O PANOPTICO NAS RELAÇÕES DE TRABALHO Aline Lemes de Souza 1 Renato de Almeida Oliveira Muçouçah 2 Resumo O panóptico é um projeto arquitetônico, de cunho coercitivo e disciplinatório, desenvolvido por Jeremy Bentham no século XIX. Trata-se de um edifício construído no formato circular, uma arena composta por andares de celas com um pátio no centro, nesse pátio haveria uma torre de observação e em cada cela, o indivíduo seria constantemente observado. Se o edifício pertencesse a uma escola, o indivíduo de cada cela seria um aluno, se pertencesse a um presídio, o indivíduo seria detento, caso fosse um manicômio, o indivíduo observado seria um louco. Entretanto, o indivíduo aprisionado no panóptico era visto, mas não poderia ver o seu observador. E, a partir da consciência de vigilância constante, em ver e ser visto, era garantido a manutenção do poder e a interiorização da culpa e o arrependimento do indivíduo pelos seus atos praticados. Interessante é que embora originalmente, em seu contexto físico, tratava-se de um projeto de penitenciária, tendo em vista que a necessidade inicial disciplinadora era de afastar os perigos da sociedade, atualmente pode se afirmar a nova era do panóptico, por meio do advento dos métodos tecnológicos de observação e monitoramento social que ocultam as relações de poder, induzem a comportamentos nem sempre por consciência ou educação, mas pela certeza de estar sendo monitorado o que estimula a criação de indivíduos cada vez mais úteis e produtivos. O monitoramento, sobretudo nas relações de trabalho, visa tirar das forças de trabalho o máximo de vantagens e neutralizar seus inconvenientes, como roubos, interrupção de trabalho e agitação por parte dos trabalhadores, de proteger os materiais e ferramentas e de dominar as forças de trabalho através do controle sistemático da produção por meio de um acompanhamento rigoroso de tempos e de horários. Portanto, visa este estudo analisar o “edifício panóptico” pertencente às relações de trabalho em que cada indivíduo da cela é o trabalhador. Tendo em vista que, o panóptico, em especial mediado pela tecnologia da informação, continua sendo válido e atual, pela sua onipresença, por sua capacidade de vigilância permanente, por ser um instrumento de normalização e sanção, permanecendo como elemento central da vigilância na sociedade de controle. Introdução Os processos vários da modernização evidenciam as transformações por que passa o mundo, dentre as quais é exemplo a globalização econômica e tecnológica, fenômeno tido como irreversível. Especificamente, a disciplina jurídica mais afetada pelos impactos das novas tecnologias é o Direito do Trabalho, pois, em regra, estas aumentam a produtividade do trabalho, reduzindo significativamente a necessidade de mão de obra (SANTOS, 1999, p.39). Os impactos das novas tecnologias, a transmissão de informações e a reformulação dos modos de produção têm sido chamados de terceira revolução industrial (AUTUORI E 1 Acadêmica do 5º ano do curso de Direito da Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Contato: [email protected] 2 Orientador. Professor Assistente de Direito do Trabalho da Universidade Federal de Uberlândia (UFU). E-mail: [email protected] 2 GREGORIN, 2001, p.34). Estamos vivendo na era do panóptico por meio de métodos tecnológicos de observação e monitoramento social. Baseado em uma proposição de controle tanto metodológica quanto material, Michel Foucault incorporou os temas vigilância, disciplina e controle ao debate acadêmico. O panóptico em que ele se inspirou era uma espécie de arena onde cada prisioneiro aprenderia a desempenhar seu papel diante de vigilantes presentes ou não. Michel Foucault (1987) caracteriza o Panóptico como uma “diabólica peça maquinária”, um microcosmo idealizado da sociedade do séc. XIX, em que a disciplina se torna institucionalizada no âmbito da família, das prisões, das escolas, dos hospitais, das empresas, cujo objetivo principal era a produção de corpos dóceis, eficazes economicamente e submissos politicamente, mediante a interiorização de uma sujeição que era implantada nas mentes através da vigilância. Para atingir esse objetivo, a partir do século XVIII as sociedades disciplinares começaram a distribuir os indivíduos no espaço através das técnicas de enclausuramento ou de organizações hierárquicas de lugares específicos. Nesta perspectiva, todas as atividades eram controladas temporalmente, o que possibilitava, por exemplo, um isolamento do tempo de formação e do período da prática do indivíduo. Com