PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS Programa de Pós-Graduação em Psicologia UM MONSTRO DOS OLHOS VERDES: Reflexões sobre o ciúme sob a perspectiva da psicanálise freudiana Luisa Izidoro Porto Belo Horizonte 2010 Luisa Izidoro Porto UM MONSTRO DOS OLHOS VERDES: Reflexões sobre o ciúme sob a perspectiva da psicanálise freudiana Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação Stricto Sensu em Psicologia da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Psicologia. Orientadora: Jacqueline de Oliveira Moreira Belo Horizonte 2010 FICHA CATALOGRÁFICA Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais P839u Porto, Luisa Izidoro Um monstro dos olhos verdes: reflexões sobre o ciúme sob a perspectiva da psicanálise freudiana / Luisa Izidoro Porto. Belo Horizonte, 2010. 99f. Orientadora: Jacqueline de Oliveira Moreira Dissertação (Mestrado) – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Programa de Pós-Graduação em Psicologia. 1. Freud, Sigmund, 1856-1939. 2. Narcisismo. 3. Amor. 4. Ciúme. I. Moreira, Jacqueline de Oliveira. II. Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Programa de PósGraduação em Psicologia. III. Título. CDU: 159.964.2 Luisa Izidoro Porto UM MONSTRO DOS OLHOS VERDES: Reflexões sobre o ciúme sob a perspectiva da psicanálise freudiana Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação Stricto Sensu em Psicologia da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Psicologia. ______________________________________________________________________ Jacqueline de Oliveira Moreira (orientadora) – PUC Minas ______________________________________________________________________ Andrea Maris Campos Guerra – UFMG ______________________________________________________________________ Roberta Carvalho Romagnoli – PUC Minas Belo Horizonte, 30 de novembro de 2010 Aos amigos, pelo companheirismo e incansável apoio. AGRADECIMENTOS Ao Marcílio, pela presença constante e afetuosa. À minha mãe, pela capacidade de compreensão e acolhida. Ao meu pai, pelos valiosos ensinamentos. Aos meus irmãos, Bruno e Laura, pelo companheirismo e pelos momentos de alegria compartilhados. À minha orientadora Jacqueline, pela dedicação e enriquecedor auxílio. Aos meus amigos, por não terem se ausentado de mim. Ao Celso e à Marília, pela presteza e constante disponibilidade. “Meu senhor, livrai-me do ciúme! É um monstro de olhos verdes, que escarnece do próprio pasto que o alimenta. Quão felizardo é o enganado que, cônscio de o ser, não ama a sua infiel! Mas que torturas infernais padece o homem que, amando, duvida, e, suspeitando, adora”. WILLIAM SHAKESPEARE RESUMO O presente estudo tenta entender as movimentações psíquicas que se encontram subjacentes ao ciúme masculino que se manifesta em relação à companheira. Nesse sentido, busca-se na teoria psicanalítica Freudiana subsídios para essa investigação. Acreditando que o amor e o ciúme são dois sentimentos existentes desde os primórdios da sociedade, faz-se de grande importância as reflexões a respeito dos tipos de amor: andrógino, diotímico, burguês, romântico e líquido, e seus desdobramentos com relação ao ciúme. Tal percurso nos aponta para a hipótese de que a constituição do sujeito, seu atravessamento pela castração e o narcisismo possuem vínculos estreitos com a manifestação dos diferentes graus de ciúme citados por Freud. No entanto, utilizamos da literatura para estudar dois casos clássicos sobre esse tema: Otelo e Dom Casmurro. Palavras-chave: Freud. Narcisismo. Amor. Ciúme. ABSTRACT The aim of this study is to understand the psychological movings that underlies the male jealousy that manifests itself in relation to their wives. In this sense, we seek to Freudian psychoanalytic theory in grants for such research. Believing that love and jealousy are two feelings that exist since the beginnings of society, it is relevant the reflections about the types of love: androgynous, Diotima, bourgeois, romantic and fluid, and their consequences related to jealousy. This path points to the hypothesis that the subject’s constitution, its intersections by castration and narcissism have close links with the manifestation of different degrees of jealousy cited by Freud. However, it was used for this study two classical books from the literature that have jealousy as their themes: Otelo and Dom Casmurro. Keywords: Freud. Narcissism. Love. Jealousy. SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO.........................................................................................................11 2 TEORIAS SOBRE O AMOR: REFLEXÕES PRELIMINARES.......................18 2.1 O amor em Platão: dos andróginos a Diotima......................................................19 2.1.1 Mito andrógino......................................................................................................19 2.1.2 Discurso de Diotima..............................................................................................20 2.2 O amor romântico: uma crítica ao amor burguês................................................22 2.3 Amor em tempos modernos: o amor líquido em Bauman...................................27 3 CIÚME EM DIVERSAS ABORDAGENS TEÓRICAS.......................................31 3.1 Escrituras sobre ciúme na Bíblia...........................................................................32 3.2 Reflexões sobre ciúme na psicologia evolutiva......................................................34 3.3 Análise funcional do comportamento: uma teoria do ciúme no Behaviorismo.37 3.3.1 Ciúme e Transtorno Obsessivo Compulsivo.........................................................40 3.3.2 Inventário de Ciúme Romântico...........................................................................42 3.4 O ciúme enquanto fenômeno social........................................................................43 4 TEORIA PSICANALÍTICA SOBRE O CIÚME....................................................46 4.1 A importância do ciúme na constituição do sujeito...............................................47 4.2 Narcisismo em Freud e considerações sobre o ciúme...........................................50 4.3 As três expressões do ciúme na teoria Freudiana.................................................59 4.4 Manifestações do ciúme...........................................................................................60 4.4.1 Ciúme Normal........................................................................................................60 4.4.1.1 A criança e a mãe...............................................................................................60 4.4.1.2 O sujeito e o outro..............................................................................................62 4.4.2 Ciúme Projetado.....................................................................................................65 4.4.3 Ciúme Delirante.....................................................................................................66 5 O CIÚME NA LITERATURA, UMA INTERPRETAÇÃO PSICANALÍTICA: OTELO E DOM CASMURRO.......................................................................................69 5.1 O ciúme mortífero: Otelo e Desdêmona.................................................................72 5.2 O ciúme normal: uma leitura sobre Dom Casmurro.............................................79 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS.....................................................................................87 REFERÊNCIAS..............................................................................................................89 11 1 INTRODUÇÃO O ciúme é um sentimento considerado comum em nossa sociedade; é encontrado em todos os tipos de relacionamentos humanos. Acredita-se que, em algum momento da vida, em graus diferentes, experienciamos a sensação de ciúme. Ele pode ser entendido como uma reação à ameaça de um rival, real ou imaginário, a um relacionamento significativo. A ilusão de ser o único na vida do amado submerge quando adentra um terceiro na relação. Amor, afeição e atenção são direcionados a uma terceira pessoa, e o ciumento pensava que esses sentimentos deveriam ser oferecidos exclusivamente a ele. O ciumento visa diminuir ou excluir os riscos da perda do objeto amado; sua tentativa parece ser de convocar toda a atenção e demonstrações de amor para si mesmo. A literatura encontrada sobre o ciúme aponta várias formas de manifestações, com graus diversos e distinções para os homens e as mulheres. Às vezes, o ciúme é considerado uma maneira de expressar afeto, zelo, amor. Porém, questiona-se se quem ama mata. É notório que pessoas que sentem ciúme podem aniquilar sua vítima. De acordo com divulgações da mídia e conhecimento de casos rotineiros, podemos inferir que o ciúme no masculino emerge como sendo mais agressivo e capaz de causar assassinatos. Dessa forma, no decorrer dos anos, a violência contra as mulheres vem assumindo um lugar de interesse geral e se tornando um tema de grande importância nas pesquisas. Segundo o Centro Feminista de Estudos e Assessoria, o CFEMEA (2007), em uma pesquisa realizada sobre os temas que mais preocupam as mulheres brasileiras, os dois mais citados foram a violência contra a mulher em casa e a violência contra a mulher fora de casa/assédio sexual. Assim sendo, percebe-se que a violência projeta-se como um tema de extrema seriedade e pode ser observada em todas as classes sociais. A violência doméstica ou fora de casa são assuntos que superam outros, como: doenças como câncer de mama e útero; AIDS e o crescimento da AIDS entre mulheres; forma de evitar filhos e igualdade de salários com homens. Essa violência tão aparente e recorrente torna-se inspiração para o presente estudo e justifica a importância social de nosso trabalho para a compreensão das relações humanas atuais. Faz-se necessário pesquisar o motivo e a forma como essas agressões acontecem. De acordo com dados do CFEMEA (2007), aproximadamente uma em cada três mulheres pesquisadas nos estados brasileiros de São Paulo e Pernambuco diz já ter sofrido algum tipo 12 de violência cometida pelo parceiro. E ainda, esses dados estatísticos também denunciam que, em quase todos os casos de violência, mais da metade das mulheres não pede ajuda. Somente em casos considerados mais graves, como ameaças com armas de fogo e espancamento com marcas, cortes ou fraturas, pouco mais da metade das vítimas (55% e 53%, respectivamente) recorre a alguém para ajudá-las (CFEMEA, 2007). A gravidade da violência contra a mulher se tornou tão preocupante que em muitos países, como o Equador, a Espanha, e, também o Brasil, as autoridades legislativas e judiciárias precisaram se movimentar para avaliar e tentar reduzir o número de casos que está acontecendo. Algumas medidas foram adotadas para o combate à violência contra a mulher, entre elas a criação de Delegacias Especializadas no atendimento a mulheres vítimas de violência, a implantação do serviço telefônico gratuito − SOS Mulher − e a organização do serviço de atendimento psicológico para as mulheres vítimas de violência. Segundo a ministra da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, Nilcéa Freire, após a nova legislação já foram criados novos 40 juizados especializados em violência doméstica. Além deles, há 392 delegacias de atendimento à mulher no país, 80 centros de referência, 60 casas abrigo e 12 defensorias públicas (CFEMEA, 2007). Na Espanha, o Congresso dos Deputados aprovou, em 2004, o Projeto de Lei Orgânica de medidas de proteção integral contra a violência de gênero. Essa foi a primeira lei europeia contra a violência de gênero. No texto da lei, consta que a violência de gênero se manifesta como o símbolo mais brutal da desigualdade existente na sociedade, pois se trata de uma violência dirigida às mulheres por serem consideradas carentes dos direitos mínimos de liberdade, respeito e capacidade de decisão. O texto estabelece a criação de juizados especializados, melhoria na assistência às vítimas e criação de centros de reabilitação integral, além de uma série de procedimentos de proteção às mulheres ameaçadas. A pena aos agressores poderá ser de detenção fechada de até cinco anos ou pena de outra natureza de até dez anos. Dados espanhóis disponíveis mostram que, no primeiro semestre de 2004, houve 47 mil denúncias de maus-tratos e que apenas 2% delas foram apresentadas por homens, segundo o Observatório contra a Violência Doméstica e de Gênero.1 Ou seja, são 98% de denúncias feitas por mulheres. Qual seria o motivo de um número tão alto de agressões, que geralmente são realizadas pelos companheiros? Percebe-se a dificuldade do controle da violência contra a mulher numa sociedade com pensamentos machistas em que as mulheres não possuem os 1 http://www.observatorioviolencia.org. 13 mesmos direitos e deveres que os homens. Outro país que também deliberou uma Lei contra a Violência à Mulher e à Família foi o Equador. O artigo primeiro diz assim: Artigo 1 − Objetivo da Lei − A presente lei visa proteger a integridade física, psíquica e a liberdade sexual da mulher e dos membros da sua família, através da prevenção e repressão da violência intrafamiliar e de outros atentados contra os seus direitos e os de sua família.2 (BRASIL, 2006). Nesta lei, criada em 1995, antes da espanhola, se considera como violência intrafamiliar toda ação ou omissão que consista em maltrato físico, psicológico ou sexual, executado por um membro da família contra a mulher ou demais integrantes do núcleo familiar. O interessante dessa lei é a diferenciação que ela faz entre três tipos de violência: física, psicológica e sexual. A violência física corresponde aos atos de força que causem dano, dor ou sofrimento físico às pessoas agredidas independentemente do meio utilizado e de suas consequências. A violência psicológica constitui de ações que causem dano, dor, perturbação emocional. Enfim, a violência sexual é todo maltrato que constitua imposição ao exercício da sexualidade de uma pessoa, e que a obrigue a ter relações ou outras práticas sexuais com o agressor ou com terceiros, mediante o uso de força física, ameaças ou qualquer outro meio coercitivo. A lei ainda prevê algumas medidas de amparo em favor da pessoa agredida, tais como: conceder auxílio que for necessário ao agredido, ordenar a saída do agressor da convivência familiar, impor ao agressor a proibição de cercar a vítima em seu local de trabalho ou estudo ou proibir e restringir ao agressor o acesso à pessoa violentada. O agressor pode ser preso ou cumprir pena em liberdade com prestação de outros serviços. Na realidade brasileira, assim como na espanhola e na equatoriana, a sociedade possui, atualmente, uma consciência maior do que em épocas anteriores sobre a incidência das agressões sobre as mulheres. Atentos à seriedade da situação, as autoridades políticas brasileiras também notaram a necessidade de criação de leis de proteção à mulher. Podemos dizer que todas essas leis ferem a constituição, pois não seguem o direito de igualdade entre todos. Porém, é visível que a situação da mulher é tão desigual que se faz necessário utilizar um recurso que fere a ideia de igualdade de direitos para protegê-las das agressões físicas e psicológicas que vêm sofrendo. 2 Art 1 − Fines de la Ley.- La presente ley tiene por objeto proteger la integridad física, psíquica y la libertad sexual de la mujer y los miembros de su familia, mediante la prevención y la sanción de la violencia intrafamiliar y los demás atentados contra sus derechos y los de su familia (CFEMEA). 14 Conhecida como Lei Maria da Penha, a lei número 11.340, decretada pelo Congresso Nacional e sancionada em 2006, prevê o aumento no rigor das punições das agressões contra a mulher quando ocorridas no âmbito doméstico ou familiar. A farmacêutica Maria da Penha, que dá nome à lei contra a violência doméstica, foi agredida pelo marido durante seis anos. Em 1983, por duas vezes, ele tentou assassiná-la. Na primeira, com arma de fogo, deixando-a paraplégica, e na segunda por eletrocução e afogamento. O marido de Maria da Penha só foi punido depois de 19 anos de julgamento e ficou apenas dois anos em regime fechado. A Lei Maria da Penha possibilitou que agressores de mulheres no âmbito doméstico ou familiar fossem presos em flagrante ou tivessem sua prisão preventiva decretada. Esses agressores não poderão mais ser punidos com penas alternativas e a legislação aumentou o tempo máximo de detenção; previsto de um para três anos. A nova lei ainda prevê medidas que vão desde a saída do agressor do domicílio à proibição de sua aproximação da mulher agredida e dos filhos. Seguindo as formas de violência abordadas pela lei equatoriana, só que indo mais além, a Lei Maria da Penha dita que os modos de violência doméstica familiar contra a mulher são: I - a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal; II - a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da auto-estima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação; III - a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos; IV - a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades; V - a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria (BRASIL, 2006). Após a promulgação da Lei Maria da Penha, as denúncias de violência contra mulher aumentaram quase 50% no Rio Grande do Sul. Em Pernambuco, estado líder em casos de morte de mulheres por companheiros, em cinco dias foram registrados 13 flagrantes. O 15 interessante é que o ciúme desponta como a principal causa aparente da violência, assim como o alcoolismo ou estar alcoolizado no momento da agressão (mencionadas por 21%, ambas), razões que se destacam, em respostas espontâneas sobre o que acreditam ter causado a violência sofrida, superando em larga escala as demais menções (CFEMEA, 2007). Por que o ciúme culmina em agressividade? Percebe-se, então, que o ciúme no homem tende a ser mais violento. Apesar da criação da lei e das medidas protetivas às mulheres agredidas, percebe-se pelos casos constantemente divulgados pela imprensa a dificuldade em praticar as ações impostas na lei. Uma mulher é assassinada a cada duas horas no Brasil, segundo o Mapa da Violência 2010, estudo feito pelo Instituto Sangari, com base nos dados do Sistema Único de Saúde. A maioria é vítima de ex-namorados, maridos e companheiros. A promotora de Justiça Luiza Nagib Eluf, especialista em crimes contra a mulher e homicídios passionais e com cinco livros publicados, entre eles o best seller A Paixão no Banco dos Réus (ELUF, 2009), no qual analisa os principais crimes passionais que ocorreram no País, Luiza diz que as leis atuais são boas, mas há ineficiência da polícia e do Judiciário quando a mulher denuncia a agressão ao poder público. Em Belo Horizonte, a cabeleireira Maria Islaine denunciou o ex-marido por agressão. Ela conseguiu a proteção da lei, mas não teve a real dimensão do perigo. O advogado de Maria Islaine pediu uma atitude rápida da Justiça. Avisou três vezes que o agressor havia descumprido os limites de distância impostos pela Lei Maria da Penha. Não foi atendido com a urgência necessária. Em janeiro de 2010, as câmeras de segurança do salão de beleza registraram a execução da cabeleireira. Outro caso que chamou atenção da população foi a morte da advogada Mércia Nakashima. De acordo com a investigação, o ex-namorado Mizael matou Mércia por ciúme. A vítima levou um tiro, desmaiou e o carro onde ela estava foi empurrado para uma represa. O motivo do crime seria ciúme. Segundo depoimento de Evandro, porteiro do prédio de Mércia e acusado de participação no crime, Mizael estaria desconfiado que a ex-namorada, com quem saía esporadicamente, o estaria traindo com outro homem. Além disso, o advogado não aceitava o fim do relacionamento de mais de três anos e sempre buscou reatá-lo, apesar das negativas da advogada. A violência contra pessoas com quem Mizael possui relacionamento de ordem sentimental não apenas ocorrera com Mércia, mas, também, em menor escala, com a ex-esposa, conforme documentação colacionada aos autos. O que acontece com Mizael que o torna agressivo? Por que manter um relacionamento amoroso 16 implica em violência? Qual o motivo da violência? Por que a perda de um objeto amoroso retorna com o aniquilamento desse objeto? São várias questões que nos fazemos para tentar entender certas características diante da perda da amante. Sabemos que são vários os casos de assassinato de mulheres motivados por ciúme. Uma fúria incontrolada torna os homens tão violentos que a briga do casal culmina em morte. O lenheiro Wilson Paixão Gimenes, 46 anos, matou sua esposa no final de julho na residência do casal, que fica na Horta Comunitária, em Tamarana, distante 62 km de Londrina. Maria Aparecida da Luz, 54 anos, foi assassinada, durante uma briga, por ciúme do esposo, que a asfixiou com as próprias mãos. De acordo com a Polícia Militar, ele revelou que matou a esposa porque "descobriu" que ela estava tendo uma relação extraconjugal. A informação de traição teria sido repassada a ele por vizinhos. Após esses exemplos recorrentes de casos de violência masculina contra a mulher, que na maioria das vezes é motivada pelo ciúme, fica a pergunta de quais são as características que favorecem o ciúme: Por que os homens se tornam tão violentos frente a uma situação de perda ou ameaça de perda do objeto de amor? Existem características peculiares à distinção anatômica entre os sexos diante da ocorrência do ciúme? Contudo, não devemos fechar os olhos para os números de casos de violência doméstica, crimes passionais, dentre outros fatos comentados pelos noticiários diários, ou mesmo citados e estudados pela literatura científica sobre o ciúme. Para Palermo et al. (1997), citado por Torres (1999), são, geralmente, crimes cometidos por homens (mas isso não exclui as mulheres) com algum problema psicológico, desde transtornos de personalidade, alcoolismo, drogas, depressão, obsessão, e até a esquizofrenia. Assim sendo, pode-se entender que são os excessos e estes desequilíbrios, por exemplo, aliados ao ciúme, é que causam as trágicas consequências para os relacionamentos amorosos? Na tentativa de responder a essa e outras questões sobre o ciúme e investigar suas características, pretende-se, nesta pesquisa, primeiramente discutir as teorias do amor. Pois entendendo que o sentimento de ciúme encontra-se assentado nas relações amorosas parecenos crucial entender as diferentes teorias do amor. Para um segundo momento, pesquisaremos as mais importantes definições e teorias sobre o ciúme, buscando o olhar de teorias como a psicologia evolutiva e a teoria comportamental. Estudos sobre o ciúme são feitos em grande escala, em diversas abordagens teóricas e diferentes enfoques. Ramos (2001) fez sua pesquisa na linha comportamental cognitivista, Almeida (2007) seguiu os passos de Ramos e utilizou-se da Escala do Ciúme 17 Romântico. Torres (1999) discutiu o ciúme como um sintoma do transtorno obsessivo compulsivo. Na psicologia evolutiva, o principal teórico é Buss (2000), que afirma que o ciúme é um mecanismo de defesa desenvolvido para uma pessoa perpetuar o seu material genético através da reprodução e da sobrevivência de seus filhos. E, ainda, alguns teóricos de cunho sociológico e antropológico têm tentado desvendar uma origem cultural para o ciúme. A partir dessa pesquisa bibliográfica de diversas abordagens sobre o ciúme, iniciaremos uma pesquisa baseada na teoria psicanalítica, principalmente nos escritos freudianos. Buscaremos subsídios que nos possibilitem entender o ciúme e procurar as possíveis articulações dessas características com o amor, pretendendo chegar ao objetivo de estudar os mecanismos envolvidos no sentimento de ciúme nos sujeitos freudianos e, principalmente, na posição dos sujeitos frente a esse sentimento. Concluindo o estudo, citaremos e discutiremos as obras literárias que possuem exemplos clássicos de violência causada pelo sentimento do ciúme. Assim como praticou Freud, e entendendo ser a literatura uma expressão do cotidiano, utilizaremos dela como recurso para apreender a psique humana. Para isso, traremos exemplos paradigmáticos do ciúme nos clássicos internacional e nacional: Otelo e Dom Casmurro. 