Web-Revista SOCIODIALETO • www.sociodialeto.com.br Bacharelado e Licenciatura em Letras • UEMS/Campo Grande Mestrado em Letras • UEMS / Campo Grande ISSN: 2178-1486 • Volume 4 • Número 11 • Novembro 2013 VARIAÇÃO LINGUÍSTICA: CASO DE ALUNOS INDÍGENAS XERENTE QUE CURSAM O ENSINO MÉDIO BÁSICO Maisa Coelho Parente (UFT)1 [email protected] Odair Giraldin (UFT)2 [email protected] Juscéia Aparecida Veiga Garbelini (UFT)3 [email protected] RESUMO: Este trabalho apresenta análises das variações linguísticas em produções textuais por alunos indígenas Xerente; assim como refletir com esses e estabelecer mediação sobre a construção de enunciados em língua portuguesa. O povo Akwẽ-Xerente se localiza na cidade de Tocantínia, no estado do Tocantins. A língua akwẽ pertence ao tronco linguístico Macrô-Je e à família Jê. O território desse povo se divide em duas terras: Terra indígena Xerente e Funil, sendo localizado na margem direita a leste do rio Tocantins, estando distante 70 km de Palmas, capital do Tocantins. A escolha do tema foi motivada principalmente pelo contato com alunos indígenas Xerente que cursam o Ensino Superior também na Universidade Federal do Tocantins, que têm muita dificuldade em compreender alguns enunciados da língua portuguesa, principalmente porque os usuários dessa última “falam rápido demais”. Além disso, conhecer mais sobre a cultura e língua desse povo, contribuir para os estudos na área de Sociolinguística e refletir com esses alunos acerca das variantes encontradas. O trabalho desenvolveu-se nas aldeias Salto e Porteira e em visita ao Centro Educacional Fé e Alegria Frei Antônio, em Tocantínia-To, para coleta dos textos elaborados por 06 (seis) alunos Xerente. Sendo que lhes foram dados 03 (três) temas de escolha: “Natureza”, “Minha vida na escola” e “Minha aldeia”, sendo este último o escolhido. Além disso, utilizaram-se como recursos os materiais: computador, lápis, caneta, borracha e caderno de entrevista. Em: “Nas aldeia”, por exemplo, à variável < s > de marcação de plural correspondem duas variantes: presença do segmento ([s]) e sua ausência ([∅]). Por ser a palavra “aldeia” bimorfêmica, favorece ainda mais a ausência do segmento ([s]). Palavras-chave: Alunos Xerente. Variação Linguística. Língua Portuguesa. ABSTRACT: This paper presents analysis of linguistic variations in textual productions by Xerente indigenous students; as well as reflects about these mediation and set about building set in Portuguese. The people Akwe-Xerente is located at the city of Tocantínia in the state of Tocantins. The language belongs to the Akwe linguistic trunk Macro-Jê and Jê family. The territory of these people is divided into two lands: indigenous land Xerente and Funil, being located at the right bank to the east of the Tocantins River and is 70 km far from Palmas, capital of Tocantins. The choice for this theme was motivated mainly by the contact with indigenous students who study Xerente Higher Education at the Federal University of Tocantins as well, who have great difficulty in understanding some statements of the portuguese language, especially because portuguese speakers "speak too fast". This works aims also learn more about the culture and language of these people, contributing to studies in the area of sociolinguistics and reflect with these students about the variants found. This work was developed in the villages Salto and Porteira and during a visit to the Centro Educacional Fé e Alegria Frei Antônio in Tocantínia – TO in 1 Graduada em Letras pela Universidade Federal do Tocantins Doutor em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Campinas 3 Doutora em Linguística pela Universidade Federal de Minas Gerais 2 450 Web-Revista SOCIODIALETO • www.sociodialeto.com.br Bacharelado e Licenciatura em Letras • UEMS/Campo Grande Mestrado em Letras • UEMS / Campo Grande ISSN: 2178-1486 • Volume 4 • Número 11 • Novembro 2013 order to collect texts written by six (06) Xerente students. They were given three (03) subjects of choice: "Nature", "My life in school" and "My village", the latter being chosen. Also, the used material resources were: computer, pen, pencil, eraser and notebook interview. In: “Nas aldeia”, for example, the variable <s> of plural correspond to two variants: the presence of the segment ([s]) and its absence ([∅]). Once the word "aldeia" has two forms, it favors even more the absence of the segment ([s]). Keywords: Xerente students. Linguistic variation. Portuguese. 