Linguagem...visual
Kathia Castilho
“Os seres humanos... falam não somente com as palavras, mas também com os
gestos, com a mímica e com a linguagem plena de mistérios dos vestidos, no modo mais
sedutor... com as criações de moda.”
Eugen Fink
Para comunicar, os homens trocam sinais. Isso significa que é impossível existir
consciência de si mesmo se não em relação ao “outro”.
O homem possui uma natureza proeminentemente social: seu comportamento, sua
personalidade, seu modo de pensar, de sentir, suas necessidades - inclusive a de decorarse - começam a ser explicável quando percebemos o homem suscetível à existência real
ou imaginária de outros indivíduos. O outro é estimulo e ocasião de resposta. A resposta do
outro em relação a ele mesmo determina as suas
ações e seus sentimentos.
O estudo do comportamento do homem é
realmente o estudo de seu comportamento social,
de suas relações com o “outro”, que é conduzido
principalmente sem a mediação verbal.
Os discursos são, então, práticas sociais;
ou seja, a linguagem com que se constrói o texto é
parte integrante do contexto socio-histórico,
intrinsecamente relacionado ao homem.
Marcas de mãos.
Santa Cruz, Argentina - 9.000-7000 a.C.
A impossibilidade primeira de transmitir a experiência da realidade vivida leva-nos a
representá-la, inventando meios cada vez mais complexos e dinâmicos de comunicação.
Ao longo do tempo, na história do Homem, os sinais multiplicaram-se desde as
mais elementares expressões do corpo, gritos, cores, sinais da distância e sinais gráficos,
até o intrincado universo dos símbolos.
O inteiro universo da comunicação humana organiza-se no sentido de transmitir
experiências, garantir codificação, proporcionar reconhecimento e de assinalar distinção. A
comunicação necessita, para transcorrer entre os sujeitos sociais, de uma espécie de
“escritura”. Códigos variáveis muitas vezes de civilização surgem para estabelecer, criar
regras e, portanto, ganhar e compartilhar significados no mundo.
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A escritura (pictogramas, hieróglifos, cuneiformes e alfabeto) não foi a primeira, nem
a única invenção criada pelo homem para comunicar-se mediante sinais. Durante esse
curso, nos aproximaremos de uma série de possibilidades de traçar, riscar, escrever,
inscrever, construir e elaborar, diferentes experiências de comunicação e de estruturação
de linguagem nas civilizações humanas. - (Discursos)
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A linguagem se estabelece desde os mais variados tipos de sons, das articulações
da linguagem verbal e de uma espécie de “escritura”, ou certa organização, que rende
visivelmente um sistema de conceitos e de relações que manifesta e representa essa
organização, tornando-os presentes e efetivos.
Até pouco tempo, os estudiosos que ocupavam-se em entender o comportamento
humano e seu processo de interação buscavam somente na comunicação verbal subsídios
para suas respostas e significados. Uma das principais razões de privilegiarmos
sobremaneira a linguagem verbal é encontrada na própria história do pensamento ocidental,
que valoriza exageradamente o mundo dos “letrados” - os que dominam os códigos e o uso
das letras.
Podemos verificar historicamente o valor e significação da linguagem visual que
será um diferencial importante e valorativo para o homem ocidental desde a pré-história,
antigüidade e que se intensifica até o século XIV, final da Idade Média como forma de contar
e descrever fatos.
O fato está na importância de decodificação das letras e no diferencial social que o
saber ler e escrever provocava. Isso fez com que a questão de leitura passasse a ser um
elemento de grande distinção entre classes sociais e que a leitura visual fosse abandonada
ou considerada como bastante popular.
No século XVIII, “século das luzes”, a razão, o pensar, o raciocinar e o escrever e ler
faziam com que prevalecessem a importância e o valor da leitura e escritura verbal.
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Não é de se estranhar que os sinais visuais resultem mais eloqüentes que os textos
escritos. Vitrais das catedrais, afrescos ou vinhetas de história em quadrinhos “mudas”
estimulam o leitor a reconstruir os sinais que lhe são propostos e a construir então a sua
própria história. É o caso também dos croquis ou desenhos de moda.
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Giotto, Padova, “Capella degli
Scrovegni” - afrescos 1304-1306
Giotto - “Fuga para o Egito”
“Compianto su Cristo Morto”
“Encontro de Gioacchino
e Anna alla Porta Aurea”
Na história em quadrinhos, por exemplo, o texto escrito ancora o sentido da
mensagem; assim, a liberdade do leitor fica concretamente limitada. Mas devemos observar
que cada sistema de comunicação apresenta problemas específicos na codificação (técnica
de construção da mensagem) e decodificação (interpretação da mesma mensagem).
Hoje, apesar de estar se tornando habitual, a distinção entre visual e verbal (haja
vista a variedade de estudos e pesquisas na área da comunicação) ainda experimenta-se
um certo desaconchego. Por quê?