18 2 TEORIAS SOBRE O AMOR: REFLEXÕES PRELIMINARES A maneira como o indivíduo sente, expressa e vivencia o sentimento amoroso está relacionada a um conjunto de idéias, fantasias, imagens e discursos ao qual ele tem acesso, no qual ele é inserido por intermédio da sua família e do(s) grupo(s) social(ais), como o qual ele se identifica ou não. (CHAVES, 2004, p. 92). O amor sempre foi um tema que provocou reflexões poéticas, filosóficas, sociológicas e psicológicas. Diferentes campos científicos se dedicam ao estudo do tema do amor. Na literatura e, principalmente, na vida cotidiana, nos deparamos com recorrentes exemplos das tragédias que o ciúme pode introduzir em uma relação amorosa. O amante é invadido por um sentimento incontrolado de ciúme e diz estar agindo por amor. Por que falaremos do amor? O amor, um tema presente em nossas vidas, é cada vez mais almejado pelas pessoas. De forma geral, pode-se dizer que as relações que estabelecemos ao longo de nossas histórias estão permeadas pelas relações amorosas; e são nesses relacionamentos que podemos perceber com maior clareza a existência do ciúme. Estudaremos o amor a fim de compreender mais nitidamente a questão do ciúme. Pensa-se, então, na afirmação de Santo Agostinho: “Quem não tem ciúme, não ama” (AGOSTINHO, 1996). Mas, será? Qual a relação entre esses dois sentimentos? Estudos realizados por Mullen e Martin (1994) confirmam que, para as pessoas do senso comum, há estreitas relações entre o amor verdadeiro e o ciúme. Em contrapartida, Montreynaud (1994) enfatiza que “o ciúme não é prova de amor, mas sinal de imaturidade”. (MONTREYNAUD, 1994, p. 40). Assim, faz-se necessário compreender o que estamos nomeando de amor. As relações amorosas são construções sócio-históricas e estão presentes desde os primórdios da sociedade. Suas configurações e constituições foram se transformando ao longo da narrativa humana. Veremos que, no diálogo de Platão, O Banquete, encontramos uma conversa informal sobre Eros. Alguns filósofos e pensadores nos oferecem um banquete de palavras, ideias e articulações envolto no tema amor. Lembraremos, também, três momentos importantes das relações amorosas, a saber, o amor burguês, o amor romântico e o amor líquido. Todos são construções culturais, apoiam-se em condições não só de razão ou de sentimento, como também sociais e culturais. No primeiro, percebe-se a relação amorosa como um acordo entre famílias, em que se envolvem interesses de benefícios financeiros e imposições sociais e culturais; no segundo, há uma valorização especial ao sentimento existente; foi uma construção do romantismo que veio revolucionar o ideal de amor até então 19 vigente. E, no último, há a liquidez dos relacionamentos, seguindo as regras de consumo da sociedade contemporânea e a evitação do sofrimento. 2.1 O amor em Platão: dos andróginos a Diotima Iniciaremos com Platão. O Banquete é um clássico sobre o amor. Constitui-se de um diálogo realizado durante o encontro em que os filósofos Agaton, Erixímaco, Pausânias, Aristófanes, Fedro, Sócrates e Alcibíades discursavam sobre Eros. Os pensadores bebiam e comiam enquanto discorriam em homenagem a Eros. Nos ateremos aos discursos de Aristófanes e Sócrates, que são os que mais nos interessam para o presente trabalho. 2.1.1 Mito andrógino Aristófanes, um rapaz de excessos, é enviado a Sócrates pelo pai para aprender a se livrar de seus cobradores. O jovem devedor inicia sua fala dizendo da natureza humana e suas características. Expõe um mito sobre como surgiu o homem. Segundo ele, a natureza humana se dividia em três gêneros: masculino, feminino e andrógino (gênero comum, composto de macho e fêmea, também conhecido como hermafrodita). Cada homem era um todo em forma esférica, possuía quatro mãos, quatro pernas, dois rostos, quatro orelhas e um par de genitais; os outros órgãos também eram em dobro. Andavam eretos, eram fortes e vigorosos. Arrogantes, desafiavam os deuses e, por isso, Zeus decidiu seccionar cada um em dois para deixá-los mais fracos e prestativos aos deuses. Assim, existia um ser inteiro, mas como era muito poderoso, Zeus os separou para reduzir o poder deles. Passaram, então, a andar pela terra sem a sua metade como punição dos deuses. Zeus fez com que um ser se tornasse, então, dois. Desde então, um ser busca se unir ao outro com o objetivo de reconstituírem suas forças. Cada parte pretendia se unir à outra com intuito de se tornarem um único ser. Quando uma parte morria, a outra sofria e procurava outra metade. Zeus concebeu, ainda, o transporte das partes genitais para frente, podendo assim haver reprodução no encontro de dois sexos. Eros é quem se incumbe da união dos dois seres 20 para constituição e descendência dos homens. O mito de “Aristófanes apresenta Eros como o que se perdeu e que, portanto, se pretende voltar a encontrar” (JAEGER, 1994, p. 733). Eros é responsável pela restauração de dois em um. Eram todos a metade de outro e procuravam sua metade complementar. Eram antes uma totalidade. Aristófanes define o amor como “desejo e ânsia dessa complementação, dessa unidade” (PLATÃO, 2006, p. 84). Assim, ao desejo de constituir a totalidade anteriormente existente nomeia-se Eros. Segundo Jaeger: O amor por outro ser humano é aqui focalizado à luz do processo de aperfeiçoamento do próprio eu. Essa perfeição só é atingível na relação com um tu, pela qual as forças do indivíduo precisado de complemento se incorporam no todo primitivo e assim possam atuar na sua verdadeira eficácia. (JAEGER, 1994, p. 732). O discurso de Aristófanes é encerrado afirmando que, enaltecendo e louvando os deuses, Eros nos corresponderá com a restauração da natureza primitiva, oferecendo-nos ventura, força e bem-estar. Esse discurso demonstra que o amor era a busca pela completude anteriormente existida. Um ser completaria o outro e assim seriam fortes e felizes. O objetivo de vida desses seres era atingir a completude, encontrar sua outra metade. Ainda hoje, há pessoas que buscam nos seus parceiros completar a si próprias, e quando acreditam terem encontrado sua metade, qualquer situação que possa ameaçar a perda torna-se insuportável. Acredita-se na ilusão de que é possível ter no objeto amado o que falta ao amante. Encontrase na pessoa amada o retorno a um estado anterior de união e completude? São dessas situações que a agressividade emerge? Como uma ameaça de perder uma parte de si mesmo? Por isso, o ciúme aparece de forma agressiva? 2.1.2 Discurso de Diotima Pensemos agora nas palavras de Sócrates. Ele era um homem que não gostava de escrever, preferia proferir suas ideias pela palavra oral. E sempre iniciava seus discursos com perguntas, acreditando que a pergunta era um recurso fundamental para o conhecimento. No diálogo O Banquete, Sócrates também principia com seu método particular de interrogações. Ao contrário dos outros oradores do banquete, Sócrates não tratava Eros como um ser divino. O discurso de Sócrates inicia-se questionando Agaton, o anfitrião do banquete, se Eros é Eros de alguém ou de ninguém, se Eros deseja algo que tem ou algo que lhe falta. Depois, 21 responde que Eros é o que nos leva a desejar o que ainda não temos, o que nos falta. É a falta que faz com que o erasta (amante) se considere incompleto. Nesse discurso, mais uma vez, a falta é a condição para haver o desejo de se completar. O amor surge na falta, e quando acontece a ilusão da completude torna-se dolorosa a hipótese de perdê-la. E continua discorrendo a respeito de uma conversa que tivera com Diotima. Diotima dissera a Sócrates que Eros não era belo nem bom como ele pensava e fora reafirmado por Agaton. Mas o não-belo não é necessariamente o feio, e o não-bom não significa que é o mau. Por carência e ainda por não possuí-lo, Eros deseja o belo e o bom. Ele se encontra entre deus e o mortal, no meio deles e intermediando assuntos entre eles. Leva aos deuses acontecimentos e pedidos humanos e traz as instruções divinas aos homens. Ele é um intermediário entre o divino e o humano. Diotima busca provar para Sócrates que Eros não é um deus, pois todos os deuses, perfeitos, são felizes e belos, já possuem o que é belo e bom. Ele mistura os mortais e os imortais, interpreta e transmite aos deuses as súplicas e os sacrifícios dos homens e mostra a estes as ordens, as recompensas e os castigos dos deuses. Eros deseja o belo, e se ele o deseja é porque não o é, sendo assim ele fica num patamar entre o belo e o feio e por estar nessa posição intermediária Eros é um filósofo, segundo Sócrates, pois deseja adquirir novos conhecimentos, já que o filósofo está entre a sabedoria e a ignorância. (DIAS, 2009, p. 4). Segue contando sobre a paternidade de Eros, descrevendo que foi na festa do nascimento de Afrodite que Poros (caminho) embebedou-se e adormeceu no jardim. Penia, uma mendiga que aguardava os restos da festa na porta, desejando ter um filho de Caminho, deitou-se com ele e gerou Eros. Eros foi servo de Afrodite por ter sido concebido em sua festa de aniversário, e erasta (amante) do Belo, porque Afrodite é bela. Por ter herdado a natureza da mãe, perambula às portas, perdido nas ruas, inquilino da miséria. Em compensação, a natureza do pai conferiu-lhe ardor por coisas belas e boas: coragem, decisão, energia. Caçador assombroso, tece artimanhas, pensa apaixonadamente, soluciona, filosofa a vida toda, é hábil em sortilégios, em drogas, em arrazoados capciosos. Não sendo de natureza nem mortal nem imortal, floresce, vive próspero, morre e revive num mesmo dia, graças à natureza do pai. (PLATÃO, 2006, p. 95). Assim, Diotima estabelece a origem de Eros e seu destino – o belo. Eros é o desejo de possuir o bem e tem como objetivo produzir o belo. Ele aspira à imortalidade. E Sócrates encerra seu discurso enfatizando a necessidade de honrar Eros. Assim, o amor e a beleza são indissociáveis, não valorizando a individualidade e a criatividade de cada amante. A relação de amor não se constitui a partir da reciprocidade. Esse amor representa a oscilação entre o 22 moral e o divino, entre a abundância e a pobreza. É o amor como um afeto que coloca o sujeito entre extremos, do céu ao inferno. O amante tem seu objeto de desejo na figura da amada, numa relação de exaltação de ternura, de encontro de duas almas sublimes, sem a necessidade de contato físico. O que é o amor para Sócrates? Busca pela unidade? Desejo de determinar o belo? Eterno? Idealizado? Isso é o que esperamos do amante, e quando algo pode interromper essa visão, qual a reação do amado? O ciúme é um dos motivos que causa a obstrução do belo? Agressividade pode ser sua consequência? Nesse ponto é que o amor platônico se distancia do amor romântico, do amor recíproco e íntimo. Antes de se alcançar o romantismo, o amor era considerado apenas como uma forma de acrescimento de bens monetários, o chamado amor burguês. 2.2 O amor romântico: uma crítica ao amor burguês No amor burguês havia a imposição social e familiar para a consagração da relação. O casamento significava um contrato entre famílias para permuta de benefícios financeiros ou algum tipo de prestígio social. O casal apenas seguia os desígnios da família. A finalidade dessa relação amorosa, se assim podemos chamar esse relacionamento, era o casamento, valorizando a virgindade, a monogamia e a pureza. Os ideais burgueses de virgindade, monogamia e pureza ajudavam a sustentar a finalidade última do amor (o amor burguês), o casamento. Geralmente, o casamento se dava por razões de família, dinheiro, segurança monetária ou ascensão social. O puritanismo, as preocupações morais, o rigor das convicções religiosas, em suma, a exigente e rígida cultura da burguesia esperava de homens e, sobretudo, de mulheres uma reserva erótica, subordinava a concupiscência ao afeto no casamento legal e eterno. (CHAVES, 2006, p. 829). O amor entre os parceiros era condição dispensável no pensamento burguês. As imposições da sociedade e da família deveriam ser seguidas pelos envolvidos no relacionamento, não havendo espaço para questionamentos e compartilhamento dos sentimentos. A mulher aparece como um objeto de troca, tendo o homem poder e posse sobre ela. Podemos aqui introduzir uma questão sobre o ciúme. Qual o lugar do ciúme neste tipo de relacionamento? Qual a posição ocupada pelos envolvidos na relação matrimonial? O homem 23 sentiria ciúme da mulher ou de sua esposa enquanto uma propriedade? A esposa era mulher ou atributo de poder? Em reação às imposições sociais do amor burguês surge outro modelo de relacionamento imerso no amor romântico. O ideal de amor romântico só se instalou na civilização ocidental no final do século XVIII. No pensamento romântico não se permitia a decisão familiar de conveniência, mas privilegiava-se a livre escolha entre os parceiros, com reciprocidade de amor e desejo sexual. Segundo Abbagnano (2002), Romantismo é: O movimento filosófico, literário e artístico que começou nos últimos anos do século XVIII, floresceu nos primeiros anos do séc. XIX e constituiu a marca característica desse século. O significado comum do termo “romântico”, que significa “sentimental”, deriva de um dos aspectos mais evidentes desse movimento, que é a valorização do sentimento […] Nos costumes, o amor romântico busca a unidade absoluta entre os amantes. (ABBAGNANO, 2002, p. 862). Chaves (2006) nos diz que o amor romântico refere-se à criação de um ideal amoroso que valoriza os desejos, afetos, sonhos e a singularidade, com uma tentativa de retirar a influência de normas externas ao par amoroso. Assim, fica estabelecida a interdependência entre sexualidade e amor, e o componente sexual torna-se essencial para a relação amorosa. No entanto, a satisfação sexual não se sobrepunha à satisfação emocional. O desejo não era apenas o carnal, mas o desejo do que falta. Desejo de unir-se à metade perdida e fundir-se a ela, formando apenas um. O amor como busca da unidade. Como dito anteriormente com Aristófanes, os seres buscam unir-se para recuperar a totalidade que outrora tiveram e, assim, recuperar sua força e serem felizes novamente. O amor romântico, desde suas origens, suscita a questão da intimidade. Segundo Giddens (1993), ela é inconciliável com a luxúria, não em razão do ser amado consistir numa idealização, mas por presumir uma comunicação psíquica, um encontro de almas com qualidade reparadora. O outro, seja quem for, preenche um vazio que o indivíduo sequer necessariamente reconhece – até que a relação de amor seja iniciada. Em certo sentido, podese dizer, então, que o indivíduo fragmentado tem a ilusão de tornar-se inteiro. O Romantismo contestava o casamento como um arranjo financeiro. Valorizava o encontro de almas. Estimava a intimidade do casal, a cumplicidade e a exclusividade. Apreciava os sentimentos coincidentes. E, se houvesse uma dissipação nesses sentimentos, os sujeitos envolvidos poderiam tentar encontrar outro parceiro amoroso. Vieira (2009) afirma que era um relacionamento que denotava a expressão que “seja eterno enquanto dure”, enfatizando a experimentação e a variedade. Vale lembrar que não 24 corresponde com a noção de experimentação que encontramos hoje, baseada apenas na fruição do prazer, mas sim com uma experimentação que considera a singularidade do outro. O amor romântico trouxe consigo uma valorização do individualismo. O capitalismo moderno, com sua característica cumulativa, evidencia a particularidade de poupar e não dividir. O individualismo e a acumulação capitalista exacerbam o sentimento de ciúme e privilegiam o sentimento de posse das pessoas. O amante não quer que seu parceiro lhe venha por imposição paterna ou social, mas, ao mesmo tempo, deseja ser o eleito. Assim, procura-se um controle da liberdade do outro, pois apesar de não haver uma determinação cultural, ele quer ser e permanecer o escolhido pelo amante. Apregoa-se uma liberdade, enquanto, na verdade, há um desejo de ligar-se e prender-se ao parceiro. Como havia a importância do cultivo do desejo no amor romântico, havia também uma tensão por conta da não realização destes desejos. ‘Sofrer por amor’ passou a ser considerada uma forma digna de se viver. Ao mesmo tempo em que havia uma valorização do sofrimento, o amor era visto como tendo poderes curativos na busca da completude com o outro, da união total, capaz de transformar dois em um só. Ao mesmo tempo em que há a possibilidade de se sofrer por amor, este também pode conter uma promessa de alívio para angústias e sofrimentos. A idéia de que a relação amorosa teria um caráter especial, como um refúgio diante de um mundo ameaçador, perdura até nossos dias. (VIEIRA, 2009, p. 41). Havia outro paradoxo interessante sobre o amor: ao mesmo tempo em que se valorizava o sofrimento, acreditava-se no amor também como curativo. Buscava-se nele a completude, a união total, capaz de transformar dois em um só. Podia-se sofrer, mas também havia a possibilidade de alívio para as angústias e os sofrimentos. O amor era tido como uma das formas de obtenção da felicidade. “A obtenção da sensação de completude é uma busca dos indivíduos e uma das razões pelas quais o ideário romântico permanece como um forte mapa para a vida amorosa.” (VIEIRA, 2009, p. 42). O sofrimento era parte essencial do amor romântico, pois dificilmente encontrávamos os amantes felizes. Logo se percebia que a fusão era impossível, o sofrimento e a carência tornavam-se evidentes. Há apenas duas possibilidades para o amor romântico: a tragédia ou o final feliz; ou “viveram felizes para sempre” ou “morreram ainda jovens”, como na história de Romeu e Julieta. O amor romântico, inaugurado como inovador ao reivindicar para a relação amorosa a questão da intimidade e da reciprocidade, teve, também, um caráter transgressor, ao questionar o que até aquele momento era indiscutível, os ideais do amor burguês. O ideal romântico interessava-se mais em criticar o amor burguês do que o casamento, sendo que as pessoas poderiam ficar sozinhas se não fosse possível realizar o amor romântico. 25 Através dos tempos temos aprendido muito sobre as relações amorosas por meio da literatura. Ela demonstra o desenvolvimento dos laços afetivos entre as pessoas e também antecipa tendências e modos de vida, retratando as influências que nos rodeiam, a compreensão das diferentes épocas e a forma de expressar sentimentos em diversos contextos socioculturais. A escritora inglesa Jane Austen, em duas de suas obras mais famosas, Orgulho e Preconceito e Razão e Sensibilidade, ilustra a vida conduzida pelas tradições e convenções sociais do século XVIII. De forma irônica e com pequenas críticas aos costumes sociais da época, ela consegue retratar de forma muito interessante como funcionava a trama e as expectativas de casamento, que não se considerava o amor, e sim uma saída econômica para a família. Nesse ambiente de regras rígidas, imperativas e formais, os sujeitos apaixonados podem sofrer para conseguir viver o grande amor. O amor romântico vence apesar das dificuldades e sofrimentos vividos. Orgulho e Preconceito conta a história das cinco irmãs Bennet, cuja mãe preocupa-se em casá-las. A chegada de um milionário a terra convence Sra. Bennet que uma de suas filhas o conquistará. Acompanhado do aristocrata Sr. Bingley, vem o Sr. Darcy, igualmente rico. A história retrata o orgulho de Elizabeth, a segunda filha mais velha, dirigido ao Sr. Darcy, após sofrer dele uma ofensa e o preconceito deste com relação às pessoas do campo. Antes de se apaixonar por Elizabeth, Sr. Darcy se sentia superior e não concordava com a união de pessoas com classes sociais díspares. O amor fez o orgulho e o preconceito se calarem. O amor romântico pôde ser vivido, deixando-se o amor burguês sem voz. Apesar disso, a mulher continuou não tendo opção de escolha, permanecendo no lugar de escolhida. Para o casamento, a família da noiva ainda precisaria pagar um dote ao noivo, mas Sr. Darcy, apaixonado, abdicou do dote. Eles se casaram, assim como mais duas irmãs de Elizabeth, todas elucidando a vitória do amor romântico. Na história de Razão e Sensibilidade, o Sr. Dashwood morre, deixando seu filho John, do primeiro casamento, encarregado de amparar a madrasta e as irmãs. O pedido feito no leito de morte não foi atendido pelo filho, obrigando a senhora Dashwood e suas três filhas a procurarem nova morada. Em ambientes e modo de vida diferentes dos que estava acostumada, a família sentiu a mudança inesperada, mas logo se adaptou à nova vida. Apesar das circunstâncias desfavoráveis, o amor aconteceu para Elinor e Marianne. A filha mais velha, Elinor, apaixonou-se por Edward Ferrars, irmão da esposa de John. Marianne, irmã de Elinor, despertou interesse no Coronel Brandon, porém ela apaixonou-se por Willoughby. O 26 compromisso é dado como certo por ela, mas ele partiu repentinamente e depois, ao encontrála em um baile, a ignorou. Sabendo que seu amado tinha engravidado e abandonado a filha de criação do Coronel Brandon, Marianne decepcionou-se e passou a não evitar a presença do coronel, com quem se casou. Já Elinor casou-se com Edward e tiveram vida feliz e confortável com a posse da herança de Edward. Elas não se importavam com as diferentes condições sociais e econômicas de seus amados. No entanto, a sociedade tentou inviabilizar a concretização desse amor. Mais uma vez, o amor romântico alcançou seu objetivo. A partir do momento em que o amor romântico foi trazido para o casamento aconteceu uma grande modificação, pois começou a existir uma noção de eternidade. Antes iniciado como uma posição de resistência em relação ao amor burguês, agora começa a perder seu potencial transgressor. Seu caráter revolucionário, de certa forma, foi absorvido e abandonado para garantir a durabilidade do casamento, a coesão familiar e, consequentemente, a organização da sociedade. Começa-se a construir o amor do convívio, o amor companheiro. Desenvolve-se tolerância, carinho e conhecimento dos defeitos um do outro. É um amor que exige capacidade de sacrifícios. Etimologicamente sacrificar significa tornar sacro, sagrado. É ter momentos de renúncia para manter a sacralidade do objeto amado. Quando pensamos em amor sagrado, lembramos de um amor absoluto e eterno, do amor substituto de Deus, divinizado. Transfere-se para o objeto amado as qualidades divinas, mas esquece-se que ele também exige sacrifícios, renúncias. Isso faz parte do amor companheiro e afasta-se do amorpaixão. O amor-paixão é uma forma de amor proveniente do amor romântico, segundo Chaves (2004, p. 104). É um derivativo do amor romântico na medida em que reivindica a liberdade amorosa, valoriza a imaginação e o adiamento da satisfação. Mas se diferencia do romantismo por ter forte erotização baseada em envolvimento devorador e invasivo. Ele reveste a vida do indivíduo, causa encantamento nos amantes, que agem apenas em torno deste sentimento. Podemos dizer que, apesar de invocar a permissividade, ele torna-se enclausurador. “O ardor apaixonado era contrário ao amor burguês, e, ao menos como um ideal regulador, o desejo erótico devia se voltar para a procriação de filhos.” (CHAVES, 2006, p. 829). Segundo Giddens (1993), o amor apaixonado é especificamente perturbador das relações pessoais; extrai o indivíduo das suas atividades normais e gera uma inclinação às opções radicais e aos sacrifícios. Por esse motivo é enfrentado como arriscado, sob o ponto de vista da ordem e do dever sociais. 