CASO DO DIREITO DE ASILO (COLÔMBIA/PERU) (1949-1950) (MÉRITO) Sentença de 20 de novembro de 1950 O caso colombiano-peruano do Direito de Asilo tem a sua origem em um asilo concedido em 3 de janeiro de 1949 pelo Embaixador da Colômbia em Lima a Victor Raul Haya de la Torre, líder de um partido político peruano, a Aliança Popular Revolucionária Americana. Em 3 de outubro de 1948, uma rebelião militar estourou no Peru e Haya de la Torre foi apontado como responsável de tê-la suscitado e dirigido. Ele foi procurado em vão pelas autoridades peruanas. Em seguida, no momento em que foi asilado, o Embaixador colombiano em Lima demandou para este um salvo-conduto para deixar o país, qualificando-o como refugiado político. O governo do Peru recusou: segundo este, Haya de la Torre havia cometido crimes de direito comum e não poderia ser beneficiado com o asilo. Não entrando em acordo, a Colômbia e o Peru submeteram à Corte algumas questões sobre a controvérsia surgida entre eles. Essas questões foram especificadas em uma demanda apresentada pela Colômbia e em uma demanda reconvencional apresentada pelo Peru. Em sua sentença, a Corte, por 14 votos a 2, declarou que a Colômbia não tinha o direito de qualificar unilateralmente, de maneira obrigatória para o Peru, a natureza do delito; por 15 votos a 1, declarou que o governo do Peru não era obrigado a entregar o salvo-conduto ao asilado. Entretanto, rejeitou, por 15 votos a 1, a tese invocada pelo Peru, segundo a qual Haya de la Torre era acusado de delitos de direito comum: a Corte constatou que a única acusação contra Haya de la Torre era a de rebelião militar, o que não configura crime comum. Enfim, por 10 votos a 6, a Corte, sem criticar a atitude do Embaixador da Colômbia em Lima, considerou que as condições necessárias para que o asilo pudesse ser concedido em conformidade com os tratados pertinentes não estavam reunidas no momento em que Haya de la Torre foi acolhido na Embaixada. Com efeito, segundo a interpretação que a Corte deu à Convenção de Havana, o asilo não pode figurar como obstáculo a persecuções empreendidas pelas autoridades judiciárias agindo conforme as leis. Os fatos submetidos à Corte, tais como a sentença anuncia, são os seguintes: Em 3 de outubro de 1948, uma rebelião militar estourou no Peru; ela foi reprimida no mesmo dia. No dia seguinte, um decreto responsabilizava um partido político, a Aliança Popular Revolucionária Americana, por ter preparado e dirigido a rebelião. O chefe do partido, Victor Raul Haya de la Torre, foi denunciado como responsável. Ele foi perseguido juntamente com outros membros do partido, sendo indiciado pelo delito de rebelião militar. Não tendo sido preso até 16 de novembro, foi intimado a se apresentar perante o juiz de instrução. Em 3 de janeiro de 1949, encontrou asilo na Embaixada da Colômbia em Lima. Enquanto isso, em 27 de outubro de 1948, uma junta militar tomou o poder no Peru e publicou um decreto prevendo a instituição de cortes marciais para julgar sumariamente os casos de rebelião, sedição e motim: mas esse decreto não foi aplicado ao procedimento judicial intentado contra Haya de la Torre e outros, e foi declarado perante a Corte que não era aplicável a este procedimento. Ademais, durante o período de 4 de outubro de 1948 ao início de fevereiro do ano seguinte, o Peru encontrava-se em estado de sítio. No dia 4 de janeiro de 1949, o Embaixador da Colômbia em Lima levou ao conhecimento do governo peruano o asilo concedido a Haya de la Torre, requisitando, ao mesmo tempo, a entrega de um salvoconduto para permitir ao refugiado deixar o país. Em 14 de janeiro, ele esclareceu que o “asilado” foi qualificado como refugiado político. O governo do Peru contestou essa qualificação e recusou o salvoconduto. Seguiu-se uma correspondência diplomática que levou à assinatura, em Lima, em 31 de agosto de 1949, de um ato pelo qual os dois governos concordaram em acionar a Corte Internacional de Justiça. Perante a Corte, a Colômbia sustentou que, segundo as convenções em vigor - o Acordo Bolivariano de 1911 relativo à extradição, a Convenção de Havana de 1928 Relativa ao Asilo, e a Convenção de Montevidéu de 1933 sobre Asilo Político - e segundo o direito internacional americano, a Corte deveria qualificar a natureza do delito para fins de asilo. A esse respeito, a Corte considerou que, caso se tratasse de uma qualificação provisória, a solução não seria duvidosa: o representante diplomático analisaria se as condições necessárias estavam preenchidas, pronunciaria sua opinião e, caso houvesse contestação, uma controvérsia surgiria, e seria resolvida pelo método previsto pelas partes. Mas a Colômbia reivindicou um direito de qualificação unilateral e definitiva, obrigatória para o Peru. O primeiro tratado invocado por esse país - o Acordo Bolivariano, um tratado sobre extradição - se limita, em um artigo, a reconhecer a instituição do asilo conforme os princípios de direito internacional. Esses princípios não comportam o direito à qualificação unilateral. Por outro lado, enquanto o Acordo Bolivariano fixa regras para a extradição, não se pode tirar conclusões para o asilo diplomático. No caso da extradição, o refugiado se encontra no território do Estado de refúgio: se o asilo lhe é outorgado, a decisão não derroga a soberania do Estado onde ele cometeu o delito. Ao contrário, no caso de asilo diplomático, o refugiado se encontra no território do Estado onde cometeu o delito: a decisão de asilo derroga a soberania do Estado territorial e subtrai o delinqüente da justiça. Quanto ao segundo tratado invocado pela Colômbia - a Convenção de Havana - esse não reconhece o direito