isso, a aprendizagem poderia ser normativizada, e as forças produtivas seriam compostas a fim de obter um aparelho eficiente (FOUCAULT, 1987, p. 125-152). Neste sentido, As disciplinas, organizando as 'celas', os 'lugares' e as 'fileiras' criam espaços complexos: ao mesmo tempo arquiteturais, funcionais e hierárquicos. São espaços que realizam a fixação e permitem a circulação; recortam segmentos individuais e estabelecem ligações operatórias; marcam lugares e indicam valores; garantem a obediência dos indivíduos, mas também uma melhor economia do tempo e dos gestos (...). A primeira das grandes operações da disciplina é então a constituição de 'quadros vivos' que transformam as multidões confusas, inúteis ou perigosas em multiplicidades organizadas (p.135). Dessa forma, os "quadros vivos" eram ao mesmo tempo uma técnica de poder e um processo de saber, cuja intenção era a de dominar a diversidade, impondo-lhe uma ordem. O Poder disciplinar e a Subordinação do trabalhador O poder e a autoridade dentro da empresa ( que poderíamos resumir no chamado “poder diretivo”) cumprem, a par da necessidade técnica, a função de eliminar os interesses divergentes de empregados e empregadores, os quais se plasmam na relação de emprego 3 (MELHADO, 2003, p.17). Os atores sociais buscam, pensam, vivem interesses opostos. Nada leva a crer na assertiva, sustentada inclusive por autorizada doutrina, de que “o conflito entre capital e trabalho tende a ser substituído pela aliança dos setores qualificados do trabalho com o capital” (FARIA, 1995, p.70). O fim do trabalho em massa não acaba com esta contradição, ao revés, só demonstra o quanto o capital prejudica o trabalho. As sociedades disciplinares substituíram as antigas sociedades de soberania, tendo seu início no século XVIII e atingido seu ápice no século XX. No entanto, a partir no século XVII, já começava a aparecer uma nova mecânica do poder, com instrumentos novos e incompatíveis com as relações de soberania, que incidia mais sobre os corpos do que sobe a terra e seus produtos. Foucault completa: É um mecanismo de poder que permite extrair dos corpos tempo e trabalho, mais do que bens e riqueza. É um tipo de poder que se exerce continuamente por vigilância e não de forma descontínua por sistemas de tributos e de obrigações crônicas (1999, p.42). As sociedades disciplinares veiculam uma forma de poder social, que tenta assegurar a ordenação das multiplicidades humanas. Trata-se de produzir corpos dóceis, tornando o exercício do poder economicamente menos custoso possível, estendendo os efeitos do poder social ao máximo de intensidade e tão longe quanto possível e ainda ligando esse crescimento econômico do poder e o rendimento dos aparelhos onde se exerce, sejam pedagógicos, militares, industriais, médicos. Em suma, fazendo crescer tanto a docilidade quanto a utilidade de todos os elementos do sistema (FOUCAULT, 1987, p.191). As formas de poder exercidas na disciplina podem ser exemplificadas através do modelo do panóptico, que foi definido inicialmente por Jeremy Bentham. O panóptico era um edifício em forma de anel, com um pátio no meio no qual havia uma torre central com um vigilante. Esse anel se dividia em pequenas celas que davam tanto para o interior quanto para o exterior, o que permitia que o olhar do vigilante as atravessasse. Essa forma arquitetônica das instituições valia para as escolas, hospitais, prisões, fábricas, hospícios (FOUCAULT), 1987, p.87). O panóptico era uma espaço fechado, recortado e vigiado em todos os seu pontos. Nele os indivíduos estavam inseridos num lugar fixo, com os menores movimentos e acontecimentos controlados. O poder era exercido segundo uma figura hierárquica contínua, o que permitia que cada um fosse constantemente localizado, examinado e distribuído (FOUCAULT, 1987, p.174). Foi nesta perspectiva que a forma de poder exercida no panoptismo repousou, sobretudo, no que Foucault chamou de exame: 4 O exame combina as técnicas da hierarquia que vigia e as da sanção que normaliza. É um controle normalizante, uma vigilância que permite qualificar, classificar e punir. Estabelece sobre os indivíduos uma visibilidade através da qual eles são diferenciados e sancionados. É por isso que em todos os dispositivos de disciplina o exame é altamente ritualizado. Nele vêm-se reunir a cerimônia do poder e a forma da experiência, a demonstração da força e o estabelecimento da verdade. No coração dos processos de disciplina, ele manifesta a sujeição dos que são percebidos como objetos e a objetivação