27 Quando os amantes percebem que a completude, tão almejada no amor romântico e no amor-paixão, não ocorre, surge uma série de troca de acusações e agressões. Isso mostra o quão destrutivas podem ser as idealizações quando se rompem. Ainda assim, a complexidade da sociedade e a individualização das atitudes fazem com que os sujeitos se voltem ou se refugiem na relação amorosa. Freud ([1914]1996) observara que o amor tende a funcionar como modelo de busca da felicidade e reconhecera sua natureza ilusória no sentido de consolar e tornar tolerável o mal-estar próprio do desejo humano. 2.3 Amor em tempos modernos: o amor líquido em Bauman As leituras sobre a contemporaneidade apresentam uma perspectiva pessimista em relação ao amor. Segundo Bauman, vivemos numa sociedade caracterizada por relações que podem ser denominadas de líquidas. Ele defende a existência de relações superficiais e passageiras, sem vínculos duradouros, incapazes de constituição de um objeto consistente que venha substituir o outro primordial. Segundo ele, isso é consequência do modo de vida do líquido mundo moderno. Dedica o livro Amor Líquido – sobre a fragilidade dos laços humanos (2004) aos riscos e ansiedades de se viver junto e separado. Zygmunt Bauman afirma desde o início do livro que o principal herói da obra é o relacionamento humano. Os personagens centrais são homens e mulheres contemporâneos abandonados aos seus sentimentos descartáveis, ansiando pela segurança do convívio. Pessoas com desejo de relacionar-se, porém desconfiadas da condição de estarem ligadas permanentemente, temem que tal condição traga encargos e tensões que elas se consideram inaptas ou sem disposição para suportá-las. Para ele, estamos diante de uma sociedade líquido-moderna: “aquela em que as condições sob as quais agem seus membros mudam num tempo mais curto do que aquele necessário para a consolidação, em hábitos e rotinas, das formas de agir”. (BAUMAN, 2004, p. 7). Nessa sociedade comandada pela lei de mercado, o amor também ganha uma vestimenta líquida. Para Bauman (2004), estaríamos na era do homem sem vínculos. Não há comprometimento nas relações, pois a lógica que rege a sociedade não é mais a de acúmulo de bens, mas a do uso e do rápido descarte. Da mesma forma como se descarta uma 28 mercadoria, troca-se uma relação por outra sem se preocupar com as consequências que isso pode ocasionar. No líquido cenário da vida moderna, os relacionamentos talvez sejam os representantes mais comuns, agudos, perturbadores e profundamente sentidos da ambivalência. E por isso, podemos garantir, que se encontram tão firmemente no cerne das atenções dos modernos e líquidos indivíduos-por-decreto, e no topo de sua agenda existencial. (BAUMAN, 2004, p. 8-9). O amor e a morte possuem semelhanças expostas por Bauman (2004). A chegada de um dos dois é sempre única e definitiva, não suporta repetição, não promete prorrogação. São eventos que ocorrem no tempo humano e, por isso, não se pode aprender a amar nem a morrer. Porém, uma pessoa pode apaixonar-se mais de uma vez. E algumas pessoas até se gabam de apaixonar-se e desapaixonar-se com certa facilidade. Assim, para Bauman (2004), a definição romântica do amor como “até que a morte nos separe” ficou ultrapassada. Os relacionamentos se tornaram líquidos e as pessoas cada vez mais individualistas. E, assim, é numa cultura consumista como a nossa, que favorece o produto pronto para uso imediato, o prazer passageiro, a satisfação instantânea, resultados que não exijam esforços prolongados, receitas testadas, garantias de seguro total e devolução do dinheiro. A promessa de aprender a arte de amar é a oferta (falsa, enganosa, mas que se deseja ardentemente que seja verdadeira) de construir a “experiência amorosa” à semelhança de outras mercadorias, que fascinam e seduzem exibindo todas essas características e prometem desejo sem ansiedade, esforço sem suor e resultados sem esforço (BAUMAN, 2004, p. 21-22). O importante é a utilidade do objeto, do parceiro amoroso. Em qualquer possibilidade de sofrimento ou de decepção relativa ao objeto, ele é descartado e trocado por outro que seja mais útil e traga felicidade. Da mesma maneira que Bauman (2004) discorre sobre a sociedade contemporânea e as consequências dessa cultura sobre os sujeitos e seus relacionamentos, Lasch (1987) também acredita que a cultura atual se organiza em torno do consumo de massa, o que estimula o narcisismo, tornando as pessoas frágeis e dependentes, ao invés de agressivas e gananciosas. O autor lembra que a cultura burguesa do século XIX reforçava os padrões anais do comportamento, pois havia estocagem de dinheiro e mantimentos, controle das funções fisiológicas, controle do afeto. Lasch afirma que a cultura do consumo de massa do século XX recria os padrões orais, fixados numa fase anterior do desenvolvimento, momento em que a criança ainda é dependente do seio materno. (LASCH, 1987, p. 25). 29 Mas, em contrapartida aos pensamentos de Bauman e Lasch, percebemos evidências no cotidiano da intensidade de certos relacionamentos e vemos, frequentemente na mídia, histórias da agressividade dos parceiros amorosos desencadeadas pela ameaça de perda ou mesmo perda da pessoa amada. A relação mais fluida, instantânea, superficial, menos comprometida, descrita por esses autores, descreve um tipo de relacionamento em que, com um pequeno desprazer, desconecta – o de seu objeto de amor. As relações contemporâneas são marcadas por esse contexto líquido, as grandes referências e grandes instituições não regulam mais o cotidiano, passa-se a ter uma autorregulação que, segundo Bauman (2004), diminui o campo da alteridade. O outro ocupa o lugar de objeto, tal qual os objetos de consumo, e serve para a satisfação do sujeito. Assim, o ciúme torna-se volátil. Mas, então, por que percebemos na contemporaneidade casos de pessoas que aniquilam o objeto de amor ou mesmo morrem por ele? Parecem sentir a perda do outro como uma ferida em si mesmo, uma mutilação de si próprio; assim separar-se desse outro torna-se um processo difícil e doloroso. Por que se mata? Por que se agride? Portanto, foram apresentadas acima cinco formas de amor, sendo elas: o andrógino, o de Diotima, o burguês, o romântico e o líquido. Como podemos relacioná-las com o ciúme? Quais as características de cada uma que nos remetem ao sujeito ciumento? A exposição de Aristófanes sobre o amor andrógino supõe que os seres buscavam a união com sua metade perdida para adquirirem novamente a força e a completude inicial. É Eros o responsável para o retorno ao estado primordial, a junção de dois corpos formando um só. No ciumento percebemos esse mesmo desejo. Ele procura a união ininterrupta do amado, não suporta separar-se de seu parceiro. Uma pequena ameaça de separação desperta agressividade e destrutividade no ciumento, como se rememorasse àquela época em que viveu de forma traumática a perda de sua metade. Assim, afastar-se do parceiro significaria perder uma parte de si mesmo. O desejo de completude descrito por Aristófanes também é defendido por Sócrates como condição para o amor, sendo uma busca por algo que nos falta. Diotima esclarece que o amor e o belo são inseparáveis, porém, rejeita a individualidade de cada parceiro. O amante é idealizado, exaltado, adorado, sem a necessidade de contato físico. Uma característica interessante é que esse amor não se constitui por meio da reciprocidade, porém, podemos pensar que o ciúme do objeto amado emerge quando este dá sinais de autonomia, independência. É essa particularidade que pode causar a queda do que corresponde ao belo, ao 30 divino e ao bom, surgindo seu extremo, o “feio”, o mortal e o mau, evidenciados no ciúme e na sua agressividade. No amor burguês, a reciprocidade de sentimentos também não era condição para a união entre duas pessoas. Os interesses financeiros ou o acréscimo de algum prestígio social era o que motivava o casamento. A esposa era considerada como posse. Assim, o medo da perda surgia como um prejuízo monetário e social. Sugerimos que o ciúme era da esposa enquanto propriedade e não enquanto mulher. Diferentemente do amor burguês e rebelando-se contra ele, surge o ideal romântico de amor. Valorizam-se desejos, afetos, sonhos, singularidade, sexo. Assemelha-se ao amor descrito por Aristófanes em sua busca pela unidade e ilusão de completude. O sentimento de amor é o maior protagonista nesse ideal. Com a introdução do casamento, a noção de eternidade modificou a posição inicial de um amor livre. A partir daí, inferimos um ciúme que teme a perda da unicidade e completude, podendo também, trazer à tona a cena do desamparo primordial vivido de forma traumática. Essa lembrança pode ser a desencadeadora da violência do parceiro contra seu amado. Inversamente à eternidade almejada com a inserção do casamento no amor romântico, Bauman (2004) defende a ideia da liquidez dos relacionamentos humanos. Alega que as pessoas temem os encargos que podem acarretar os relacionamentos duradouros, concretos; e seguem a lei do mercado, com prazeres momentâneos e satisfações rápidas. Nesse tipo de parceria, encontramos o sujeito autocentrado, narcísico, hedonista. Um sujeito que tentará aniquilar o objeto que não alimenta sua própria satisfação, que ameaça a integridade do eu. Esse é o caso da vítima do ciumento; ela não terá mais utilidade para seu parceiro e torna-se descartável. Podemos confirmar a visão de uma sociedade líquida através dos exemplos cotidianos citados, que negam a existência de laços afetivos mais profundos e exibem o narcisismo exacerbado de sujeitos com dificuldade de aceitação de que o objeto não existe apenas para servi-lo. No próximo capítulo, serão analisadas as diferentes visões teóricas sobre os ciúme, dando enfoque para a psicologia evolutiva e a teoria comportamental. Através dessas abordagens poderemos ponderar a importância de um estudo psicanalítico mais aprofundado para dialogar com essas pesquisas já realizadas. São duas correntes que possuem considerações importantes e interessantes sobre o tema deste trabalho, porém com ponderações distintas de nosso marco teórico. 31 3 CIÚME EM DIVERSAS ABORDAGENS TEÓRICAS Meu ciúme desconfia de você Me machuca quase sempre o coração Quer saber aonde é que você vai Quer saber da sua vida Toda vez que você sai é sempre assim Imagino alguém querendo Te levar de mim E eu num beco sem saída. (SULLIVAN, 1990). O ciúme, sentimento encontrado na maioria dos relacionamentos humanos, pode se apresentar em maior ou menor grau, em níveis normais ou patológicos, de forma saudável ou doentia. Por muitas vezes, pode adquirir um furor tão devastador que William Shakespeare o chamou de monstro dos olhos verdes, como apresentado em capítulo anterior, na obra do século XVII, Otelo. O personagem-título, movido por um ciúme doentio de um amigo com sua esposa, culmina por matar a honesta e fiel Desdêmona. É interessante pensarmos que um bravo mouro de Veneza foi invadido pelo sentimento de ciúme, deixando a racionalidade sem lugar em suas preocupações ciumentas. O ciúme é um “sentimento de carência afetiva, de desejo de posse, em relação a alguém ou alguma coisa”. (CUNHA, 1986, p. 187). O verbete “ciúme” vem do latim zelumen (celumen), e tem sua origem na raiz grega, zelos, que significa fervor, calor, ardor ou intenso desejo. Encontra-se em Houaiss a seguinte definição deste verbete: 1 estado emocional complexo que envolve um sentimento penoso provocado em relação a uma pessoa de que se pretende o amor exclusivo; receio de que o ente amado dedique seu afeto a outrem; zelo (mais us. no pl.) 2 medo de perder alguma coisa (HOUAISS, 2001, p. 734). Na literatura, encontramos, desde os tempos bíblicos, citações e histórias sobre o ciúme, sendo um sentimento comum dentre as diferentes emoções humanas. Suas manifestações ocorrem em várias formas de relacionamento interpessoal, mas para o presente trabalho enfocaremos, principalmente, a ocorrência em relacionamentos amorosos. Apesar da concordância quanto à presença do ciúme em todas as civilizações, muitos desacordos são identificados na literatura sobre o assunto. Há controvérsias na diferenciação entre o ciúme normal e o patológico, na importância dos fatores genéticos e culturais, nas características apresentadas entre o sexo masculino e o feminino. Além disso, o ciúme se faz 32 presente nas crescentes ocorrências de acontecimentos violentos e constitui uma problemática atual e frequente no contexto clínico, tanto individual quanto em terapias de casal. Assim, são várias as teorias criadas para explicar as motivações do ciúme e nortear a atuação do terapeuta. Desde Aristóteles (2001), no século IV a.C., o ciúme já era tema de discussão. Aristóteles pensava o ciúme como o desejo de se ter o que outra pessoa possui; era inicialmente uma expressão boa e dizia do desejo de copiar uma qualidade de outra pessoa. Alguns séculos mais tarde, encontramos nos textos bíblicos do rei Salomão o ciúme como algo negativo às relações amorosas. “Põe-me como selo sobre o teu coração, como selo sobre o teu braço, porque o amor é forte como a morte, e duro como a sepultura, o ciúme; as suas brasas de fogo, são veemente labaredas.” (BÍBLIA SAGRADA, Cantares de Salomão 8.6). Já no século XVII, François de La Rouchefoucauld, escritor clássico francês, conhecido por suas máximas, afirma que: “No ciúme, há mais amor-próprio do que amor. Em outras de suas epigramas afirma que: O ciúme é o maior de todos os males, e ele quem apresentou a menor pena aqueles que lhe causam.”3 E também identifica o amor como fundamento para a origem do ciúme: “O ciúme sempre nasce com o amor, mas nem sempre morre com ele.”4 3.1 Escrituras sobre ciúme na Bíblia De acordo com os escritos bíblicos, o ciúme pode também ser considerado um dos atributos de Deus, sendo que a fidelidade dEle para os seus servos é certa, mas a recíproca nem sempre é verdadeira. O ciúme de Deus pretende preservar o seu povo para Ele próprio, estimado como pertencentes apenas a Ele. Considera-se como traição a Deus a adoração a outros deuses. Portanto, na Bíblia a palavra ciúme é usada para descrever a intolerância de Deus à infidelidade de seu povo. Então, falou Deus todas estas palavras: Eu sou o Senhor, teu Deus, que te tirei da terra do Egito, da casa da servidão. Não terás outros deuses diante de mim. Não farás para ti imagem de escultura, nem semelhança alguma do que há em cima nos 3 4 “La jalousie est le plus grand de tous les maux, et celui qui fait le moins de pitié aux personnes qui le causent.” “La jalousie naît toujours avec l'amour, mais ne meurt pas toujours avec lui.” Cf. http://www.proverbescitations.com/larochefoucauld.htm. 33 céus, nem embaixo na terra, nem nas águas debaixo da terra. Não as adoraras, nem lhes darás culto; porque eu sou Senhor, teu Deus, Deus ciumento, que visito a iniqüidade dos pais nos filhos até à terceira e quarta geração daqueles que me aborrecem e faço misericórdia até mil gerações daqueles que me amam e guardam os meus mandamentos (BÍBLIA SAGRADA, Êxodo 20:1-6) Deus exige todo o amor e atenção dedicados somente a Ele, não podendo haver outros deuses nem outras tarefas que provoquem a divisão do amor de seu povo. Ele justifica o ciúme através do zelo e cuidado para com seus adoradores. E sente emoções ciumentas: “Pelos pecados que eles cometeram, eles incitaram sua fúria ciumenta” (BÍBLIA SAGRADA, I Reis 14:22). Deus é ciumento e fica clara sua exigência de exclusividade. Existem algumas passagens que comprovam esse ciúme, como “Não servirás a dois senhores”, “Amarás a Deus sobre todas as coisas”. Tem-se uma ideia de posse. Esse ciúme também pode ser interpretado como zelo: trata-se de um Deus zeloso que está cuidando do seu povo e que ele exige reciprocidade. Mas Ele castiga a infidelidade. Herdamos assim, a ideia de que o ciúme é prova de amor. Já o ciúme provocado por orgulho ou egoísmo não é considerado positivo na Bíblia. Ele às vezes retrata a desconfiança do marido ou da esposa quando houver suspeita de infidelidade. No livro de Números, versículo 5, capítulos de 11 a 31, Deus fala para Moisés dizer ao povo que, se alguma mulher for infiel e o espírito de ciúme vier sobre seu marido, ele a levará ao sacerdote e a submeterá a um ritual complexo, em que deverá beber uma mistura de cevada, areia e água benta, sobre a qual foram lançadas maldições e terá o poder de revelar a verdade. Diz a Bíblia: […] Se ninguém contigo se deitou, e se não te desviaste para a imundícia, estando sob o domínio de teu marido, destas águas amargas, amaldiçoantes, serás livre. Mas, se te desviaste, quando sob o domínio de teu marido, e te contaminaste, e algum homem, que não é o teu marido, se deitou contigo (então, o sacerdote fará que a mulher tome o juramento de maldição e lhe dirá), o Senhor te ponha por maldição e por praga no meio do teu povo, fazendo-te o Senhor descair a coxa e inchar o ventre; e esta água amaldiçoante penetre nas tuas entranhas, para te fazer inchar o ventre e ter fazer descair a coxa. Então, a mulher dirá: Amém! Amém! O sacerdote escreverá estas maldições num livro e, com a água amarga, as apagará. E fará que a mulher beba a água amarga, que traz consigo a maldição; e, sendo bebida, lhe causará amargura. Da mão da mulher tomará o sacerdote a oferta de manjares de ciúmes e a moverá perante o Senhor; e a trará ao altar. Tomará um punhado da oferta de manjares, da oferta memorativa, e sobre o altar o queimará; e, depois, dará a beber a água à mulher. E, havendo-lhe dado a beber a água, será que, se ela se tiver contaminado, e a seu marido tenha sido infiel, a água amaldiçoante entrará nela para amargura, e o seu ventre se inchará, e a sua coxa descairá; a mulher será por maldição no meio de seu povo. Se a mulher se não tiver contaminado, mas estiver limpa, então, será livre e conceberá. Esta é a lei para o caso de ciúmes, quando a mulher, sob o domínio de seu marido, se desviar e for contaminada; ou quando sobre o homem vier o espírito de ciúmes, e tiver ciúmes de sua mulher, apresente a mulher perante o Senhor, e o sacerdote nela execute toda esta lei. O homem será livre da 34 iniqüidade, porém a mulher levará a sua iniqüidade. (BÍBLIA SAGRADA, Números 5:19-31). A Bíblia descreve a lei do ciúme, em que a punição da mulher culpada está exposta no texto, porém, omite-se o destino do marido que apresentar suspeitas infundadas. E fica clara a existência de um Deus poderoso, exclusivista e ciumento, que pune os traidores e é bondoso com os fiéis. Mais contemporaneamente, surgiram vários trabalhos inseridos na abordagem psicológica que ressaltam a ocorrência do ciúme em diversas situações de relacionamentos afetivos. 3.2 Reflexões sobre ciúme na psicologia evolutiva A psicologia evolucionista destaca o papel adaptativo do ciúme, que tem por objetivo diminuir a ocorrência da infidelidade entre os casais. Em A paixão perigosa: por que o ciúme é tão necessário quanto o amor e o sexo, David Buss (2000) reúne as contribuições de suas pesquisas apresentando uma síntese da psicologia evolucionária sobre os relacionamentos entre homens e mulheres, em especial sobre o ciúme sexual. O ciúme consiste em “um estado que é despertado por uma ameaça percebida para uma relação ou posição valorizada e motiva comportamento apontado para se contrapor à ameaça” (BUSS, 2000, p. 32). Portanto, conceitua o ciúme como uma reação à possível perda de uma relação. Acrescenta, ainda, que esta reação é uma resposta adaptativa da espécie, tendo evoluído para solucionar a ameaça real de traição do parceiro. Gikovate concorda com Buss ao ressaltar que “esse é o verdadeiro universo de nossa espécie, no qual biologia e cultura se misturam de forma inseparável, no qual cada peculiaridade biológica pode se exercer de várias maneiras, dependendo da diversidade da vida social”. (GIKOVATE, 2006, p. 128). Ambos concordam com a forte influência social na questão do ciúme. Os evolucionistas visam estudar os comportamentos humanos atuais através de uma evolução temporal dos acontecimentos, justificando que as atitudes e os sentimentos recentes são formas desenvolvidas pelos homens para sobrevivência na sociedade. “O ciúme, segundo essa teoria, é uma adaptação.” (BUSS, 2000, p. 17). Apesar de poder se manifestar potencialmente perigoso, o ciúme tem esse aspecto adaptativo; uma adaptação no sentido de 35 produzir mecanismos que contribuíram para que os seres humanos pudessem se reproduzir e sobreviver ao longo da história filogenética. De acordo com Buss (2000), o ciúme está entrelaçado à cultura e às ameaças de rompimento dos relacionamentos, sendo manifestado de formas diferentes dependendo do gênero. Assim, de acordo com essa abordagem da psicologia, homens e mulheres desenvolveram diferentes estratégias para lidar com o problema da sobrevivência e da reprodução. Ele ainda defende que: O ciúme não é um sinal de imaturidade e sim uma paixão supremamente importante que ajudou nossos ancestrais, e provavelmente continua a nos ajudar hoje, a enfrentar uma hoste de ameaças reprodutivas reais. O ciúme, por exemplo, nos motiva a afastar nossos rivais com ameaças verbais e frios olhares primatas. Isso nos impele a impedir que nossos parceiros se desgarrem com táticas como vigilância ascendente ou fazendo chover afeição sobre o parceiro. (BUSS, 2000, p. 18). A partir dessa perspectiva, David Buss (2000) estuda as várias faces do ciúme, considerando que, além de tentar proteger o amor, o ciúme também pode destruir um relacionamento; analisa a chamada Síndrome de Otelo, através de exemplificação de casos clínicos; analisa os comportamentos extremos causados pela paixão perigosa e a susceptibilidade à infidelidade. Apesar de acreditarem que esse sentimento traz benefícios à relação, os evolucionistas também identificam danos, podendo prejudicar o sujeito ciumento, o companheiro alvo de ciúme e o próprio relacionamento do casal. Gikovate (2006) não acredita no ciúme como um sentimento benéfico; ele diz que esse sentimento não traz consigo nenhum aspecto construtivo e nem é peça importante do fenômeno amoroso. É um sentimento negativo, nefasto e prejudicial à liberdade individual; é apenas “um ingrediente de nossa subjetividade que se coloca em oposição à liberdade individual, atribuindo a seu portador uma boa desculpa para tentar restringir os passos de outra pessoa”. (GIKOVATE, 2006, p. 130131). Ao contrário, Buss pensa que o ciúme atua para a manutenção do relacionamento amoroso já estabelecido. As mulheres desenvolvem o ciúme diante do medo de que o seu companheiro se relacione emocionalmente com outra mulher, e, a partir de então, direcione seus recursos materiais, afetivos e financeiros para esta outra mulher. Aqui, confirmamos a ideia de que o ciúme surge como método para a manutenção do relacionamento. Os homens, para se assegurarem de que os filhos de seu relacionamento são realmente gerados por eles, têm o ciúme motivado pela suspeita de infidelidade sexual de sua mulher. Esse sentimento 36 ainda permanece inconsciente, mas ambos os sexos são equitativamente ciumentos, diferenciando apenas na forma de manifestação. Assim, acredita-se que as diferenças entre os sexos são universais e os motivos que produzem o ciúme são distintos, sendo que o homem é mais afetado pela ameaça de um envolvimento sexual, enquanto a mulher pela ameaça de um envolvimento emocional. O ciúme também é considerado um fenômeno universal. “Culturas em paraísos tropicais inteiramente livres de ciúme só existem nas mentes românticas de antropólogos otimistas e, na realidade, jamais foram encontradas” (BUSS, 2000, p. 45). Focalizado por uma visão sexista, o ciúme pondera que a evolução da espécie humana modelou arquétipos diferenciados para homens e mulheres, sendo que os homens desenvolveram o ciúme como resposta à infidelidade sexual e as mulheres contra a infidelidade emocional. Segundo Ramos (2001), uma pessoa ciumenta, ao ler o livro de David Buss, tem grandes chances de se sentir reconfortada, encontrando na teoria evolutiva um alívio para seu sentimento. O ciúme é tratado como uma resposta defensiva e protetora frente a ameaças à autoestima e ao relacionamento, denotando, assim, uma impressionante sabedoria emocional. Há inclusive a citação de diversos casos em que os ciumentos foram em princípio diagnosticados como patológicos-delirantes e que posteriormente suas suspeitas foram confirmadas através de evidências inequívocas da infidelidade de seu par, numa sutil indicação de que mesmo casos extremos de ciúme são positivos segundo a óptica evolucionária. Nestes termos, esta visão pode ser perigosa para aquelas pessoas que se sentirem estimuladas a serem ainda mais ciumentas como uma demonstração de prudência adaptativa. (RAMOS, 2001, p. 293-294). Apesar de existir ciúme nos dois sexos, ambos possuem benefícios para a manutenção desse sentimento. Os homens se protegem contra os riscos de perder o investimento feito na mulher e se resguarda para manter sua reputação. As mulheres utilizam o ciúme para afastar a possibilidade de outra mulher extrair a segurança emocional para com ela e os filhos. Analisando os dados obtidos nas pesquisas realizados por Buss e outros teóricos evolucionistas com amostras de 37 países de seis continentes, ele acredita que a consistência dos resultados são conclusivos. Encontramos grandes diferenças entre os sexos precisamente como fora previsto por nossa teoria evolucionária: 63 por cento dos homens, mas apenas 13 por cento das mulheres, descobriram que o aspecto sexual da infidelidade era mais perturbador; contrastando com isso, 87 por cento das mulheres, mas somente 37 por cento dos homens, acharam o aspecto emocional da infidelidade mais perturbador. De qualquer modo que as perguntas eram feitas, com qualquer método que usássemos, vimos a mesma diferença entre os sexos em cada teste. (BUSS, 2000, p. 73). 