História, imagem e narrativas
No 5, ano 3, setembro/2007 – ISSN 1808-9895 - http://www.historiaimagem.com.br
“Aparecendo na foto”: representações do negro na fotografia em Porto Alegre
no final do século XIX e inicio do século XX. •
Arilson dos Santos Gomes1
Mestrando do Programa de Pós-graduação em História da PUCRS
Bolsista CAPES
Membro do GT Negros/ANPUH-RS
[email protected]
RESUMO
Este artigo visa apresentar alternativas de como interpretar a imagem fotográfica de pessoas
através de sua situação social. Pretende-se dar ênfase as imagens da comunidade negra na cidade
de Porto Alegre, entre os finais do século XIX e inicio do século XX. A idéia desse tema surgiu a
partir das aulas da disciplina Imagem e Fotografia aonde através de textos e discussões foram
apresentadas leituras sobre a evolução da imagem, técnicas de sua produção, metodologias de
pesquisa, interpretações das imagens fotográficas e as suas aplicações. O título do artigo, bem
como o assunto, foi pensado por mim como forma de contribuir para a minha pesquisa de
Mestrado em História intitulada: O Congresso Nacional do negro em 1958: assuntos
levantados e registrados, tendo na utilização das imagens dos jornais Correio do Povo, A Hora e
Diário de Noticias, uma importante ferramenta de pesquisa para acabar, de vez, com o silêncio
histórico sobre o congresso realizado na cidade de Porto Alegre.
Palavras-chave: Sociedade - Imagem – Fotografia – Comunidade Negra – Metodologia
•
Artigo elaborado por ocasião da Disciplina Imagem e Fotografia ministrada pelo Prof. Dr. Charles Monteiro/
Programa de Pós-Graduação em História - PUCRS - 01/2007
1
Mestrando do Programa de Pós-Graduação em História PUCRS sob orientação da Profa. Dra. Margaret Marcchiori
Bakos/ Bolsista CAPES
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História, imagem e narrativas
No 5, ano 3, setembro/2007 – ISSN 1808-9895 - http://www.historiaimagem.com.br
Este artigo visa apresentar alternativas de como interpretar a imagem fotográfica de
pessoas através de sua situação social. Pretende-se dar ênfase as imagens da comunidade negra na
cidade de Porto Alegre, entre os finais do século XIX e inicio do século XX. A idéia desse tema
surgiu a partir das aulas da disciplina Imagem e Fotografia aonde através de textos e discussões
foram apresentadas leituras sobre a evolução da imagem, técnicas de sua produção, metodologias
de pesquisa, interpretações das imagens fotográficas e as suas aplicações.
O título do artigo, bem como o assunto, é pensado por ocasião de meu projeto de pesquisa
intitulado: O Congresso Nacional do negro em 1958.: assuntos levantados e registrados.
Esta investigação trata do Congresso Nacional do negro, que ocorreu na Câmara de Vereadores
e na Sociedade Beneficente Floresta Aurora, em Porto Alegre, entre os dias 15 e 19 de
setembro de 1958, discutindo, entre outros, os seguintes
assuntos: inserção do negro na
sociedade brasileira; a Sociedade Beneficente Floresta Aurora, trajetória e importância para os
negros porto-alegrenses; a organização interna e as atividades sociais na década de 1950
relacionadas com essa entidade até a realização do Primeiro Congresso Nacional do Negro;
alfabetização intensiva do negro brasileiro; a situação histórica do negro no Brasil e demais
nações e a questão da alma não ter cor Esses temas ficaram registrados na Imprensa e em atas.
Entre esses destaca-se a história do título da Sociedade Floresta Aurora relatada no discurso de
abertura do Congresso, pronunciado por Valter Santos, orador, e publicada no Jornal A Hora.
No distante ano de 1872, quando não existia nenhuma sociedade de negros em
nossa capital, um grupo de homens residentes na então rua Floresta, e mais alguns
elementos femininos discutiam a necessidade da formação de uma sociedade que
congregasse o elemento negro. Era dia 31 de dezembro. O grupo estava reunido
exatamente à espera da entrada do ano novo. Como a discussão realizava-se numa
rua de nome Floresta e como a aurora neste dia despontou muito linda!!!...o grupo
resolveu denominar a sociedade com o nome que hoje é conhecida em todo o
Estado e em muito recantos do Brasil – Sociedade Beneficente Floresta Aurora.
(s.n/ Primeiro Congresso Nacional do Negro Instalou-se Ontem em Porto Alegre.
A HORA/ Porto Alegre/ 13/09/1958/ p.05)
Nos jornais Correio do Povo, Folha da Tarde e A Hora é possível visualizar fotografias
dos participantes, palestrantes e os espaços físicos que ocorreram este encontro político.
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Nesse sentido, nota-se uma importante contribuição na utilização das imagens como
subsídio para futuras interpretações de como vemos as representações dos negros em Porto
Alegre, o que contribui para aprofundar e enriquecer o nosso conhecimento e as possibilidades de
pesquisarmos nessas fontes o referido tema.
Desde as fotos de tipos sociais, das negociadas nos estúdios até as imagens em jornais,
sobre o Congresso Nacional do Negro, notamos alternativas de como interpretar,
historicamente, determinados períodos vivenciados pelos negros na capital gaúcha. Acredita-se
ser possível, através dessa ferramenta, levantar hipóteses de uma possível ascensão social do
negro através das imagens.
Com essas intenções e impulsionado pela curiosidade pergunto: Como eram representados
socialmente os negros nas imagens fotográficas no final do século XIX e inicio do XX na capital
dos gaúchos? Em que contexto surgiram essas imagens? Quem as produzia? Quais os motivos
que incentivaram os negros a posar em estúdios fotográficos? Aonde se localizavam os estúdios
em Porto Alegre no período das fotos pesquisadas? Quem eram os receptores das imagens? As
fotos eram negociadas entre os fotógrafos e os negros retratados? É possível através das
fotografias identificar os cenários construídos? É possível notarmos uma ascensão social do
negro através da fotografia?