dos que se sujeitam. A superposição das relações de poder e das de saber assume no exame todo o seu brilho visível (FOUCAULT, 1987, p. 164-165). Portanto, a vigilância hierárquica sobre os indivíduos permite a articulação de um poder com um saber, que determina se alguém está se conduzindo ou não como deve. Essa articulação se ordena em torno da norma, do que é ou não normal, do que é correto ou incorreto, do que se deve ou não se deve fazer (FOUCAULT, 2005, p.88). Na tentativa de focalizar o individual, o restrito, o modelo de panóptico atingiu o amplo, pois disseminou-se com o desenvolvimento de técnicas e tecnologia para outras áreas que não somente as de repressão ou aprisionamento. Aliás, o poder não é apenas uma dominação exercida por um indivíduo sobre outros, ou um grupo sobre outros, ou uma classe sobre outras, mas sim algo que funciona e se exerce em rede. Desta maneira o poder diretivo do empregador, assim como inúmeros outros mecanismos, constituem toda a micro-mecânica do poder que representa interesses para a burguesia (MUÇOUÇAH, 2005, p. 451). O caráter de subordinação dos trabalhadores para com os seus empregadores aliado às novas tecnologias quando analisados sob a ótica do pensamento foucaultiano parece cada vez mais presente nas relações de Trabalho, destacando-se em uma análise mais sócioantropológica do que filosófica ou psicológica. A onipresença e onisciência, apontadas pelo autor, dos modelos de vigilância em época de epidemia na Europa identificam-se com a utilização da tecnologia nas relações de trabalho, sobretudo o monitoramento para o controle e disciplina dos trabalhadores. Poder, de forma genérica, é a possibilidade de alguém impor uma conduta ou um conteúdo a outrem, e está presente em quase todas as relações na sociedade. Segundo Michel Foucault “há relações de poder múltiplas que atravessam, caracterizam e constituem o corpo social” e estas não se dissociam, se estabelecem e nem mesmo funcionam “sem uma produção, uma cumulação, uma circulação e um funcionamento do discurso” (1993, p.179). O discurso jurídico mais tradicional demonstra o poder como uma inelutável necessidade técnica. E se pode observar, segundo a citação de Focault, que o discurso dos juristas vai muito além: este discurso legitima o poder, operacionalizando-o. Cai-se, então, no 5 conceito de autoridade: o poder tido como força inelutável, passível de cumprimento sem qualquer análise de conteúdo pelo sujeito passivo a ele sujeitado. Friedrich Engels (s/d, p. 187 ss) não apresenta outra proposição: para ele a autoridade é imprescindível à organização produtiva. A questão a ser levantada corresponde a quem é o sujeito detentor do poder de organização, se o empregador ou os trabalhadores. No capitalismo seria o primeiro, e no socialismo os proletários, mas, de qualquer forma, haveria uma decisão de autoridade a ser respeitada, com vistas à consecução do trabalho parcelar. Se não houvesse a coordenação das atividades, e uma se sujeitando de certa maneira à outra, enfim, ter-se-ia o caos. Logo, para Engels, o poder do capital sobre o trabalho é apenas econômico. Weber justifica a sujeição do empregado como sendo uma “impulsão por necessidades” materiais impostergáveis, movido por um “sentimento de responsabilidade” tendente à reprodução material e intelectual dele próprio e de sua família. Esses são os argumentos que os empregados dão a si mesmos ao aceitar o estado de supremacia do empregador capitalista. O operário é um trabalhador mais produtivo que o escravo, pois este trabalha por “temor externo”, por coação direta, e “não para sua existência”. O trabalhador livre tem o sentimento da responsabilidade, é obrigado a preservar a relação de emprego, “já que sua existência e a de sua família dependem de que remove continuamente a venda de sua força de trabalho ao capitalista” (1994, p. 58-59) A partir da Revolução Industrial, instaurou-se na sociedade uma relação de poder e sujeição entre o capitalista e o operário que apresentava-se como disciplina de uma subordinação tecnicamente à marcha uniforme dos equipamentos da grande indústria e politicamente, de um modo “absolutista” e autocrático”, ao empregador, que foi aprimorado com o passar dos tempos e repercuti nas relações de trabalho até os dias atuais. Como exemplo desse aprimoramento tem-se o fato de que o trabalhador do século XXI não mais atem-se somente à submissão regular das máquinas como também submetem-se ao monitoramento tecnológico que resgata o fundamento de disciplina de condutas que visa melhor