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E - EXISTÊNCIA
DA ARTE POLÍTICA
1964-2014
anos 60diante da pop:politização
A década de 1960 viveu uma reviravolta comparada ao ambiente progressista da década anterior. O turbulento contexto
político brasileiro – que desaguaria no golpe militar de 1964 e nos subsequentes vinte anos de ditadura –, as agitações que
inflamavam todo o planeta, a aceleração do processo de urbanização do país e a presença crescente de uma cultura de
massa desafiavam a confiança irradiada pelos movimentos construtivos.
No Brasil isso significou a tomada de uma nova direção e o aprofundamento de questões lançadas na década anterior. A
emergência da pop art norte-americana, com sua discussão entre arte e indústria cultural, deixara claro o impasse da
ambição humanista e universalista que alimentou os programas construtivos. Aqui tais dilemas assumem outros matizes:
uma politização crescente motivada pelas circunstâncias, a constatação das encruzilhadas de uma sociedade periférica
inserida apenas parcialmente nesse novo contexto, a difícil relação com essa nova produção vinda dos EUA, na medida em
que ela de um modo ou de outro simbolizava também o imperialismo.
Não houve uma pop art no Brasil. Os artistas vinculados ao que se convencionou chamar de “Nova Figuração”, depois
transformada na Nova Objetividade Brasileira, explicitam os conflitos e as ambiguidades e indícios desse cenário de uma
modernidade incompleta. Todas as grandes mostras e eventos das artes plásticas do período – as exposições “Opinião 65”,
“Opinião 66”, “Nova objetividade brasileira” (na qual, inclusive, germinaria o tropicalismo), “Propostas 65”, a Bienal de 1967,
as edições da mostra “Jovem arte contemporânea”, a efêmera Galeria Rex (criada pelos artistas Nelson Leirner, José
Resende, Geraldo de Barros, Wesley Duke Lee, Carlos Fajardo e Luiz Paulo aravelli com o propósito de criar alternativas no
mercado de arte), o evento “Propostas 66”, o Salão da Bússola, afirmam uma posição questionadora. As linguagens
artísticas, a obra, sua “função” e sua relação com o espectador, tudo era recolocado em jogo. Antônio Dias, Antônio Manuel,
Rubens Gerchman, Roberto Magalhães, Cildo Meireles, Raymundo Colares e Artur Barrio são alguns que emergiram no
momento. Outros artistas surgidos nos anos 50, como Hélio Oiticica, Lygia Clark, Lygia Pape e Waldemar Cordeiro,
desdobraram seus percursos. As questões da cor, da participação do espectador, da capacidade comunicativa da obra e do
poder da imagem foram examinadas para além do caráter “especulativo” que as guiaram nos anos 50. É como se ocorresse
uma inversão: enquanto os anos 50 tentaram ingressar a cultura avançada e “erudita” no âmbito das massas, agora seriam
os elementos da cultura “baixa” (note-se, não é aquela popular folclórica, mas a irradiada pelos meios de comunicação) que
informam o artista. Rompia-se com os valores e comportamentos de uma sociedade que quebrara seu pacto com a
democracia. A violência revelada na obra de Antônio Manuel não era atenuada: era aquela noticiada nos jornais; Gerchman
mostrava os sonhos banais vendidos, o dia a dia massacrante de ônibus lotados e o mistério dos desaparecidos. Antônio
Dias mesclava a dimensão de vivências pessoais com a visualidade direta, onipresente e comumdos quadrinhos. A noção de
objeto correspondia àquilo que não se encaixava mais em categorias tradicionais da arte; pintura, escultura e instalação
simultaneamente, por exemplo. As ideias de ação e experimentação constituiriam as palavras de ordem. Porém, se elas
ainda conseguiam encontrar força na primeira metade da década, certo otimismo do “poder jovem”, logo em seguida viveram
as tensões do recrudescimento da censura e da opressão cada vez mais agudas.
Guilherme Bueno
anos 70experimentalismo
A produção artística dos anos 70 não raro é tida como hermética, de difícil compreensão, árida. Mas haveria como ser
diferente, visto que enfrentou o silêncio embrutecedor das circunstâncias? Sua dificuldade foi a de que não poderíamos mais
ser ingênuos. No Brasil, parcela significativa dos artistas em atividade naquele momento se articulou em ações como a
edição de periódicos (a revista Malasartes, por exemplo), propostas independentes e alternativas de ensino (Escola Brasil)
ou outros mecanismos de circulação de obras e idéias. As investidas experimentais escolhiam situações de atrito, nas quais
precisávamos examinar nossos valores. A arte seria a última resistência quando nada mais parecia possível.
O reconhecimento da influência do sistema se deu em parte no contato com a arte conceitual (que trouxera, a partir de uma
releitura das vanguardas modernas, a discussão sobre a natureza da obra de arte mediante tudo que a cercava –
instituições, pensamento crítico, mercado, etc.). Ao adensar o veio experimental das décadas anteriores, os alvos eram a
identificação dos limites da arte e o mito de ela compensar a banalidade da vida. A arte chegara desde o pós-Guerra a certos
becos sem saída: suas aspirações nobres arriscavam ser sequestradas e incorporadas como adereços agregadores de
valor mercantil à obra.
Antônio Dias, Artur Barrio, Carlos Zílio, Ivens Machado, Anna Bel la Geiger, Waltércio Caldas falam dessa
incomunicabilidade, da ameaça da doutrinação, das falhas do sistema que se crê eficiente e em perfeito funcionamento. Eles
podiam fazê-lo por inúmeros caminhos: ao usar materiais frágeis, que recusam a perenidade, a descrença na permanência
do objeto e sua canonização (Barrio); ao se apropriar das falhas e refugos daquele mundo competente da precisão industrial,
os “desvios da ordem” (Ivens); ao negar a expectativa da obra como instrumento de “bem-estar”. A obra é propositadamente
esquemática, coloca o espectador frente a frente com sua vida controlada, seu enquadramento no sistema (Zílio). Havia
também as situações nas quais a lógica da lavagem cerebral coletiva era decodificada (Geiger). Outras vezes o
questionamento era sutil: até que ponto confiamos no que vemos e, a partir dali, entendemos algo? Lidávamos com a
perplexidade de tudo nos parecer evidente e, ainda assim, mostrávamo-nos vacilantes sobre seus significados.
Desconfiamos de nossa certeza sobre o que enxergamos e, por extensão, da visualidade (Waltércio).
Guilherme Bueno
Carlos Zílio
Rio de Janeiro RJ 1944
Instante da Libertação, 1974
Breve Biografia
Pintor, professor. Estuda, a partir de 1963, no Instituto de Belas Artes do Rio de Janeiro, onde é aluno de Iberê Camargo.