1 INTRODUÇÃO A construção desse artigo objetiva um passo para a conclusão do projeto de pesquisa intitulado: “Ouvir, Fazer, Aprender: Estudo Comparativo dos Processos Próprios de Ensino e Aprendizagem para os Akwẽ-Xerente, Krahô e Javaé”, além disso, reflexões obtidas ao longo do contato com os povos Xerente. Este artigo analisa casos de variação lingüística presentes nos textos de alunos indígenas Xerente, bem como busca refletir sobre os eventos encontrados. A motivação pela escolha do tema se deu principalmente pelo contato com alunos indígenas Xerente que cursam o Ensino Superior também na Universidade Federal do Tocantins, que têm muita dificuldade em compreender alguns enunciados da língua portuguesa, principalmente porque os usuários dessa última “falam rápido demais”. Além disso, conhecer mais sobre a cultura e língua desse povo, contribuir para os estudos na área de Sociolinguística e refletir com esses alunos acerca das variantes encontradas. Dentro da Universidade tem que haver essa preocupação na relação desta com os estudantes indígenas, pois esses alunos saem de suas aldeias, onde usavam sua língua materna, no caso a língua akwẽ-xerente, de forma cotidiana. Quando chegaram à cidade de Porto Nacional, no estado do Tocantins, onde se localiza o campus da Universidade Federal do Tocantins, depararam com uma língua, que apesar de tê-la como segunda língua, em relação à qual se sentem desnorteados. Além disso, existe também a dificuldade de entender os textos que seus professores universitários passam em sala de aula. Pois os assuntos abordados nesses 451 Web-Revista SOCIODIALETO • www.sociodialeto.com.br Bacharelado e Licenciatura em Letras • UEMS/Campo Grande Mestrado em Letras • UEMS / Campo Grande ISSN: 2178-1486 • Volume 4 • Número 11 • Novembro 2013 textos, pelo menos na maioria deles, segundo relato dos próprios alunos indígenas, não condizem com a realidade dos mesmos. Os mesmos relatavam que têm muita dificuldade em escrever textos na língua portuguesa e também ao que se refere à compreensão dos mesmos. Que eles não tiveram um bom suporte no Ensino Médio, por isso possuem algumas deficiências, sobretudo na escrita e compreensão de textos escritos na língua portuguesa. A partir disso, surgiu o interesse de contribuir, ainda que de forma pequena, com reflexões para tentar apontar pontos desses conflitos vivenciados por esses alunos, principalmente os que cursam o Ensino Médio Básico. A pesquisa deu-se através de consulta de bibliografia sobre o tema em foco, (SOUSA FILHO, 2007; BORTONI-RICARDO, 2004; TARALLO, 2002; NASCIMENTO, 2012; MOLLICA E BRAGA, 2003; CARVALHO, 2009; CALLOU & LEITE, 2001). O trabalho desenvolveu-se em campo, nas aldeias Salto (Kripe) e Porteira (Nrôzawi) e em visita ao Centro Educacional Fé e Alegria Frei Antônio, em Tocantínia, Tocantins, para coleta de textos dissertativos elaborados por 06 (seis) alunos Xerente que estudam no 3° Ano do Ensino Médio Básico, com idade entre 18 e 20 anos. Os alunos que redigiram as redações residem nas aldeias: Kripe, Nrôzawi e Aldeia Nova Mrãiwahã. Sendo que lhes foram dados 03 (três) temas de escolha: “Natureza”, “Minha vida na escola” e “Minha aldeia”, sendo este último o escolhido. Além disso, utilizou-se como recursos materiais: computador, lápis, caneta, borracha e caderno de entrevista. A partir dessa introdução, o trabalho está dividido em três outras partes. Na primeira será apresentado um breve histórico sobre os povos Xerente e a educação indígena, além de apresentar os estudos dos autores que fundamentaram essa pesquisa. Na segunda, é feita uma reflexão sobre as variações lingüísticas detectadas nas redações escritas por alunos indígenas Xerente e na última parte as considerações finais. 