produtividade e lucro. Considerando um autor que em 1981 já previa a evolução tecnológica como potencial superexploradora do trabalho, Jean-Emmanuel Ray prossegue, afirmando que o moderno controle pela máquina permite evitar um confronto hierárquico direito, sendo mais aceitável porque tido como menos subjetivo, sendo não apenas desejado, mas indesejável à produção. Assim, incrementa-se a produção com uma potencialmente total e certamente intolerante fiscalização. Salienta também o autor o fato de ser o controle humano visível, imperfeito e 6 frequentemente negociável e o informacional invisível, exato e dotado de extraordinária memória (p. 536). Engels, afirma ser o “mecanismo automático de uma fábrica muito mais tirânico do que jamais foram os pequenos capitalistas que empregavam operários” (s/d, p.186). O operário era controlado pela máquina, ao mesmo tempo em que a controlava. Controlava-a apenas no sentido de que ativa seu funcionamento e vigia seus movimentos. É controlado em um sentido mais profundo, já que seus movimentos devem adequar-se ao ritmo ditado pela maquinaria, sob pena de colapsar ou ao menos interromper o sistema de produção. Weber também reconheceu e procurou mostrar a sujeição do operário ao ritmo do maquinismo da fábrica capitalista. Para o eminente sociólogo, a indústria moderna subjuga os trabalhadores à máquina, isola-o na coletividade do trabalho fracionado e com seu “terrível aparelho calculador, introduz-se até no movimento mais simples dos operários”, desdobrandose em “amplos efeitos sobre os homens e seu estilo de vida, que são totalmente específicos e próprios”. Mais que comandar a frequência de movimentos do trabalho, a máquina dita também o ritmo da vida social. Nota-se ainda que a submissão política que é mais severa. O próprio capitalista, personificação do capital, dirige ou elege representantes para dirigir a prestação de serviços, isto é, a linhagem de seu poder senhorial não é estabelecida pela genética consanguínea e sim pela genética do capital. O capitalista assim controla, fiscaliza, acusa, julga, sanciona e executa a pena. Personifica as figuras do deputado proficiente, do alcaide diligente, do magistrado severo, do policial feroz. Vigilância e monitoramento dos trabalhadores por meio dos avanços tecnológicos Na moderna empresa capitalista, a divisão do trabalho consiste em si mesma um fator de controle do capitalista sobre os trabalhadores, que se revela a um só tempo controle técnico da produção e poder privado do capital sobre o trabalho. O sistema de organização empresarial antes existente era baseado na vigilância direta, com uma hierarquia rígida e primária. A organização científica do trabalho pode agora prescindir do autoritarismo, da discricionariedade, da relação pessoal direta do capitalista com cada um dos operários, substituindo a velha carcaça da estrutura personificada no “pai autoritário” por um complexo de gestos medidos, pesados, planejados, analisados desde a inércia até o clímax produtivo e a fadiga. Uma tábua de tempos e movimentos elementares é colocada no lugar antes ocupado pelo capricho e pelo arbítrio. Cada uma das operações a ser executada na oficina é observada “cientificamente”, apreciada em minúcia: tudo passa pelo crivo das novas tecnologias. 7 A vigilância eletrônica é uma forma de monitoramento remoto (à distância) dos trabalhadores dentro de um contexto organizacional por meio de dispositivos tecnológicos diversos como câmeras, microfilmes ou computadores. Nas relações de trabalho o monitoramento visa tirar das forças de trabalho o máximo de vantagens e neutralizar seus inconvenientes, como roubos, interrupção de trabalho e agitação, de proteger os materiais e ferramentas e de dominar as forças de trabalho. Em conjunto com essas práticas é realizado um controle sistemático da produção por meio de um acompanhamento rigoroso de tempos e de horários. Todo sistema de vigilância está hoje informatizado, da mesma forma todo o aparato científico e tecnológico. A produção tem sido fortemente beneficiada por este fenômeno que é a robotização, a produtividade e lucratividade. Em razão de o poder diretivo cumprir, além da necessidade técnica de operacionalização do trabalho, a função de eliminar antagonismos de classes em favor da classe economicamente mais forte, é que este poder ganha, na forma hodierna das relações de trabalho, o conteúdo normativo na forma de vigilância, coerção, direção, enfim, de poder privado. Para que o trabalho seja otimizado, na lógica da empresa, o empregado deve