37 Entretanto, pode-se questionar os resultados de Buss, pois não são os únicos sobre o tema ciúme encontrados na literatura científica. As pesquisas mencionadas por Buss foram apenas as que apoiam a psicologia evolutiva, negando as produções sobre perspectivas contrárias. Isso não elimina a importância dessa obra para a compreensão do ciúme e suas ideias explicativas evolucionárias, no entanto, também não pode ser considerada uma obra conclusiva sobre o assunto, tornando-se necessária a leitura de outros textos e outras abordagens sobre o ciúme. Veremos agora o que a Análise do Comportamento nos oferece sobre esse assunto. 3.3 Análise funcional do comportamento: uma teoria do ciúme no Behaviorismo Apesar de a maior parte das obras referentes ao ciúme serem escritas a partir do referencial evolucionista e em torno da discussão da diferença de gênero, encontramos trabalhos de base analítico-comportamental que nos trazem contribuições importantes. Skinner e seus sucessores nos oferecem subsídios respeitáveis sobre o ciúme. A Terapia Cognitiva Comportamental também possui trabalhos significantes baseados em pesquisas psicométricas e na tentativa de criação de uma escala para medir o grau do ciúme romântico. Pode-se entender o ciúme, segundo a Análise do Comportamento, como um evento privado capaz de controlar comportamentos públicos. Em 1997, De Silva definiu o ciúme como uma “expectativa, apreensão de perder o parceiro, ou perder o seu lugar de afeição por parte do parceiro”. (DE SILVA, 2004, p. 974). Em Walden Two, Skinner ([1948]1976) indica que o ciúme pode ser entendido como uma forma secundária de raiva e que ele se faz necessário em sociedades competitivas. Em contrapartida, em uma sociedade cooperativa não existiria ciúme. Ainda segundo Skinner ([1989]1991), o ciúme é um tipo de sentimento considerado como produto tanto de condicionamento reflexo quanto de condicionamento operante. Entende-se que o condicionamento reflexo explicaria as reações fisiológicas que o indivíduo sente quando descreve estar com ciúme, por exemplo, um aperto no peito, sudorese, sensação de nó na garganta ou sensação de impotência. O condicionamento operante é compreendido 38 pela relação entre o que ocorre fisiologicamente com o ciumento e o que ele faz quando está diante dessa sensação, assim como o que o motivou a agir de determinada maneira. Skinner (1984), na obra Contingências de Reforço, parte do personagem Otelo de Willian Shakespeare para pensar o ciúme. Skinner declara que o comportamento ciumento enunciado por Otelo, de matar, no leito, sua esposa por sufocamento, é estabelecido tanto de respostas emocionais públicas quanto privadas ou encobertas, assinalando que estas respostas, tanto públicas quanto privadas, não possuem relação de causalidade entre si. Assim, emitir uma resposta emocional operante, que seria sufocar, pode acontecer em conjunção com outras respostas emocionais, como a raiva pela infidelidade da esposa. A resposta de sufocar a esposa pode ter como consequência suprimir a fonte de reforçadores pela qual o indivíduo ciumento estava competindo. Apesar de Skinner (1984) utilizar o termo sentimento para referir-se às emoções, percebe-se que ele as nomeia especificamente de respostas. Contudo, Skinner sugere o ciúme como um comportamento composto de diferentes respostas emocionais. Costa (2005) acredita que um comportamento privado pode controlar um evento público, passando então a fazer parte da contingência. Uma contingência se estabelece a partir da história do indivíduo e das situações que lhe são próprias. Costa (2005) completa que: […] acerca do papel do condicionamento operante na compreensão do ciúme, supõe-se que o indivíduo denominado ciumento aprendeu a sentir tal sensação e a emitir determinados comportamentos públicos, sob controle de tal sensação, como telefonar diversas vezes para a(o) parceira(o), fazer perguntas para checar o lugar e com quem a(o) parceira(o) estava e até mesmo seguir a(o) parceira(o), em função de uma história de reforçamento positivo ou negativo. (COSTA, 2005, p. 8). Dessa forma, o ciúme passa a ser reforçado de maneira intermitente, o que torna sua extinção mais difícil e demorada. O reforço pode ser positivo, por exemplo, quando o ciumento demonstrar seu sentimento ao parceiro e esse apontar as qualidades de seu companheiro e disser que não precisa se preocupar, pois não o deixaria para ficar com outra pessoa. E o reforço pode, também, ser negativo em situações quando o indivíduo apresentar ciúme das saídas sozinhas de seu parceiro e esse, em contrapartida, evitar sair sem a presença do companheiro; o indivíduo foge das situações sociais aversivas à manutenção do relacionamento. Além dos reforços positivos e negativos, o ciúme se instala também devido ao controle do comportamento por regras, visto que vivemos em uma cultura que valoriza o ciúme enquanto demonstração de amor; assim, é preciso ter ciúme como forma de declarar o amor que sente pelo parceiro. 39 A Análise de Comportamento, de acordo com Menezes e Castro (2001), citado por Costa (2005), define o ciúme: […] como um sentimento que emerge em uma situação sinalizadora de possível perda de um estímulo reforçador para outro indivíduo, podendo envolver a emissão de respostas coercitivas que visam evitar esta perda e a produção de conseqüências reforçadoras e/ou punitivas para o comportamento dos indivíduos envolvidos em uma manifestação de ciúme. (MENEZES; CASTRO, 2001, p. 20). Podemos fazer algumas comparações, detectando semelhanças e diferenças entre as abordagens evolucionista e comportamental. Ambas concordam que o ciúme é filogeneticamente determinado e que pode trazer benefícios ou prejuízos para os indivíduos envolvidos. Para Skinner (1984), o comportamento, público ou privado é concebido como um fenômeno determinado por contingências filogenéticas, ontogenéticas e culturais. De tal modo, é atribuído ao comportamento um valor de sobrevivência e por isso se sustenta, esteja ele relacionado à sobrevivência do indivíduo ou do grupo social. Entretanto, o analista do comportamento repudia o pensamento de que o ciúme se conserva somente devido à sobrevivência, como sugerem os evolucionistas. Ele argumenta que os sentimentos só existem na interação com uma comunidade verbal, com a cultura. Evolucionistas e comportamentalistas discordam do fato de o ciúme se instalar e se manter devido à sua utilidade para a sobrevivência da espécie e da relação amorosa. Pois os analistas do comportamento não acreditam que o ciúme seja um fenômeno subjetivo, recusando o reforço da cultura e as variáveis da história individual. Portanto, o ciúme não se faz necessário às relações; elas podem ser mantidas mesmo na ausência desse sentimento. Conscientes dessas diferenças teóricas apreendidas nas duas perspectivas acima citadas, faz-se indispensável o questionamento das implicações clínicas que o terapeuta adota para sua intervenção. Para Buss (2000), o ciúme se torna problema quando se apresenta em excesso ou não há ocorrência. As intervenções então serão baseadas nesse sentido, por exemplo, se um paciente afirma que ama seu companheiro, mas alega não sentir ciúme; o terapeuta investigará se há amor e se a relação realmente tem valor para seu paciente. Já para a Análise Comportamental, o ciúme torna-se motivo de intervenção quando ocasiona prejuízos para o ciumento ou para outros indivíduos. Assim, o terapeuta tem como função modificar comportamentos que não se apresentam como benéficos para o seu paciente ou grupo social. A dificuldade surge, pois o analista de comportamento visa instalar e/ou extinguir comportamentos que tendem a ser punidos. “É ético extinguir e instalar comportamentos considerados certo e errado, respectivamente, pelo grupo social? Trabalhar 40 nesta direção não seria produzir mais sofrimento ao indivíduo que já está sofrendo?” (COSTA, 2005, p. 10). A discussão é interessante, mas não alcança os objetivos da pesquisa atual. Podemos apenas concordar com Costa (2005), que adota a postura de analisar a cultura e indagar se o comportamento de seu paciente é saudável para ele e para a sua relação amorosa. 3.3.1 Ciúme e Transtorno Obsessivo Compulsivo Falaremos agora das contribuições de Torres (1999), que defende o ciúme enquanto um sintoma do transtorno obsessivo-compulsivo. Inicia definindo o termo ciúme e tentando diferenciar o normal do patológico. O ciúme seria um conjunto de pensamentos, emoções e ações, desencadeado por alguma ameaça à estabilidade ou qualidade de um relacionamento íntimo valorizado. As definições de ciúme são muitas, tendo em comum três elementos: 1) ser uma reação frente a uma ameaça percebida; 2) haver um rival real ou imaginário e; 3) a reação visa eliminar os riscos da perda do amor. […] Enquanto o ciúme normal seria transitório, específico e baseado em fatos reais, o CP (ciúme patológico) seria uma preocupação infundada, irracional e descontextualizada. (TORRES, 1999, p. 2). Outros autores também buscaram determinar as principais características do ciúme patológico. Kingham e Gordon (2004), por exemplo, sugerem que o ciúme patológico são pensamentos e emoções sem racionalidade; adicionado a comportamentos extremos, o tema predominante é a preocupação com a infidelidade do companheiro amoroso, sem alicerce de evidências concretas. Para Cavalcante (1997), ocorre uma perturbação total no ciumento, designado de transtorno afetivo grave, propiciando a invasão da dúvida, da constante ameaça, sendo a relação baseada na posse. Como já mencionado, Buss (2000) nomeia o ciúme patológico como Síndrome de Otelo, caracterizado por sentimentos como: ansiedade, culpa, raiva, inferioridade, depressão, imagens intrusivas, remorso, insegurança, rituais de verificação, desejo de vingança, angústia, possessividade, baixa autoestima, muito medo de perder o parceiro para um rival e desconfiança excessiva e infundada, gerando significativo prejuízo no funcionamento pessoal e interpessoal de quem sofre desse mal. Assim, apesar de os comportamentos nos dois modelos de ciúme serem muito parecidos e a maioria das características estarem presentes em ambos, indivíduos 41 diagnosticados com ciúme patológico se distinguem por interpretarem eventos irrelevantes como evidências de infidelidade, enquanto indivíduos normais tendem a limitar a manifestação do ciúme frente a ocorrências relevantes. Neste caso, a dificuldade se encontra em apontar o que é complacente e o que é irrelevante (KINGHAM; GORDON, 2004). Torres (1999) destaca o potencial violento que o ciúme patológico pode causar, muitas vezes camuflado pela omissão dos agredidos que temem prestar queixas policiais contra os agressores. Carvalho (2008) menciona um estudo realizado por Holtzworth-Munroe e Hutchinson (1993), em que os resultados sugerem que maridos violentos são mais predispostos a atribuir aspectos negativos às esposas do que maridos não-violentos e, em situações com a presença de ciúme, evidenciam mais estas atribuições. Ainda em outro trabalho, homens violentos no casamento foram caracterizados como mais inseguros, preocupados, desorganizados, ansiosos e ciumentos (HOLTZWORTH-MUNROE; STUART; HUTCHINSON, 1997). Os dois estudos apontam que homens mais violentos e ansiosos tendem a ser mais ciumentos em situações de relacionamentos amorosos. A partir de um levantamento bibliográfico que abordava temas de violência conjugal e intrafamiliar, realizado por Guerra (2004), em Minas Gerais, constatou-se grande número de homicídios ocasionados pelo ciúme. Nesse estudo, Guerra (2004) pesquisou 115.000 processos criminais, todos do ano de 1995, do Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Desses processos, 15% correspondiam a crimes contra a mulher envolvendo reações de ciúme romântico, sendo que, na maioria dos casos, o réu era o marido ou um parceiro amoroso. Essas informações indicam que a relação entre violência e ciúme está mais presente em homens do que em mulheres. Através da exposição de casos clínicos, Torres (1999) pretende defender que os “pensamentos de ciúme podem ser vivenciados como excessivos, irracionais ou intrusivos e podem levar a comportamentos compulsivos”. (TORRES, 1999, p. 4). Seeman (1979) caracteriza o ciúme obsessivo como pensamentos repletos de dúvidas e ruminações sobre provas sem conclusões, alternando certeza e incerteza sobre a infidelidade do parceiro. As intervenções clínicas adotadas por Torres (1999) são citadas em alguns passos. Primeiramente, o terapeuta deveria confirmar a racionalidade das preocupações com o ciúme e as limitações que isso acarreta para o indivíduo. A partir daí, diferencia-se se constitui uma ideia obsessiva, prevalente ou delirante, avaliando o grau de crítica do indivíduo em relação ao problema. Através da análise dos sintomas, da investigação da preocupação de ciúme, da 42 força da crença e do sofrimento que o ciúme tem gerado para o indivíduo, seu parceiro e suas tarefas diárias, faz-se um diagnóstico psicopatológico. […] Assim, adotam-se intervenções próprias para o transtorno obsessivocompulsivo, como: controle da raiva e da violência, treino de comunicação e assertividade, aconselhamento, dessensibilização a estímulos desencadeadores das preocupações, parada de pensamento, técnicas de relaxamento, de inversão de papéis, de exposição com prevenção de resposta, técnicas cognitivas e uso de psicofármacos. (TORRES, 1999, p. 8). Os rituais de verificação são presentes na maioria dos casos. O ciumento verifica se a esposa está onde e com quem disse que estaria, verifica bolsos, carteiras, recibos, contas e correspondências. Esses rituais não aliviam a dor do paciente, mas agrava seu quadro de ansiedade e o sentimento de inferioridade. “Sabe-se que o medo da perda é um tema central no transtorno obsessivo-compulsivo, podendo a perda do ser amado, em certas circunstâncias, mesmo que não pela morte em si, representar o temor maior, mais assustador” (TORRES, 1999, p. 8). Assim, questiona a relutância de certos autores em aceitar o ciúme patológico como um sintoma do transtorno obsessivo-compulsivo, defendendo que as possibilidades de conteúdos obsessivos e rituais compulsivos são infindáveis, apesar de existir um núcleo de sintomas mais frequentes. 3.3.2 Inventário de Ciúme Romântico Seguindo ainda uma abordagem mais comportamentalista, encontramos o trabalho de Carvalho (2008), que tem por objetivo a construção e a análise das propriedades psicométricas de uma escala para avaliar o ciúme romântico, nomeada de Inventário de ciúme romântico. Demonstra que avaliar o ciúme romântico, patológico ou não, se justifica por ser tema frequente em terapias de casais e individuais. Para tanto, foram utilizados dois instrumentos: o Inventário de Ciúme Romântico (ICR) e um inventário de personalidade baseado no modelo dos cinco grandes fatores (HUTZ; COLS, 1998). No último, as escalas informam sobre os traços de extroversão, socialização, realização, neuroticismo e abertura à experiência. Os itens do Inventário de Ciúme Romântico (ICR) foram construídos a partir de revisão da literatura, na tentativa de descrever os comportamentos direta ou inversamente relacionados ao ciúme. 43 De acordo com Carvalho (2008), baseado na análise dos dados alcançados e na literatura científica disponível, foram encontrados seis componentes para avaliar o ciúme romântico: ciúme romântico, não-ciúme, não-agressão, desconfiança, investigação e insegurança. No primeiro componente, ciúme romântico, pode-se definir como uma reação frente à situação de contato, direto ou indireto, do parceiro com outra pessoa que poderia ser um rival e uma ameaça ao relacionamento amoroso. O segundo fator, não-ciúme, compõe-se de situações nas quais o indivíduo não apresenta reações ao ciúme romântico. O fator 3, nãoagressão, possui itens que descrevem reações contrárias às de agressividade em situações de ciúme, apesar das suposições que pessoas ciumentas tendem apresentar pontuações baixas e confirmam a frequência da associação de comportamento agressivo e ciúme. No quarto componente, desconfiança, analisa-se a dificuldade de estabelecimento de contato entre os parceiros, o que pode ocasionar, de acordo com a literatura científica, aumento da desconfiança e, então, manifestação de ciúme (TORRES, 1999). O quinto fator, investigação, refere-se a situações de averiguação do parceiro amoroso, como, por exemplo, contratar detetive, perseguir ou revistar a carteira. E no fator 6, insegurança, analisa-se a insegurança com o vínculo afetivo estabelecido com o parceiro, podendo ser ocasionado pela baixa autoestima. De acordo com o aguardado, os componentes que se relacionam à ocorrência de reações de ciúme (Ciúme romântico, Desconfiança, Investigação e Insegurança) se correlacionaram positiva e expressivamente com o traço de neuroticismo: pessimismo, aborrecimento, egoísmo, infelicidade, depressão, insegurança, antipatia, solidão, ansiedade e tristeza. 3.4 O ciúme enquanto fenômeno social A partir de uma visão social, Ferreira-Santos escreveu dois livros dedicados ao tema ciúme. Em seus dois trabalhos, define o ciúme como sendo composto por vários sentimentos agregados à sua base, existindo uma relação com o tipo de personalidade do indivíduo e com a cultura judaico-cristã. “São múltiplos fatores que levam ao ciúme: a insegurança, o medo, a instabilidade e a própria desorganização pessoal.” (FERREIRA-SANTOS, 2000, p. 51). Ele pode se manifestar na tenra idade, quando, por exemplo, nasce um irmãozinho. “Destronado, ele pode assumir atitudes que vão desde o total desdém pelo recém-nascido até a regressão, na 44 qual passa a disputar a mamadeira e o colo (ou o peito) da mãe com o pequenininho.” (FERREIRA-SANTOS, 2003, p. 24). O autor acrescenta que já na infância o ciumento pode se tornar agressivo e irritado, podendo beliscar, apertar ou dar beijos que machucam o bebê. Gikovate (2006) afirma que a criança sente o irmão recém-nascido como um usurpador, alguém que ocupa o útero que antes era dela, suga o seio que foi seu, recebe as atenções que ele já recebeu. O irmão torna-se um rival, uma ameaça para tomar a mãe que anteriormente era só dele. Ferreira-Santos (2000) acredita que o ciúme possui motivações diferentes para o homem e para a mulher. “O ciúme é um sinal de alerta sobre as condições da relação.” (FERREIRA-SANTOS, 2000, p. 110). A mulher dirige seu ciúme para a preocupação afetiva, para o medo de perder seu objeto de amor; ela teme o envolvimento afetivo de seu parceiro por outra mulher, pois essa é a condição fundamental para ele se afastar e se separar dela. Já no homem, o ciúme tem um caráter de competição e intolerância; ele teme perder a posse, a honra, isso devido às bases machistas da sociedade. Perder esses bens significaria uma ameaça a si mesmo. Dessa forma, refuta-se a ideia de que ciúme é prova de amor. “O amor, como sabemos, é um sentimento altruísta que pede zelo e atenção para ser cultivado e mantido. O ciúme, pelo contrário, é um complexo de sentimentos, relembro, egoísta, voltado para a própria pessoa, para seus interesses e fantasias.” (FERREIRA-SANTOS, 2000, p. 101). O autor cita Freud, afirmando que o homem projeta na mulher o seu desejo pela figura masculina, vê no desejo dela o seu próprio desejo. E também se alia às ideias evolucionistas sobre a paternidade e hereditariedade como motivadores do ciúme. Ainda utiliza os escritos de Freud para demonstrar três categorias diferentes para o ciúme: o normal, o neurótico e o paranóide. Defende que existem graus de ciúme, sendo o primeiro aquele que ocorre eventualmente e desaparece depois que a ocasião ameaçadora passa. Além desse limite, temse o ciúme patológico, situado no nível do transtorno emocional. O ciumento sempre desconfia da outra pessoa. Por isso jamais acredita nela, mesmo que esta consiga provar que suas suspeitas são fantasiosas e infundadas. Por aí se pode perceber que o ciúme se apresenta quase como um verdadeiro delírio, ainda que esse termo seja reservado para aqueles casos mais graves, verdadeiras doenças psiquiátricas, em que a simples desconfiança se transforma na mais absurda convicção – é o que pode ser observado no personagem Otelo, de Shakespeare. (FERREIRA-SANTOS, 2000, p. 16). O ciúme patológico, também denominado de Síndrome de Otelo, é difícil de ser precisado, havendo uma zona de transição mais conceitual do que perceptiva. O filme de 45 Claude Chabrol, cujo titulo é O Inferno do amor possessivo, é mencionado para ilustrar o ciúme paranóide. Retrata o conturbado relacionamento de um casal devido ao ciúme do marido. O protagonista Paul é tomado pela certeza de que sua jovem esposa, Nelly, tem relacionamentos extraconjugais. O casal possui um hotel, onde ambos trabalham, e é o lugar em que a desconfiança de Paul se inicia. Ela evita eventuais encontros com outras pessoas para diminuir as suspeitas de traição, mas isso se torna prova de sua culpa. Paul a segue, tenta controlá-la, a agride verbal e também fisicamente. Nelly deixa de visitar sua mãe e ele interpreta que agora ela o trairá no hotel do qual são donos. Primeiramente, o fará com um cliente habitual, depois com outro e, finalmente, com todos os hóspedes. Ao ser levado ao médico, nega ajuda, desconfiando até do próprio médico. O filme se encerra com a legenda “não fim”. Desse modo, o psiquiatra Eduardo Ferreira-Santos explicita as causas e as consequências do ciúme nas relações amorosas. É preciso observar sua intensidade, duração, a forma como a pessoa que o sente reage, a importância que ele assume no cotidiano. Demonstra a importância do diálogo para entender e subjugar o aparecimento do ciúme. Portanto, foram apresentadas acima algumas formas diferentes de interpretar e compreender o ciúme, sentimento complexo e perturbador. No próximo capítulo, buscaremos as formulações da psicanálise, especificamente de Freud, para entender a origem e as manifestações do ciúme no sujeito. 