2 REFERENCIAL TEÓRICO O povo Akwẽ-Xerente se localiza na cidade de Tocantínia, no estado do Tocantins. A língua akwẽ pertence ao tronco lingüístico Macrô-Je e à família Jê. O 452 Web-Revista SOCIODIALETO • www.sociodialeto.com.br Bacharelado e Licenciatura em Letras • UEMS/Campo Grande Mestrado em Letras • UEMS / Campo Grande ISSN: 2178-1486 • Volume 4 • Número 11 • Novembro 2013 território desse povo se divide em duas terras: Terra indígena Xerente e Funil, sendo localizado na margem direita a leste do rio Tocantins, estando distante 70 km de Palmas, capital do Tocantins. Apesar do contato intenso que os Xerente têm com os não-índios, esse povo como destacam alguns autores (Giraldin, 2010; Maybury-Lewis, 1979; Melo, 2010) ainda conservam sua língua, cultura, pintura corporal e vários rituais. Esse povo se organiza em duas metades exogâmicas: Wâhire e Doí. Essas metades são regidas por um sistema de clãs patrilineares que se distribuem em: Wâhire, Krozake e Kremprehi que estão ligados à metade Wâhire. Os vinculados a metade Doí são: Kuzã, Kbazí e Krito (Farias, 1990). Segundo Sousa Filho apud Martius (2007, p.40), “os Xavante falavam um dialeto da língua Xerente”. Esses dois povos compartilharam o mesmo território entre o Tocantins e Araguaia até meados do século XIX, quando o povo Xavante decidiu abandonar a região e migrar para o oeste evitando assim, o contato com os não-índios (Giraldin, 2004). Não é de hoje que se tem implantado vários projetos escolares aos povos indígenas. Como se sabe, até o fim do período colonial a educação indígena era de responsabilidade de missionários católicos, que tinham como único objetivo catequizar, evangelizar e tornar os indígenas “filhos de Deus”. E de acordo Nascimento apud Paiva (2003): Desde que chegaram ao Brasil os jesuítas estabeleceram escolas e começaram a ensinar ler, escrever, contar e cantar e, no contexto brasileiro, pertencendo à corte portuguesa como eixo social, “as letras deviam significar adesão plena à cultura portuguesa”. (NASCIMENTO, 2012 apud PAIVA, 2003, p. 29) E até os dias de hoje, os currículos usados na educação indígena se parecem com os empregados em escolas regulares. Não levando em consideração a cultura, a visão de mundo desses povos. (Silva; Azevedo, 1995). Esse panorama educacional civilizatório e dominador só começou a ser questionado na década de 80, por causa da consolidação dos movimentos indígenas organizados que garantiam seus direitos na Constituição de 1988, como suas crenças, costumes, línguas, cultura e etc. (Gerken; Oliveira, 2008). E, como destaca Nascimento: 453 Web-Revista SOCIODIALETO • www.sociodialeto.com.br Bacharelado e Licenciatura em Letras • UEMS/Campo Grande Mestrado em Letras • UEMS / Campo Grande ISSN: 2178-1486 • Volume 4 • Número 11 • Novembro 2013 Uma das principais reivindicações dos povos indígenas, através do movimento indígena, foi o direito à autodeterminação ou, em outras palavras, a exigência de que as práticas formais educativas fossem desenvolvidas pelos próprios indígenas, bem como que coubessem a eles as definições de concepções de educação e processos próprios e específicos de aprendizagem. (NASCIMENTO, 2012, p. 41) E em 1996, nos artigos 23 e 26 da LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional) tornou possível a flexibilidade dos calendários e currículos escolares. E, além disso, através da Resolução 03 e do Parecer 14, ambos documentos do Conselho Nacional da Educação assinados em 1999, foram reconhecidos mais uma vez o caráter intercultural e bilíngüe que deve ter a escolarização indígena. Mas os conflitos continuam, pois apesar das conquistas dessas leis que viabilizam o ensino indígena, na prática ainda não se estabeleceu definitivamente uma política educacional que respeite a diversidade e assegure à população ameríndia o direito de decidir sobre seus próprios projetos educacionais (Melo, 2010). Mesmo tendo se consolidado as políticas educacionais voltadas aos povos indígenas, muitos trabalhos de origem antropológica não se atentaram à educação desses