de qualificação unilateral nem explicitamente nem implicitamente. O terceiro tratado - a Convenção de Montevidéu - não foi ratificado pelo Peru e não poderia ser invocado contra ele. Enfim, pelo direito internacional americano, a Colômbia não provou que existia, regional ou localmente, uso constante e uniforme de qualificação unilateral, traduzindo um direito para o Estado que concede o asilo e um dever para o Estado territorial. Os fatos submetidos à Corte revelam excesso de contradições e variações para que seja possível deles extrair um costume próprio à América Latina e que tenha força de direito. Portanto, a Colômbia, como Estado que concedeu asilo, não tem o direito de qualificar a natureza do delito por uma decisão definitiva e unilateral, obrigatória para o Peru. A Colômbia igualmente sustentou que o Peru tinha a obrigação de entregar um salvo-conduto para que o asilado pudesse deixar o país em segurança. A Corte, deixando temporariamente de lado a questão de saber se o asilo foi regularmente concedido e mantido, constatou que a cláusula da Convenção de Havana que prevê as garantias para o asilado é aplicada somente nos casos em que o Estado territorial exige que o asilado abandone o seu território: somente após a formulação de tal exigência o Agente diplomático que concedeu o asilo pode exigir o salvo-conduto. É certo que existe uma prática segundo a qual o Agente diplomático solicita imediatamente o salvo-conduto e este lhe é concedido: mas essa prática, que se explica por motivos de conveniência, não gera obrigação para o Estado territorial. No presente caso, o Peru não requisitou a saída do refugiado, não sendo, pois, obrigado a conceder o salvo-conduto. O Peru, por meio de uma demanda reconvencional, solicitou à Corte que declarasse que o asilo havia sido concedido a Haya de la Torre violando a Convenção de Havana, inicialmente por que Haya de la Torre foi acusado de delito comum, e não político, e, em seguida, por que não haveria urgência que, de acordo com a Convenção de Havana, é necessária para justificar a concessão do asilo. Após ter observado que a entrega eventual do refugiado não foi em nenhum momento demandada pelo Peru, a Corte examinou o primeiro ponto. A este respeito, ela constatou que a única acusação contra o asilado era de rebelião militar, que não é um crime de direito comum. Por conseguinte, ela declarou mal fundamentada a demanda reconvencional do Peru sobre este ponto, rejeitando-a. Sobre a urgência, após ressaltar que a justificativa essencial do asilo se encontra na iminência ou na persistência de um perigo para a pessoa do refugiado, a Corte analisou os fatos. Três meses se passaram entre a rebelião militar e a concessão do asilo. Não se tratava de proteger Haya de la Torre, com um fim humanitário, contra a ação violenta e desordenada de elementos irresponsáveis da população. O perigo que o ameaçava era o de ser exposto a processos judiciais. A Convenção de Havana não pretendeu proteger contra o perigo de processos regulares um cidadão que atentou contra as instituições de seu país. Não é suficiente ser acusado de um crime político para ser qualificado a receber asilo, o qual é oponível à ação da justiça somente se a arbitrariedade substitui as regras legais. Não foi provado que a situação no Peru, à época, implicava a subordinação da justiça ao executivo ou a abolição das garantias judiciais. Ademais, a Convenção de Havana não podia estabelecer um regime jurídico que garantiria aos acusados políticos o privilégio de escapar da sua jurisdição nacional. Tal concepção entraria em conflito com uma das mais antigas tradições da América Latina; a da não-intervenção. Se a Convenção de Havana quisesse assegurar uma proteção geral a toda pessoa perseguida por delitos políticos no curso de eventos revolucionários, pela única razão de que a administração da justiça estaria alterada, ingerências estrangeiras particularmente ofensivas ocorreriam nos assuntos internos dos Estados. Quanto aos numerosos casos específicos citados pela Colômbia, a Corte estimou que considerações de conveniência e oportunidade política parecem ter determinado o Estado territorial a reconhecer o asilo sem que essa decisão lhe fosse ditada pelo sentimento de um dever jurídico qualquer. O asilo na América Latina é uma instituição que deve seu desenvolvimento a fatores extra-jurídicos. Pronunciando que no momento da outorga do asilo, em 3 de janeiro de 1949, não havia caso de urgência no sentido da Convenção de Havana, a sentença especificou que não havia nenhuma crítica em relação ao Embaixador da Colômbia. Sua apreciação do caso não era um elemento relevante em relação à validade do asilo: somente importava a realidade objetiva dos fatos. A Corte chegou então à conclusão de que a outorga do asilo não estava de acordo com o artigo 2º, parágrafo 2º, da Convenção de Havana. As duas conclusões colombianas foram rejeitadas, a primeira por 14 votos a 2 (juiz Azevedo e juiz ad hoc Caicedo); a segunda, por 15 votos a 1 (juiz Caicedo). Quanto à demanda reconvencional do governo peruano, foi rejeitada por 15 votos a 1, pois era fundada em uma violação ao artigo da Convenção de Havana que previa que o asilo não poderia ser concedido a pessoas acusadas por delitos de direito comum. Mas, sobre o segundo ponto, a demanda reconvencional foi acolhida por 10 votos a 6 (juízes Alvarez, Zoricic, Badawi Pacha, Read e Azevedo; e juiz ad hoc Caicedo). As opiniões dissidentes dos juízes Alvarez, Badawi Pacha, Read, Azevedo e Caicedo se encontram em anexo na sentença. O juiz Zoricic, quanto ao segundo ponto da demanda convencional, se juntou à opinião dissidente do juiz Read.