Resumos do 56º Congresso Nacional de Botânica.
A Etnobotânica no Estudo da Dinâmica de Inundação e sua Relação
com o Uso e Manejo de Recursos Vegetais na Área de Proteção
Ambiental (APA) da Baixada Maranhense.
CLAUDIO URBANO BITTENCOURT PINHEIRO - UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO
HELLEN CHRISTINE ALVES VINHOTE - UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO.
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A Baixada Maranhense dá nome a uma das sete regiões ecológicas do
Maranhão e constitui uma Área de Proteção Ambiental – APA, com
1.775.035,6 ha. A região constitui um eco-complexo de áreas inundáveis,
que inclui rios, lagos, estuários, terra firme, agroecossistemas e campos
naturais. É formada pelas bacias hidrográficas de vários rios, onde os
principais são o Turiaçu, o Pericumã, o Pindaré e o Mearim, que anualmente
transbordam, inundando as planícies baixas regionais. Dessa forma, em um
ciclo de troca de energia que se renova anualmente, durante
aproximadamente seis meses de estiagem (julho a dezembro), ocorre
grande produção de gramíneas e ciperáceas, formando extensas áreas de
campos secos. Na estação das águas (janeiro a junho), rios e lagos perenes
extravasam transformando os campos em extensos lagos rasos.
As
comunidades ribeirinhas desta região vivem, pois, em um ambiente que é
moldado pelo movimento sazonal de suas águas. Cada fase deste movimento
possui características próprias, em especial com uma composição de
espécies vegetais diferenciada em cada estação. Estas mudanças, portanto,
definem um modo de agir, de usar e manejar as plantas, aquáticas e
terrestres, diferenciado pela estação, o que deve ser considerado quando
políticas de manejo e conservação para estes sistemas forem propostas.
A Etnobotânica, como disciplina científica, estuda a relação sociedade-planta,
considerando a sua dinâmica: por parte da sociedade intervêm a cultura, as
atividades socioeconômicas e políticas, e por parte da planta, o ambiente
com suas floras. Atualmente, são muitos os enfoques práticos desta
disciplina em sua relação com a ecologia e a conservação, relacionados com
o conhecimento sobre uso e manejo das plantas. No caso particular deste
estudo, incluímos a relação com os recursos hídricos em sua dinâmica de
inundação sazonal, que, pode gerar por seu lado, uma dinâmica de uso e
manejo dos recursos vegetais, cuja caracterização e entendimento pode ser
importante para a gestão dos recursos hídricos de uma região. Como
hipótese de trabalho, buscamos confirmar a idéia de que nestes ambientes,
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na Baixada Maranhense, existe uma dinâmica da vegetação aquática e semiaquática, ocorrendo variação da abundância de determinadas espécies,
anualmente influenciada pelas condições de seca e cheia, refletindo também
nos usos das espécies vegetais e em suas formas de manejo. Nesse
contexto, este estudo visou, por meio da Etnobotânica, gerar informações a
respeito dos recursos vegetais da região lacustre de Penalva, com ênfase na
relação entre a dinâmica de inundação e a diversidade de usos das espécies
aquáticas e semi-aquáticas, como aporte cientifico à gestão de recursos
hídricos e contribuição a um plano de manejo dos recursos naturais da APA
da Baixada Maranhense. Mais especificamente, estudou-se a relação entre a
sazonalidade de inundação e a diversidade de usos e formas de manejo das
espécies vegetais na região (lagos Cajari, Capivari, da Lontra e Formoso),
dentro da APA da Baixada Maranhense, identificando-se as principais
espécies vegetais de ambientes aquáticos, ciliares e de entorno dos lagos
mencionados.
Com esse objetivo, foram identificadas e descritas as principais unidades de
paisagem da região, com suas tipologias vegetacionais mais importantes. As
espécies vegetais, bem como seus respectivos usos e sua relação com a
sazonalidade de inundação, foram levantados por meio da aplicação de 83
questionários para entrevistas do tipo semi-estruturado, em 13 povoados
amostrados. Os diferentes usos citados, para efeito de análise, foram
classificados nas seguintes categorias: Alimentação Humana (AH);
Alimentação Animal (AA);
Artesanato (AR);
Item de Trabalho (IT);
Medicinal (ME); Material de Construção (MC); Remédio Animal (RA); Uso
Doméstico (UD); Uso Cultural (UC). Os dados levantados foram submetidos
tanto análises quantitativas quanto qualitativas. As técnicas utilizadas
incluem estatística descritiva, distribuição de freqüência, tabelas de
contingência e análises multivariadas (Clusters e Componentes Principais).
As matrizes de dados foram analisadas com o programa JMP, versão 3.2.6
do SAS Institute.