Para responder a esses questionamentos utilizarei, brevemente, a metodologia proposta
por Miriam Moreira Leite que nos explica que: “as imagens são representações aguardando um
leitor que as decifre”. Portanto, não pretendemos utilizar as imagens como ‘meras figuras
ilustrativas’ e sim demonstrar um estudo comparativo dos sistemas de símbolos e significados da
‘linguagem fotográfica’, através de aspectos visualizáveis.
Iniciaremos com as fotos de negros libertos e os seus ‘tipos sociais’, passando por uma
parcela da população negra que detinha condições de negociar uma foto ‘posada’ nos estúdios do
centro da cidade de Porto Alegre, encerrando o artigo nas imagens do Congresso do Negro
aonde a representação da imagem nos mostra um grupo organizado coletivamente e apto para
propor mudanças políticas e sociais em suas condições.
Ou seja, levando em consideração o contexto, propomos demonstrar a ascensão/inserção
social da comunidade negra, nesse período, através da ‘linguagem fotográfica’ descrevendo os
espaços físicos de sua produção, a técnica fotográfica, fotógrafos, o grupo envolvido e a proposta.
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Como analisar as fotografias? Conforme Miriam Moreira Leite podemos analisar as
fotografias de três formas distintas. Primeira, através das características externas gerais da
coleção – tamanho, tipo, amplitude, data, local, fotógrafo, publicação, instituição de conservação,
como veio a se formar a coleção – para se passar à análise interna das fotografias que compõem o
‘corpos documental’. Na segunda analise, se verifica de que maneira a superfície e o sentido das
imagens foram registrados pela câmera e em uma terceira situação tenta-se construir séries ou
seqüência de fotografias de acordo com o problema estudado, com local e data. (LEITE, 1986)
Utilizaremos,
brevemente,
três
estilos
de
coleções
para
responder
nossos
questionamentos. A primeira é a localizada no Museu J.J Felizardo – Fototeca Sioma
Breitman, são fotos de Virgilio Calegari A segunda coleção, relacionada às fotos do estúdio
Barbeitos, localizada no livro intitulado: Negro em Preto e Branco – História Fotográfica da
população negra de Porto Alegre, organizado por Irene Santos e a terceira coleção, compostas
de imagens jornalísticas impressas nos jornais Folha da Tarde, A Hora e Correio do Povo,
datados de 1958, que nos mostram em seqüências imagens produzidas por ocasião das atividades
do Primeiro Congresso Nacional do Negro.
Junto às fontes citadas, desenvolveremos esse artigo com a entrevista oral concedida pelo
Sr. Léo Guerreiro, fotógrafo porto-alegrense em atividade desde a década de 1950. Entre a sua
trajetória podemos destacar as fotos aéreas da capital gaúcha reveladas nas décadas de 50 e 60 e,
em especifico, para a nossa proposta, as suas atividades relacionadas com a comunidade negra de
Porto Alegre. Em seu trabalho podemos destacar sua parceria com Carlos Galvão Krebbs, sobre
imagens de religiões afro-brasileiras e as fotografias realizadas na sociedade negra mais antiga da
capital gaúcha e do Brasil, a Sociedade Beneficente Floresta Aurora.2
A SBFA, em nosso artigo, merece duas considerações importantes. A primeira, é que essa
sociedade negra é considerada a mais antiga do Brasil fundada por Polydoro Antonio de Oliveira,
negro forro, na cidade de Porto Alegre entre as atuais ruas Barros Cassal e Cristovão Colombo,
no ano de 1872 e a segunda, diz respeito à organização do Primeiro Congresso Nacional do
Negro, pensado por Valter Santos, presidente da sociedade na época, juntamente com os
2
A Sociedade Beneficente Floresta Aurora foi fundada em 1872 a partir de dissidentes da Irmandade do Rosário de
Porto Alegre. É a sociedade negra em atividade mais antiga do Brasil. Para saber mais da Floresta Aurora ver Liane
Muller em: “As contas do meu rosário são balas de artilharia – Irmandade, jornal e sociedades negras em Porto
Alegre, 1889-1920” (Dissertação de Mestrado, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, 1999).
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conselheiros Julio Soares, Rio Grandino Machado, Dalmiro Lemos, Rui Santos, Eurico Souza,
Flávio Silva, Edson Couto e Armando Temperani, todos ligados aos quadros administrativos da
entidade. Em 1958, a sede localizava-se, em outro endereço, na Rua General Lima e Silva
número 316. Nas imagens abaixo identificamos, Valter Santos, Eurico Souza e Armando
Temperani, membros dirigentes da SBFA em 1958 e da comissão organizadora do Primeiro
Congresso Nacional do Negro.3
IMAGEM 1 e 2 - Da esquerda para a direita, de Valter Santos e Eurico Souza: fonte MCSHJC, F22 E1 B3,
Jornal Folha da Tarde dia 19/09/1958 p.35. Imagem de Armando Temperani Arquivo de Dep. da Assembléia
Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul.
Dando continuidade a nossa proposta, após considerar a importante contribuição da
Sociedade Beneficente Floresta Aurora para a história do negro gaúcho e brasileiro e que
mostraremos mais adiante em virtude das imagens jornalísticas, também serão apresentadas
fotografias dos negros produzidas na cidade de Porto Alegre no final do século XIX a meados do
século XX. Imagens de negros forros de tipo social/populares, fotos da comunidade posadas em
estúdios no centro da capital gaúcha e imagens dos negros organizados coletivamente em
atividades do Primeiro Congresso Nacional do Negro.