46 4 TEORIA PSICANALÍTICA SOBRE O CIÚME Como ciumento, sofro quatro vezes: porque sou ciumento, porque me reprovo em sê-lo, porque temo que o meu ciúme magoe o outro e porque me deixo dominar por uma banalidade. Sofro por ser excluído, por ser agressivo, por ser louco e por ser comum. (BARTHES, 1977, p. 43). Na psicanálise, o ciúme exerce importante papel no início do desenvolvimento do sujeito e na gênese de sua sociabilidade. Sua forma e seus efeitos dependem da estrutura que o sustenta. Ele permanece independente da idade; é, portanto, onipresente. Mas, não é porque todos o experimentam que esse sentimento é evidente. Cada fala, cada gesto, cada atitude, fará sinal para que o ciumento leia, segundo ele mesmo, um terceiro que está de fora da cena. O ciumento buscará um sentido para as contingências; ele buscará signos para serem interpretados. Diferentemente das abordagens teóricas descritas no capítulo anterior, em que vimos o ciúme interpretado numa visão sexista em que se pretende a manutenção do casamento; ou o ciúme visto como um sintoma obsessivo compulsivo; ou como um comportamento reforçado pelo parceiro; Freud nos oferece um outro olhar sobre esse tema. Ele trata o ciúme numa visão estrutural, conforme desenvolveremos adiante. Freud cita pela primeira vez a palavra ciúme em 1895, quando escreve sobre a paranoia no Rascunho H. Na ocasião, ele explicava o mecanismo de projeção da paranoia, exemplificando com o fato de que o alcoólatra não admite perante si que se tornou impotente por causa da bebida, mas culpa sua mulher – para isso, ele invoca o delírio de ciúme. O ciúme, neste momento, é apenas citado e não possui maiores explicações. É interessante ressaltar a associação, desde o início, do ciúme com a paranoia e o delírio. Já em 1897, em sua autoanálise, Freud afirma que viveu o nascimento de seu irmão (um ano mais novo e morreu alguns meses depois) com desejos de hostilidade e ciúme infantil, e sua “[…] morte deixou sementes de autocensura […]”. (FREUD, [1897]1990, p. 313). A autoanálise ainda possibilitou a verificação de sua paixão pela mãe e seu ciúme pelo pai. A partir desta constatação, Freud passou a considerar a rivalidade com o progenitor do mesmo sexo e o amor com o sexo oposto, como um evento típico do início da infância. Aqui, o ciúme aparece entrelaçado com o tema da neurose. Os conceitos de narcisismo, idealização e escolha de objeto serão importantes nessa investigação. São conceitos que esclarecerão a importância do outro na constituição do 47 sujeito, e as consequências que podem ocasionar a sua privação. É preciso discutir o entrelaçamento entre o narcisismo e o complexo de Édipo, pois supomos que é a falha na estruturação narcísica, ou seja, a ferida narcísica, o que fundamenta a dinâmica ciumenta. Lachaud (1998), em seu livro Ciúmes, escrito no plural, ressalta a existência de ciúme diversos, que se originam de diferentes organizações psíquicas, o que nos leva a entender a interdependência do narcisismo com o complexo de Édipo para o surgimento do ciúme. Nesse sentido, no próximo item iremos trabalhar a constituição do sujeito na teoria Freudiana, enfatizando as fases da libido, com especial atenção à fase fálica e seu desdobramento narcísico. Pois acreditamos que a relação entre falo e narcisismo parece nos fornecer uma hipótese para compreender o ciúme normal. 4.1 A importância do ciúme na constituição do sujeito Iniciaremos com Freud e sua teoria da libido, que nos apresenta as fases do desenvolvimento infantil, o que, muitas vezes, pode nos fazer pensar na psicanálise como uma teoria evolutiva, desenvolvimentista. Ele estabelece nos Três ensaios sobre a sexualidade (FREUD, [1905]1976) quatro fases pré-genitais do desenvolvimento, sendo elas: anal, oral, fálica e período de latência. E acrescenta que só depois desses períodos é que se poderia pensar numa relação “madura” com o objeto. Porém, mais tarde, ele nos esclarece: Nossa atitude para com as fases da organização da libido modificou-se um pouco, de modo geral. Ao passo que, anteriormente, enfatizávamos principalmente a forma como cada fase transcorria antes da fase seguinte, nossa atenção, agora, dirige-se aos fatos que nos mostram quanto de cada fase anterior persiste junto a configurações subseqüentes, e depois delas, e obtém uma representação permanente na economia libidinal e no caráter da pessoa. (FREUD, [1933]1976, p. 125). Assim, Cirino (2003) comenta que devemos pensar a teoria Freudiana com uma lógica da constituição do sujeito, e não como um movimento desenvolvimentista, sendo a sequência sugerida por Freud, analisada logicamente (e não cronologicamente): autoerotismo, constituição do sujeito, complexo de Édipo e dissolução do complexo de Édipo. Avançando, Freud destaca a fase fálica como o momento em que a criança começa a explorar e a descobrir os órgãos genitais. A pulsão sexual provoca a pulsão do saber, então as crianças se fazem perguntas: De onde vêm os bebês? O que é relação sexual? Como eu nasci? 48 Há, inicialmente, um não-saber em que virão se alojar as primeiras teorias sexuais infantis. Elas surgem para responder aos questionamentos, e sabemos que a existência de dois sexos não é o ponto de partida das investigações sexuais das crianças. Portanto, uma das teorias sexuais infantis é a atribuição de pênis a todos. Essa teoria visa desmentir a castração. Em 1908, Freud destaca o não-conhecimento do sexo feminino (FREUD, [1908]1976). Só há um sexo, sempre presente, mas não necessariamente “saliente”, desenvolvido nos meninos e em vias de desenvolvimento nas meninas. O menino não constatava a falta. Desde cedo, o menino é visto como fálico. Talvez, por isso, o sentimento de falta se manifeste de forma mais violenta? Perder um objeto amado torna-se um fato mais doloroso, inaceitável? Assim, as crianças, primeiramente, presumem que todos têm pênis, mas depois, quando descobrem que o pênis não é possessão de todos, rejeitam esse fato e acreditam que ainda crescerá, ou que estivera lá e fora retirado. Já em 1923, Freud constata que a falta do pênis é concebida pelo menino como resultado da castração, e agora a criança se encontra no dever de se confrontar com a relação entre a castração e a sua própria pessoa (FREUD, [1923]1996). Não há, senão, um sexo, o falo, mas há dois modos de manifestação: ou a presença ou a ausência. Assim, no complexo de Édipo, o menino se identifica e rivaliza com o pai e tem a mãe como objeto de amor. A dissolução desse complexo acontece com a ameaça de castração. É por essa ameaça e por amor narcísico ao seu órgão genital que o menino abandona o Édipo. Ele acredita ser o falo e, posteriormente, ilude-se possuir o falo. Há o naufrágio do Édipo a partir da escolha narcísica do menino de abandonar o amor da mãe e optar por manter o falo. O complexo de castração se desenvolve no menino sob o signo da ameaça; e, na menina, sob a inveja e o ciúme (FREUD, [1925]1976). Abrem-se três vias para a menina: a primeira é a via neurótica da inibição sexual; a segunda, a via caricatural do complexo de masculinidade; e a terceira, a da feminilidade. Para Freud ([1925]1976) são várias as consequências psíquicas da inveja do pênis – penisneid – numa mulher; e o ciúme é uma delas.5 A mulher, após perceber sua ferida narcísica, desenvolve um sentimento de inferioridade em relação ao homem. Ela possui por estrutura um ciúme exacerbado; isso o torna devastador para o feminino. Para Lacan, a feminilidade em si é uma devastação, pois não possui um campo de ancoramento que o defina; há uma ausência de significante que oriente a mulher na construção do que é ser 5 Um exemplo clássico para ilustrar o ciúme devastador na mulher é o de Medéia: ela mata os filhos quando o marido ameaça abandoná-la por amor de outra mulher. 49 mulher. Em contrapartida, a construção do masculino possui o falo como ponto de ancoramento. A inveja pelo pênis na menina persiste, insiste mesmo após ter abandonado seu verdadeiro objeto. Persiste, por exemplo, no traço do ciúme, como um sintoma. O ciúme então, para Freud, desempenha papel muito maior na vida psíquica das mulheres, pois é reforçado pela inveja do pênis deslocada. Porém, podemos fazer algumas considerações no que se refere ao deslocamento da penisneid para o ciúme. Na mulher, esse ciúme pode se apresentar como um sintoma, só que nos homens o ciúme parece se manifestar de forma mais agressiva, sentida como mais violenta, como expressão de uma falta, perda de um objeto fundamental para manutenção da harmonia. Pois se há uma falha narcísica na constituição do eu do menino, por ele ter concluído o complexo de Édipo por uma escolha narcísica, de fato, a agressividade pode ser uma derivação de uma posição em relação ao falo, na medida em que é o falo que vai ser o articulador dessa solução narcísica. O menino se aferra ao falo e abandona o amor da mãe. Essa sua escolha é narcísica. Assim, se há uma falha na constituição do eu, uma falha narcísica, e essa falha aparece referida ao falo, no menino ela pode retornar com muito mais potência que na menina. Considerando o naufrágio do Édipo como uma escolha narcísica, de fato, uma falha nesse ponto torna o falo importante e marca uma diferenciação no homem. Pode-se inferir que se a solução edípica no menino é narcísica e se há uma falha narcísica que vai gerar o ciúme, este sentimento retorna como agressividade porque o menino precisa proteger o que é seu, o que o constitui como menino, como homem. Se há ameaça da perda do objeto amoroso, e essa ameaça convoca sua ferida narcísica, é a masculinidade dele que está em jogo, pois ela se assenta sobre a solução fálica de preservação do falo no Édipo.6 Encontramos vários casos de homicídios cometidos pelos homens a suas parceiras amorosas; muitos dos réus utilizam o amor como justificativa para seus atos agressivos. Dialogando com Freud, podemos pensar que o ciúme, sendo uma ameaça da perda de um objeto amado, desempenha no homem uma ferida maior. Isso porque desde a infância ele acredita ser e depois possuir o falo, enquanto a menina, quando se vê castrada, precisa consentir com sua falta, uma situação irreversível. Acreditamos que será necessário, neste ponto, dedicar uma reflexão mais aprofundada sobre o conceito de narcisismo na teoria Freudiana. Assim, tentaremos apresentar o conceito 6 Ainda é interessante ressaltar que para Freud ([1925]1976) os ciúme exercem um papel muito maior na vida das mulheres. Mas acreditamos que o ciúme nas mulheres é devastador e, portanto, mais visível, enquanto que o ciúme nos homens tem uma face mais agressiva. 50 do narcisismo, desde o narcisismo primário, passando pelas reflexões do autoerotismo, pelo mito, até entender o desfecho narcísico. 4.2 Narcisismo em Freud e considerações sobre o ciúme A psicanálise freudiana entende que o sujeito é constituído, fundamentalmente, pela relação com o outro, com o seu semelhante; por uma relação marcada pela cultura que o perpassa, pelo desamparo e também pela sua condição de ser pulsional; pelas identificações diversas que implicam seus desejos, afetos e fantasias. Iremos discutir o narcisismo para tentar entender, de forma mais clara, a importância desse outro na constituição das subjetividades, o processo de separação/individuação da criança pequena em relação ao adulto. Concordamos com Bauman (2004) e Lasch (1987) quando afirmam que o narciso da época atual tornou-se intransigente e opressivo em relação ao que possa opor-se à sua vontade imediata. O narcisismo e o individualismo exacerbados na contemporaneidade nos conduzem a uma hipótese para a emergência do ciúme de forma tão agressiva e violenta. Na mitologia grega, Narciso é filho de Liríope (voz macia) e Céfiso (deus fluvial, em cujas margens nenhuma ninfa que chegasse sairia intacta). Céfiso aprisionou Liríope e a engravidou. Nasceu Narciso, uma criança muito bonita. Devido à beleza além do normal de seu filho e temendo punição por isso, Liríope decidiu consultar Tirésias, um velho sábio perspicaz, sobre o futuro, para saber a respeito do futuro de seu filho. Ele a preveniu que Narciso viveria longos anos desde que não visse sua própria imagem. Inicialmente, essa previsão fez-se sem sentido, mas depois se confirmou. A história transcorreu assim: Narciso, condenado a não ver sua imagem, cresceu um rapaz extremamente bonito. Encantava muitas moças, muitas o desejavam. Porém, ele não se envolveu com nenhuma dessas paixões. Certo dia, encontrou com Eco e ela, seduzida por sua beleza, o seguiu. Eco havia regressado do Olimpo após cumprir pena por enganar Hera. Esta, esposa de Zeus, sofria com as discórdias conjugais ocasionadas pela vida libertina e promíscua do marido. Eco, em obediência a Zeus, mentiu para Hera enquanto seu esposo a traía. Então, Hera condenou Eco a repetir os últimos sons das palavras que ouvisse e não falar mais. 51 Certo dia, Narciso estava no bosque e Eco, amante das aventuras campestres, o viu, encantou-se com sua beleza e o seguiu. Ele ficou perdido e foi surpreendido pelo barulho dos passos de alguém, gritou e discorreu a seguinte situação: Narciso: Há alguém por perto? Eco: Há alguém? Narciso: Vem! Eco: Vem! Narciso: Por que foges de mim? Eco: Por que foges de mim? Narciso: Unamo-nos aqui! Eco: Unamo-nos! (BRANDÃO, 1989, p. 50). Narciso sente-se seduzido pela voz de Eco, que, na verdade, é a sua própria voz. Ele escutava em Eco o que desejava ouvir, porém ele a rejeitou, e Eco se isolou da vida cotidiana e das pessoas. As outras ninfas reivindicaram punição à deusa da Justiça para Narciso. Em meio a uma caçada e desejoso por água, Narciso chegou ao lago e enfeitiçou-se pelo reflexo de sua imagem na água. Ele apaixonou-se por si mesmo e não parou de se admirar até o momento de sua morte. Ele não dirigiu seu amor ao outro, mas somente a si mesmo. Ele se deteve à imagem primordial refletida no lago como se fosse um espelho. Nesta história da mitologia grega, Narciso é prisioneiro de sua própria imagem no espelho de água; essa prisão convocaria um ciúme projetivo, um ciúme normal ou um ciúme delirante? No entanto, o termo narcisismo aponta para o mito grego ao qual Narciso se apaixona pela própria imagem refletida no lago. Corresponde a um investimento libidinal sobre uma imagem do eu, a qual não é a imagem de um corpo fragmentado como no autoerotismo, e, sim, de um corpo que possui uma unidade. O narcisismo não foi formulado por Freud como uma teoria. Mesmo tendo sido uma breve reflexão freudiana, como afirma Green (2001), teve a vantagem de obrigá-lo a reavaliar suas concepções sobre o objeto, sendo considerado o marco teórico principal dos anos de 1914 até 1920, período de latência para a introdução da pulsão de morte. “É somente a partir de 1914 que a noção de narcisismo adquire um estatuto conceitual compatível com sua importância no conjunto da teoria psicanalítica.” (GARCIAROZA, 2004, p. 46). Antes da introdução do conceito de narcisismo, o eu era definido como sendo a sede das pulsões de autoconservação. Não havia uma elaboração mais consistente do eu a partir da perspectiva da pulsão; ele era tido como inato, voltado para a manutenção da vida, oposto ao sexual. Considerava-se que o eu estaria voltado mais para o prazer do que para a conservação da vida. Assim, pulsão do eu e pulsão de autoconservação estariam em oposição às pulsões sexuais. 52 No livro Totem e Tabu, de 1913, o narcisismo é tido como estrutura onto e filogenética. Na terceira parte do texto diz-se da descoberta de um estágio inicial de unificação dos componentes pulsionais pelo intermédio da instituição do próprio eu como objeto da libido. Afirma-se que, inicialmente, as pulsões sexuais são observadas, mas ainda não estão dirigidas para qualquer objeto externo; elas atuam independentemente à procura da obtenção de prazer no próprio corpo. É o autoerotismo. Após essa fase é que as pulsões sexuais se reúnem num todo único e um objeto é escolhido. Esse objeto não é externo ao sujeito, porém trata-se do seu próprio eu. “O sujeito comporta-se como se estivesse amoroso de si próprio; seus instintos egoístas e seus desejos libidinais ainda não são separáveis de nossa análise.” (FREUD, [1913]1996, p. 112). Freud acredita que essa posição narcisista não é totalmente abandonada, sendo o ser humano ainda narcisista mesmo após encontrar objetos externos para a sua libido. Assim, a condição de estar apaixonado mostra a libido em seu máximo, comparada com o nível do amor a si mesmo. E ele não está ligado apenas à perda afetiva de quem se ama, porém, antecipa essa perda. Daí, podemos supor sua manifestação em atitudes de grande agressividade. Com a introdução do narcisismo, surge a libidinização das pulsões do eu até então destinadas à autoconservação; podemos dizer que há a introdução da sexualidade no eu. Para Birman (1999), a “descoberta do narcisismo implicou justamente a erotização do eu”. (BIRMAN, 1999, p. 41). O narcisismo implica o reconhecimento do eu a partir da imagem do corpo que é investida pelo outro, os pais, e introduz o indivíduo na relação com um outro que é não eu. A diferenciação entre o eu e o outro é um dos alicerces do sentimento de ciúme. “A distinção entre o mesmo e o outro está no centro do ciúme amoroso: com efeito, os ciumentos, homens e mulheres, são perpetuamente acossados pela imagem de um rival do mesmo sexo, sempre adornado por eles com atributos que lhes faltam.” (BLÉVIS, 2009, p. 23). Em 1914, o narcisismo foi considerado um estágio do desenvolvimento da libido entre o autoerotismo e o amor objetal. Para Freud, o desenvolvimento do sujeito se dá através de processos sucessivos de identificações (primárias e secundárias), que fazem com que o sujeito se distancie gradativamente da relação simbiótica com o objeto. Assim, se o fortalecimento e o desenvolvimento do eu acontecem em direção a um afastamento da instância narcísica primitiva, podemos pensar que a individuação se dá pelo distanciamento do objeto e pela instauração da alteridade. O narcisismo é concebido por Freud como uma dimensão estruturante do psiquismo. É a passagem da necessidade básica para o amor, a libido, ficando o eu inserido para além da conservação da vida. 53 Dessa forma, Freud destaca, em nota de rodapé acrescida em 1910 no texto de Três ensaios sobre a teoria da sexualidade, que o bebê é totalmente dependente de um objeto (a mãe) que lhe proporcione a satisfação de suas necessidades básicas, como o cuidado com o corpo, o amparo, o calor e o alimento. Ele é regido pelas pulsões de autoconservação, pois servem para a preservação da vida. Só num segundo momento é que aparecem as pulsões sexuais, que se destinam a satisfazer os desejos libidinais do indivíduo. A necessidade de alimentação é suprida pela amamentação. O seio materno, além de proporcionar o prazer da saciação da fome, se erotiza na sua própria capacidade de fonte de prazer. A experiência de sucção é a primeira atividade da criança. Inicialmente, o prazer é nutricional, pois existe uma função de satisfação da necessidade de alimentação da criança; posteriormente, há o desligamento dessa função e passa-se à satisfação sexual. Introduz-se, neste texto, a questão da libidinização do eu sobre as funções de autoconservação. Foi no texto de 1914 que Freud conceituou o narcisismo como um processo de constituição do eu. Ele afirma que o eu se constitui no momento em que se identifica com a imagem de seu próprio corpo, imagem que assume como sua. No narcisismo, há um retorno dos investimentos objetais em direção ao próprio eu, sendo que o indivíduo elege-se como objeto de amor. “A libido retirada do mundo exterior foi redirecionada ao eu, dando origem a um comportamento que podemos chamar de narcisismo.” (FREUD, [1914]1996, p. 98). A libido retirada do mundo exterior e depositada no eu é denominada de narcisista. Mas esse processo não acontece de forma unívoca. É uma suposição necessária a de que uma unidade comparável ao eu não esteja presente no indivíduo desde o início, o eu precisa antes ser desenvolvido. Todavia as pulsões auto-eróticas estão presentes desde o início, e é necessário supor que algo tem de ser acrescentado ao auto-erotismo, uma nova ação psíquica, para que se constitua o narcisismo. (FREUD, [1914]1996, p. 99). Sabe-se que o eu não existe desde o começo. Para sua constituição, o autoerotismo suporta uma inovação psíquica capaz de unificá-lo em torno de determinado objeto. Nesse momento, o narcisismo não é tido como primário, pois está precedido pelo autoerotismo. Os neuróticos suprimem os vínculos com as pessoas e as coisas, mas conservam esses objetos na fantasia. Eles removem o investimento dos objetos, redirecionando a libido ao eu. Isso não caracteriza uma atitude perversa, mas uma defesa do eu ligada à sobrevivência do indivíduo, em função da pulsão de autoconservação. Percebe-se uma antítese entre a libido do eu e a libido objetal. “Quanto mais uma é empregada, mais a outra se esvazia. A libido objetal atinge 54 sua fase mais elevada de desenvolvimento no caso de uma pessoa apaixonada, quando o indivíduo parece desistir de sua própria personalidade em favor da catexia objetal.” (FREUD, [1914]1996, p. 92). Para Mezan (1997), o narcisismo é um primeiro momento em que as pulsões antes dispersas pelos órgãos são unificadas e investidas no eu. Tal momento é essa “nova ação psíquica” citada por Freud e que implica numa primeira ruptura da continuidade mãe/criança, condição necessária para a constituição do eu. “O ciúme tem suas raízes fincadas nas angústias dos primeiros momentos da vida, quando se rompe inevitavelmente a perfeita harmonia entre o bebê e a mãe.” (BLÉVIS, 2009, p. 48). A alteridade é fundamental para ocorrer essa nova ação psíquica. Lacan (1949) acredita que é o olhar do outro que antecipa para o sujeito uma imagem de si, tanto que a criança, num primeiro momento, não se vê a si mesmo como eu, ela vê a si mesma como o outro, o outro para o qual o agente materno dirige seu olhar. Num primeiro tempo, o bebê não tem a noção de eu, ele tem a noção do olhar que dá corpo ao outro, que é ele mesmo. Essa imagem do outro localiza pelo olhar do agente simbólico – a mãe – a criança como imagem especular desse outro inteiro. Aí que a criança tem um regozijo, porque ela se vê como essa imagem que estava projetando como não sendo ela. Esse regozijo antecipa a própria linguagem, antecipa a possibilidade de o sujeito falar “eu sou fulano”. O primeiro encontro consigo mesmo é no nível do corpo e da imagem, mas é uma imagem que faz uma articulação simbólica de eu, dá uma unidade do eu. Isso seria a ação psíquica que estaria entre o autoerotismo e o narcisismo primário de Freud. Essa nova ação psíquica é o encontro com o olhar do outro, que dá unidade para o eu. A partir daí, o eu pode ser tomado como primeiro objeto de investimento amoroso. E o sujeito está pronto para investir em outros objetos. Parte da libido investe no eu como unidade e, depois investida no eu, essa libido pode retornar para os outros objetos do mundo, o narcisismo secundário. A introdução do narcisismo opera a diferenciação de uma libido do eu e uma libido objetal. Então, as pulsões do eu continuam sendo as pulsões de autoconservação e sua energia, de origem não-sexual. Já as pulsões sexuais marcam seu caminho partindo do autoerotismo para o amor objetal, mas fixando-se, por um momento, no corpo do indivíduo, só que agora como conjunto organizado e não mais como soma das zonas erógenas parciais. No texto de 1914, estabelece-se que o ser humano sente fascínio por si mesmo desde o início da vida psíquica. Essa descoberta da escolha narcisista de objeto é o motivo de aceitar a hipótese do narcisismo. 