Forma-se em psicologia pelo Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ em 1973. Em 1975,
torna-se um dos editores da revista Malasartes. Sua produção dos anos 1960 e 1970 revela um amplo sentido de crítica
social, como em Lute (1967) ou em Para um Jovem de Brilhante Futuro (1973). Em 1976, em razão de perseguição política,
viaja para Paris, onde, em 1980, conclui doutorado em artes na Universidade de Paris VIII. Dedica-se unicamente à pintura,
passando a realizar trabalhos abstratos a partir de 1978. Após seu retorno ao Brasil, cria e leciona no curso de especialização
em História da Arte e História da Arquitetura no Brasil, e também no mestrado em História Social da Cultura, do
Departamento de História da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro - PUC/RJ. É um dos fundadores da revista
Gávea, da qual é editor responsável da revista entre 1984 e 1996. Faz pós-doutorado com Hubert Damisch, na École des
Hautes Études en Sciences Sociales, em Paris, em 1992. Dois anos mais tarde, leciona na Escola de Belas Artes da UFRJ EBA/UFRJ. Publica, entre outras, a obra A Querela do Brasil: a questão de identidade na arte brasileira, editada pela primeira
vez em 1982.
Comentário Crítico
“Aqui a ordem, geometria e crítica andam de mãos dadas para construir a forma. (...) Já na telas onde reside a simples
diagramação e numeração, esse mesmo elemento crítico se encontra como pura estrutura de uma espécie de razão em que
ordenar é gerenciar, nem que seja a superfície de um suporte tradicional da arte.
Arte e política procuram uma simbiose nesses trabalhos. A dimensão sociológica (...) está submetida à disciplina de uma
simetria e de uma economia minimal. Esse elemento ordenador da forma se presta, por sua vez, a ser impregnado do
elemento crítico, como se ali, de modo caricaturalmente esquemático (...) estivessem em exposição os modelos a que
podem ser reduzidas as regras de dominação totalitária da vida no ritmo de trabalho das sociedades industriais.”
Paulo Sergio Duarte / Crítica da razão executiva. Em Carlos Zílio. Cosac & Naify. RJ 2008.
Palavra do Artista
“(...) Além da relação mais familiar com o trabalho do Antônio [Dias], havia dois elementos básicos: Duchamp e os
construtivistas russos. Estes eram os elementos sobre os quais eu tentava me movimentar. Os construtivistas russos,
evidentemente, por uma identificação política, e o Duchamp porque era uma coisa que me mobilizava, me questionava e era
em cima disso que eu estava trabalhando. (...) [Trabalhos] que já tem uma isenção maior, tem uma limpeza maior. Procuram
colocar o problema que até hoje para mim é fundamental, trabalhar em cima do zero da pintura, que é um problema de fundo
da pintura moderna e dos construtivistas russos.”
Carlos Zílio / Arte e Política 1966 – 1976. p18. Museu de Arte Moderna. RJ 1996
Antonio Dias
Campina Grande, PB, 1944
Breve Biografia
Antonio Dias nasceu em Campina Grande, Paraíba em 1944. Em
1958, veio estudar no Rio de Janeiro, onde recebeu orientação de
Oswald Goeldi, ao freqüentar o Ateliê Livre de Gravura (Escola
Nacional de Belas-Artes). Em 1962, realizou sua primeira exposição
individual no Brasil (Galeria Sobradinho, Rio de Janeiro) e, em 1965, no
exterior (Galeria Florence Houston-Brown, Paris). Nesse mesmo ano,
participou do Salon de la jeune peinture (Bienal de Paris), onde recebeu
seu primeiro prêmio internacional e bolsa do governo francês,
passando a morar em Paris. A partir de então, residiu em diversas
cidades até fixar-se, em 1989, em Colônia, Alemanha. Com notável
currículo, Dias foi o primeiro artista brasileiro a participar ativamente de
mostras e eventos artísticos nas mais importantes instituições
internacionais.
Sua obra dos primeiros anos, apresenta forte
questionamento político e social. A partir de 1965, ao estreitar o contato
com a produção européia, adotou, progressivamente, postura
conceitual e mais reflexiva, buscando uma economia de meios,
discutindo o suporte, questionando os mecanismos internos e o circuito
da arte.
O vencedor?, 1964
Comentário Crítico
"A diversidade dos trabalhos de Antonio Dias, seja na pintura, na escultura ou na utilização do disco ou do videoteipe, situa-se
num espaço onde o artista não pode mais se conformar com regras preestabelecidas. É na experiência da modernidade que,
com astúcia, sua obra aparece. (...) Neste novo espaço, onde todos os gatos são pardos, o processo de produção do trabalho
torna-se importante ponto de referência. A dispersão e diversificação orientadas por uma coerência poética mantêm o
caráter assistemático das diversas intervenções e produções. Essa tem sido uma das marcas dos trabalhos de Antonio Dias.
Quando nos aproximamos de uma de suas realizações, necessitamos de um certo estrabismo: um olho no que está exposto,
outro no problema formulado. (...) Se certos artistas resolveram prolongar o gesto da tradição, isto é, a repetição, Dias
reclamou e praticou de modo radical o direito da ruptura. Isto sem os subterfúgios e atalhos fáceis das mudanças de
comportamento, mas com a transferência de uma ética baseada nas razões do seu próprio trabalho. (...) Muitos de seus
trabalhos, na sua temática, condensam todo o esqueleto que sustenta o essencial da produção de nossa época".
Paulo Sérgio Duarte. A astúcia de permanecer sempre novo. Arte Hoje, Rio de Janeiro: Rio Gráfica e Editora, v. 1, n. 4, p. 31, out. 1977.
Palavra do Artista
“Nos anos 60, (...) Eu fazia (...) um quadrado, que era a própria superfície do quadro, dividido, por exemplo, em quatro outros
quadrados. No interior deles, pintava, de maneira automática, uma imagem puxando a outra. Era uma livre associação do
simbólico. O todo incrementado por fetiches meus e dos "outros", caixinhas de madeira contendo sacos estofados cheios de
costuras, tripas e corações, salsichas/pênis e punhos quebrados de estátuas de gesso, travesseiros manchados e caixas de
acrílico cheias de algodão ou pregos. Nesta operação, eu não cancelava nada, (...) havia mesmo a procura de um certo
"brutalismo", uma estática do graffiti.”
Antonio Manuel
Avelãs de Caminho, Portugal 1947
Repressão Outra Vez: Eis o Saldo, circa 1968
Breve Biografia
Escultor, pintor, gravador e desenhista. Chega ao Brasil em 1953 e fixa residência com a família no Rio de Janeiro. Em
meados da década de 1960, estuda na Escolinha de Arte do Brasil, com Augusto Rodrigues , e freqüenta o ateliê de Ivan
Serpa. Nessa época, é também aluno ouvinte da Escola Nacional de Belas Artes - Enba. Inicialmente, utiliza o jornal e sua
matriz - o flan - como suporte para seus trabalhos. Realiza interferências e inventa notícias, nas quais aborda temas políticos
e discussões estéticas. Em 1968, na exposição Apocalipopótese, organizada por Hélio Oiticica e Rogério Duarte, apresenta
as Urnas Quentes - caixas de madeira lacradas que deveriam ser arrebentadas pelo público. Em 1970, Antonio Manuel
propõe o próprio corpo como obra, no Salão de Arte Moderna, realizado no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro MAM/RJ. Posteriormente, produz vários filmes de curta-metragem, como Loucura & Cultura (1973) e Semi-Ótica (1975). A
partir da década de 1980, realiza pinturas de caráter abstrato-geométrico, nas quais explora as ortogonais e a sugestão de
labirinto. Apresenta, em 1994, a primeira versão da instalação Fantasma que, como outras obras do artista, solicita uma
reflexão sobre o contexto social e político brasileiro.