Seguindo a metodologia referida anteriormente, pretende-se fazer um estudo comparativo
dos sistemas de símbolos e significados da ‘linguagem fotográfica’, através de aspectos
visualizáveis, em um primeiro momento, tecendo comentários descritivos dos fatos sociais
3
Para saber mais ver Arilson dos Santos Gomes no artigo intitulado: Primeiro Congresso Nacional do Negro
Brasileiro realizado em Porto Alegre no ano de 1958. Porto Alegre. VI Congresso Internacional de Estudos IberoAmericanos - PUCRS.Out.2006
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contidos nelas e no segundo momento propor um processo de narrativa histórica comentando
sobre o contexto das fotos e de sua produção.(LEITE, 1986).
Analisaremos, em um primeiro momento, as fotos do tipo social, produzidas entre o
período final da escravidão e o inicio do trabalho livre na cidade de Porto Alegre. Antes de
aprofundarmos as nossas investigações, cabe identificar como surgiram as fotografias do tipo
social.
No livro Fotografia e Cidade de Solange Ferras de Lima e Vânia Carneiro de Carvalho
as autoras colocam que, em um primeiro momento, as fotografias do tipo social, são retratados na
publicação Lloyd’s Greater Britain Publishing Company. Nela encontra-se a apresentação de
grupos étnicos e profissionais na forma tipológica. Atributos corporais, fisionômicos,
identificação racial, objetos de trabalho e indumentárias são reservados a grupos marginais desta
sociedade. São imagens reservadas apenas para grupos indígenas, negros e “tipos de rua” como
vendedores ambulantes.(Lima e Carvalho, 1997)
Passamos a alteração do padrão tipo social a partir de meados do século XIX. Se antes
essa ‘marca’ era remetida aos negros, índios, e pessoas que não figuravam entre o padrão da elite,
a partir de Disdéri a idéia de tipo social é transformada, mas não extinta. Conforme Solange
Ferras de Lima e Vânia Carneiro:
Na história da fotografia, a primeira fase de produção de imagens está associada
aos chamados “fotógrafos artistas”, profissionais de formação erudita,
provenientes, freqüentemente, dos mundos das artes plásticas (...) Em 1854, o
fotografo André Adolph-Eugène Disdéri estende a aplicação do tipo à classes
médias urbanas. No pequeno formato cartão de visita, Disdéri acomoda o
imobiliário, objetos portáteis, vestimentas e acessórios, cenários de fundo para a
construção de personagens desejadas pela sua clientela – o intelectual, o músico, a
dançarina, o homem bem sucedido etc. A apresentação segundo padrões
tipológicos deixa, assim, de ser um “privilégio” de etnias estigmatizadas para
conhecer um longo período de uso maciço e até prestigioso. (Lima e Solange,
1997 p.183)
Para Maria Linhares Borges (2003) a partir da Disdéri (1819-1889) e da sua inovação
técnica, outros grupos sociais, além da aristocracia e da alta burguesia passam a usufruir dessa
inovação técnica. O aparelho criado por Disdéri populariza a comercialização, industrialização e
circulação da fotografia. Ele criou um aparelho que permitiria a tomada de até oito clichês
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simultâneos iguais ou diferentes, em uma única chapa. Surge assim a era dos estúdios
fotográficos.
Segundo a autora, que extraiu a noticia de um Jornal mineiro, da cidade de Juiz de Fora
em 1883, três novos atributos são gerados pela era dos estúdios. O primeiro se refere à
democratização do consumo da imagem, o segundo a mobilidade espacial dos fotógrafos e de
suas criações. Já o terceiro diz respeito ao aparecimento de novos negócios e ofícios ligados ao
mundo da fotografia, tais como as empresas produtoras de equipamentos fotográficos.4
Retornando ao Rio Grande do Sul, analisaremos, brevemente, o contexto em que essas
inovações chegam a Porto Alegre. Como estava se desenvolvendo o processo abolicionista no
país, no Estado e na cidade?
A Abolição brasileira foi decretada em 13 de maio de 1888. O trabalho escravo fora
abolido por influências externas e internas. Pela influência externa salientamos o movimento de
combate à escravidão, liderado pela Inglaterra em virtude da Revolução Industrial.
Pelos fatores internos o Brasil desencadeia mudanças estruturais de adequação ao modo
de produção baseado no trabalho livre. Neste sentido podemos relacioná-lo com a agonia do
sistema escravista brasileiro que tinha como base econômica a grande lavoura sustentada pela
mão-de-obra escrava que despendia altos custos de seus proprietários. Não muito diferente, no
Rio Grande do Sul, onde a Abolição foi decretada em 1884, as charqueadas também passam a
sofrer com a mão-de-obra escrava ‘cara’, devido a Lei Euzébio de Queirós, e com a concorrência
da região do Prata, onde o trabalho assalariado e as charqueadas com tecnologia incipiente
motivam a concorrência na região. Em Porto Alegre, integrantes do Partenon Literário auxiliam
na abolição municipal.
Além dos fatores econômicos, podemos pensar na ‘derrocada’ da escravidão através das
ações do escravo que, em pesquisas atuais ‘desvendamos’, teve participação direta nesse
processo. Através da luta contra a sua condição o negro agiu sob formas de fugas, quilombos e
insurreições o que colaborou de forma significativa para o encerramento de seu cativeiro.
4
Para saber mais sobre o desenvolvimento dos estúdios fotográficos, ler: Maria Eliza Linhares Borges. História e
Fotografia, Autêntica, Belo Horizonte 2003.
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Podemos afirmar que outros fatores influenciaram o abolicionismo no Estado do Rio
Grande do Sul e em Porto Alegre, desde de sociedade civil organizada, passando pelos partidos
políticos e aspectos relacionados com a imprensa.5
Nesse sentido, o que fora apontado anteriormente por Borges (2003) quanto aos três
novos atributos gerados pela era dos estúdios, em primeiro lugar, a democratização do consumo
da imagem; em segundo lugar, o potencial de mobilidade espacial dos fotógrafos e de suas
criações e, terceiro lugar, o aparecimento de negócios e ofícios ligados ao mundo da fotografia,
encontra ‘solo fértil’ na cidade de Porto Alegre, em transformação, no final do século XIX.