produzir o máximo no menor tempo possível. A vigilância mediante o próprio instrumento de trabalho aperfeiçoa-se também em razão do olhar. Há olhos invisíveis, múltiplos, a ver tudo o que faz o trabalhador, sem que este veja quem o analisa à distância. No teletrabalho, por exemplo, a vigilância é total, completa e perfeita. A máquina possui memória, mas não vontade própria. Se há registros de navegação cibernética, ou vestígios de correspondências eletrônicas, sem dúvidas estes se devem à ação humana do trabalhador. O controle maquínico, inquestionável, inflexível, denuncia ao fiscalizador - o empregador - todo o tempo e os meios utilizados pelo empregado na realização das tarefas. É a vigilância totalizante, com vistas à maximização da intensidade do trabalho, otimizando-o (produzir incansavelmente). Nas relações de trabalho, o monitoramento tecnológico da produção, sem dúvida alguma é um instrumento de vigilância utilizado para reprimir eventual displicência do empregado, pois induzem a comportamentos nem sempre por consciência ou educação, mas pela certeza de estar sendo monitorado (MUÇOUÇAH, 2005, p. 446-456). Conclusão O modelo disciplinar baseado no princípio do panóptico foi predominante no século XVIII, mas sem dívida alguma, ainda está presente nos dias de hoje. Em algum momento histórico - no século XIX, provavelmente - ele deixou de ter a qualidade de primus inter 8 pares, cedendo passo a outros elementos da dinâmica complexa em que se estrutura o poder, mas é parte do instrumento de domínio do capital sobre o trabalho. Quem sabe, aliás, não estejamos caminhando para um panoptismo pós-moderno, cibernético, em que o controle sobre o trabalho e o trabalhador se fará com os olhos e cérebros eletrônicos, uma era marcada pelo aparecimento do que Jean-Emmanuel Ray chama “taylorismo assistido por computador” da sociedade pós-industrial, “que se revela mil vezes mais implacável que os antigos controles” e cujos ingredientes são a telesubordinação, a conexão permanente, a teledisponibilidade (inclusive no home Office) e o controle sobre a própria pessoa do novo trabalhador high-tech (RAY, 1992, p. 525). É tão influente o controle das condutas dos trabalhadores realizado por meio das novas tecnologias que, só pelo fato de o empregado supor que o seu empregador ou algum outro colega de trabalho possa vigiá-lo, o empregado inibe certos comportamentos ou até realça outros. Inibe alguns, por medo de perder o emprego ou levar desconto no salário, e realça outros para “mostrar que sabe” e tentar ganhar algum bônus. Sem dúvida alguma, as relações panópticas podem estar presentes em nossas próprias relações sociais, facilitando o “controle” sobre as pessoas. A torre de Benthan ganhou vida nas relações de trabalho: os recursos tecnológicos contribuem para o comportamento de vigilância. No caso específico de câmaras, algumas muitas vezes se sabe que elas estão lá, mas não se sabe se têm alguém por trás vendo a imagem que é gravada- se é que é gravada. O desenvolvimento da informática ressuscitou com mais vigor, dessa forma, métodos de controle e punição do século XVII. A empresa, local de muitas trocas e individualidades que se fundem, cede agora à solidão do computador e das câmeras, por meio do qual cada trabalhador pode ser individualizado, separado e controlado. E, desta maneira o estado consciente e perene de vigilância garante o funcionamento automático do poder, independentemente de o empregador estar ou não fiscalizando seus empregados. Finda-se o binômio ver, ser visto. Portanto o poder deve ser visível, ou seja, o trabalhador deve ter ciência de que esse poder existe dentro do seu ambiente de trabalho e inclusive nas suas próprias ferramentas de trabalho, como computador e celular, que tudo registra. É perfeitamente possível a manutenção do poder diretivo do empregador em determinados moldes, a fim de que seja assegurada a dignidade pessoal do trabalhador. Afinal, conforme Pinho Pedreira (2000) ressalta, à página 585 de seu trabalho, as relações de trabalho ao incorporar as novas tecnologias apresentam-se com mais acentuada 9 subordinação. E, acrescenta: nenhuma profissão da era high tech é disto poupada - além da superexploração da própria força de trabalho em decorrência da fiscalização panóptica. REFERÊNCIAS AUTUORI, Maria Helena Villela; GREGORIN, Daniela. O Teletrabalho. in: SCHOUERI, Luís Eduardo. Internet: O Direito na era virtual. 2. ed. Rio de Janeiro, Forense, 2001. p. 125140. ENGELS, Friedrich. 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