Comentário Crítico
"(...) Os primeiros e mais conhecidos trabalhos significativos de Antonio Manuel datam de 1966/67 e neles o artista utilizou
primeiro a folha de jornal, depois o próprio flan, como suporte de seu trabalho, redesenhando fotos e manchetes (...) Em 1968
foi um dos integrantes da manifestação denominada Apocalipopótese desenvolvida por Hélio Oiticica, no aterro do
Flamengo, apresentando suas Urnas Quentes e, em 1969, foi um dos premiados no Salão da Bússola que, sem o desejar,
lançou definitivamente esta geração de contra-artistas. Mas a proposição mais radical de Antonio Manuel foi o seu
'desnudamento' para um público atônito na inauguração do Salão Nacional de arte Moderna, cujo júri, do qual fiz parte, não
aceitou como obra.
Frederico Morais
Palavra do Artista
"Eu havia sido selecionado para participar da representação brasileira na Bienal de Paris, de 1969, para a qual fizera o
trabalho Repressão outra vez – eis o saldo (1968). No entanto, antes da abertura da mostra do MAM das obras de todos os
artistas brasileiros selecionados, um general e alguns militares armados de metralhadoras fecharam as portas do museu.
Dias depois, Niomar Muniz Sodré, a quem não conhecia pessoalmente, telefonou-me pedindo que fosse encontrá-la. Contou
que, ao saber do fechamento da exposição, pediu aos funcionários do MAM que escondessem a maior quantidade de
trabalhos possível. Eu estava sentado no sofá quando ela me disse: “Olhe, seus trabalhos estão atrás de você”. Uma obra
que estava sendo procurada com mandato de busca e ela a tinha escondida em sua sala de trabalho....Ela acabou por
adquirir o trabalho Repressão outra vez – eis o saldo, que consiste numa série de cinco painéis distintos, pintados de
vermelho, cada qual com uma imagem impressa em silk-screen. Foram feitos na escola de Desenho Industrial (ESDI, Rio de
Janeiro), num momento político efervescente. Júlio Plaza, que acabara de chegar da Espanha e trabalhava na oficina da
escola, me ajudou a imprimi-los. Tive de esconder boa parte dessa série por causa da censura e, nessa trajetória, acabei
perdendo alguns. Os da Niomar foram queimados no incêndio que destruiu seu apartamento.”
Cildo Meireles
Rio de Janeiro, 1948
O Pensador ou Parla, 1982c.
Breve Biografia
Cildo Meireles inicia estudos de arte em Brasília, com Felix Alejandro Barrenechea, em 1963. Freqüenta por dois meses a
Escola Nacional de Belas Artes, no Rio de Janeiro, em 1967. Foi um dos fundadores da Unidade Experimental do Museu de
Arte Moderna do Rio de Janeiro, em 1969, na qual leciona entre 1969 e 1970. Desenvolve cenários e figurinos para teatro e
cinema de 1970 a 1974 e, em 1975, é um dos diretores da revista de artes Malasartes. Seu trabalho se caracteriza pela
diversidade de técnicas e suportes empregados – pintura, desenho, escultura, ambiente, happening, instalação,
performance, fotografia, conjugando-os em múltiplas linguagens que discorrem sobre questões sociais e políticas. Expõem
na Bienal de Veneza, 1976; Bienal de Paris, 1977; Bienal Internacional de São Paulo, 1981, 1982 e 1998. Em 1999, recebe o
Prince Clauss Award do governo holandês. Realiza a exposição Geografia do Brasil que é apresentada no Museu de Arte
Moderna Aloísio Magalhães, em Recife em 2001, no Museu de Arte Moderna da Bahia, Salvador em 2002 e no Espaço
Cultural Venâncio em Brasília em 2002.
Comentário Crítico
“Os trabalhos de Cildo se inscrevem no quadro do experimentalismo da arte contemporânea brasileira. Este quadro tinha
como referências as tendências construtivas vigentes nos anos 50 e as tentativas pop dos anos 60. (...) Penso em Cildo como
um artista contemporâneo brasileiro que respondeu à circunstância deixada pela crise e pelos impasses do construtivismo e
pela inviabilidade da pop no Brasil. Daí eles derivaram para uma atitude singular, perceberam no construtivismo não o projeto
de reforma do ambiente social ou a ortodoxia da forma, mas aquilo que o neoconcretismo em seu limite com Hélio Oiticica
propôs: um pensamento em expansão, uma forma de agir social. (...) Nos trabalhos de Cildo, encontramos um sistema que se
poderia chamar de visionário, coerente e rigoroso, aglutinador de experiência, que articula desde gestos insignificantes do
cotidiano às grandes estruturas sociais.”
Paulo Venâncio Filho
Rubens Gerchman
Rio de Janeiro, 1942 - 2008
Jacaré/Ipanema, 1966
Breve Biografia
Estudou desenho no Liceu de Artes e Ofícios, no Rio de Janeiro, em 1957. Entre 1960 e 1961, freqüentou a Escola Nacional
de Belas Artes e cursa xilogravura com Adir Botelho. Em 1967, com o prêmio viagem ao estrangeiro do Salão Nacional de
Arte Moderna, viaja para os Estados Unidos. Entre 1968 e 1972 reside em Nova York e torna-se membro-fundador do Museu
Latino-Americano do Imaginário. Entre 1975 e 1979, dirige a Escola de Artes Visuais do Parque Lage. Em meados da década
de 70, é co-fundador e diretor da revista Malasartes. Em 1982, passa um ano em Berlim como artista residente a convite do
Deutsche Akademischer Austauschdienst Künstler Program. Em 2000 lança, em São Paulo, álbum com 32 litografias,
primeiro volume da coleção Cahier d'Artiste, da Lithos Edições de Arte. Expõe no MAC-Niterói em 2001.
Comentário Crítico
“ (...) Gerchman, por sua vez, é o cronista da cidade, o carioca típico, na verve da efervescência, da sátira fina e cruel – mas
atenuada pelo humor (...). Ele se libertou dos valores expressionistas que embaçavam a definição de sua figuração, (...)
Gerchamn, paginador de Manchete, Cruzeiro e sétimo Céu, é o artista que circula, mora, lê, escuta, vê e curte a cidade.