O processo de modernização da imagem, sob a ótica fotográfica, nesse período auxilia as
elites, políticas, oligárquicas e potencialmente abonadas a construírem a sua convenção de
mundo, já que tanto a técnica quanto os códigos culturais eram compreendidos por esse grupo
social, e que o fotografo enquanto profissional era seleto em sua atividade e buscando
incessantemente a sua realização pessoal e destaque através dos importantes registros de trabalho.
Portanto, o controle da imagem nesse período pertencia aos grupos ‘dominantes’ da
sociedade. A produção, circulação e o consumo das imagens fotográficas eram controlados por
eles sendo a sua ‘visão de mundo’ ocidental e eurocêntrica retratada na lente da objetiva.
Nesse contexto, as novas descobertas na tecnologia fotográfica são apresentadas aos
fotógrafos da cidade por intermédio do italiano Luiz Terragno no ano de 1882. Retratos duplos e
inalterados de carbono, projetados em papel, porcelana, mármore e tela.6
Na época, os principais fotógrafos de Porto Alegre eram a família Ferrari e Virgilio
Calegari. Os Ferrari chegaram a Porto Alegre em 1871 para operarem no ramo de fotografias,
montando o seu atelier na Rua Duque de Caxias; e Virgilio Calegari que, chega à capital em
1885, monta seu estúdio na rua do Arroio, atual Bento Martins.
5
Para saber mais ver: Margaret Marchiori Bakos em “RS: Escravismo e Abolição, 1982 e Repensando o Processo
Abolicionista Sul-Rio-Grandense”–Revista PPGH-PUCRS, 1988, Verônica Monti, “O Abolicionismo – Sua hora
decisiva no Rio Grande do Sul”, 1985, Emília Viotti da Costa “Da Monarquia à República-momentos decisivos”,
1998.
6
Conforme Hélio Ricardo Alves os italianos Terragno, Ferrari e Caligari foram os pioneiros na fotografia na cidade
de Porto Alegre, sendo o brasileiro Lunara, embora armador, outro importante fotografo da cidade. As cenas urbanas
que fez, com arte e sensibilidade são as suas principais características. A natureza em destaque, os lugares simples e
bucólicos, arrabaldes, fotos estáticas e as pessoas eram o foco de sua objetiva. Para saber mais ver Hélio Ricardo
Alves e Luiz Eduardo Achutti. “Ensaios sobre o fotográfico”, 1998.
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Ambos destacam-se no ramo das imagens fotográficas porto-alegrenses. Inclusive com
disputas e embates pela produção e circulação das principais imagens sociais, ambientais,
políticas e culturais da cidade de Porto Alegre. Conforme Alexandre Ricardo dos Santos: “na
imprensa do inicio do século é o nome de Calegari que mais aparece, ao passo que na ultima
década, dos oitocentos, era aos Ferrari que as páginas dos periódicos dedicavam os mais
eloqüentes elogios pela sua produção de vistas”. Além das transformações econômicas, sociais e
culturais, ocorre a transformação política com o advento da República em 1889.7
Antes de interpretarmos as imagens de tipos sociais negros, na transição entre o trabalho
escravo para o trabalho livre, as posadas e as imagens do Congresso Nacional do Negro, e
buscando um referencial social, cabe considerar três aspectos, considerados como principais por
Mauad (2004) para analisarmos as imagens visuais e que serviram de suporte para a compreensão
de nosso artigo.
A questão da produção – o dispositivo que media a relação entre o sujeito que olha e a
imagem que elabora por meio dessa atividade de olhar, pela manipulação de um dispositivo de
caráter tecnológico. A questão da recepção – associada ao valor atribuído à imagem, pela
sociedade que a produz, mas também recebe. Em que medida este valor está mais ou menos
balizado pelos efeitos de realismo da imagem ou se atribui valor a imagem: informativo, artístico,
íntimo etc. A questão do produto – a imagem consubstanciada em matéria, a capacidade da
imagem potencializar a matéria em si mesma, como objetivação de trabalho humano. Estabelece
assim, um diálogo de sentidos com outras referências culturais de caráter verbal e não verbal.
“As imagens nos contam histórias, atualizam memórias, inventam vivências, imaginando a
história”.
Portanto, diante das circunstâncias, a cultura visual na época permitia que as imagens
mostradas dos negros fossem denominadas como ‘grotescas’ e diferentes já que não eram
consumidas pelos próprios negros que certamente não estavam acostumados a ‘aparecer’, se ‘ver’
ou a ‘reconhecer-se’ como humano através do padrão construído pela cultura visual vigente no
período.
O visível, conforme Ulpiano, representa o domínio do poder e do controle, o ver/ser visto
dar-se/ não se dar a ver, os objetos de observação do que é visível e invisível é o olho do poder.
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Ver mais em Alexandre Ricardo dos Santos e Luiz Eduardo Achutti. “Ensaios sobre o fotográfico”, 1998.
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Pois o próprio contexto, pós-abolicionista, não propicia tal negociação no uso da imagem,
entre o negro liberto com os fotógrafos intimamente ligados aos novos tempos, envolvidos com a
civilidade, cientificismo, evolucionismo, modernidade, positivismo, progresso, República,
tecnologia e Bella Époque porto-alegrense, o que passa a modificar com o tempo e a
estandardização.