povos, por acreditar que o ambiente escolar não faz parte da cultura e cotidiano das aldeias (Gerken e; Oliveira, 2008 apud Tassinari, 2001). Sem dúvida, ocorre uma troca inevitável entre a população indígena e a escola, pois de um lado se tem um povo que valoriza e tem a linguagem oral como predominante e de outro a escola, que valoriza não só a linguagem oral, mas, sobretudo, a escrita. A educação escolar para os povos indígenas é ferramenta indispensável para o asseguramento de sua autonomia devido a intensificação do contato com as agências nacionais. A partir disso, necessita-se de uma formação adequada aos professores indígenas, pois, como se nota, as políticas direcionadas a esses povos, muitas das vezes, fica apenas no papel e quase nunca na prática (Nascimento, 2012). A educação indígena brasileira sempre esteve mais interessada em impor a língua portuguesa a reconhecer sua cultura, língua, mitos, rituais. Porém, o contato com os não-índios é inevitável, e, consequentemente com a língua portuguesa. 454 Web-Revista SOCIODIALETO • www.sociodialeto.com.br Bacharelado e Licenciatura em Letras • UEMS/Campo Grande Mestrado em Letras • UEMS / Campo Grande ISSN: 2178-1486 • Volume 4 • Número 11 • Novembro 2013 Além disso, percebe-se um grande números de alunos indígenas ingressos nas universidades. O surgimento dessa grande demanda é devido à ideia de que a escolarização, e, sobretudo, a linguagem escrita, pode garantir a defesa de seus interesses e autonomia, sendo, portanto: “vista como instrumento indispensável na interlocução com as instituições da sociedade envolvente, principalmente o Estado (GERKEN; OLIVEIRA, 2008 apud KAHN; FRANCHETTO, 1994 apud TASSINARI, 2001). Bortoni-Ricardo (2004) fala dos três ambientes onde a criança começa seu processo de socialização, sendo: a família, os amigos e a escola, os quais a sociologia chamou de domínios sociais. Aponta ainda que todos nós exercemos papéis sociais diferentes, por exemplo, na aldeia, os índios exercem papéis de: caciques, pajés, curadores, cantores, caçadores, pescadores, agricultores, pais, filhos, mães, etc. E desse modo, temos diferenças lingüísticas, marcadas por papéis sociais distintos. É importante refletir sobre os fenômenos existentes em nossa língua. Além de sabermos em que tipo de comunidade lingüística estamos inseridos. A língua não é algo pronto e acabado, ela está sempre em constante mudança. Por isso é importante analisarmos essas variações presentes, e contribuir para os estudos nessa área. Segundo Mollica e Braga (2003): A sociolingüística é uma das subáreas da Línguistica e estuda a língua em uso no seio das comunidades de fala, voltando a atenção para um tipo de investigação que correlaciona aspectos lingüísticos e sociais. Esta ciência se faz presente num espaço interdisciplinar, na fronteira entre língua e sociedade, focalizando precipuamente os empregos lingüísticos concretos, em especial os de caráter heterogêneo (MOLLICA; BRAGA, 2003, pg.09). Pode-se dizer, que a Sociolinguística examina as relações entre as estruturas sociais e o funcionamento do código lingüístico e posteriormente localiza a fonte das mutações. E a linguagem é concebida como criação do falante que a usa, no meio social em que vive (Carvalho, 2009). Para o estruturalismo, a língua é apenas um objeto homogêneo, isso implica dizer que não existe variação. Já na Sociolinguística Variacionista a heterogeneidade da 455 Web-Revista SOCIODIALETO • www.sociodialeto.com.br Bacharelado e Licenciatura em Letras • UEMS/Campo Grande Mestrado em Letras • UEMS / Campo Grande ISSN: 2178-1486 • Volume 4 • Número 11 • Novembro 2013 língua é inerente ao sistema lingüístico e integrante da competência lingüística dos falantes. A Sociolinguística Variacionista estuda a língua em uso em uma comunidade linguística. Cada comunidade de fala possui características linguísticas que a distingue das outras comunidades, ou seja, a língua é heterogênea e dinâmica, ela está sempre em constante mudança. Sabe-se também, que existem várias possibilidades de fala a nossa disposição. Essas várias