Vivendo em Copacabana em meio a apartamentos minúsculos, superlotados, andando em ônibus cheios, recebendo as
promessas gritadas no rádio e TV (dinheiro fácil, moradia grátis, fartura), lendo as comoções que sacodem o povo – o futebol,
dramas passionais – Gerchman é o homem na multidão urbana.
Para retratar seu tema precípuo – a multidão – desenvolveu uma figuração anônima, compactada com outras similares,
criando situações de contraposição de figuras e fundo, como em Futebol. A massa que ele representa não individuada
parece-nos próxima à visão de Dubuffet (...) rapidamente deixou a expressão bidimensional, construindo objetos: Õnibus,
Marmitas, ou assemblages – como a primeira Caixa de Morar (...) Depois, passou a construções maiores – o altar Kitsch dos
mitos urbanos: Agora Dobre os Joelhos e Elevador de Serviço são exemplos. O realismo crítico caracterizador do grupo, em
Gerchman, configurou-se como uma crônica cotidiana, perspicaz e tipicamente urbana carioca.”
Daisy Peccinini / Figurações Brasil anos 60
Anna Bella Geiger
Rio de Janeiro RJ 1933
Sem Título, 1979
Breve Biografia
Escultora, pintora, gravadora, desenhista, artista intermídia e professora. Com formação em língua e literatura anglogermânicas, inicia, na década de 1950, seus estudos artísticos no ateliê de Fayga Ostrower (1920 - 2001). Entre 1960 e
1965, participa do ateliê de gravura em metal do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro - MAM/RJ, onde passa a lecionar
três anos mais tarde. Publica com Fernando Cocchiarale (1951), o livro Abstracionismo Geométrico e Informal: a vanguarda
brasileira nos anos cinqüenta, em 1987. Sua obra é marcada pelo uso de diversas linguagens e a exploração de novos
materiais e suportes. Na década de 70, sua produção tem caráter experimental: fotomontagem, fotogravura, xerox, vídeo e
Super-8. Dedica-se também à pintura desde a década de 1980. A partir da década de 90, emprega novos materiais e produz
formas cartográficas vazadas em metal, dentro de caixas de ferro ou gavetas, preenchidas por encáustica. Suas obras
situam-se no limite entre pintura, objeto e gravura.
Comentário Crítico
"Anna Bella Geiger começa a gravar com Fayga Ostrower nos anos 50, dirigindo-se para a forma depois de ter com ela
praticado gravura figurativa. Chega à abstração com gravuras rítmicas, compostas de linhas, cores e formas que circulam,
elaboradas ou a partir de sua reflexão sobre a gramática visual de Fayga, ou paralelamente a esta. Teórica, como Fayga e De
Lamonica, Anna Bella Geiger, no fim dos anos 60, experimenta várias linguagens, ora incorporando-as à gravura, ora
levando-as a outras técnicas. Sua reflexão sobre os devires, nos anos 70, faz-se em videoteipe, xerox, fotografia, etc. Em
sentido inverso, nos mesmos anos, seu pensamento estético sobre as noções filosóficas de parte e todo levam a fotografia à
gravura, não sem antes fazê-la passar por experimentações com o clichê. Nos anos 60, a série ligada ao visceral fá-la deixar
a abstração, intensamente praticada no decêncio em referência.(...)”
Leon Kossovitch e Mayra Laudanna
Palavra do Artista
Artur Barrio
Cidade do Porto, Portugal, 1945
Situação TT1 1970 registro fotográfico
Breve Biografia
Artur Alípio Barrio de Sousa Lopes começa a pintar em 1965. Em 1967, freqüenta a Escola Nacional de Belas Artes, onde é
aluno de Onofre Penteado. Deixa de lado as técnicas tradicionais da pintura para trabalhar com matérias perecíveis, como
lixo, papel higiênico, detritos humanos e carne putrefata. Em 1969, realiza trabalho com Ivald Granato e Luís Pires para a préBienal de Paris, exposição que deveria acontecer no MAM-RJ, mas foi fechada pelo Departamento de Ordem Política Social
- DOPS. Exibe no Salão da Bússola as Trouxas Ensangüentadas (T. E.) – em que o público era convidado a interferir -, e
depois as coloca sobre a base reservada a uma escultura consagrada nos jardins do MAM/ Rj. No ano seguinte, expõe a
mesma obra em Belo Horizonte, na manifestação Do Corpo à Terra, organizada por Frederico Morais. A maioria de seus
trabalhos consiste de “situações”, como ele as chama. Tratam-se de intervenções diretas no espaço urbano (abandono de
T.E. pela cidade do Rio de Janeiro, por exemplo), seguidas de registros na França e na Holanda; em 1994, fixa-se no Rio de
Janeiro. Participou em várias edições da Bienal Internacional de São Paulo; em 1988, recebe o Prêmio Mario Pedrosa da
Associação Brasileira dos Críticos de Arte, por Experiência nº 1. Expõe no MAC-Niterói em 1998, junto com o artista Antonio
Manuel. Em setembro de 2000 é montada no Paço das Artes a exposição A Metáfora dos Fluxos que circula no ano de 2001
por mais dois museus: o MAM-RJ e o Museu de Arte Moderna da Bahia. Participa da exposição coletiva – Diálogo,
Antagonismo e Replicação no MAC-Niterói em 2002.
Comentário Crítico
"Desde o início dos anos 60, Barrio vem se interessando pelas sobras, pelos resíduos que deixamos. Note-se que esse
interesse nada tem a ver com um discurso de fundo ecológico, com a velha denúncia da implacabilidade da razão
instrumental, da destruição da natureza, do buraco de ozônio, da morte das baleias e de outros tantos terrores
contemporâneos. É certo que as trouxas ensangüentadas espalhadas no Rio de Janeiro e em Belo Horizonte em 1970
justificavam-se parcialmente como comentários sobre a hedionda vida subterrânea gerada pela ditadura militar. Mas não se
esgotavam aí. Também superavam a esfera da denúncia os quinhentos sacos plásticos contendo sangue, pedaços de unha,
saliva (escarro), merda, meleca, ossos, etc. , igualmente dispersos no Rio de Janeiro. Como as trouxas, os sacos eram
abandonados pelo seu autor à curiosidade e à manipulação dos transeuntes anônimos, que eventualmente passavam a coautores do trabalho. Detritos cuja deriva era registrada - não interceptada - pelo artista, que, ele também um transeunte,
atentava às reações psicorgânicas destes.
Agnaldo Farias - BIENAL INTERNACIONAL DE SÃO PAULO, 23., 1996, São Paulo, SP. Catálogo da Exposição Universalis. São Paulo: Fundação
Bienal de São Paulo, 1996. p.45.