Se o fotografo é por excelência um filtro cultural como explica Kossoy (2001)
entendemos que o negro nesse período era visto como um autêntico tipo, exótico e diferente aos
olhos das elites da cidade. Já que não era o grupo negro que produzia a sua própria imagem e/ou
dominava as técnicas, não era quem mediava a negociação das mesmas, nem quem apreciava ou
consumia suas imagens. Por fim acabava sendo um produto de circulação cultural entre as elites
da época.
Nesse momento passaremos a interpretar as imagens de negros como tipos tecendo em um
primeiro momento comentários descritivos, desenvolvendo um processo de narrativa histórica
comentando sobre o contexto das fotos e de sua produção:
IMAGEM 3 - Virgilio Calegari/ Museu J.J Felizardo – Fototeca Sioma Breitman
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Na foto observamos a face de um negro, com um gorro torto, com um olhar distante,
talvez triste, é difícil de decifrar o seu olhar, como não olha para a lente e seu olho direito parece
ser ruim de visão, fica a sensação que ele é cego da visão direita. No rosto, marca de opressão,
três cicatrizes aparecem na sua fase, a barba por fazer e a roupa velha, aberta e suja passam uma
imagem de miséria, pobreza e de horror. Imaginemos essa representação nesse período aonde as
campanhas de higienização eram freqüentes.
Essa fotografia é de Virgilio Calegari que, como vimos anteriormente, era considerado o
maior fotográfo-artista porto-alegrense entre o final do século XIX e inicio do século XX. Um
profissional de renome inclusive no exterior. Tinha suas produções expostas nos principais
centros comerciais da cidade. No período ainda existiam polêmicas entre fotografia e a arte, mas
Caligari destacava-se como sendo um grande criador de imagens consciente de sua atividade e da
sociedade que o cerceava.
A técnica utilizada para fixar essa imagem era retratos duplos e inalterados de carbono
projetados em papel, porcelana, mármore e tela. O que deveria levar horas para a fixação e
revelação.
O publico que freqüentava os estúdios de Virgilio Calegari e consumia a sua obra artística
era a elite porto-alegrense. Cujos exemplos de modernidade advinham do velho continente do
período, a Europa. As ‘classes abastadas’ da cidade de Porto Alegre recebiam os ‘ventos das
transformações européias’ de bom grado. Em seu estúdio a finese tinha um espaço cativo.
Conforme Alexandre Ricardo dos Santos:
(...) O estúdio de Calegari funcionava, desta forma, como um preâmbulo da
transformação dos reles mortais que buscavam tornar-se tão parecidos, quanto
possível, com os notáveis da cidade. O palco da sala de poses ficava à mostra na
sala de espera, onde ocorriam expectativas entre o vir a ser, do virtual cliente, com
o já ser, da refinadíssima clientela, cujos olhares adornavam as paredes. (Santos,
1998.p.26)
Portanto, quem consumia essas imagens era a elite da cidade. Em um momento de
transição da escravidão para o trabalho livre o outro, o dito inferior era, entre outros, o exexcravo. O produto da arte acima de Calegari foi fruto de uma época, aonde se as fotos faziam
sucesso, eram porque havia pessoas que apreciavam o material artístico.
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Essas imagens fazem parte da Galeria Grotesca de Calegari, um ilustrativo conjunto de
fotografias de tipos populares e que muitos entendedores do tema apreciavam.
Deve-se ressaltar que as influências de tipo sociais/populares existiam em outras fontes de
imagens de consumo e circulação entre as elites da época. Os postais eram a sensação desse tipo
de imagem. Segundo Shapochnik:
(...) os postais revelavam-se “francamente impregnados por um eurocêntrico
interesse etnográfico pelas raças consideradas inferiores”, sendo muitas vezes
subsidiadas por legendas do tipo “negresse da Bahia”, “indienne botocudo”,
“Uralter Bahianeger”, “aus Afrika Slave” (negro bahiano muito velho oriundo da
África como escravo), “Bahia-Kreolin (Eigeborene) im Festgewand” (Crioula
nascida na Bahia em trajes de festa), “carregador africano”, etc. (Shapochnik, 1998
p.430)
IMAGEM 4 - Museu J.J Felizardo – Fototeca Sioma Breitman
Nessa fotografia podemos visualizar três negros velhos, todos com os pés descalços,
embora vendedores ambulantes, pois os cestos acusam, estigmatizados por serem negros. No
chão muita sujeira, um pau, papel sujo, casaco jogado; e muitas pedras em volta, o que devia
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machucar muito os pés desses velhos homens. Com barbas por fazer, provavelmente com falta
de banho já que as roupas são desorganizadas e rasgadas, essa imagem tem um ar melancólico.
No velho do meio é possível notar, em sua cintura, um cordão segurando a sua calça para não
cair. Também é visualizável que o velho do centro deva ser o mais idoso. Pois, o seu cesto está
vazio, como o dos demais, mas ele é o único curvado, com os ombros pesados segurando o cesto,
como se o cesto estivesse com produtos. Pode ser um jogo de cena, já que o velho da esquerda
esta com as mãos em posição de ‘sentido’, e o da direita; esta com as mãos cruzadas o que
configura três tipos exóticos, em três poses diferentes enquadrados em uma única imagem.
Mas para a época, e a parcialidade da elite e dos freqüentadores dos finos ateliês e
estúdios de Calegari e dos Ferrari essa imagem representava, não uma normalidade mais uma
arte, já que o “outro” branco, europeizado, higienizado, limpo, ocidental e, que consumia essa
imagem certamente, era o dito ‘normal’ na época.
Nesse sentido pode-se dizer que os fotógrafos-artistas porto-alegrenses como filtro
cultural do período sob hegemonia das elites locais, eram frutos desse contexto. Profissionais
desempenhando competentemente o seu papel inovador e criativo.