formas linguísticas têm como nome de variantes e ao seu conjunto a Sociolinguística denominou de variáveis. Sabemos que vivemos em um país plurilíngüe, onde existem várias comunidades lingüísticas. Temos em torno de 180 línguas indígenas (Mollica e Braga 2003), e que muitos sequer sabem dessa realidade. Essas variações lingüísticas enriquecem nossa língua e cultura, e se todas as pessoas tivessem traços lingüísticos iguais não haveria motivo para realizarmos um estudo sociolingüístico em nossa sociedade. As mudanças que ocorrem em nosso léxico estão ligadas a nossa fala em uso, pois como se sabe a língua é heterogênea e dinâmica. A partir daí, podemos afirmar que na língua em uso sempre está se criando normas e as inventando. E segundo Carvalho: A gênese do léxico de uma língua, para ser percebida em toda a sua extensão, não pode ser estudada por uma visão sincrônica da linguagem. É necessário uma visão diacrônica, para identificar-se a criação dos termos vernáculos e a adoção dos estrangeirismos (CARVALHO, 2009, Pg. 21) Entende-se por sincronia, como uma língua se encontrada em uma época específica. E diacronia é uma observação da língua, mas em sua história e permanente mudança. Sabe-se também que os alunos indígenas precisam da língua portuguesa para resolverem seus problemas, tanto dentro como fora da aldeia, pois esta é a língua oficial do Brasil. As variações lingüísticas podem ocorrer de forma mais intensa ou não, isso vai depender em que ambiente estamos. É o que Bortoni-Ricardo chama de monitoração, e que geralmente nos eventos ligados à escrita seu grau de monitoração linguística é maior. 456 Web-Revista SOCIODIALETO • www.sociodialeto.com.br Bacharelado e Licenciatura em Letras • UEMS/Campo Grande Mestrado em Letras • UEMS / Campo Grande ISSN: 2178-1486 • Volume 4 • Número 11 • Novembro 2013 O poder econômico e político de um estado, cidade ou país, conferem também maior prestígio de suas variedades lingüísticas. Portanto, as variedades lingüísticas usadas por pessoas desfavorecidas socioeconomicamente tendem ser estigmatizadas pela sociedade. A mesma autora defende a ideia de uma pedagogia sensível, que quando o professor depara com a utilização de uma regra não padrão por um aluno, o mesmo tem que ter dois componentes: identificação e conscientização da diferença. O primeiro é muitas vezes prejudicado porque muitos professores desconhecem algumas regras, e o segundo, o professor deve alerta seu aluno, que ele próprio deve monitorar seu estilo, porém sem constrangê-lo, e prejudicar assim, seu processo de ensino-aprendizagem. Bortoni-Ricardo (2004) propõe três linhas para entendermos o português brasileiro: contínuo de urbanização, contínuo de oralidade-letramento e contínuo de monitoração estilística. No primeiro contínuo, a autora pede para imaginarmos uma linha e explica que em uma das pontas estão situados os falares rurais isolados e na outra ponta os falares urbanos, e que com o passar dos anos sofreram várias influências, como da escrita, por exemplo. E entre eles fica uma zona rurbana, que é constituída por migrantes de origem rural que preservam, ainda, aspectos lingüísticos e culturais de seus antecedentes. No segundo contínuo, Bortoni-Ricardo fala de dois eventos: de letramento e oralidade. O evento de letramento, na nossa linha imaginária fica na ponta da urbanização, e na outra ponta, temos o evento de oralidade. No evento de letramento os falantes são subsidiados por textos escritos, e no segundo evento, a autora dá como exemplo, uma conversa com os amigos em um bar, porém se um dos falantes declamar um poema, esse deixa de ser um evento de oralidade e passa a ter influências de um evento de letramento. No último contínuo, a mesma autora fala que podemos situar na nossa linha, interações mais espontâneas e aquelas planejadas que exigem mais atenção de quem está falando, ou seja, estilos mais monitorados e estilos menos monitorados. 