Convite da Federação Francesa
de Costurapara o primeiro
desfile no “Carrossel do Louvre”
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Estamos realmente acostumados a pensar linguagem em sua forma de fala e
escrita. O mais comum na cultura midiática contemporânea são os textos mistos, que
reúnem texto verbal e imagens; texto verbal e sistemas sonoros (ruídos e sons musicais);
ou ainda os três. É importante lembrarmos que o olfato, o paladar e o tato estão cada vez
mais presentes nas análises e nos sistemas da comunicação contemporânea.
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Você conhece a fábula chinesa sobre os cinco sentidos?
É interessante refletirmos sobre as campanhas de perfumes que investem em
"fazer sentir" determinado aroma. Basta observar a utilização do paladar como sistema de
comunicação no filme mexicano "Como água para chocolate", dirigido por Alfonso Arau.
Podemos distinguir, a princípio de forma ampla, dois sistemas, canais específicos de
comunicação através dos quais organizamos nossos discursos e estruturamos nossas
sociedades:
1 - o verbal
2 - o visual
Embora esta seja uma divisão muito ampla,
ela já nos indica formas de suportes, elementos,
objetos nos quais a comunicação é inserida e
estrutura-se. É o caso da pintura em paredes e da
escritura em papel, muros, corpos, tecidos, madeiras,
metais etc.. Nelas, manifestam-se combinações
diversificadas e que originam ou sustentam uma
ampla gama de formulações de variadas
manifestações discursivas.
1 - A linguagem verbal.
2 - A linguagem visual.
Cada uma delas estrutura-se em diferentes épocas. Adquirem maior ou menor
importância na forma de dialogar das civilizações, de acordo com os princípios que as
regem e com formas específicas de estabelecer significados.
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É importante também perceber que cada momento histórico ou, ainda, cada uso e
costume social, privilegiam e elegem um tipo de leitura, enquanto na verdade, processamos
incessantemente uma multiplicidade de leituras do mundo. Estas se processam também
através do conhecimento e percepção humana, que trilham o tipo de lógica e razão valorizada.
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"Por que diferentes idades e diferentes países representaram o mundo visível de
maneiras tão diferentes? As pinturas que hoje consideramos fiéis à realidade parecerão
tão pouco convincentes para futuras gerações como a pintura egípcia para nós."
Gombrich
A combinação de regularidade geométrica e penetrante observação da natureza é
característica de toda obra egípcia. As pinturas e os modelos encontrados em túmulos
egípcios estavam associados à idéia de fornecer servos para a alma, no outro mundo. Os
pintores egípcios tinham um modo de representar a vida muito diferente do nosso, talvez
isso esteja relacionado com a insólita finalidade a que deviam servir as suas pinturas.
Podemos dizer que é somente a partir da década de 60 que reabre-se um novo nível
de análise e entendimento do processo de comunicação, onde se valoriza a comunicação
não verbal. Hoje, é fácil reconhecermos a importância da comunicação visual em nossas
vidas.
Preste atenção. Olhe a sua volta....
Atentemos para as formas que nos circundam no espaço urbano e no interior de
nossas casas. Observemos a relação através das quais os trajes adaptam-se ao nosso
corpo. Pensemos em formas geométricas, em nosso corpo, interagindo em cidades, no
espaço de circulação, no espaço doméstico. Vamos discutir e procurar perceber qual é a
nossa forma de olhar, representar e interagir visualmente com o nosso tempo.
Aguardo sua observação em nosso primeiro tema de Fórum.
Pré-história
Segundo os estudiosos da pré-história, o conjunto das pinturas e figuras incisas em
cada sítio arqueológico constitui um conjunto coerente de sinais visuais que falam uma
linguagem a ser percebida na totalidade de seus aspectos.
Para certos autores, os grupos de imagens realistas ou de figuras abstratas são um
sistema de sinais destinados a exprimir concepções religiosas e míticas do mundo. Os
pesquisadores afirmam a possibilidade de encontrar expressa a idéia típica de uma dialética
fundamental entre o elemento feminino fecundado e o elemento masculino fecundante.
De fato, além da representação de animais (bisontes,
cervos e mamutes) notam-se sinais subdivididos,
esquematicamente, em dois grupos:
Pintura rupestre de Tamum (Suécia) de 1.400 a.c. Mostra
uma figura masculina enorme (altura de 2,25 m.) com o falo
ereto. Circundando a figura aparece uma série de sinais
figurativos, abstratos e geométricos. A dimensão da
personagem em relação às criaturas que a circundam e sua
virilidade exibida afirma a importância do homem frente ao
contexto social, em que se insere.
A aproximação dos sinais femininos e masculinos parecem ser uma constante na
sintaxe pré-histórica.
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a) sinais masculinos: provavelmente inspirados no falo
(traços, fila de pontos e pequenos riscos);
b) sinais femininos: inspirados na vulva, elipses,
triângulos e círculos fechados.
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