Mas enquanto pesquisadores de nossa época, devemos entender que por trás daqueles
negros, da Galeria Grotesca do século XIX, existiam homens. Homens que pensavam na sua
condição, que sofriam com um contexto adverso e que através da própria imagem valorizada
tendiam a lutar contra tais representações, investindo em sua auto-estima individual, familiar e
coletiva. Observável, também através da imagem de retratos negociadas/ mediadas em estúdios,
que interpretaremos nesse segundo momento.
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IMAGEM 5 e 6 - Arquivo Imágica/ Acervo Osvaldo Reis, fotos localizadas no livro Negro em Preto e Branco de
Irene Santos, 2005.p.46.
Essas imagens evidenciam uma transformação na representação da imagem da
comunidade negra. Evidente que não podemos relacionar essas imagens a todos os negros e
negras do inicio dos anos 30 na cidade de Porto Alegre, mas o fato de estarem posando
impecavelmente vestidos, com sapatos, mostram os avanços da comunidade negra, que passa a
negociar e a mediar a sua imagem. Os ternos estão alinhados, os colarinhos perfeitos; e as
expressões faciais mostram orgulho.
A iluminação é muito parecida nas duas imagens, a pose também, sendo a mesinha de
apoio do lado inverso, tendo o braço suavemente em cima das mesmas. Na mesinha da esquerda,
na foto do homem de terno escuro, é possível visualizar um vaso com plantas, que embora não
tenha na mesinha da esquerda, do homem de terno listrado, o local padrão para colocar o vaso
exista. No fundo da imagem vemos retratadas nuvens e flores, o que representa tranqüilidade em
um ambiente muito bem representado e construído.
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IMAGEM 7 e 8 - Arquivo Imágica/ Acervo Renato Costa, fotos localizadas no livro Negro em Preto e Branco de
Irene Santos, 2005.p.42.
Nas imagens acima, na do lado esquerdo, é possível notar que o homem sentado
representa ser o chefe da família, sentado e segurando na mão direita uma bengala ou cajado,
símbolo de poder em diversas sociedades, incluindo as africanas. O braço esquerdo esta
sincronicamente apoiado no braço da cadeira. Seu aspecto é austero. O terno esta impecável,
alinhado e altivo o homem sentado usa sapatos desenhados e esta com uma bela mulher apoiada a
seu ombro, também elegante e muito bem vestida com sapatos combinando com o traje.
A imagem da direita mostra ao contrário da esquerda, a mulher como chefe da família,
tendo os seus filhos à volta, as mulheres são a maioria e para aparecer um equilíbrio na imagem
as duas meninas ficam nas pontas, já o menino apóia-se na mulher, provavelmente mãe das três
crianças todas muito bem vestidas e alinhadas, inclusive, as crianças com roupas de adultos a
cabelos desenhados. A mãe esta com os braços sincronizados com os braços da cadeira e as suas
pernas estão suavemente cruzadas. Os olhares levam a uma única direção ensaiada, já que todos
olham para o mesmo lado. A exemplo da imagem da esquerda, a cadeira é a mesma, exatamente
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a mesma, no fundo a imagem de céu e nuvens também, o que também nos remete a uma paz e
tranqüilidade. Os retratos são de famílias diferentes, mas o estúdio onde foram tiradas é o mesmo.
Nas quatro imagens anteriores é possível notar uma padronização. Esses belos retratos
foram feitos no Estúdio Barbeitos, localizado na rua Havaí no bairro Cidade Baixa, tradicional
território negro da capital gaúcha entre o final do século XIX e inicio do século XX.8
Nessas fotografias, é possível notar o cenário construído. Objetos decorativos, roupas e
trajes, painéis de fundo, móveis e utensílios. Conforme Shapochnik: “o uso da parafernália não
era aleatório, cumpria um papel importantíssimo na produção de mensagens por meio da
“ambientação ilusória”, especialmente nesse contexto marcado pela fixação de migrantes e
imigrantes nos centros urbanos, e da possibilidade de acrescentar um retrato às cartas que eram
remetidas para os parentes e amigos distantes”.9
O fotografo sugeria e organizava a cenografia “funcionava como camarim e palco”
existindo a negociação entre ele e os fotografados. Miriam Moreira Leite observou uma certa
uniformidade na representação dos grupos familiares de diferentes níveis econômicos na cidade
de São Paulo no final do século XIX até 1930.
Segundo a autora, a padronização não era acaso, pois tirar um retrato era um ritual.
Implicava na seleção de trajes e de atitudes das pessoas que sabiam estar sendo fotografadas.
“Esta característica de pose-para-ser-exibida a pessoas de quem se deseja a aprovação e amor
uniformiza as fotografias, tornando quase impossível, a partir delas, uma distinção clara entre as
camadas sociais”.
Esses retratos são familiares, portanto, servem para circular e reforçar a “comunidade
afetiva”.
Nesse contexto é possível afirmarmos que a comunidade negra, através do retrato, juntase a outros grupos imigrantes e migrantes em nossa sociedade, localizando na preservação de sua
imagem pessoal e familiar, o sentimento, a memória e a auto-estima através do retrato.
8
Obtive as informações sobre o estúdio Barbeitos por intermédio de Irene Santos, organizadora do livro Negro em
Preto e Branco – História Fotográfica da população negra de Porto Alegre e em conversas pessoais com o fotógrafo
Léo Guerreiro entre os dias 22 e 28 de maio de 2007. Entre esses dias tive a sorte de realizar como ele três
entrevistas.
9
Para saber mais ver Nelson Shapochnik em Cartões Postais, Álbuns de família e ícones da intimidade.
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Na década de 40 e 50 os tipos sociais ou populares negros continuavam a existir na
cidade, conforme nos explicou em entrevistas o Sr. Léo Guerreiro, fotógrafo do período. Mas
esses tipos eram diferentes daqueles ex-escravos.