457 Web-Revista SOCIODIALETO • www.sociodialeto.com.br Bacharelado e Licenciatura em Letras • UEMS/Campo Grande Mestrado em Letras • UEMS / Campo Grande ISSN: 2178-1486 • Volume 4 • Número 11 • Novembro 2013 2.1 ALGUMAS REFLEXÕES ACERCA DOS DADOS COLETADOS Os alunos indígenas falam a língua portuguesa somente quando estão em contato com os não-índios, e que quando estão na escola com seus amigos, também Xerente, falam somente na sua língua materna. O uso de empréstimos da língua portuguesa pelos Xerente é inevitável, principalmente por questão territorial, pois os Xerente estão em constante contato com os moradores de Tocantínia. Os próprios Xerente afirmam que “a língua portuguesa é muito forte” (Parente; Giraldin; Garbelini, 2010). Mas com tudo isso, os alunos indígenas não estão perdendo sua língua materna. A relação com os não-índios, de acordo os mesmos, é boa, não havendo brigas e ocorrendo respeito mútuo. Já alguns alunos não-índios têm muita dificuldade em entender a cultura desse povo. A pesquisa constatou que os alunos indígenas Xerente do 3° Ano do Ensino Médio Básico possuem grande dificuldade em interpretar textos escritos na língua portuguesa, e entender a gramática. Disseram também: “Quando vocês falam rápido demais, a gente não entende quase nada”. A seguir serão comentadas algumas variações linguísticas mais recorrentes em trechos das 06 (seis) redações elaboradas pelos alunos indígenas Xerente: 1. “Nas aldeia, é muito diferente a nossa língua xerente (...)”. (Aluno Xerente). 2. “Os ancião ficam na warã, com eles nós aprendemos valorizar o que é nosso (...)”. Nos fragmentos 1 e 2, à variável < s > de marcação de plural correspondem duas variantes: presença do segmento ([s]) e sua ausência ([ ]) (Tarallo, 2002). Por ser a palavra “aldeia” e “ancião” bimorfêmicas, favorecem ainda mais a ausência do segmento ([s]). Essa tendência de flexionamos apenas o primeiro elemento do sintagma nominal, se explica porque no português brasileiro dispensamos a redundância na comunicação, e que quando a forma de um plural de um nome for mais diferente, tendemos a usar a marca do plural (Bortoni-Ricardo, 2004). 3. “(...) Nas aldeias é prática não deixa as tradições (...).” (Aluno Xerente). 4. “(...) É importante preserva a nossa cultura (...)”. 458 Web-Revista SOCIODIALETO • www.sociodialeto.com.br Bacharelado e Licenciatura em Letras • UEMS/Campo Grande Mestrado em Letras • UEMS / Campo Grande ISSN: 2178-1486 • Volume 4 • Número 11 • Novembro 2013 Ocorreu uma supressão do /r/ no infinitivo verbal “deixar” e “preservar” nos fragmentos 3 e 4. Essa variação geralmente acontece porque é muito normal os falantes suprimirem o /r/ na oralidade, dessa forma, reflete também na escrita. O professor deve chamar a atenção dos alunos para a diferença entre o sistema oral e escrito. Pois em quase todo o Brasil, o /r/ pós-vocálico tem uma tendência a supressão, principalmente nos infinitivos verbais (correr >corrê; almoçar >almoçá; desenvolver >desenvolvê; sorrir > sorri) (Bortoni-Ricardo, 2004). 5. “A aldeia fica no mato, mas é um lugar muito bonita, e os índios gostam de viver nele, porquê a aldeia é melhor para se viver e plantar muitas coisas para nossa alimentação, plantar feijão, milho, mandioca, arroz (...)”. (Aluna Xerente). Existem dois gêneros na língua portuguesa: masculino e feminino. Pertencem ao gênero masculino todos os substantivos a que se pode antepor o artigo o (Cunha e Cintra, 2008). No caso acima o adjetivo “bonita” não está concordando em gênero com o sintagma nominal “um lugar” e o mesmo aconteceu com o pronome “nele”, cujo também não concorda em gênero com o sintagma nominal “aldeia”. O “porquê” usado pela aluna é uma variação bastante ocorrente nos textos dos alunos, principalmente por se tratar de um homófono. E sua função gramatical funciona como um substantivo, significando: “o motivo”, “a razão”. 6. “(...) Assim somos realmente feliz, de ter escolas indígenas, infermarias (...)”. É muito comum no português brasileiro flexionarmos apenas o primeiro sintagma nominal, nesse caso, o aluno obedeceu a regra da concordância geral, que concorda em número com o elemento mais próximo, no caso a palavra “realmente”. Também é muito comum, por a escrita ser um reflexo da fala, escrevermos de acordo com a pronúncia. No caso, o aluno escreveu “infermarias”, por assimilação, pois os fonemas /e/ e /i/ tem características fonológicas parecidas (Callou e Leite, 2001). 