As principais unidades de paisagem da região e suas principais tipologias
vegetacionais em sua relação com a dinâmica de inundação, foram descritas,
sendo: Lagos: Matas Ciliares, Macrófitas Aquáticas e Igapó; Campos
inundáveis: Campos Herbáceos e Igapó; Campos não-inundaveis: Campos
Herbáceos; Aterrados: Matas Ciliares, Matas de Aterrado e Igapó; Tesos
inundáveis: Igapó e Campos Herbáceos; Terra Firme: Capoeira, Babaçual,
Mata Ciliar e Mata de Galeria. Os dados levantados mostraram uma grande
diversidade de espécies úteis, divididas quase que em partes iguais entre os
ambientes de Terra firme (principalmente Capoeiras, Matas Ciliares e
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Babaçuais marginais aos Lagos), e os ambientes aquáticos e inundáveis
(Lagos, Campos, Aterrados e Tesos). Na Terra firme, as Capoeiras são
dominantes nos dias atuais, principalmente em decorrência de
desmatamentos freqüentes para a instalação de campos agrícolas, que se
avizinham cada vez mais às Matas Ciliares dos corpos d’água regionais. Os
Tesos inundáveis apresentam o maior percentual de espécies úteis na parte
da amostra relacionada aos ambientes aquáticos, embora sejam áreas de
limitada diversidade, representada principalmente por plantas herbáceas
associadas a poucas espécies arbóreas.
Entre as formas de crescimento das espécies citadas por seus usos na
região, destacam-se as árvores como mais citadas nas unidades de
paisagem, principalmente de Terra firme (Capoeiras e nas Matas Ciliares).
Algumas espécies de palmeiras são freqüentes nos ambientes de Aterrados,
Matas Ciliares e de Galeria (Juçara, Euterpe oleracea Mart.; Buriti, Mauritia
flexuosa L.; Bacaba Oenocarpus distichus Mart.; e Marajá, Bactris spp.)
representadas por um grande número de indivíduos e de usos. As ervas são
dominantes nos Campos inundáveis e não-inundáveis, muitas delas limitadas
em sua utilidade pela inundação das áreas onde ocorrem. Nos Igapós
predominam também as árvores e as palmeiras, especialmente, o Marajá, de
grande utilidade em muitas categorias. Em relação à parte usada, pôde-se
observar que a maioria dos usos é de espécies de Terra Firme, novamente
de Capoeiras e Matas Ciliares, principalmente do caule. A folha é uma parte
também de grande uso, tanto de espécies de Terra Firme como de Campos
herbáceos, geralmente de ervas que são, em sua maioria, de uso medicinal,
assim como o uso das raízes, que neste caso, são em sua maioria
provenientes das Capoeiras.
As macrófitas aquáticas têm pouco uso, embora algumas espécies sejam
grandes produtoras de biomassa no período chuvoso. Espécies de Eichhornia,
Ipomoea, Polygonum, Ludwigia, Pontederia, Nymphaea, Neptunea, Salvinia,
entre outras, ocupam grande extensão dos lagos e de suas margens no
período chuvoso, mas não têm usos tradicionais bem definidos na região.
Entre as plantas relacionadas aos ambientes aquáticos, de usos mais
freqüentes, destacam-se as espécies dos Tesos, Aterrados e dos Campos
inundáveis, embora a rigor não sejam espécies de ocorrência apenas nestes
tipos de ambiente. A maioria delas tem uso o ano todo, independente do
período do ano e da inundação, isto porque se distribuem por mais de um
ambiente e têm mais de uma parte usada. Pode-se dizer que, a grande
maioria (71,91%) das espécies vegetais amostradas tem uso em qualquer
época do ano. Os usos exclusivos de inverno estão limitados a espécies dos
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ambientes de Campos inundáveis, Lagos e Tesos inundáveis (5,62%, 1,12%
e 1,12%, respectivamente, em um total de 7,87% das espécies), e os usos
restritos ao verão totalizam um percentual ainda mais baixo (5,62%), sendo
espécies cujo uso se restringe a sazonalidade de maturação dos seus frutos,
em ambientes variados (Terra firme, Campos inundáveis, Tesos).
Sendo assim, as variações sazonais na diversidade e abundância de espécies
ditadas pela dinâmica de inundação, definem, parcialmente, um padrão de
uso e manejo das espécies vegetais nessas áreas. Desse modo, algumas
espécies são características de períodos diferentes, especialmente aquelas
tipicamente sazonais, sejam na sua própria ocorrência, sejam pela sua época
de florescimento ou frutificação, o que, em última instância, define seu uso
mais principal. Outras espécies, especialmente as arbóreas, podem permitir
usos continuados o ano todo, independente do período de águas ou
estiagem, dependendo, neste caso, da parte utilizada. Embora o regime de
inundação sazonal seja determinante nas mudanças ambientais importantes
na região, o uso e o manejo das espécies vegetais não é determinado por
esse regime, uma vez que são múltiplos os usos das espécies e das partes
usadas. Desta forma, um plano de manejo da vegetação que compõe a
região e protege os corpos d’água, estaria mais relacionado aos padrões de
uso das terras ao redor dos lagos, do que com os usos tradicionais. Ainda
assim, observa-se que as comunidades ribeirinhas da região lacustre de
Penalva mantêm grande dependência dos recursos vegetais da região,
detendo sobre eles um vasto conhecimento tradicional, o qual não pode ser
perdido no decorrer do tempo, já que é de grande riqueza e utilidade, tanto
para a população ribeirinha como para o manejo correto dos recursos
naturais e, em especial, dos lagos regionais estudados.
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Resumo - Sociedade Botânica do Brasil