“Mas nós temos que situar, uma observação que eu faço, que foi o período que eu
vivi, existiam negros em Porto Alegre, tipos populares como o Charuto, o
Bombardão, como Bataclã e outros negros. E os fotógrafos da época, os retratistas
da época que participavam dos salões de fotografias, convidavam eles como
modelos para posarem nos estúdios (...)” 10
Esses negros eram artistas, esportistas e personalidades da cidade, o que demonstra a
inserção desses homens, que certamente negociavam e participavam das escolhas dos retratos que
lhes agradava e, não aos que agradecem somente o fotógrafo de posse da máquina ou ao público
receptor dessas imagens. Situação bem diferente das produzidas por ocasião da Galeria Grotesca
do século anterior.
Nesse período as fotografias ainda eram produzidas por chapas negativas de vidro,
conforme nos relata Seu Léo Guerreiro. A era dos estúdios clássicos de Porto Alegre estava com
os dias contados, devido às transformações tecnológicas e as demolições imobiliárias do centro
da capital gaúcha:
“Em 1957, eu recordo bem, eu desci a Rua da Praia, uma tarde e eu comecei a
contar o número de estúdios fotográficos de calçada, com vitrine na Rua da Praia,
lojas com vitrine. Tinha 8 estúdios. Da Praça Dom Feliciano até a PÇ da
Alfândega. Hoje, tu não encontra mais nenhum estúdio, de retrato, eles faziam
retrato clássico mesmo. Hoje tu não encontra nenhum estúdio em Porto Alegre
funcionando tirando retrato”.11
Na entrevista, seu Léo Guerreiro explica como ele utilizou a nova tecnologia da época, a
câmera Rollei Flex. Inovação que, contribui definitivamente para o final da era dos estúdios
porto-alegrenses.
“(...) Trabalhava com filme 6x6, o filme o tamanho do negativo era 6x6 em um
filme 120. Dava 12 chapas num filme, então eu ia fazer uma reportagem botava
10
11
Entrevista realizada no dia 22 de maio de 2007.
Entrevista realizada no dia 22 de maio de 2007.
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dois filmes no bolso e fazia a reportagem. E isso ai também prejudicou muito os
fotógrafos estabelecidos que, quando eu comecei, eles ainda trabalhavam com
chapas negativas de vidro. Eles iam para um casamento, com chapas 9x12, né,
levavam 12 chapas ou coisa parecida, 6 (AUXILIOS) (saches) com duas chapas
em cada saches e nós íamos fazer o casamento com cinco rolos de fios, fazia 60
fotos ali era uma loucura o que se vendia de fotografia e eles tiveram um prejuízo
muito grande com a demolição do centro da cidade (...)”.
Chegamos em nossa terceira e última parte do artigo. Nesse momento passamos a
interpretar as imagens do Primeiro Congresso Nacional do Negro realizado, na Câmara de
Vereadores e na Sociedade Beneficente Floresta Aurora, em Porto Alegre entre os dias 15 e
19 de setembro de 1958.12
O Primeiro Congresso Nacional do Negro foi organizado pela Sociedade Beneficente
Floresta Aurora. O congresso contou com delegações do estado de São Paulo, Paraná, Santa
Catarina e do interior do Rio Grande do Sul.
IMAGEM 9 - Da esquerda para a direita. Em pé Valter Santos, na seqüência Dr. Legsiner de Farias,
Dr. Darcy Conde Salgado e Manuel Luis Leão. Fotografia Folha da Tarde do dia 15/09/1958.
12
Para saber mais ver Arilson dos Santos Gomes no artigo intitulado: Primeiro Congresso Nacional do Negro
Brasileiro realizado em Porto Alegre no ano de 1958. Porto Alegre. VI Congresso Internacional de Estudos
Ibero-Americanos - PUCRS.Out.2006
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Na imagem acima, visualizamos a mesa de abertura do Encontro. Em pé, do lado
esquerdo o Presidente da SBFA Valter Santos. Ao seu lado compondo a mesa estão três
representantes da Faculdade de Engenharia da UFRGS, Dr. Legsiner de Farias, Diretor da
Faculdade, Dr. Darcy Conde Salgado e Manoel Luis Leão. Dirigindo os trabalhos, vemos o
anfitrião dando as boas vindas aos participantes do Congresso. Os convidados na mesa e o
público, visualizado abaixo, acompanham o discurso de Santos, que de posse de folhas em suas
mãos deve estar lendo as informações inaugurais do encontro. O ambiente do local é clássico, a
mesa brilhante, as cadeiras estofadas. Esse local, bem ventilado, já que vemos ventiladores atrás
de Valter Santos e dos palestrantes da mesa, é a Câmara de Vereadores de Porto Alegre.
IMAGEM 10 - Fotografia Folha da Tarde do dia 15/09/1958.
O auditório da Câmara de Vereadores está lotado, sendo visualizável pessoas de pé ao
fundo, e não são poucas. Sentadas, vemos uma mulher no lado esquerdo, de vestido branco e
chapéu. Muito bem vestida. Na maioria dos assentos vemos homens, todos muito bem vestidos,
na maioria negros, todos de ternos e gravatas, e um detalhe chique, no bolso direito do terno, que
eu vejo, e esquerdo que eles vestem, temos o lenço claro como padrão do traje masculino. Na
segunda fileira de cadeiras é possível visualizarmos cinco mulheres. Notamos, homens e
mulheres negras, acompanhando esse importante Congresso.
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IMAGEM 11 - Fotografia Folha da Tarde do dia 15/09/1958.
Na imagem acima, vemos ao centro de pé, um dos palestrantes da primeira noite, o
Dr.Dante Laitano. A esquerda um possível dirigente da Floresta Aurora e a direita o Presidente
Valter Santos. É importante visualizarmos a mesa brilhante, pois ela identifica o local, a Câmara
de Vereadores de Porto Alegre. Na mesa é possível notar dois copos de águas e na frente de
Dante Laitano um livro.
