Assim
de longe
lon não dói, e quase nos deixaríamos nos engan
ganar. Toda a nossa
históri
tória é bastante bela. Dou-lhe uns retoques e o que fica é uma
seqüên
üência de momentos perfeitos. Então fecho os olhos
hos e tento imaginar
que ainda
a
vivo dentro deles. Tenho outros pensame
mentos também. É
precis
ciso saber se concentrar. Sabe o que li? Os Exercíc
cícios espirituais de
Loyol
ola. Foi-me muito útil. Há uma maneira de co
colocar primeiro o
cenári
ário, depois de fazer aparecer os personagens. Consegue-se
C
ver –
acresc
escentou com ar mágico (SARTRE, s/d: 223).
Contudo, essa páli
álida lembrança traz consigo um sentimento
nto desagradável,
porque obriga Anny a obs
bservar que a circundam. Essa observaçãoo rrevela-lhe a sua
incapacidade de fundamen
entar esses objetos, apesar de poder organiz
nizá-los. De certa
forma, essa incapacidade ddemonstra o quão equivocado é o seu projeto
eto de apegar-se a
sua historicidade, uma vez
ez que o mesmo não fará suprimir a contingên
gência do seu ser.
Percebe-se, então, o propó
pósito de Anny ao reencontrar-se com Roque
uentin: ela deseja
liquidar o sentimento desag
sagradável que a acompanha através do marco
co primordial que
escolheu arbitrariamente.
sofrer mudanças
Convém observarr que esse marco primordial não pode so
estruturais, porque somen
ente assim o desejo de Anny lembrar-se dos
d
“momentos
perfeitos” realizar-se-á; porém,
por
é nítida a mudança sofrida por Roquen
uentin no decorrer
dos anos. No período em qque se relacionava com Anny, ele acreditava
va na regularidade
do mundo. Nota-se o quão
ão distante esse período está do instante em qu
que tenta fundar a
sua “existência primordial”
ial” a partir do esquecimento de sua historici
icidade. Assim, o
projeto fundamental de A
Anny está fadado ao fracasso, já que nãoo existe o marco
primordial. Melhor: não ex
existe nenhum ser que poderá levá-la ao “mom
omento perfeito”,
uma vez que a vida é dadaa ppor nada.
Roquentin compree
eende que a “existência extraordinária” não
ão pode ocorrer à
medida que entende o fraca
acasso de Anny, porque a tentativa dela em tra
transformá-lo num
marco primordial é tão aabsurda quanto a dele em torná-la uma “b
“base para a sua
historicidade”. Noutros te
termos, o equívoco de Anny ao tentar
tar utilizar-se da
historicidade de um serr qque deseja esquecê-la a todo custo é sim
imilar ao erro de
Roquentin que tenta se utili
tilizar da historicidade de um ser que almeja ap
apenas valorizar o
seu passado. Pode-se dizer
er que a impossibilidade deles em reataram o nnamoro reflete a
incapacidade de cada um de superar a solidão ontológica que os caracter
teriza.
Some of these days
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A compreensão daa necessidade como destino livremente aceito
eito pela realidade
humana obriga Riquentinn a reconhecer a sua incapacidade de legitima
mar o conceito de
liberdade enquanto liberdad
dade de obtenção. De certa forma, essa incapa
apacidade assinala
que a paixão fundamental
tal do homem jamais poderá ser satisfeita;; pporém, isto não
significa que ele não possa
sa bbuscar um sentido para a sua vida no interiorr da contingência que a
caracteriza 52.
ra simbolizar essa
A canção Some off tthese days foi escolhida por Roquentin para
busca, sendo que reflete um
uma temporalidade à margem daquela que assin
sinala a existência,
apesar da mesma fundame
mentá-la. Essa canção oferece-lhe a chancee de conferir um
sentido àquilo que originari
ariamente não tem sentido, já que lhe revelaa a necessidade no
interior da contingênciaa qque o caracteriza. É através do engajam
jamento que essa
necessidade revelar-se-á:
A mor
oral da La Nausée é que todos devem encontrar
ar sua própria razão
paraa viver (...) Seu ataque contra a vida sem compromisso
co
está
plenam
namente montado nessa novela; mas seu conceito
ito de engajamento
ainda
da não recebeu nenhum conteúdo político específi
cífico. La Nausée é
umaa novela
n
existencialista (CRANSTOM, 1966:28).
Entrementes, a Náu
áusea não demonstra a forma pela qual ess
esse engajamento
sustentar-se-á. De certo mo
modo, a compreensão da necessidade como des
destino livremente
aceito pela realidade human
ana obstrui-lhe a possibilidade de realizar essa
ssa demonstração,
porque obriga-la-ia a recorr
orrer a uma espécie de “formalismo” 53.
gráficas
Referências Bibliogr
CRANSTOM, Maurice. Sartre.
Sa
Tradução de Octavio Alves Filho.. R
Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 196
1966.
SARTRE, Jean- Paul. A náusea. Tradução de Rita Braga. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, s/d.
_________________. L´êtr
être et le néant: essai d´ontologie phénomén
énologique. Paris:
Gallimard, 1943.
52
“Ela canta. Eis dois que se sal
salvaram: o judeu e a negra. Salvos. Talvez se tenham jjulgado perdidos de
todo, afogados na existência. E nno entanto ninguém poderia pensar em mim como penso
pen neles, com essa
doçura. Ninguém, nem mesmo A
Anny. Eles são um pouco como mortos para mim, um
m pouco como heróis
de romance: purificam-se do pec
ecado de existir. Não completamente, é claro – mas na medida em que um
homem pode fazê-lo (SARTRE,
E, ss/d: 257).
53
Para entender esse formalismo,
o, verificar o funcionamento da reflexão purificante em L´être et le néant.
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