55 O termo narcisismo deriva da descrição clínica e foi escolhida por Paul Näcke em 1899 para denotar a atitude de uma pessoa que trata seu próprio corpo da mesma forma pela qual o corpo de um objeto sexual é comumente tratado – que o contempla, vale dizer, o afaga e o acaricia até obter satisfação completa através dessas atividades. (FREUD, [1914]1996, p. 89). Inicialmente, há uma fase dominada pela ligação libidinal com a mãe que não comporta vínculos identificatórios e que depois é transformada em identificação com o objeto e em investimentos de outros objetos antes colocados como rivais. O narcisismo resulta do apoio imaginário e simbólico àqueles que nos amaram e a quem amamos. Quando isso falta, o que falta é algo essencial a todo sujeito. E a ausência desse apoio confiável pode ter como consequência o ciúme. O ciumento acredita ser traído por todos, inclusive e principalmente, por aqueles que o amam. O rival oferece ao ciumento um apoio narcísico contra o desmoronamento. A imagem do semelhante sexuado, e que não é desejado genitalmente, é uma defesa contra um enfraquecimento ainda maior; o ciumento tem a ilusão de possuir, através desse rival, um corpo emprestado, de resgatar aquilo que fez falta a ele. Freud (1914) propõe a existência de um estado narcísico primitivo, chamado de narcisismo primário. Desde o início, desde o narcisismo primário, o outro está colocado. Inicialmente, o eu se equivale ao prazer; o não-eu é o desprazer. Se existe uma continuidade do eu com o mundo é porque tudo o que é prazer corresponde ao eu. O sujeito afere se na realidade isso sou eu ou não-eu, quando se insere no princípio da realidade, quando o juízo de atribuição é substituído pelo juízo de realidade. Sabe-se, então, que, num primeiro momento, tudo o que é prazeroso é eu. O sujeito se destaca ao aferir se na realidade aquela satisfação de fato depende dele próprio ou não. Isso acontece quando ele não consegue obter prazer, quando a realidade se interpõe e, como consequência, aparece a divisão do eu e do não-eu. Nesse sentido, o eu seria permeado pelo erotismo e não apenas representante dos interesses de conservação do indivíduo. O sujeito se destaca como objeto, criando ele próprio a condição para o investimento nos objetos externos. No narcisismo, o eu já se destaca como objeto e já pode ser investido. Na relação primeira entre mãe/criança, então, não se trata de uma ausência de relação com o objeto. Relação em que não estão totalmente separados, nem totalmente amalgados. Essa relação inicial acontece por meio de uma estreita interdependência entre a mãe e a criança que possa aprovar a unicidade inicial e que estabeleça a primeira maneira de relação com o outro e com o mundo, relação que subsiste de forma remanescente em todos nós. 56 O narcisismo primário não é pensado como ausência total de relação com o objeto, em que a criança estaria fechada em si. O narcisismo primário é tido como um princípio de contato, precursor das relações objetais que surgirão posteriormente. Talvez seja uma primeira forma de comunicação amorosa, predecessora da capacidade de desenvolver plenamente um amor pelo objeto posteriormente. O narcisismo secundário, por ser mais coerente, é menos comentado e discutido. É o narcisismo por identificação com o outro. O investimento retirado dos objetos é dirigido para o eu. Há um refluxo da energia pulsional que, depois de ter sido investida nos objetos externos, sofre um desenvolvimento libidinal e retorna ao seu lugar de origem, o próprio eu. Tal regresso acontece frente a diferentes condições em que o indivíduo se encontra. Na segunda parte do texto de 1914, Freud analisa três caminhos para a aproximação com o narcisismo: a doença orgânica, a hipocondria e a vida amorosa entre os gêneros. Freud observa que, na doença orgânica, o doente recolhe seus investimentos libidinais para o eu e torna a enviá-los aos objetos após a cura. Tomado pela dor orgânica, o doente deixa de se interessar pelas coisas do mundo externo que não correspondem ao seu sofrimento. Ele recolhe seu interesse libidinal também dos objetos de amor, e, enquanto a doença persistir, deixa de amar. O hipocondríaco se assemelha ao doente orgânico: “O hipocondríaco recolhe o interesse e a libido – esta última de modo especialmente nítido – dos objetos do mundo exterior e os concentra sobre o órgão do qual está se ocupando”. (FREUD, [1914]1996, p. 104). A diferença entre os dois estados é que na doença orgânica as sensações desagradáveis estão calcadas em alterações comprováveis, o que não ocorre na hipocondria. Freud cita a vida amorosa como sendo a terceira forma de acesso ao narcisismo. Nas primeiras experiências de satisfação sexual autoerótica da criança, vividas juntamente com as funções vitais de autoconservação, as crianças tomam seus objetos sexuais. “As pulsões sexuais apoiam-se, a princípio, no processo de satisfação das pulsões do eu para veicularemse, e só mais tarde tornam-se independentes dela” (FREUD, [1914]1996, p, 107). As pessoas que se responsabilizam pelos cuidados da criança se tornarão os primeiros objetos sexuais dela. É o tipo de escolha anaclítica, também chamada de veiculação sustentada. Em algumas pessoas, principalmente nas que tiveram em seu desenvolvimento algumas marcas singulares, como os perversos ou homossexuais, a escolha de seu objeto de amor não corresponde à imagem da mãe, e, sim, à sua própria imagem. Esse é chamado de escolha de objeto narcísico. 57 O ser humano possui dois objetos sexuais primordiais: ele mesmo e a pessoa que dele cuida, e com isso estamos pressupondo que em todo ser humano há um narcisismo primário, que eventualmente pode manifestar-se de maneira dominante em sua escolha de objeto. (FREUD, [1914]1996, p. 108). Na escolha narcisista, a pessoa ama segundo o que ela é, o que ela foi, o que gostaria de ser ou ama a pessoa que anteriormente fez parte de seu próprio si mesmo. O interesse por seu próprio corpo se orienta para um objeto do mundo exterior semelhante a ele, ou seja, é uma escolha homossexual. Essa etapa pode ou não ser superada pela escolha heterossexual, de acordo com os estímulos ou inibições da vida libidinal. As pulsões tomam o eu como objeto de investimento, o que se dá através da erotização do próprio corpo. Esse investimento direcionado ao próprio corpo, que Freud chamou de libido narcísica, Lacan (1949) denominou de estádio do espelho. Tanto Freud (1914) quanto Lacan (1949) acreditam que as figuras parentais, ou seja, o outro, é quem instrumentaliza para a criança o processo de reconhecimento do outro. Ambos partem da ideia inicial de uma desorganização corporal, em Freud com o autoerotismo, e em Lacan com o estádio do espelho. Essa indiferenciação entre o próprio corpo e a mãe é interrompida pela intervenção materna. A ruptura desse continuum é a base para a constituição da relação de objeto e o estabelecimento da individuação. Para Freud (1914), nos variados tipos de escolha amorosa, há a predominância do narcisismo; se ele não acontece em toda relação libidinal, ocorre pelo menos em toda relação amorosa. Isto significa que uma perda atual de um objeto de amor é intensificada pelo retorno de uma perda primitiva recalcada. Freud se refere à identificação narcísica, que é a mesma definida por Lacan (1949), como a identificação produzida no primeiro momento especular em que a imagem do eu se constitui a partir do olhar da mãe. É na primeira relação com a mãe que se constitui a identificação que irá refletir nas relações objetais futuras. Supomos que o predomínio de uma escolha narcísica de objeto, apoiada nessa identificação, pode contribuir para a intensificação do ciúme, pois o rompimento da relação amorosa reinveste a ferida narcísica e causa um retorno à identificação narcísica primordial. Arreguy (2004), defendendo essa hipótese, acredita: […] que a falha no processo de construção da imagem narcísica é a causa mais forte de uma repetição incessante do ciúme. O fracasso do narcisismo, devido a um investimento narcísico falho, faz, portanto, com que uma ferida narcísica estrutural seja reinvestida, apresentando-se como uma insuficiência de amor próprio e abrindo 58 caminho para a constante dependência do outro. Todo esse processo culmina no estabelecimento de relações amorosas de dependência e dominação tanto em relação ao objeto amoroso quanto ao rival, nas quais o sujeito ciumento se coloca dialeticamente em um dos pólos: dominador ou dominado, senhor ou escravo. (ARREGUY, 2004, p. 5). Assim, a instauração do narcisismo tem como efeito a constituição do eu através do investimento da imagem do corpo pelo outro, no caso, o outro materno. O olhar da mãe é constituinte e organizador da autoimagem da criança, possibilitando a formação de uma unidade indivisível e a configuração corporal do sujeito. Para haver a constituição da unidade indivíduo, é necessário o abandono do narcisismo primário e o direcionamento da libido ao outro, o que ocasiona também um retorno da mesma para si. Através do olhar do outro, há um investimento libidinal no corpo da criança, desenvolvimento da imagem corporal e constituição do eu. Na ausência de um outro que confirme sua imagem, a criança fica incapaz de estabelecer um autoconceito. Para um eu constituído, é preciso que se ultrapassem os limites do narcisismo e se liguem aos objetos. Na terceira parte do texto de 1914, Freud estabelece o eu ideal e o ideal do eu, iniciando sua apresentação opondo os investimentos dirigidos a si mesmo e aos objetos. Nesse texto, percebe-se, em determinados momentos, uma certa confusão na distinção entre os ideais. Freud afirma que nem toda libido do eu é investida nas relações objetais. O amor por si mesmo que já foi desfrutado pelo eu verdadeiro na infância dirige-se agora a esse eu ideal. O narcisismo surge deslocado nesse novo eu que é ideal e que, como o eu infantil, se encontra agora de posse de toda a valiosa perfeição e completude. Assim, o que o ser humano projeta diante de si como seu ideal é o substituto do narcisismo perdido de sua infância, durante a qual ele mesmo era seu próprio ideal. (FREUD, [1914]1996, p. 120). A formação desse ideal representa o narcisismo perdido na infância para o qual o investimento é deslocado. Assim, o eu ideal constitui-se como o herdeiro do narcisismo primário, o indivíduo toma como objeto de amor o seu próprio eu, considerando parte de seu eu como seu próprio ideal. O eu ideal é uma derivação do eu, é um desdobramento do eu. Ele representa algo a ser alcançado pelo sujeito adulto. Dessa forma, entendemos que autoerotismo é um estado da sexualidade infantil anterior ao narcisismo, no qual a pulsão sexual encontra satisfação, sempre parcial, sem necessitar direcionar-se a um objeto externo; o prazer é encontrado no próprio órgão. Porém, nesse primeiro momento, algo precisa ser acrescentado ao autoerotismo para que o narcisismo se constitua e se desenvolva como unidade comparável ao eu. Inicialmente, o eu é o objeto de 59 catexia libidinal, é o chamado narcisismo primário. O eu é constituído revivendo o narcisismo dos pais que atribuem perfeição ao filho e da imagem unificada que a criança faz de seu próprio corpo; surge o eu ideal. Depois, o investimento libidinal direciona-se para os objetos, e a libido narcísica transforma-se em libido objetal. Ao retorno da libido ao eu, após o investimento nos objetos externos, Freud nomeia de narcisismo secundário. Na neurose, há o retorno da libido ao eu, mas sem que o sujeito elimine o vínculo erótico com as pessoas e coisas. O vínculo é conservado na fantasia, substituindo os objetos reais por objetos imaginários. Na psicose, a retração da libido se faz pela retirada da libido dos objetos externos, sem o recurso à fantasia. Acreditamos que, quanto mais nossos vínculos são construídos em bases falsas e posições masculinas e femininas falaciosas, mais propensos estamos ao ciúme, o que revela a ausência de fundamentos na construção da identidade. 4.3 As três expressões do ciúme na teoria Freudiana Essa reflexão de vinculação entre narcisismo e ciúme foi uma hipótese construída através das pesquisas desenvolvidas no presente trabalho, elaboradas por meio da leitura dos escritos freudianos. As contribuições efetivas oferecidas por Freud sobre o ciúme são as três camadas encontradas de manifestações do ciúme: normal, projetado e delirante, que serão discutidas no próximo item. 4.4 Manifestações do ciúme Freud, em seu texto Alguns mecanismos neuróticos no ciúme, na paranóia e no homossexualismo (FREUD, [1922]1996) afirma que o ciúme pertence a esses estados emocionais que podem ser qualificados de normais a mesmo título que o luto. Se uma pessoa aparenta não sentir ciúme, é devido à inferência de severo recalque, possuindo maior influência na vida psíquica inconsciente. Freud ([1922]1996) situa três camadas ou graus de ciúme, anormalmente intensos, encontrados no trabalho analítico: 1) ciúme competitivo ou normal; 2) ciúme projetado; e 3) ciúme delirante. Buscaremos analisar com maior nitidez 60 essas três formas de manifestações de ciúme descritas na obra freudiana, tentando entrelaçálas aos conceitos já desenvolvidos no presente estudo. 4.4.1 Ciúme Normal7 4.4.1.1 A criança e a mãe Pensemos no ciúme de uma criança pequena, que ainda não sabe falar. Lembremos da cena descrita por Santo Agostinho em suas Confissões, de uma criança enciumada ao ver uma outra a quem sua mãe dá o seio. “Tão enciumada e invejosa que ficou totalmente pálida e, ainda não sabendo falar, não deixou de fitar com cólera e azedume outra criança que mamava no seio de sua mesma nutriz.” (AGOSTINHO, 1996, p. 38). Desse primeiro embate com um rival podem derivar os outros momentos de ciúme. A criança que assiste a esta cena é um sujeito em devir. Ela imita a pessoa a quem ama e fala com ela; através de seu autoerotismo, constrói fantasias com suas experiências corporais e seu desejo de viver. Uma de suas fantasias é o desejo de ser grande. A criança que não fala não possui ainda uma representação estável de seu espaço interno e de sua separação do outro que a cerca. O bebê empalidece de ciúme diante de sua exclusão frente a uma imagem de completude que se fecha diante de seus olhos. O ciúme não é direcionado ao objeto que lhe teria sido arrancado, o seio materno, mas da relação entre os dois seres. Segundo Lacan (1949), ela invejaria um vínculo que já conheceu e perdera. Estando ainda se constituindo, o infans que não fala ainda tende a se confundir com o bebê que vê nos braços da mãe, embora tenha mais autonomia que aquele. A criança fica dividida entre seu desejo de crescer e a imagem que vê, não sabe quem é, nem quem deve procurar ser. O desejo da mãe torna-se um enigma; a criança não compreende o que a mãe quer dele, nem o que ela ama; ela parece-lhe diferente. O infans já não é seu falo, e a figura materna entra em conflito com a que ele desejava que ela fosse. 7 A utilização do termo “normal” é devido à denominação oferecida por Freud para descrever esse grau de ciúme. Não corresponde à idéia de uma moral normatizadora e padronizável para esse sentimento. 61 Tomada pelo ciúme, a criança não é mais capaz de distinguir entre os benefícios do amor e as vantagens da destrutividade. Os primeiros lhe permitiram identificar-se com o que ela recebeu de bom para crescer. As últimas lhe abriram o caminho do desprendimento. Com efeito, convém destruir fantasisticamente o objeto amado para experimentar sua solidez e sua permanência. (BLÉVIS, 2009, p. 96). No momento em que a criança se vê num outro diferente dela, a mãe também lhe aparece como diferente, desconhecida, enigmática, distante; assim, em seu confronto com o outro, a criança se percebe como um sujeito diferente de qualquer outra pessoa. Daí, qualquer possibilidade que possa fazê-la perder uma posição com valor significativo pode fazer emergir o ciúme. A saída para a criança é reatar suas fantasias que sustentam seu desejo de viver. Dessa foram, sabemos que, desde muito cedo, a mãe parece perfeita, inteira, sob o olhar da criança. Os primeiros olhares maternos desviados do bebê abrem-lhe enigmas que causam angústias. Mas essa angústia tem virtudes, pois, ao conduzir a criança a compreender as expectativas desse outro que se distingue dela, a angústia a leva a se voltar para o exterior, para o mundo. É assim que nos tornamos pesquisadores natos. O ciúme nos convida a investigar como esse ser em devir se alienou. Por sua tentativa de controlar tudo, ao mesmo tempo fazendo as perguntas e dando as respostas, ele se torna impermeável ao outro, confundindo-se com ele. O ciumento se sente abandonado, e, quando repete as mesmas coisas, é porque a excitação que seu ciúme provoca lhe proporciona o sentimento de existir. Assim, “o ciúme fornece ao ciumento apenas um contorno sem conteúdo”. (BLÉVIS, 2009, p. 53). Acreditando que o ciúme é um confronto violento com um semelhante, o ciúme entre irmãos revela uma vulnerabilidade que pode despertar em todos nós. Mais do que o adulto, a criança expõe mais facilmente a falha de seus referenciais simbólicos compostos no ciúme, principalmente quando ainda não fala. A fala permite que o sujeito se ouça, se distancie de si mesmo, permite uma saída mais fácil para o ciúme. Podemos supor que o ciúme revela a angústia do sujeito em ser desalojado de um lugar que acreditava ter conquistado; demonstra uma falha nos referenciais simbólicos que remete ao sujeito aos limites de si mesmo. O ciúme adulto não é apenas uma repetição de um ciúme infantil, mas a consequência de um trauma precoce, inevitável em certa medida, mas cujos efeitos continuam a se fazer presentes na vida adulta. Sendo originada numa vacilação de identidade, a expressão do ciúme na criança é normal. A fixação nessa posição, sem a possibilidade do desejo de sair dela, é que se mostra trágica. É preciso interrogar as razões dessas fixações. 62 Diante da destituição de seu lugar ao se deparar com seu semelhante, o pequeno sujeito é captado por uma verdadeira alienação. Não sabe mais quem é, nem o que se quer dele, fica inseguro. Separação, individuação e fantasias são estratégias frágeis e porosas. Quanto mais se perdem os referenciais flexíveis e adaptáveis, mais se permanece fixado na imitação, uma solução frágil e dolorosa. 4.4.1.2 O sujeito e o outro No ciúme normal há uma dor de saber ou acreditar que o objeto de amor está perdido. Freud ([1922]1996) associou o ciúme normal à ferida narcísica e à autocrítica, dizendo ser composto de um pesar causado pelo pensamento de perder o objeto amado e do sofrimento da ferida narcísica, da perda do objeto materno. O sentimento de autocrítica atua responsabilizando o sujeito pela perda do objeto amado. Na autocrítica, o sujeito se menospreza e se desvaloriza, incidindo contra o eu a culpa pela perda. De acordo com Arreguy, […] quando a dor da perda do objeto primário toma dimensões acentuadas, ou seja, quando há um forte investimento de representações ligadas a esta ferida narcísica, as relações do sujeito são marcadas por um temor iminente, uma ameaça de perda apresentada como ciúme. (ARREGUY, 2004, p. 4). Pode-se dizer, ainda, que há um medo de que o objeto de amor seja atraído por um outro. É experimentado onde há rivalidade, por despeito de não ter o que o outro possui. Esse ciúme está ligado ao sexual e implica sempre um terceiro. Desde o início, há um contexto triangular entre o bebê, sua mãe e o olhar da mãe dirigido a um terceiro. Esse terceiro está presente desde muito cedo, anterior ao Édipo. É necessário pensar que na cena do ciúme há a representação de um ato a dois, sob o olhar de um outro que está excluído. Um monstro dos olhos verdes que assume o significado de perda da segurança fálica, a desnarcização. Totem e Tabu (FREUD, [1913]1996, p. 34) demonstra essa posição masculina de exclusividade e desejo de ser inteiro do marido sobre a esposa. Freud, ao conceituar e explicar os tabus encontrados em tribos australianas e a relação de evitação entre o genro e sua sogra, alega que um sentimento hostil pelo lado da sogra parece óbvio, por ela relutar em perder a sua filha e desconfiar do estranho ao qual está sendo 63 entregue. E os impulsos hostis do genro se devem ao fato de ele não querer se submeter ao ciúme de quem sua esposa possuía afeição antes dele. O marido toma sua esposa com possessividade, acreditando que ela pertence somente a ele e não deve ter afabilidade com as outras pessoas. Essa posição masculina é pensada na psicanálise como uma constituição subjetiva fálica, já que o menino, desde a infância, abandona o amor edípico por um amor narcísico pelo seu próprio órgão sexual (FREUD, [1914]1996). Ou seja, o menino abandona o Édipo pela ameaça de castração. Assim, supomos que o aparecimento do ciúme está ligado a uma fixação na ferida narcísica, ou ainda, segundo Denzler (1997), de um “fracasso do narcisismo” (défaillance du narcissisme) em sustentar a catexia libidinal no eu. Ela sugere a fragilidade narcísica do ciumento ao mencionar que “[…] um sujeito neurótico que sofre de ciúme intenso e doloroso pode, através desse sentimento, revelar um investimento narcísico parcialmente deficiente da representação de si.” (DENZLER, 1997, p. 40). É interessante mencionar que: Embora possamos chamá-lo de normal, esse ciúme não é, em absoluto, completamente racional, isto é, derivado da situação real, proporcionado às circunstâncias reais e sob o controle completo do ego consciente; isso por achar-se profundamente enraizado no inconsciente, ser uma continuação das primeiras manifestações da vida emocional da criança e originar-se do complexo de Édipo ou de irmão-e-irmã do primeiro período sexual. (FREUD, [1922]1996, p. 271). Portanto, o ciúme tem origem numa perda que não se consegue expressar em palavras. Em seu amado, ele procura um bem que perdeu. Enquanto o indizível sofrimento decorrente disso não for situado, ele não cessará de temer