IMAGEM 12 - Fotografia Folha da Tarde 18/09/1958
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Na imagem acima notamos alterações na decoração do espaço físico. Nesse dia a
atividade esta sendo realizada na sede social da Sociedade Floresta Aurora, localizada na Rua
General Lima e Silva número 316. Na mesa notamos uma toalha desenhada e ornamentos de
flores, em seu entorno, sentados, dirigentes da SBFA e em pé, o palestrante da noite o político
Coelho de Souza. Ao fundo, cortinas suspensas, enfeitando o local.
IMAGEM 13 - Fotografia Folha da Tarde 18/09/1958
Na fotografia acima, a imagem do público da noite, olhares atentos, e novamente a
exemplo da imagem da Câmara de Vereadores, espaços lotados. Platéia bem vestida e à frente
dois homens negros com as pernas suavemente cruzadas e com as mãos ao colo. As mulheres
aparecem sempre bem vestidas.
Nota-se alguns códigos importantes nas imagens do Congresso. Os palestrantes ao usar a
palavra aparecem sempre de pé atrás da mesa, quase como um ritual e as roupas dos participantes
eram da melhor qualidade sendo os espaços de realização das atividades altamente estruturados
para receber os participantes.
Essas imagens foram produzidas por fotógrafos que trabalhavam profissionalmente em de
jornais e revistas. Inclusive a foto de abertura do Congresso também é localizada na Revista do
Globo nº 727 da 2ª quinzena de outubro de 1958 na página 50.
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Nesse período ocorreram transformações na tecnologia empregada e na produção das
imagens. Segundo o fotografo Léo Guerreiro:
A grande alteração na foto jornalística aqui no Brasil foi a Revista Cruzeiro, e em
1944, com a vinda do Jean Mazzon da Europa, Jean Mazzon trabalhava no Paris
Matz, que era uma revista francesa. Mas em 1937 com a criação da Revista Life, a
Revista Life criou um novo padrão de reportagem fotográfica utilizando a Rollei
Flex que é uma máquina versátil, o único inconveniente da Rollei é que ela não
tem uma tele objetiva ela só tem uma lente normal que é 75 – 80 milímetros,
formado por negativos é 6x6, então em um filme tem 12 chapas, então essa câmera
revolucionou a reportagem fotográfica (...) a Rollei Flex ... foi um sucesso
mundial... a Rollei, então todas as revistas usavam o Rollei Flex e a Life descrevia
o assunto com fotografias, fotografias super valorizadas de belíssima qualidade e
nós tivemos também aqui no Brasil na Revista Cruzeiro, com a entrada do Jean
Mazzon ele reformulou a revista e criou um time de fotógrafos de primeiríssima
qualidade, a revista do Globo quando Justino Martins assumiu entrou no mesmo
padrão dessas revistas estrangeiras.13
Quanto à recepção, nesse período, as imagens e a sua circulação já atingiam a massa. O
consumo leva massificação dos jornais e vulgarizam a imagem, possibilitando a todos
participarem em maior ou menor grau do mundo das representações culturais e sociais.
Conforme Coelho (2006) os jornais da década de 1950 tinham a preocupação de atingir
‘as massas’ do período populista através de um novo desenho de suas páginas ampliando o
tamanho e o número de fotos impressas. Ainda concordando com Maria Beatriz Coelho surgem
novidades quanto à produção e circulação da imagem referente à comunidade negra. “Se antes os
negros eram vistos como partes da África encravada no território nacional, começaram a ser
registrados através das lentes de fotógrafos negros, que procuravam valorizar as cores e a
dignidade de um povo que passou pela escravidão e ainda carrega um estigma”.
Para concluir, acredito que foi possível notar a ascensão social da comunidade negra
através das imagens fotográficas que é possível visualizar a partir da imagem de ex-escravos
estigmatizados a agentes históricos. Propondo políticas públicas em conjunto com o governo por
uma melhor integração social.
No inicio de nossa proposta o negro não mediava a produção de suas imagens, não
dominava a técnica e era produto exótico para o receptor dessas imagens. Com o tempo e o
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desenvolvimento da sociedade de consumo, do capitalismo e principalmente da necessidade do
homem aprender a viver com a diversidade e a tolerância mútua, com as diferenças, passa a
existir a possibilidade de o negro ascender. E no âmbito da imagem ele mesmo passa a “se dar a
ver”.
Entende-se que muito temos a aprofundar nas pesquisas com imagens, não pretendendo
encerrar o debate nesse ‘vasto campo’ das representações. Compreendemos que ao utilizarmos
essa fonte devemos contextualizar ao máximo a sua produção, o receptor e o produto, para a
partir daí iniciarmos qualquer interpretação, já que muitos códigos formam esse ‘cenário’.
Finalizo pensando que a sociedade ainda tenha muito que aprender, mas o fato de
conseguirmos viver em uma sociedade mais plural acaba sendo uma alternativa para todos nós,
que compomos a humanidade, sermos representados através de uma imagem única, porém não
igual. Se todos nós aceitarmos ver o outro não como exótico, mas sim como alguém diferente,
com suas virtudes e defeitos teremos a possibilidade, não de ver um ou outro grupo ascendendo
através da imagem, como eu tentei abordar nesse artigo com a comunidade negra, e que de fato é
observável, mas a ascensão para melhor de todos os grupos em suas diversas representações e
conseqüentemente da humanidade.
13
Entrevista realizada no dia 28 de maio de 2007.
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_______. Análise de conteúdo: o condicionamento das informações sobre o Primeiro
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No 5, ano 3, setembro/2007 – ISSN 1808-9895 - http://www.historiaimagem.com.br
Revista do Globo número 727, outubro de 1958, p.58.
Entrevistas:
Entrevista realizada com o fotógrafo Sr. Léo Guerreiro no dia 22 e 28 de maio de 2007.
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