Palavra do Artista
“O que procuro é o contato com a realidade em sua totalidade, do tudo que é renegado, do tudo que é posto de lado, mais pelo
seu caráter contestador; contestação essa que encerra uma realidade radical, pois que essa realidade existe, apesar de
dissimulada através de símbolos. Em meus trabalhos, as coisas não são indicadas (representadas), mas sim vividas, e é
necessário que se dê um mergulho, que se o mergulhe/ manipule, e isso é mergulhar em si. O trabalho tem vida própria
porque ele é o todos nós, porque é a nossa realidade do dia-a-dia, e é nesse ponto que abro mão de meu enquadramento
como “artista”, porque não sou mais, nem especificamente necessito de qualquer outro rótulo e isso, claro, estende-se ao
trabalho pois ele não pode ser rotulado, pois não necessita disso nem existem quaisquer outras palavras que o possam
enquadrar, pois o que acontece é que o tudo e o nada perderam o sentido de ser.”
Ivens Machado
Santa Catarina, 1942
Ocorrências 1976
Breve Biografia
Iniciou sua carreira como gravador, ingressando posteriormente na Escola de Arte do Brasil, no Rio de Janeiro no curso para
professor de arte. Foi aluno de Anna Bella Geiger. Entre prêmios e exposições destaca-se em 1988 na Mostra Modernidade –
Arte Brasileira do século XX, no museu de arte moderna de Paris e Brasil Projects PS1, em Nova York. Em suas exposições
mais recentes, destacamos a Mostra do Redescobrimento/ Arte Contemporânea (Fundação Bienal de São Paulo – SP,
2000), Palavra/Imagem no MAM- RJ em 2001, Violência e Paixão, no MAM- RJ e no Santander Cultural em Porto Alegre –
RS, ambas em 2002; em 2003, participou da IV Bienal do Mercosul, em Porto Alegre e do Projéteis de Arte Contemporânea,
FUNARTE, RJ.
Comentário Crítico
“O artista rompe manualmente o processo mecânico de dispor as linhas, criando desvios na regularidade da página
planejada. As ações de Machado subvertem as funções da linha como guia, modelo e regulador, criando pequenas falhas
que quebram a retidão das linhas e vazios na sua continuidade. O papel pautado é a antítese do potencial expressivo da
linha. A linha, quando é estandardizada, gerada mecanimente, ou pautada, constrange o espaço da liberdade de expressão.
Machado portanto lança o componente primeiro do desenho – a linha – em oposição a si mesma. Ele contrapõe o que a linha
é e o que pode fazer, uma contra a outra. Esses pequenos atos de subversão surgem como metáfora da liberdade e da
coação , tanto em nível formal quanto político.”
Beverly Adams / Ivens Machado: o engenheiro de fábulas. Ed. do autor RJ 2001 p.168.
Palavra do Artista
“O uso do papel pautado como suporte e matéria do trabalho vem ressaltar relações possíveis com estruturas de
comportamento. O caderno pautado é visto como um suporte 'ordenador' da linguagem escrita e depositário de
conhecimento. Neste projeto, que vem sendo desenvolvido há algum tempo, pretendo agora envolver a instituição de
maneira a poder transferir parte de ação a uma entidade do circuito de arte”
Invens Machado / Ivens Machado: o engenheiro de fábulas. Ed. do autor RJ 2001 p.154.
Ivan Serpa
Rio de Janeiro 1923-1973
Sem Título, 1964
Breve Biografia
O pintor e desenhista Ivan Serpa nasceu no Rio de Janeiro no ano de 1923. Como aluno de Axl von Leskoschek, expôs
trabalhos figurativos. Em 1947, aderiu ao não-figurativismo adotado por Mário Pedrosa. Foi membro do Grupo Frente,
professor de arte no Museu de Arte Moderna (MAM) e restaurador de papéis da Biblioteca Nacional. Na primeira Bienal de
São Paulo, foi celebrado como o melhor artista jovem, com uma pintura já concreta. Até a década de 1960, esteve ligado ao
movimento concretista, sendo considerado o pioneiro no Brasil. Depois, retornou ao expressionismo e ao não-figurativismo
geométrico. O ano de 1963 foi considerado sua fase negra, de denso teor expressionista. No ano seguinte, retomou a fase
erótica, que já desenvolvia em seus desenhos a bico de pena. Mais tarde, com as obras de pesquisa óptico-espacial, à base
de madeira, espelho e barbantes, voltou à disciplina construtiva anterior, atingindo o neoconcretismo e a nova objetividade
em 1967. Entre suas telas, destacam-se Formas, premiada na I Bienal de São Paulo, Composição e Corpo nu.
Comentário Crítico
“Ivan Serpa foi um “Artista Plural” em toda a sua carreira, demostrando dentro de uma multiplicidade de estilos, uma forte
unidade, cuja essência construtiva foi constante. Essa multiplicade de estilos, prova que um artista pode passear livremente
por novos caminhos, sem se perder, e, no caso de Serpa, sem perder a essência característica de sua obra:
concretude/construtivista.”
Frederico Morais
Palavra do Artista
“(...) a coisa mais importante é respeitar cada um. Não ensino arte a ninguém... Um aluno veio me perguntar sobre tintas, cor.
Eu lhe respondi: “você já observou as reações químicas da cor, já viu o que acontece?”(...) Esta é uma maneira de mostrar as
coisas. Eu não ensino nunca. Cada um vai fazendo suas próprias descobertas... Ninguém ensina. Somente desenvolve(...) A
maioria quer ensinar fórmulas, não é assim (...) Dar prêmios, deturpa a criança (...) comparando-a com os adultos.”
José Rufino
João Pessoa PB, 1965
Breve Biografia
Artista visual e professor universitário. No fim da década de 1970,
freqüenta cursos de extensão na Universidade Federal da Paraíba UFPB. Inicia sua produção artística na década de 1980. Muda-se, em
1983, para o Recife, onde tem contato com artistas e poetas ligados à
arte postal e à poesia visual, entre eles Paulo Bruscky (1949). Graduase em geologia na Universidade Federal de Pernambuco - UFPE. Em
suas obras, utiliza materiais relacionados à história de sua família,
como documentos, cartas, escrivaninhas e cadeiras, que aparecem
em suas instalações, objetos e desenhos. Recebe o primeiro prêmio no
Concurso do Cartaz da Semana da Biblioteca, realizado no Recife, em
1988. Conquista menção honrosa do Projeto Nascente, da
Universidade de São Paulo - USP, em 1991, e, no ano seguinte, recebe
primeiro prêmio na segunda edição desse projeto.
Plasmatio, 2005
Comentário Crítico
O percurso do artista plástico paraibano José Rufino tem se fundamentado na construção de um acervo de obras que
testemunham uma espécie de iconografia alterada de suas reminiscências e de seu contexto histórico-familiar, revelador de
uma densa sociologia do Nordeste canavieiro.
O artista, filho de preso político, produz uma série de monotipias (gravuras de impressão única) em papéis e documentos
relacionados aos desaparecidos políticos. Suas formas lembram corpos humanos, algumas em tamanho real, semelhantes
ao sudário de Cristo. Estas monotipias são baseadas nas gravuras de caráter espírita do médico alemão Justinus Kerner,
publicadas em 1857, e nas pranchas psico-analíticas do psiquiatra suíço Hermann Rorschach, publicadas em 1921.