as perdas futuras. Na base do mais desvairado ciúme, Freud discerniu o insuportável amor homossexual pelo rival do mesmo sexo, mais amado que odiado, a tal ponto que o ciumento desejaria, na visão freudiana, estar no lugar da pessoa cobiçada pelo outro. Além disso, a dimensão narcísica do sofrimento dos ciumentos, que sempre temem ser afastados por alguém melhor do que eles, foi igualmente sublinhada por Freud em todas as chamadas formas normais de ciúme. Quando juntamos os dois termos da equação, evidencia-se que o rival é amado ou desejado não mais sexualmente, porém narcisicamente; de acordo com Freud, o ciumento esperaria então de seu rival um reconhecimento homossexual. (BLÉVIS, 2009, p. 46). O sentimento despertado no ciúme é avesso ao sentimento primordial de segurança tão necessário para a construção do eu. Ainda criança, o sujeito não possui a fala para expressar sua aflição de ser deposta de um lugar considerado seu; no adulto, o ciúme traz de volta essas experiências que aguardam sentido e reconhecimento. É podendo inscrevê-las em si mesmo que o sujeito pode livrar-se dessa estranheza inquietante de si. 64 É interessante ficar atento para a estrutura triangular que excita o ciúme. Ele surge com a perturbação da harmonia de um casal. Seria uma reminiscência da cena de exclusão da criança da vida sexual do par parental, que lhe é inacessível? Então, o ciumento sentiria ameaça de qualquer rival intruso na posição de recordar seu lugar naquela cena de exclusão que viveu? A tentativa de restaurar o narcisismo com a ajuda de um suporte imaginário (o rival) não explica o apagamento do desejo que sobrevém quando desaparece qualquer razão para o ciúme. Sou amado? Ama a mim mais do que ao outro? O que ele tem que eu não tenho? São perguntas frequentes dos ciumentos. Ocupando um “deslugar”, o ciumento tenta constituir-se como sujeito. Relaciona-se a uma falta-a-ser, exibindo o sofrimento de um abandono. Ele acredita estar cercado por seres dotados de poderes de que ele é desprovido. Assim, ele procura esses outros e si mesmo, acreditando encontrar na figura do rival a causa e a solução para seus sofrimentos. Ele não sabe que é sua própria imagem que ele forja para dar forma à sua inquietação que o aliena e aprisiona. Somente quando não sente mais ciúme é que o sujeito não teme mais os poderes fantasiosos que havia atribuído ao rival. Aceitando que as identificações são frágeis e incertas, ele põe fim ao processo de infidelidade que move contra seus objetos de amor. Assim, o ciúme normal surge, então, como uma defesa da falta fundamental. Ele entra em cena para reafirmar a demanda do sujeito de ser o único, insubstituível para o outro. E, enquanto a inveja é imaginária, o ciúme é do registro simbólico e está relacionado à entrada de um terceiro. A inveja sobrevém em conseqüência de uma reação de defesa baseada na amputação de uma parte do eu, amputação esta que se transforma em fonte de um conflito insolúvel de identidade. Assim, é compreensível que esse meio de defesa seja tão alienante, mais profundamente regressivo e mais fixado do que o ciúme. (BLÉVIS, 2009, p. 167). O ciúme e a inveja são diferentes. O invejoso tenta sufocar a dor ao negar que possui armas simbólicas essenciais. Desprovido de sentido, ele pretende que o outro sofra essa mesma carência; ele se empenha em coisificar os vínculos, simplificar os laços. Posterior ao ciúme, a inveja instala-se no sujeito já parcialmente constituído, capaz de realizar operações psíquicas complexas, acarreta respostas regressivas, mas não é sinônimo de precocidade. O menino que não possui valores simbólicos trazidos pela mãe para se identificar fica exposto a imitar uma aparência de masculinidade sem raízes; ele, na verdade, imita os traços de 65 virilidade, mas não se serve com prazer deles. Eles ficam invejosos, enciumados do feminino, que seria uma projeção do desejo que eles não dispõem. O eu inseguro do ciumento não é comparável ao do recém-nascido, que se encontra em vias de constituição de seu eu. O eu do ciumento vacila em suas posições subjetivas, sob o efeito de um ataque que o destituiu. Ele vive nos e pelos outros, como parasita dos desejos e limites deles. Por isso quer ficar “colado” naquele a quem ama, recusando separar-se dele. Ele sobrevive à custa de sua condição parasitária do desejo do outro. Dessa forma, na impossibilidade de saber quem é, o ciumento quer tornar-se um só com o seu objeto de amor. Recusa-se a se diferenciar da pessoa a quem parece ter confiado a própria vida. Dessa forma, ele reivindica de seu amante uma fidelidade total, um desvio ou diferenciação, por menor que seja, denuncia uma traição. “Seu desejo de dominação é proporcional às suas inseguranças.” (BLÉVIS, 2009, p. 69). Na verdade, é a autonomia do desejo que constitui o rival do ciumento. A destrutividade suscitada por essa forma de ciúme decorre de uma estratégia de dominação e de sobrevivência. Essa dimensão de dominação nos mostra que o desejo de se tornar um indivíduo singular sofreu uma suspensão, por alguma razão desconhecida. A fantasia de traição é a solução encontrada para as suas inquietações, mas isso o desvia do verdadeiro confronto com as realidades que o alienam. 4.4.2 Ciúme Projetado Na segunda camada, o ciúme projetado encontra-se, também, um processo inconsciente. Há a projeção da própria infidelidade real do sujeito ou de um desejo deste de trair que foi, a priori, recalcado. É, dessa forma, projetando seus próprios impulsos de infidelidade ao parceiro, que se busca um alívio ou um sentimento de inocência consciente de não ter conseguido sustentar a fidelidade exigida pelo seu companheiro. Freud ([1922]1990) cita a canção de Desdêmona em que Otelo projeta uma possível infidelidade sua, tendo como consequência uma provável traição de sua esposa.8 Podemos, a partir disso, afirmar que o ciúme de Otelo é projetivo? No tratamento analítico, Freud acredita que não se deve preocupar em descobrir o fundamento das suspeitas do ciumento, mas fazê-lo perceber o fato 8 “Chamei meu amor de falso, mas o que disse ele então? Se eu cortejar mais mulheres, deitar-se-ás com mais homens.” (SHAKESPEARE, 2001, p. 168). 66 sob outro ângulo. Esse ciúme projetado tem caráter “quase delirante”, mas é passível de ser trabalhado em análise através das fantasias inconscientes da infidelidade. 4.4.3 Ciúme Delirante Para Freud ([1922]1996), o ciúme verdadeiramente delirante é o relativo à terceira camada. Ele também se origina de impulsos recalcados9 de infidelidade, só que está voltado para um parceiro do mesmo sexo que o sujeito. Freud escreveu que “[…] como tentativa de defesa contra um forte impulso homossexual indevido, ele (o ciúme delirante) pode, no homem, ser descrito pela fórmula: Eu não o amo; é ela que o ama!”. (FREUD, [1922]1996, p. 273). Esse tipo de ciúme está presente na estrutura paranoica, e nesse sujeito pode-se encontrar ciúme correspondentes a todas as três camadas descritas por Freud, e não apenas à terceira. Pensando na psicose, lembramos o texto de 1914, em que Freud traz, na primeira parte, uma referência às parafrenias para explicar o narcisismo, buscando esclarecer a retirada dos investimentos do mundo externo. Primeiramente, ele diz que o neurótico, enquanto doente, desiste de sua relação com a realidade, mas não se desliga de suas relações eróticas com as pessoas e as coisas; ele as retém na fantasia. Já os parafrênicos (demência precoce de Kraepelin e esquizofrenia de Bleuler) parecem realmente retirar sua libido das pessoas e das coisas do mundo externo, sem substituí-las por outras na fantasia; eles substituem pelo delírio, inclusive podendo ser no delírio de ciúme. Ou seja, no parafrênico a libido não está investida num objeto externo. Freud acredita que a libido retirada dos objetos externos é dirigida para o eu, demonstrando uma atitude narcisista, uma escolha narcísica de objeto. Esse narcisismo pode ser considerado como sendo secundário e patológico, superposto ao narcisismo primário. Teoricamente, a perda de interesse no exterior diz respeito a uma concentração desse interesse sobre a própria pessoa. Para Freud ([1914]1996), o afastamento do mundo externo nos parafrênicos os tornam inacessíveis à psicanálise. De acordo com Freud, e como já mencionado anteriormente, o hipocondríaco, assim como o parafrênico, também retira a 9 Nesse momento, o recalque é tomado por Freud como um mecanismo de defesa estrutural comum em todos os sujeitos. No decorrer de sua obra, especificamente em “Inibições, sintomas e ansiedade” (1926/1976), o uso do termo recalque (traduzido de forma incorreta em português por repressão) é reservado ao mecanismo particular de separação entre idéia e afeto, encontrados na estrutura neurótica. Na operação estrutural que inaugura a psicose, Freud utilizou o termo rejeição. 67 libido dos objetos do mundo externo e investe uma parte no próprio corpo que torna particularmente sensível, independentemente da doença ser real ou imaginária. No caso Schreber, uma esquizofrenia paranóide, em 1911, há uma referência ao termo narcisismo, afirmando a relevância da escolha narcísica de objeto, colocando-o em posição de destaque na teoria pulsional. Há uma fixação na escolha narcísica. O que acontece é o seguinte: chega uma ocasião, no desenvolvimento do indivíduo, em que ele reúne seus instintos sexuais (que até aqui haviam estado empenhados em atividades auto-eróticas), a fim de conseguir um objeto amoroso; e começa por tomar a si próprio, seu próprio corpo, como objeto amoroso, sendo apenas subseqüentemente que passa daí para a escolha de alguma outra pessoa que não ele mesmo, como objeto. Essa fase eqüidistante entre o auto-erotismo e o amor objetal pode, talvez, ser indispensável normalmente; mas parece que muitas pessoas demoram-se por tempo inusitadamente longo nesse estado e que muitas de suas características são por elas transportadas para os estádios posteriores de seu desenvolvimento. (FREUD, [1911]1996, p. 82-83). Para Freud, o delírio paranoico do presidente Schreber é uma defesa contra a homossexualidade. Pode-se considerar como a primeira exposição razoavelmente elaborada do narcisismo como um estágio do desenvolvimento da libido interposto entre o autoerotismo e o amor objetal. Pessoas que se fixam nessa fase podem tomar seu próprio corpo como objeto de amor; podem escolher um objeto externo com órgãos genitais semelhantes ao seu, e as teorias sexuais infantis que atribuem órgãos sexuais iguais para ambos os sexos influenciam a escolha objetal homossexual. As pessoas que não se libertaram completamente do estádio do narcisismo – que, equivale a dizer, têm nesse ponto uma fixação que pode operar como disposição para uma enfermidade posterior – acham-se expostas ao perigo de que alguma vaga de libido excepcionalmente intensa, não encontrando outro escoadouro, possa conduzir a uma sexualização de seus instintos sociais e desfazer assim as sublimações que haviam alcançado no curso de seu desenvolvimento. (FREUD, [1911]1996, p. 84). Freud continua sua explanação afirmando que esse resultado pode acontecer com qualquer coisa que cause regressão da libido. Ela pode ser reforçada por alguma frustração nas relações sociais, quer seja intensificada até o ponto de não conseguir encontrar um escoadouro e irrompa no ponto mais fraco. Pode acontecer com a ameaça de rompimento de um relacionamento amoroso, tendo como consequência a manifestação do ciúme. “O ponto mais fraco em seu desenvolvimento deve ser procurado em algum lugar entre os estádios de auto-erotismo, narcisismo e homossexualismo […]” (FREUD, [1911]1996, p. 84). Podemos 68 sugerir que o ciúme, caracterizado como medo da perda do objeto amado, surge como ameaça da perda de si mesmo. As reflexões freudianas sobre as três modalidades de ciúme, normal, projetivo e delirante, acrescidas da nossa hipótese da vinculação do ciúme ao narcisismo, podem nos auxiliar em nosso estudo sobre a importância do ciúme nas relações humanas. Nesse sentido, no próximo capítulo, iremos refletir sobre dois clássicos da literatura, Otelo e Dom Casmurro, tentando aplicar esse instrumento de leitura, levantado na teoria Freudiana sobre ciúme, a esses dois personagens. 69 5 O CIÚME NA LITERATURA, UMA INTERPRETAÇÃO PSICANALÍTICA: OTELO E DOM CASMURRO E os escritores criativos são aliados muito valiosos, cujo testemunho deve ser levado em alta conta, pois costumam conhecer toda uma vasta gama de coisas entre o céu e a terra com as quais a nossa filosofia ainda não nos deixou sonhar. (FREUD, [1907]1976, p. 18). O conjunto de produções literárias de uma época possui informações importantes sobre os acontecimentos e os costumes desse período. A literatura, arte de criar e recriar textos, pode ser considerada uma reprodução do cotidiano e do desejo das pessoas. Nesse sentido e, também, por apreender o que escapa à lógica da razão, a literatura surge como recurso para investigação da psique humana. Utilizaremos, nesta pesquisa, a literatura, mesmo recurso já empregado por Freud em seus trabalhos para entender o homem e seus atos. Recorreremos a duas obras clássicas sobre o ciúme reconhecidas mundial e nacionalmente – Otelo, de Willian Shakespeare, e Dom Casmurro, de Machado de Assis. Em Escritores criativos e devaneios, Freud (1908) enaltece a sabedoria dos poetas, afirmando que acredita que os mitos, por exemplo, “são muito provavelmente vestígios deformados dos fantasmas de desejos comuns a nações inteiras, e representam sonhos seculares da jovem humanidade”. (FREUD, [1908]1976, p. 157). Teixeira (2005) assegura que Freud escreveu em diversos momentos que os psicanalistas deveriam escutar o que as ficções narram, colocando-se em uma atitude de abertura às sugestões de seus inconscientes. Podemos dizer que a relação de Freud com os escritores acontece de forma paradoxal, ora funcionando como modelo, ora como rivais, pois eles parecem já conhecer o que a psicanálise busca apreender através de seus estudos. A literatura torna-se imenso reservatório de material clínico, oferecendo sua matériaprima – simbolizações, palavras, formas imaginárias, figuras de linguagem, escansões – às intuições clínicas ainda errantes em Freud. Assim, as filiações literárias marcam a elaboração da psicanálise, a ponto de Freud elucidar um ponto-chave de sua teoria, a saber, a homologia entre o trabalho do sonho e a elaboração da obra de arte, atribuindo à obra um saber igual, embora elaborado diferentemente, sobre o inconsciente. (TEIXEIRA, 2005, p. 121-122). A busca de Freud em situar sua obra no campo da ciência não o impediu de se encaminhar à literatura para a construção da psicanálise. A regra fundamental da psicanálise, por exemplo, nomeada de associação livre, para Migeot, foi “apreendida nos conselhos e na 70 prática dos grandes escritores”. (MIGEOT, 1996, p. 25). Sendo a literatura um recurso que auxiliou Freud na invenção sobre a análise dos neuróticos e um método de investigação dos processos mentais, o vínculo entre esses dois campos se manifesta de maneira estreita desde o nascimento da psicanálise. A literatura carrega em suas obras os temas mais importantes ao campo teórico psicanalítico, como o desejo, o sonho, o narcisismo, a culpabilidade, o incesto, os laços familiares, a transgressão, o prazer, o ciúme. Assim, literatura e psicanálise se propõem como saberes solidários. A ficção surge como característica essencial para a psicanálise, redirecionando o olhar de Freud para além dos limites da rígida medicina, formação profissional de Freud. Se Freud tivesse ficado tributário de um modelo neuropsicológico, jamais ele poderia ter podido atualizar os grandes mitos da literatura para construir uma teoria dos comportamentos humanos. Dito de outra maneira, sem a reinterpretação freudiana das narrativas fundadoras, Édipo só seria um personagem de ficção e não um modelo universal do funcionamento psíquico: não haveria nem complexo de Édipo, nem organização edipiana da família ocidental. (ROUDINESCO, 2000, p. 154). Além disso, por ser a psicanálise uma arte que não possui uma previsibilidade e não se apresentar sempre da mesma maneira, abre-se espaço para o efeito antecipatório propiciado pela literatura, que reproduz os acontecimentos do universo humano. No texto freudiano Análise terminável e interminável (1937), a criação artística é entendida da mesma maneira que a procriação, sendo ambas sustentadas na construção de enigmas. Freud apoia-se na ideia de que a vida, desde sua formação até a morte, é um enigma, entregue ao acaso, às forças biológicas, psíquicas, externas e, também, ao encontro entre essas forças. Literatura e psicanálise, sendo saberes solidários, mais do que a psicanálise vir a esclarecer a literatura, talvez é a literatura que vem elucidar a psicanálise, distanciando-a dos parâmetros positivistas e descentrando-a do campo estritamente médico. Os mitos e as obras literárias desempenham papel de comprovação e justificação da teoria. Arte e ciência ocupam posições constitucionais nas construções teórico-clínicas. Teixeira (2005, p. 128) cita Mann (1986) em resposta ao seguinte questionamento: — A psicanálise diminuiu o campo de ação do escritor? — De modo algum! Sem Dostoievski, nada de Freud. A meu ver, Shakespeare é o maior psicanalista que existiu (MANN, 1986 p. 223). 71 Lewin (1936), citado por Leite, sustenta que Dostoievski possui as mais completas e concretas descrições de situações, e tais descrições conseguem demonstrar aquilo que não encontramos nas descrições estatísticas. Dostoievski descreve de forma clara como se relacionam entre si, e com o indivíduo, os diferentes fatos de seu ambiente. O escritor de romances consegue dar, a partir do comportamento do indivíduo, uma descrição além do alcance psicológico. Leite continua sua apresentação citando Rollo May (1960, p. 13), que diz: Por isso muitos fizemos a estranha descoberta, quando estudantes universitários, de que aprendíamos muito mais psicologia, isto é, aprendíamos muito mais a respeito do homem e da sua experiência nos cursos de literatura do que nos de psicologia […] Da mesma forma, quando agora estudantes me escrevem, dizendo que pretendem ser psicanalistas, e pedem conselho quanto aos cursos que devem fazer, digo-lhes que se formem em literatura e nas humanidades, e não em biologia, psicologia ou cursos pré-médicos. (LEITE, 2002, p. 16). Muitos dos temas vistos atualmente como exclusivamente psicológicos já foram ensaiados por diversos autores. É quase impossível descrever uma obra literária sem fazer referência, direta ou indiretamente, a ocorrências psicológicas, como a descrição dos personagens, a percepção do ambiente, a organização familiar. Contudo, podemos afirmar que a literatura constitui uma expressão da realidade, implicando seus diversos aspectos constitucionais. Para Freud ([1907]1976), os escritores criativos eram capazes de, através do texto, presentificar o inconsciente. E que um autor “deveria evitar qualquer contato com a psiquiatria e deixar aos médicos a descrição de estados mentais patológicos”. (FREUD, [1907]1976, p. 50). Porém, os escritores criativos não obedecem a essa ordem, pois a descrição da mente humana é um campo seu, sendo eles precursores da ciência e também da psicologia científica. Freud, Willian Shakespeare e Machado de Assis fizeram literatura. Para os dois últimos, essa observação é óbvia; para Freud, é preciso lembrar que ganhou, na cidade de Frankfurt, em 1930, o prêmio Goethe, dedicado ao conjunto de sua obra, inicialmente científica, mas tida por alguns como sendo escrita da mesma forma que um romance. Freud reconhece Willian Shakespeare como um dos maiores escritores da história; utilizou-se do universo conflituoso dos seus personagens para confirmar e ilustrar suas hipóteses teóricas. Cita, em 1906, Shakespeare como um dos quatro autores com obras esplêndidas (os outros são Sófocles, Homero e Goethe). 72 5.1 O ciúme mortífero: Otelo e Desdêmona Shakespeare, um cânone da literatura mundial, possui suas biografias contaminadas de lacunas, o que nos leva, em determinados momentos, a supor, fantasiar, inferir sobre sua vida. Sabe-se que nasceu na Inglaterra, em 1564. Devido à boa condição financeira da família, Shakespeare estudou numa escola onde a carga horária diária era de nove horas de estudos. Na Igreja Católica, aprendeu o latim e manteve contato com os livros religiosos. Mudou-se para Londres, onde iniciou seu sucesso e pôde escrever suas obras mais conhecidas. É importante destacar que naquela época os livros não eram acessíveis ao público, e grande parte da população era analfabeta; daí, os autores deveriam entrar em contato direto com o a plateia, fazendo com que cada espetáculo fosse único, mesmo quando repetidos por várias vezes. Uma das incertezas sobre a vida de Shakespeare é a causa de sua morte. Sabe-se que morreu em 23 ou 24 de abril de 1616, aos 52 anos de idade. Contudo, tanto a data do nascimento quanto a data de sua morte são vinculadas ao dia do padroeiro da Inglaterra, o que, por certo, aumenta a admiração dos ingleses por seu autor maior. Através de Shakespeare, a literatura assume seu papel de trazer, nos personagens, os conflitos psíquicos vividos por vidas reais. Freud depara-se com as criaturas inventadas por Shakespeare e cita-as em diversas passagens de seus textos. A peça Otelo foi apresentada pela primeira vez no palácio Whitehall, na segunda metade do ano de 1604, perante o rei James I. Ela aborda questões polêmicas, como o ciúme, o racismo, o poder, a luxúria, o crime passional e a luta entre o bem e o mal. Portanto, é uma narrativa de uma tragédia comum, e Shakespeare, com sua grande habilidade, transforma um fato rotineiro em uma obra especial. Conhecido como um clássico sobre ciúme, Otelo será utilizado no presente trabalho como um recurso literário de investigação da psique humana. Otelo, um general negro, desconsidera o preconceito racista vigente na época e comanda os homens brancos; esse era, no entanto, um fato muito raro para aquele período. Otelo é evidenciado pelo seu controle e bom senso nas batalhas, porém perde a autoridade de seus atos quando se deixa induzir pelas ideias nocivas do “honesto amigo” Iago. Logo de início, Iago revela sua fúria contra Otelo, seu patrão: “continuo dele sendo seguidor que é para dar-lhe o troco que merece […] Ao ser dele seguidor, estou seguindo apenas a mim mesmo”. (SHAKESPEARE, 2001, p. 9). Otelo se deixa enganar pelas histórias de Iago, imerso na 73 crença da traição de sua esposa. Ele não consegue pensar em outra hipótese senão a de traição. O ciúme lhe invade de tal forma que o deixa cego diante do amor que Desdêmona sempre demonstrou. O que Iago representa para Otelo? Por que o diálogo de Iago encontra ressonância em Otelo? Qual o tipo de relação existente entre os dois combatentes; seria apenas política? Considerado como honesto inúmeras vezes durante o transcorrer da trama, Iago mostra-se um homem guiado pelo desejo de vingança, criando discórdias, inventando mentiras e, acima de tudo, deleitando-se com a “obediência” de Otelo. Iago utiliza-se de Rodrigo, um cavaleiro veneziano apaixonado por Desdêmona, para contar à Brabâncio, um senador de Viena, sobre o romance de sua filha com Otelo. Desdêmona, conhecida como uma jovem casta, ingênua e pura, desafia, então, a tradição da época e afronta a oposição de seu pai para se casar com um aristocrata negro. Ela enfrenta a família e a sociedade em busca de seu amor. Brabâncio retira-se ao encontro de Otelo e o acusa