7. “(...) Agente não podemos esquecer dos mais velhos (...)”. 459 Web-Revista SOCIODIALETO • www.sociodialeto.com.br Bacharelado e Licenciatura em Letras • UEMS/Campo Grande Mestrado em Letras • UEMS / Campo Grande ISSN: 2178-1486 • Volume 4 • Número 11 • Novembro 2013 Homófonas são palavras que possuem sons iguais, mas escrita diferente. Por esse motivo, são as que os alunos mais têm dificuldade na escrita, pois na oralidade a pronúncia é a mesma. Foi o que aconteceu no caso de “agente”, pois o aluno não fez distinção entre o pronome e o substantivo. Além disso, tem a falta de concordância entre o sujeito e o verbo. O pronome “nós” está perdendo cada vez mais espaço para a variante “a gente”, porém os alunos por seguirem a regra geral de concordância, flexionam o verbo concordando com a 1ª pessoa do plural, como estão habituados fazer com o pronome “nós. 8. “(...) Passa idéias que apredemos dos índios antepassados (...)”. Como acontece no fragmento 3, a supressão do /r/ é muito recorrente nos infinitivos verbais, nada mais é do que o reflexo da fala na escrita. Em “apredemos”, o aluno suprimiu a letra /n/, ocorrendo uma síncope. 9. “(...) Na aldeia tem escola tem emfermaria (...)”. Nesse caso, o aluno por talvez desconhecer a regra que se usa a letra /m/ somente diante de /p/ e /b/, e por a letra /m/ também ser nasal, fez a troca do /n/ por /m/. Pois na oralidade não diferenciamos os sons de tais fonemas, assim os aplicamos na escrita. (Callou e Leite, 2001). 10. “(...) as conseqüências ocorridas são um proplema para a sociedade indígena.” Nesse caso, alguns alunos trocam os fonemas /p/ e /b/ por terem o mesmo ponto e modo de articulação, ou seja, os dois fonemas são bilabiais e plosivos. No entanto, se diferenciam pelo vozeamento, sendo que o fonema /p/ é desvozeado e o /b/ vozeado. Dessa forma ocorreu nesse fragmento um metaplasmo por permuta de traço. (Callou e Leite, 2001). 11. “(...) Existem com seumodede viver, e com sua cultura (...)”. “Mode” é a forma arcaica da palavra “modo”, esse arcaísmo é mais usado na zona rural e raramente pronunciado pelos falantes da zona urbana. O uso por esse aluno 460 Web-Revista SOCIODIALETO • www.sociodialeto.com.br Bacharelado e Licenciatura em Letras • UEMS/Campo Grande Mestrado em Letras • UEMS / Campo Grande ISSN: 2178-1486 • Volume 4 • Número 11 • Novembro 2013 se explica porque muitos alunos, mesmo aqueles que estudam na cidade residem na zona rural, onde essa variante e usada de forma mais intensa. 12. “(...) Não se preocupa com nada só ajudar as pessoa (...)”. 13. “(...) Por essa razão somos feliz, sempre vivendo com nossa cultura (...)” Assim como acontecem nos fragmentos 3, 4 e 8, “preocupa”, houve a supressão do fonema /r/ nesse infinitivo verbal. E no fragmento 13, ocorreu a marcação do plural apenas no primeiro elemento do sintagma nominal, evitando a redundância no enunciado, e que também ocorreu nos fragmentos 1,2 e 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS É muito importante que os alunos e professores indígenas tenham conhecimento do uso da língua portuguesa, para que os mesmos possam se apropriar desse conhecimento e buscar melhorias ao que se refere ao próprio processo educacional. E como destaca Bortoni-Ricardo (2004, pg. 75): “A escola é, por excelência, o locus – ou espaço – em que os educandos vão adquirir, de forma sistemática, recursos comunicativos que lhes permitam desempenhar-se competentemente em práticas sociais especializadas”. Evidentemente, os professores indígenas Xerente necessitam saber mais sobre seus aspectos sócio-culturais, pois é uma forma de fortalecer suas próprias identidades, mas também, tem que haver a preocupação de saber sobre os aspectos sócio-culturais de sua segunda língua, no caso, a língua portuguesa. Sendo que esse povo fica em intenso contato com os não-índios, surge então a necessidade de preparar os alunos indígenas para lidarem