As instalações com tais gravuras, que se desprendem de móveis e arquivos, criam um ambiente que invoca a memória de
pessoas cujos corpos desapareceram. No entanto, o artista se afasta de uma abordagem de caráter histórico-iconográfica
dos indivíduos e seus desaparecimentos, pois sua obra invoca a perda - matéria já presente em todo o conjunto de sua obra.
Palavra do Artista
"Meu trabalho confunde-se com o processo da vida. Não existe um limite definido entre criação e não criação. Onde acaba o
trabalho e começa o artista? Prefiro falar no processo de elaboração, que é um processo de acumulação de aprendizado e
esquecimento, impregnado de interferências da própria história da arte. Os trabalhos talvez não sejam criados e sim
coletados com uma espécie de peneira num grande e turvo depósito de possibilidades estéticas e conceituais.(...) Os
caminhos a seguir às vezes parecem claros e às vezes completamente turvos, e é exatamente esta ambiguidade que me
distancia de um uso maneirista dos elementos".
José Rufino / RODRIGUES, Elinaldo. A Arte e os artistas da Paraíba: perfis jornalísticos. João Pessoa: UFPB, 2001.
Iberê Camargo
Restinga Seca RS 1914 - Porto Alegre RS 1994
Forma Rompida I, 1964
Breve Biografia
Pintor, gravador, desenhista, escritor e professor. Em 1928 estuda pintura com Frederico Lobe e Salvador Parlagreco na
Escola de Artes e Ofícios, em Santa Maria, Rio Grande do Sul. Entre 1936 e 1939, em Porto Alegre, faz o curso técnico de
arquitetura do Instituto de Belas Artes de Porto Alegre e estuda pintura com Fahrion. Muda-se para o Rio de Janeiro em 1942
e, com bolsa de estudos concedida pelo governo do Rio Grande do Sul, freqüenta por pouco tempo a Escola Nacional de
Belas Artes - Enba. Não satisfeito com a proposta acadêmica, estuda com Guignard e funda, em 1943, com outros artistas, o
Grupo Guignard. Em 1947 recebe o prêmio de viagem ao exterior e vai para a Europa no ano seguinte. Em Roma, estuda
com Giorgio de Chirico, Carlos Alberto Petrucci, Antônio Achille e Leone Augusto Rosa, e em Paris, com André Lhote. Volta ao
Brasil em 1950 e, em 1952, torna-se membro da Comissão Nacional de Artes Plásticas. Funda, em 1953, o curso de gravura
do Instituto Municipal de Belas Artes do Rio de Janeiro, hoje Escola de Artes Visuais do Parque Lage. Em 1980 Iberê
Camargo mata a tiros um homem que o agride na rua. É absolvido sob o argumento de legítima defesa, mas o episódio marca
profundamente sua vida e sua obra.
Comentário Crítico
"Tudo em Iberê Camargo é energia, drama, emoção à flor da pele. 'Eu não pinto modelos, pinto emoções´, afirma o artista. O
quadro é sempre um abismo emocional, uma angústia sem fim. Mais de uma vez ele se comparou a Sísifo. Em seu ateliê, em
Porto Alegre, aponta-me uma tela que acabara de retocar pela enésima vez, me diz: ´Parecia, de início, que eu ia pintar uma
alvorada. Terminei fazendo um noturno. O que posso fazer? Tenho uma visão trágica da vida. Não sou um homem alegre,
não vejo nenhum futuro para a humanidade, nenhum céu (...). 'São dois os tempos perceptivos em sua pintura. O primeiro
aproxima-se do tátil, é altamente provocativo, sensorial. Apenas o interdito secular nos inibe de tocar a superfície pintada e
sentir fluir, nos dedos, torvelinho de emoções tumultuadas. Tem-se a sensação de que o quadro foi concluído ali, naquele
exato momento. A tinta aparece, ainda, molhada, o gesto vibra, a cor pulsa entre negros e violetas. Bem próximo ao quadro,
portanto, o que se sente é a pura materialidade da pintura. Depois, a distância, os planos se abrem e as formas se organizam,
surgindo, como conseqüência, misteriosas figuras, fantasmas ameaçadores".
Frederico Morais
Palavra do Artista
Eu como pintor sou apenas um operário. Eu procuro fazer meu objeto da melhor forma possível, como se fosse uma mesa,
uma cadeira. Atendo a sua necessidade de ser, de seu existir. Eu sei que uma mesa tem tantos pés, não pode ficar solta no
espaço. Tenho de me submeter a essa necessidade construtiva do objeto comum para fazer minha pintura da melhor
maneira que posso fazer, com meus conhecimentos de pintor, de artesão, de brochador de parede, não mais que isso. Agora
se eu tenho essas ansiedades, isso é que é a pergunta. Por que procuras tanto essa imagem? Por que desmanchas tantas
vezes, por que tu refazes, me dizem. Um pintor em São Paulo assistiu ao vídeo e disse ter visto desfilar uma humanidade,
porque são tantas figuras que surgem, e que eu rejeito. Por que eu rejeito? Gostaria de saber. Para mim, é porque aquela
formalmente é mais plástica, tem mais verdade como imagem. Mas eu posso estar dando a definição de um esteta, de um
artista. Pode ser que eu esteja até sendo enganado por mim mesmo.
Talvez eu esteja procurando, sem saber, a primeira imagem, a imagem da mãe. Aí, quando a coisa se apresenta, aí satisfaz.
Não sei dizer de antemão como ela é, mas sou capaz de reconhecê-la. É ela, eu sei".
Flavio Shiró
Sapporo, Japão 1928
Journal du 26/11/1964, 1964
Breve Biografia
Pintor, gravador, desenhista e cenógrafo. Chega ao Brasil em 1932, e instala-se com a família numa colônia japonesa em
Tomé-Açu, no Pará. Reside em São Paulo a partir de 1940. Estuda na Escola Profissional Getúlio Vargas, onde conhece
Marcelo Grassmann (1925) e Luiz Sacilotto (1924 - 2003). Freqüenta o Grupo Santa Helena por volta de 1943, e tem contato
com Alfredo Volpi (1896 - 1988) e Francisco Rebolo (1902 - 1980), entre outros. Em 1947, integra o Grupo Seibi. Vai para
Paris, onde fica de 1953 a 1983. Na década de 1960, participa do movimento artístico brasileiro e integra o Grupo Austral
(Movimento Phases) de São Paulo. Dedica-se à abstração informal, desde a década de 1950. A partir dos anos 1970, suas
telas apresentam sugestões de figuras, por vezes seres fantásticos ou monstruosos.
Comentário Crítico
“Em suas obras, ele dialoga com a arte do presente e do passado, com o informalismo e a nova figuração, com pintura
veneziana e o maneirismo espanhol e, também, com Freud e a mitologia grega, com Jean Genet e Win Wenders, com o
melhor teatro e a melhor literatura. As exposições e filmes que vê, os livros que lê, as peças de teatro a que assiste, as
viagens que realiza a tantos lugares diferentes, a memória profunda de fatos e situações vividas em três continentes, a
natureza e a luminosidade brasileiras, e mais a rica experiência do cotidiano que vem se somar à atividade incessante do
inconsciente, formam o cadinho cultural que vai alimentar sua obra pictórica, o substrato que serve de base para as
indagações que, através da pintura, ele está continuamente fazendo ao mundo".
Frederico Morais
Palavra do Artista
Sou como a figueira brava, ligado a três continentes por raízes aéreas: suas seivas complementares e de contraste me
alimentam. (...) As raízes do sugui, presas aos flancos das montanhas do meu Japão nativo, vão bem cedo juntar-se às da
gigantesca samaúma da Amazônia da minha infância. (...) O Rio Amazonas corre lento e imenso. (...) O tempo corre também.
Estou em São Paulo, cidade ainda adolescente. (...) Foi lá que nasceu meu amor pela pintura. Sentado no telhado, pinto
minha primeira paisagem. (...) O mundo está em guerra. O Brasil é um oásis. (...) Juventude, tempo de batalhas. De sonhos
também: Paris.
Cybèle Varela
Petrópolis, RJ 1943
Miss Brasil, 1968
Breve Biografia
Pintora, fotógrafa, vídeo artista e criadora de objetos. Estuda pintura no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro - MAM/RJ
entre 1962 e 1966. Nessa mesma época, dirige a Associação Amigos da Arte, em Petrópolis, onde apresenta inúmeros
eventos culturais, entre os quais a ópera La Bohème e a bailarina Beatriz Consuelo. Viaja para Paris, como bolsista do
governo francês nos anos de 1968/1969 e 1971/1972, onde estuda na Ecole du Louvre. Reside na Cité Internationale des
Arts em 1973 e 1974 e estuda na Ecole Pratique des Hautes Etudes entre 1976 e 1978, onde escreve um Mémoire sobre Arte
Corporal. Na década de 1960, ainda no Brasil, explora temas urbanos e se destaca com seus grandes painéis pintados com
esmalte sintético sobre madeira, como Grand Prix no Salão de Arte Moderna do Rio em 1969, também criando objetos
pintados sobre madeira, como a Lousa Sepulcral, apresentada na 9ª Bienal Internacional de São Paulo.
http://www.itaucultural.org.br
Palavra do Artista
"Nos anos 60 trabalhava com tinta industrial sobre madeira com temas urbanos, cenas onde personagens aparentemente
desconexos se encontravam em minha pintura e em meus objetos/puzzle. Desde aquela época, sempre senti uma ausência
de tempo, uma certa irrealidade que a vida não me explicava. Em 1968, fui para Paris com bolsa de estudos do governo
francês. Lá, a memória de meu país natal fez-se fragmentos que desapareciam com a luz solar que entrava pelas persianas
de meu atelier. Senti mais ainda o isolamento em relação à natureza que nos envolve. Então, eliminei as figuras. (...) Assim o
tempo foi passando, fiz trabalhos utilizando varias técnicas, entre as quais super-8, fotos, vídeo, mas a pintura era e é a
minha base. Na virada do século, achei que os personagens tinham que reaparecer em meus quadros. Porém, como nunca
aceitei uma só realidade, eles se mesclam com os do passado. Alguns são conhecidos, outros inventados por mim. Mas qual
é a diferença para quem vê o tempo distante, suspenso no próprio infinito do cosmos? Meus personagens são flashes de
instantes vividos por outros seres e por mim mesma. (...)’’
Cybèle Varela: Surroundings. Rio de Janeiro: Museu Nacional de Belas Artes, 2003.
Antonio Henrique Abreu Amaral
São Paulo, SP 1935
Campo de Batalha G2, 1976
Breve Biografia
Pintor, gravador e desenhista. Inicia sua formação artística na Escola do Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand Masp, com Sambonet (1924 - 1995), em 1952. Em 1956, estuda gravura com Lívio Abramo (1903 - 1992) no Museu de Arte
Moderna de São Paulo - MAM/SP. Em 1958, viaja para a Argentina e o Chile, onde realiza exposições e entra em contato com
Pablo Neruda (1904 - 1973). Viaja para os Estados Unidos em 1959, estudando gravura no Pratt Graphics Center, em Nova
York. Voltando ao Brasil em 1960, trabalha como assistente na Galeria Bonino, no Rio de Janeiro, e conhece Ivan Serpa
(1923 - 1973), Candido Portinari (1903 - 1962), Antonio Bandeira (1922 - 1967), Djanira (1914 - 1979) e Oswaldo Goeldi
(1895 - 1961). Paralelamente à carreira artística, atua como redator publicitário. No início da carreira realiza desenhos e
gravuras que se aproximam do surrealismo. A partir da metade da década de 1960, sua produção passa a incorporar a
temática social, elementos da gravura popular e da cultura de massa, aproximando-se também da arte pop. Em 1967, lança o
álbum de xilogravuras coloridas O Meu e o Seu, com apresentação e texto de Ferreira Gullar (1930) e capa de Rubens
Martins, em que apresenta uma crítica ao autoritarismo vigente no país. Passa a dedicar-se predominantemente à pintura.
Recebe em 1971 o prêmio viagem ao exterior do Salão de Arte Moderna do Rio de Janeiro e viaja para Nova York. Retorna ao
Brasil em 1981.
Comentário Crítico
Na época em que Amaral pintou as bananas, elas se tornaram um símbolo explícito para o indivíduo submetido a
arbitrariedades, aparecendo amarradas e penduradas por cordas, ou agredidas e perfuradas por garfos e outros
instrumentos contundentes. Tal foi o vigor dessa pintura, tal a eficácia do símbolo, que Amaral passou a ser relacionado,
como pintor, com as bananas, assim como Volpi com as bandeirinhas, e Di Cavalcanti, com as mulatas. Três simplificações
inatentas e imprecisas.
No caso de Amaral, estereotipou-se a leitura de suas obra como a denúncia de uma violência específica, política e urbana,
em detrimento até da apreciação do puro fenômeno pictórico. (E, no entanto, é por causa deste, e não de temas ou
engajamentos, que a qualidade e a permanência de uma obra de arte se instauram). A banana era um indício, sim, mas não
esgotava a complexidade e a totalidade do autor. Esqueceu-se um pouco a brasilidade ampla, abrangente, que ele não
procura, propriamente, como um projeto articulado (à maneira, por exemplo, de um Rubem Valentim), mas que se encontra
por força por trás, ou no fundo, de toda a sua produção. Prestou-se menos atenção a telas ainda da década de 70 (no regime
de exceção, portanto) em que Amaral incursiona por outros signos vegetais sem leitura metafórica urbana: bambuzais,
cerrados e/ou detalhes superampliados de caules, folhas e espinhos, resultando numa trama plástica planturosa,
impenetrável mas dinâmica, selvagem e amazônica.