com essa sociedade. Com base nas reflexões dos fragmentos acima, a pesquisa constatou que os informantes escrevem da maneira como falam, e que, mesmo sendo essa pesquisa de porte pequeno, ficou comprovando que independente da idade, sexo ou etnia e mesmo 461 Web-Revista SOCIODIALETO • www.sociodialeto.com.br Bacharelado e Licenciatura em Letras • UEMS/Campo Grande Mestrado em Letras • UEMS / Campo Grande ISSN: 2178-1486 • Volume 4 • Número 11 • Novembro 2013 esses alunos estando em constante contanto com as regras gramaticais na escola, a variação acontece. Através desse trabalho, foi possível conhecer mais sobre as variações lingüísticas na língua portuguesa pelos alunos indígenas Xerente e contribuir, ainda que de forma muito pequena, como um estudo sociolingüístico. REFERÊNCIAS BORTONI-RICARDO, Stella Maris. Educação em língua materna: a sociolingüística na sala de aula – Stella Maris Bortoni-Ricardo – São Paulo: Parábola Editorial, 2004. BRASIL, LDB. Lei 9394/96 – Lei de diretrizes e bases da educação nacional. Disponível em: www.planalto.gov.br. Acesso em 14 de Abr. 2012. CALLOU, Dinah; LEITE, Yonne. Iniciação à fonética e à fonologia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2001. CARVALHO, Nelly. Empréstimos lingüísticos. São Paulo: Ed. Ática, 1989. CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO. Câmera de Educação Básica. Resolução n. 3, 10 de novembro de 1999: Fixa diretrizes nacionais para o funcionamento das escolas indígenas e dá outras providências. Disponível em: http://www.mec.gov.br. Acesso em 14 de abr. 2012. CUNHA, Celso; CINTRA, Lindley. Nova gramática do português contemporâneo / Celso Cunha, Luís F. Lindley Cintra. – 5. Ed. – Rio de Janeiro: Lexikon, 2008. FARIAS, Agenor J. T. Fluxos sociais xerente – organização social e dinâmica entre as aldeias. 1990. 140 f. Dissertação de Mestrado. Universidade de São Paulo, São Paulo. GERKEN, Carlos Henrique de Souza; OLIVEIRA, Wilder Barbosa de. Educação e diversidade cultural: oralidade e letramento no contexto cultural dos xakriabá. S/d. Disponível em: http://www.anped.org.br/reunioes/30ra/trabalhos/GT10-3120-Int.pdf. Acesso em: 07 abr. 2012. GIRALDIN, Odair. Povos indígenas e não-indígenas: uma introdução à história das relações interétnicas no Tocantins. In GIRALDIN, Odair. A (Trans)formação histórica do Tocantins. 2.ed. Goiânia: Ed. UFG, 2004. p. 109-135. MELO, Valéria Moreira Coelho. Diversidade, meio ambiente e educação: uma reflexão a partir da sociedade Xerente. 2012. 113 f. Dissertação de Mestrado – Universidade Federal do Tocantins, Palmas. MOLLICA, Maria Cecília; BRAGA, Maria Luiza. Introdução à Sociolinguistica: o tratamento da variação. São Paulo: Contexto, 2003. 462 Web-Revista SOCIODIALETO • www.sociodialeto.com.br Bacharelado e Licenciatura em Letras • UEMS/Campo Grande Mestrado em Letras • UEMS / Campo Grande ISSN: 2178-1486 • Volume 4 • Número 11 • Novembro 2013 NASCIMENTO, André Marques do. Português intercultural: fundamentos para a educação linguística de professores e professoras indígenas em formação superior específica numa perspectiva intercultural. 2012. 477 f. Tese de Doutorado – Universidade Federal de Goiás, Goiânia PARENTE, Maisa; GIRALDIN, Odair; GARBELINI, Juscéia Aparecida Veiga. Palavras da língua portuguesa adaptadas a língua akwe-xerente. In: Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência - Cerrado: água, alimento e energia, 63ª Reunião, Goiânia, 2011. Disponível em: http://www.sbpcnet.org.br/livro/63ra/resumos/resumos/4919.htm. Acesso em 25 abr. 2012. SILVA, Marcio Ferreira; AZEVEDO, Marta Maria. In: SILVA, Aracy Lopes da Silva. ET al. (orgs). A temática indígena na escola: novos subsídios para professores de 1º e 2º graus. Brasília, 1995. P. 151-165. SOUSA FILHO, Sinval Martins de. Aspectos Morfossintáticos da Língua AkweXerente (Jê). 2007. 320 f. Tese de Doutorado – Universidade Federal do Goiás, Goiânia. TARALLO, Fernado. A pesquisa sociolingüística. São Paulo: Ática, 7ª Ed., 2002. Recebido Para Publicação em 07 de setembro de 2013. Aprovado Para Publicação em 23 de novembro de 2013. 463