Olívio Tavares de Araújo - AMARAL, Antonio Henrique. Amazônia "a mata". São Paulo: Galeria do Memorial, 1992.
Fala do Artista
A minha preocupação, mesmo quando estava fazendo sátiras de cunho social, era a da linguagem. Eu estava aprendendo
gravura, aquarela, desenho, começando a mexer com tinta. Inclusive fiz pinturas desses generais também. A linguagem é
importante, e isso a gente está sempre aprendendo. Mas também não há condição de se fazer arte sem buscar o domínio do
material utilizado.
ANTONIO HENRIQUE AMARAL. Obra sobre papel 30 anos. Campinas: Museu de Arte Contemporânea, 1986.
Deneir Martins
Camos Dos Goytacazes, RJ 1954
Invasion, 2008
Breve Biografia
Começou a vida artística aos 19 anos, quando frequentou um curso livre de arte. Em 1992, ao participar da Rio 92, mudou
completamente o seu conceito em relação à arte e passou a adotar a reciclagem como linguagem artística. Em 1993, tornouse funcionário público da Secretaria de Estado de Educação na função de Animador Cultural, que exerce até hoje. Ministrou
oficinas de criação artística e confecção de brinquedos em várias instituições e eventos, como Museu de Belas Artes, Paço
Imperial e Maison du Brésil – Cité Internationale Universitaire de Paris. Também confeccionou brinquedos e engenhocas
para diversos programas de TV
Palavra do Artista
«Eu fiz esse trabalho depois que o Estados Unidos invadiram o Iraque (20 de março de 2003),mas como se ele estivesse
conquistado o mundo inteiro (poder colonizador),mostrando não só a invasão bélica mas também cultural. O uso da luz
também é proposital, para fomentar a idéia de invasão visual, pois quando o visitante se aproxima é imediatamente tomado
pelo letreiro luminoso da palavra «invasão». E a bandeira «escondida» serve para enfatizar que os americanos estam
sempre na espreita para uma próxima invasão. A técnica que utilizei na construção foi madeira, restos de alumínio (placas de
carro, panelas) na moldura do painel. Em torno de 3000 placas de alumínio (para não enferrujar) pregados com alfinete, areia
com resina (para fazer o atlas) no painel, e fundo de latas de refrigerante, e tampinhas de garrafa de cerveja no revestimento
das paredes internas da obra.»
Trecho da entrevista realizada em 11\04\2014, na montagem da exposição «Re - Existencia», no museu MAC, de Niterói.
Franz Weissmann
Knittelfeld, Áustria 1911 - Rio de Janeiro RJ 2005
Relevo, 1965
Breve Biografia
Escultor, desenhista, pintor e professor. Vem para o Brasil em 1921. No Rio de Janeiro, entre 1939 e 1941, frequenta cursos
de arquitetura, escultura, pintura e desenho na Escola Nacional de Belas Artes (Enba). De 1942 a 1944, estuda desenho,
escultura, modelagem e fundição com August Zamoyski (1893-1970). Em 1945, transfere-se para Belo Horizonte, onde
ministra aulas particulares de desenho e escultura. Três anos depois, Guignard (1896-1962) convida-o a lecionar escultura
na Escola do Parque, que mais tarde recebe o nome de Escola Guignard. Inicialmente, desenvolve uma obra pautada no
figurativismo. A partir da década de 1950, gradualmente elabora um trabalho de cunho construtivista, com valorização das
formas geométricas, submetendo-as a recortes e dobraduras, utilizando chapas de ferro, fios de aço, alumínio em verga ou
folha. Integra o Grupo Frente, em 1955. No ano seguinte, volta a residir no Rio de Janeiro e participa da Exposição Nacional
de Arte Concreta, em 1957. É um dos fundadores do Grupo Neoconcreto, em 1959. Nesse ano viaja para a Europa e o
Extremo Oriente, retornando ao Brasil em 1965. Na década de 1960, expõe a série Amassados, elaborada na Europa com
chapas de zinco ou alumínio trabalhadas a martelo, porrete e instrumentos cortantes, alinhando-se temporariamente ao
informalismo. Posteriormente volta a aproximar-se das vertentes construtivas. Nos anos de 1970 recebe o prêmio de melhor
escultor da Associação Paulista de Críticos de Artes (APCA), participa da Bienal Internacional de Escultura ao Ar Livre, em
Antuérpia, Bélgica, e da Bienal de Veneza. Realiza esculturas monumentais para espaços públicos de diversas cidades
brasileiras, como na Praça da Sé, em São Paulo; no Parque da Catacumba, no Rio de Janeiro; e no Palácio das Artes, em
Belo Horizonte.
Comentário Crítico
Sob os seus golpes, o zinco vira céu, e outra vez se verifica que os vincos feitos a marteladas na matéria deixam passar a luz,
e em sua perseguição uma arquitetura de planos e de linhas que se sucedem, se armam, com o capricho de nuvens que
passam. Franz Weissmann fez descoberta, isto é, não a procurou, deliberadamente. Pois o que procurava era uma
persistente operação de mágico no seu longo, solitário, direto, artesanal tratamento com a matéria.
Ao passar para o alumínio, os petrechos de ataque do artista, o macete, as mãos poderosamente protegidas amassam mais
e incisam menos. As lâminas de alumínio trazem, intocável, uma claridade virginal, translúcida. Apodera-se do escultor uma
vontade de conspurcar aquela claridade pura. E é um estupro o que faz. Com as mãos duras de boxeador a amarrota, como a
uma folha de papel. Avança no ataque, o macete, e a empregueia toda; o metal se encolhe, se dobra, as pregas lhe dão cara
de velha, mas ao cabo transmuda-se em desperdícios de prata lavrada, de lampejos reluzentes. Fez-se realmente do
alumínio outra coisa. Tem sulcos, chispas, pregas, enrugamentos, cortes, camadas - mas sobe de categoria, tornando-se
quase metal nobre, precioso. É um Weissmann com insígnia diferente, com uma obra diferente, mas é o mesmo artista, que
prossegue para se vingar de sua condição humana, terrestre - enquanto espera a transubstanciação.
Mário Pedrosa - PEDROSA, Mário. A volta de Franz Weissmann. In: WEISSMANN, Franz. Franz Weissmann. Rio de Janeiro: Galeria do IAB, 1981. p. 8.
Fala do Artista
Eu senti uma certa ansiedade de romper com tudo, com toda a parte construtiva e organizada. Comecei a amassar o mundo,
não é? Eu queria simplesmente algo amarrotado e jogava então com planos, com luz.
http://www.franzweissmann.com.br/est90.htm
EQUIPE DAE
Márcia Campos
Diretora da Divisão de Arte-Educação
Bruno Albert
Daniel Whitaker
Eduardo Machado
Igor Valente
Karla Gravina
Leandro Crisman
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