de ter feito sua filha vítima de alguma feitiçaria, pois […] quando é que uma donzela tão afável, linda e feliz, tão avessa ao casamento que chegou a recusar os melhores, mais ricos e elegantes partidos de nossa nação, quando é que ela teria abandonado seu pai e protetor, correndo o risco de ser motivo de zombaria geral, para aninhar-se no peito negro de uma coisa como tu…figura que dá medo, e não prazer? (SHAKESPEARE, 2001, p. 20). Otelo conta a Brabâncio a maneira como o relacionamento com Desdêmona se iniciou e a forma como o amor aconteceu. Diz que o Brabâncio lhe tinha grande apreço e convidava-o continuamente para visitas. Sempre quando questionado sobre sua vida, ele contava-lhe importantes acontecimentos que datavam desde a sua infância. Contava acasos desastrosos, brigas e acidentes dos campos de batalha. E Desdêmona escutava tudo com os olhares compenetrados. Mas, logo, os afazeres da casa afastavam-na dos dois; e, quando conseguia, voltava para ouvir mais um pouco da história de Otelo. Ele orgulhava-se de tê-la feito chorar várias vezes com suas histórias. Otelo, então, supôs: “Ela me amava pelos perigos por que eu havia passado, e eu a amava por ter ela se compadecido de mim”. (SHAKESPEARE, 2001, p. 30). Esse amor, contado com tanta altivez por Otelo, foi construído pelo compadecimento de Desdemôna, pelos diálogos entre eles. O amor vivido por Desdêmona pode ser considerado como valorização de seus desejos, sentimentos e sonhos; um amor romântico. Ela se rebelou contra as imposições sociais e familiares para sustentação do relacionamento amoroso. O que levou Otelo a desconfiar desse amor? 74 A seguir, Otelo é enviado ao campo de batalha para uma expedição das mais difíceis e violentas. O Doge sugere que Desdêmona se abrigue na casa do pai até que seu esposo retorne. Brabâncio, Otelo e Desdêmona não aceitam a sugestão e ela pede para seguir a Chipre com seu amado: “se eu ficar para trás, qual traça que se alimenta da paz enquanto ele vai para a guerra, os privilégios em função dos quais sou por ele apaixonada me terão sido destituídos”. (SHAKESPEARE, 2001, p. 34). Otelo e Desdêmona seguem, então, juntos para Chipre. Ao despedir-se, Brabâncio diz a Otelo para “mantê-la sob suas vistas, pois se ela enganou o pai, pode vir a fazer o mesmo com o esposo”. (SHAKESPEARE, 2001, p. 37). Otelo retruca, defendendo que sua amada é fiel e que aposta sua vida nisso. Porém, essa frase do pai de Desdêmona é lembrada quando o ciúme invade o mouro e colabora para o aumento da desconfiança da traição de sua amada. Iago utiliza das palavras de Brabâncio para deixar Otelo mais desconfiado de sua esposa, só que essa atitude de Desdemôna poderia também ser interpretada como uma prova de seu amor; ela abandona o próprio pai para se casar com o mouro. Apesar de pensarmos que esse ato configure o amor de Desdêmona por seu marido, Otelo o convoca de um outro lugar. Ele parece se identificar com Brabâncio não como pai, mas como homem, como uma identidade masculina fálica. Dessa forma, ele acredita que Desdêmona traiu Brabâncio não enquanto pai, mas como homem. Iago torna-se encarregado pela guarda de Desdêmona e, desde já, articula um plano para causar discórdia entre sua guardiã e seu patrão: […] após algum tempo, maltratar os ouvidos de Otelo, sugerindo que Cássio é por demais íntimo de sua mulher, que ele tem uma figura e uma disposição meiga suspeitáveis... moldado para fazer das mulheres pessoas falsas. O mouro é de natureza aberta e generosa: acredita ser honesto todo homem com aparência de honesto… O inferno e o breu da noite deverão dar à luz do mundo esse monstro. (SHAKESPEARE, 2001, p. 41). Iago acredita poder criar no mouro um ciúme tão forte a ponto de o bom senso não poder remediá-lo. Sua influência sobre Otelo é notável durante o transcorrer da peça. Haveria algum desejo homossexual inconsciente entre eles? O desejo de Iago é só o de retornar ao poder? É evidente assegurar que ele exerce grande poder sobre Otelo. Sendo este um homem muito poderoso, por que ele se submete às falas de Iago? Ao mesmo tempo, Iago se afirma na medida em que desqualifica Otelo. O plano de Iago começa a ser posto em prática. Cássio, após embriagar-se em uma festa, é provocado por Rodrigo e motiva uma briga. Em seguida, por estar nesta noite fazendo 75 a guarda e não ter honrado seu cargo, é deposto. Por sugestão de Iago, o ex-tenente pede a Desdêmona que advogue a seu favor com seu marido. Logo, Iago planeja: Enquanto esse honesto otário importuna Desdêmona com seus pedidos para que ela conserte seu destino, e, enquanto ela, por ele, implora clemência ao mouro, eu estarei vertendo esta pestilência nos ouvidos de nosso general: que ela o quer de novo nas boas graças de seu superior para apaziguar a luxúria de seu corpo. E, quanto mais ela se esforçar por ajudá-lo, ela estará perdendo crédito junto ao esposo. (SHAKESPEARE, 2001, p. 77). O alferes Iago faz o mouro entrar em cena no instante em que Cássio solicita os favores de Desdêmona. E começa, desde então, a induzir ideias equivocadas nos ouvidos de Otelo, que diz: “Preciso ver antes de duvidar. Quando eu duvidar, precisarei de provas, e, uma vez fornecida a prova, não há nada além disto: o fim simultâneo do amor e do ciúme.” (SHAKESPEARE, 2001, p. 93). Uma traição comprovada implica no fim do amor e do ciúme? Otelo inicialmente assume uma posição de buscar provas que comprovassem a traição, mas delibera suas investigações aos desígnios e armações de Iago. O jovem mouro é aconselhado pelo “amigo” a observar minuciosamente sua esposa quando estiver com Cássio, e, além disso, o lembra que ela enganou o próprio pai. O ciumento inventa significado para todos os atos e gestos de sua vítima. Otelo, então, começa a desconfiar de sua amada, sendo ríspido com ela, mas justifica-se, em seguida, afirmando estar com dor de cabeça. Ela tenta aliviar a dor apertando sua testa, mas ele a afasta, e o lenço, primeiro presente solene e promessa de amor de Otelo para a esposa, cai despercebido. Emília, esposa de Iago e dama de companhia de Desdêmona, encontra-o. Recorda-se que seu marido a havia pedido que surrupiasse o lenço da patroa. Iago vê Emília com o lenço e arranca-o de sua mão. O lenço é inteligentemente deixado no alojamento de Cássio e passa a ser a “prova” que, segundo Otelo, confirmaria a traição de sua esposa. Otelo ordena a morte de Cássio. Por que a morte? Por que Otelo condena Cássio à morte? Assassinando Cássio, o sofrimento de Otelo cessaria, pois ele aniquilaria o objeto causa de desprazer. Ele elimina o objeto que acreditava estar desviando o olhar de Desdêmona, podendo ocupar novamente a posição de detentor do falo. Após obter o que foi considerado a prova da traição, as atitudes de Otelo para com sua esposa se tornam diferentes. Desdêmona percebe que seu marido está agindo de forma estranha, grosseira, rude, agressiva. Emília deseja que este comportamento do mouro não seja oriundo de ciúme, pois “almas ciumentas não funcionam assim (com motivo). Elas nunca são 76 ciumentas por que há uma causa, mas sim porque são ciumentas”. (SHAKESPEARE, 2001, p. 117). Esta afirmação nos diz que o ciúme é uma inquietação da alma, ele independe da realidade externa. Assim, podemos pensar no ciúme como uma questão psíquica; a causa apenas estimula algo que já existia. A alma ciumenta é ciumenta porque possui uma ferida narcísica e qualquer coisa pode ser interpretada como ciúme. Nessa frase, Emília confirma a ideia de que o ciúme está atrelado à estruturação psíquica do sujeito e, não, à realidade extrerna, pois a causa emerge apenas para justificar o dilaceramento narcísico existente. Ao marcar um encontro com Cássio, Iago pede a Otelo que fique escondido e atente-se aos risinhos do ex-tenente, pois diz que vai perguntá-lo sobre Desdêmona. Só que, na verdade, Iago conversa sobre Bianca, uma meretriz amante de Cássio. Eles sorriem e o mouro enlouquece. Seu ciúme encarrega-se de dar sentido aos sorrisos, aos gestos, ao comportamento leviano; esse sentido é construído sobre bases equivocadas. Bianca chega e entrega a Cássio o lenço perdido por Desdêmona e “encontrado” no alojamento (pois ele tinha pedido para que ela o reproduzisse, mas ela decide que não o fará e pensa que o lenço era presente de alguma moça a ele). Otelo, vendo isso, certifica-se de que essa era a prova que precisava ver. Ele apenas viu a cena, não a ouviu. Ele interpreta a imagem de acordo com seus pensamentos de desconfiança da esposa. Otelo desconfia de Desdêmona, mas confia em todas as palavras de Iago. Ele consente que Iago demonstre suas acusações, mas não permite a defesa de sua esposa. Após o último jantar que teria com sua esposa, Otelo ordena que Desdêmona vá para seus aposentos, se apronte para deitar e dispense Emília em seguida. Ao chegar ao quarto, Otelo tranca a porta e Desdêmona já está a dormir. Antes de cometer o injusto assassinato, o mouro se justifica: Ela deve morrer, para que não venha a trair ainda mais homens. (beija-a) Sê assim quando estiveres morta, e quero matar-te para depois te amar […] Minha necessidade é chorar, mas as minhas são lágrimas cruéis; e celestial é o meu pesar, pois ele dói na fonte do amor. (SHAKESPEARE, 2001, p. 168-169). Percebe-se que o ciumento coloca o outro numa posição de objeto. Ele pretende matar seu objeto de amor, para depois amá-lo. O que Otelo quer é ter posse de Desdêmona; para isso, anseia destruir toda a subjetividade dela. Além disso, ao dizer que a mataria para que não traísse mais homens, percebemos novamente uma identificação de Otelo com o pai de sua esposa, a quem ele considera traído também. Otelo parece assumir um lugar de defesa à entidade masculina. 77 Desdêmona acorda e Otelo a questiona se já fizera suas orações e pedidos de perdão por algum crime que porventura tenha cometido e ainda não tenha conseguido reconciliação com os céus. Acrescenta, então, que não mataria o teu espírito despreparado. Ao perceber que o mouro falou em matá-la, Desdêmona pede piedade aos céus e assusta-se, mas acrescenta que, todavia, não tinha motivos para sentir-se assim, pois desconhece culpas. Todos os seus “pecados são amores que entrego em ti, para ti. Não seria uma morte natural, a que mata por se amar”. (SHAKESPEARE, 2001, p. 170). Ela não acredita ser natural matar por amor; essa é uma escolha de amor anaclítico. Para Otelo, matar por amor pode ser natural, pois o amor narcísico mata para manter seu narcisismo. O amor narcísico é patológico; ele não reconhece o outro como outro na sua diferença; ele ama o outro como uma parte de si mesmo; por isso, ele pensa ser natural matar. Otelo a acusa de presentear Cássio com o lenço com bordados de moranguinhos que fora de sua mãe. Ela refuta tal acusação: “Tenhas tu piedade também. Jamais o traí em toda a minha vida. Jamais amei Cássio com outro amor que não aquele que os céus sancionam, o único tipo de amor que eu poderia sentir por Cássio. E jamais dei-lhe uma lembrança”. (SHAKESPEARE, 2001, p. 171). Contudo, Otelo afirma ter visto Cássio com o lenço. Desdêmona, notando a ira que o ciúme tivera despertado em seu esposo, pede-o para não morrer, mas ser mandada para o exílio, ou pelo menos, viver mais uma noite. Porém, Otelo a asfixia. Por que Otelo assassina Desdêmona tão cruelmente? O que o leva a agir dessa forma? Acreditamos que Otelo mata a esposa para tentar manter sua posição narcísica. No momento em que se vê ameaçado pela destituição da posição fálica, Otelo aniquila o que pode deixá-lo deposto de sua masculinidade. Nesse sentido, não parece que ele reconhece Desdêmona como um outro diferente dele mesmo. Neste momento, Emília bate à porta e anuncia que Cássio matou Rodrigo. Desdêmona, em seu leito de morte, grita que foi assassinada injustamente. Emília ouve e dirige-se à cama. Pergunta, então, quem cometera tal ato, e a doce Desdêmona diz ter sido ela mesma. Otelo confessa o crime, confirmando à Emília que seu marido Iago sabia da traição de sua patroa com o ex-tenente Cássio e foi quem abrira-lhe os olhos para isso. Emília, perplexa, desmascara seu marido, contando que o lenço, tido por Otelo como a comprovação do adultério, fora achado por ela no chão e entregue a Iago. Otelo, percebendo que foi enganado, corre em direção a Iago, mas é desarmado. Iago foge, e antes apunhala Emília pelas costas. Ela pede, então, para ficar no leito de morte com sua patroa, e canta: 78 “mouro, ela era casta. Ela amava somente a ti, cruel mouro. Que minha alma venha a ser abençoada, pois falo a verdade. E assim, falando os meus pensamentos, ai de mim, eu morro”. (SHAKESPEARE, 2001, p. 183). Otelo arma-se novamente e pede para sair do quarto. Desesperado, fere Iago. Ludovico, parente de Brabâncio, interpela Otelo se ele planejara a morte de Cássio e ele confessa. Anuncia duas cartas encontradas no bolso de Rodrigo: uma informa que fora incumbido da morte de Cássio, e outra Rodrigo censura Iago por tê-lo induzido a provocar Cássio naquela noite da festa, fazendo com que fosse, em seguida, destituído de seu posto. Ludovico transfere a Cássio o poder e o comando de Chipre. E anuncia que Otelo ficará prisioneiro até que seu crime seja conhecido em Veneza. Porém, Otelo apunhala-se e, antes de morrer, dirige-se à sua amada morta, e diz: “Beijei-te antes de te matar. Nenhuma outra saída era possível, mas esta: matando-me, morro depois de te beijar”. (SHAKESPEARE, 2001, p. 189). Assim, o jovem mouro, conhecido por sua dignidade e pelas gloriosas vitórias em campos de guerra, fraqueja quando se depara com o ciúme por sua amada Desdêmona. Podemos questionar se os atravessamentos de Iago produzem um ciúme que adquire dimensões tão grandes em Otelo que faz com que ele se deparasse com uma possível perda narcísica? Um homem falicizado como o mouro recusa qualquer tipo de falta? Ao ler essa obra, despertou-me grande interesse perceber que um bravo mouro de Veneza, um homem conhecido por suas estratégias racionais para vencer as batalhas, pelo seu bom senso e controle nas guerras, um sujeito falicizado, encontrava-se diante do ciúme. A partir de um “medo” de perder o objeto amado para um outro, o amante o perde pela morte. Otelo passa a não controlar mais seus atos quando é introduzido à via do ciúme. Cada fala, cada gesto, cada atitude fará sinal para que o ciumento leia, segundo ele mesmo, um terceiro que está fora da cena. O ciumento buscará um sentido para as contingências; ele buscará signos para serem interpretados. Assim, um lenço perdido por Desdêmona e inteligentemente usado por Iago transforma-se na prova da infidelidade. Iago torna-se um personagem importante na história, sendo considerado por Otelo um amigo confiável. Podemos inferir a existência de uma relação homossexual inconsciente? Por que as construções fantasiosas e maldosas de Iago possuem assento em Otelo? Shakespeare desconhecia Freud, mas conseguia expor os conflitos psicológicos sem adotar os tecnicismos clínicos da psicanálise. Recorrendo à literatura, é possível questionar as ações de Otelo diante das armações de Iago, que acendem no mouro um incontrolável sentimento de ciúme. Essa posição de Otelo nos remete ao ciúme projetivo que Freud 79 ([1922]1996) cita ao descrever os graus de ciúme. O mouro pode estar projetando seu próprio desejo inconsciente de infidelidade em Desdêmona e utiliza-se da fala de Iago para acalmar sua culpa. Acusando a amada, Otelo parece se absolver de seus impulsos de infidelidade. Seguindo as trilhas do pensamento freudiano, podemos pensar que Otelo possui um afeto recalcado por Iago. Em contrapartida, Iago parece possuir ciúme do negro guerreiro com sua esposa, desejando destruí-lo. Percebe-se também que Desdemôna causa um incômodo no alferes. Freitas (2001) comenta que Machado de Assis conhecia Shakespeare e falava que “um dia, quando já não houver império britânico nem república norte-americana, haverá Shakespeare; quando se não falar inglês, falar-se-á Shakespeare”. (FREITAS, 2001, p. 15). O ciúme é um tema que sempre fascinou Machado de Assis, em seus escritos, seja nos artigos ou nas obras de ficção, frequentemente abordou esse assunto. Segundo Freitas, o ciúme ocupa lugar importante em sete dos nove romances machadianos; e Otelo aparece no argumento de 28 narrativas, peças e artigos. 5.2 O ciúme inseguro: uma leitura sobre Dom Casmurro Uma obra interessante para buscarmos as manifestações do ciúme é Dom Casmurro, de Machado de Assis. O livro é um dos romances mais conhecidos do autor; foi publicado em 1900, mesma época em que Freud escreveu a A interpretação dos sonhos. É narrado em primeira pessoa pelo protagonista masculino da história, que é também quem dá o nome ao romance. Trata-se de um velho solitário apelidado de Dom Casmurro. São lembranças do seu passado que emergem na memória à medida que ele busca reviver um romance e procura comprovações da infidelidade de sua amada. Freitas afirma que Machado de Assis: Não se contentando com o simples dado fenomenológico, ele vai em busca das motivações inconscientes, quer sempre inferir o oculto, o por detrás, é um psicanalista – é o pensamento psicanalítico existindo porque a dúvida existe. Machado tinha o pensamento psicanalítico, anterior à própria psicanálise. (FREITAS, 2001, p. 70) O leitor conhece a história pela visão subjetiva e unilateral do narrador, contada de forma lenta nos períodos de sua infância e de sua adolescência, com o intuito de apresentar o 80 perfil dos protagonistas (Bentinho e Capitu). Dom Casmurro sugere, no final da narrativa, ao referir-se a Capitu: “Se te lembras bem da Capitu menina, hás de reconhecer que uma estava dentro da outra, como a fruta dentro da casca”. (ASSIS, 1997, p. 175). O livro foi escrito após a morte de todos os envolvidos na história. A mãe, Escobar, Capitu e Ezequiel são apresentados sob a ótica de Bentinho, sendo personagens do seu mundo interior, que produzem diversas emoções no narrador, como ciúme, amor e culpa. Bento Santiago, órfão de pai, é Dom Casmurro jovem, criado com esmero pela mãe D. Glória, e envolto pelos familiares (prima Justina, tio Cosme e José Dias), é destinado à vida sacerdotal, em cumprimento a uma antiga promessa de sua mãe. Ele chama a si mesmo de Otelo, mas suas características de raciocínio frio e capacidade de calcular os atos assemelham-se mais com o dissimulado Iago do que com o apaixonado Otelo. Santiago busca compreender, através do romance, sua atitude de repúdio à esposa e a negação da paternidade. Questiona-se se Capitolina era realmente adúltera, infiel, tendo o filho como produto do seu pecado. Bento não tinha intenção de ser padre como determinava sua mãe; sua pretensão era casar-se com Capitolina, a filha dos vizinhos. Conhecida como Capitu, possuía, no início da narrativa, 14 anos. Tinha os cabelos grossos, pretos e compridos até a cintura. Seus olhos eram negros e misteriosos a ponto de despertar no narrador a comparação com a ressaca do mar. Era alta e bem desenvolvida para a sua idade, inclusive sendo maior que Bentinho. É ela quem desperta em Bentinho o impulso do primeiro beijo. Percebe-se o momento em que se nota a angústia da emergência da sexualidade, a irrupção do amor na adolescência. A imagem de Capitu domina o pensamento de Bentinho; ele a erotiza, e, como um adolescente, a questão sexual torna-se um pensamento fixo. Bento ainda não era um homem maduro, mas um menino de 15 anos envolto das fantasias cotidianas. Após a entrada do amado no seminário, Capitu ficou o maior tempo possível ao lado de D. Gloria, que antes não aprovava a ideia do relacionamento entre os vizinhos, pois Capitu era menina pobre e não uma veneziana bem nascida como Desdêmona. Apesar disso, torna-se querida pela vizinha. A vida do seminário não agradou Bentinho, principalmente devido à distância de sua amiga de infância. Também D. Glória, a mãe, sofreu com a ideia de separar-se do filho único, que deveria ficar interno no seminário. Segundo Freud ([1923]1996), para a mãe, o nascimento de um filho corresponde à recuperação do falo perdido desde a infância, durante a sua entrada no Édipo, quando 81 acreditava ter sido castrada e precisou consentir com essa falta. “Na célebre equação filho igual a pênis, a menina busca na maternidade uma saída para sua condição de castrada.” (MOREIRA, 2010, p. 6). Nesse sentido, Bentinho ocupa, para sua mãe, esse lugar na equação filho igual a pênis. Bentinho tornou-se o filho amado, o filho prometido a Deus. Se a estruturação do sujeito e a organização de seu devir acontece a partir do complexo edípico, o posicionamento de Bentinho frente à angústia de castração torna-se uma importante fonte de investigação. É interessante pensarmos na relação de Bentinho com a mãe. Para Freud ([1923]1996), o primeiro objeto de amor do menino é a mãe. Ele abandona esse amor à mãe pela angústia de castração e pelo medo de perder o falo. O naufrágio do Édipo no menino acontece através da escolha narcísica pelo falo; assim, esse amor primordial pela mãe é recalcado. O ciúme intervém quando há uma ameaça ao narcisismo e para defender o sujeito em seu lugar falicizado. Através de um recurso inventado por José Dias, o agregado da família, Bentinho abandona o seminário e, em seu lugar, ordena-se um escravo. José Dias era magro, com um princípio de calvície, e dedicado à família de Bentinho. […] amava os superlativos. Era um modo de dar feição monumental às idéias; não as havendo, servia a prolongar as frases. […] vi-o passar com as suas calças brancas engomadas, presilhas, rodaque e gravata de mola. Foi dos últimos que usaram presilhas no Rio de Janeiro, e talvez neste mundo. Trazia as calças curtas para que lhe ficassem bem esticadas. A gravata de cetim preto, com um arco de aço por dentro, imobilizava-lhe o pescoço; era então moda. O rodaque de chita, veste caseira e leve, parecia nele uma casaca de cerimônia. Era magro, chupado, com um princípio de calva; teria os seus cinqüenta e cinco anos. (ASSIS, 1997, p. 11). Saindo do seminário, Bentinho formou-se em Direito e voltou para casar-se com sua amada Capitu. Estreitou a amizade com um colega de seminário, Escobar, que também abandonou o sacerdócio, engajou-se no ramo do comércio e depois se casou com Sancha, melhor amiga de Capitu. Os dois casais foram fortalecendo as amizades. Escobar e Sancha tiveram uma filha que recebeu o nome de Capitolina, em homenagem a Capitu. Demais, as nossas relações de família estavam previamente feitas; Sancha e Capitu continuavam depois de casadas a amizade da escola, Escobar e eu a do seminário. Eles moravam em Andaraí, aonde queriam que fôssemos muitas vezes, e, não podendo ser tantas como desejávamos, íamos lá jantar alguns domingos, ou eles vinham fazê-lo conosco. Jantar é pouco, íamos sempre muito cedo, logo depois do almoço, para gozarmos o dia compridamente, e só nos separávamos às nove, dez e onze horas, quando não podia ser mais. (ASSIS, 1997, p. 132). 82 Após um longo período de expectativa, nasceu Ezequiel, filho de Bentinho e Capitu. O nome do filho é em homenagem ao amigo Escobar, que possuía a mesma denominação. Percebemos que a presença de Escobar é forte na vida de Bentinho desde antes do nascimento do filho. Certo dia, Escobar morreu afogado e, durante o enterro, Bentinho julgou estranha a forma pela qual Capitu velava o defunto; parecia mais abalada que o normal. A esposa não só lhe parecia deprimida demais, como também lhe aparentava dissimular tal tristeza. A partir daí, o ciúme foi aumentando juntamente com a desconfiança em Capitu. Embora confiasse no amigo, que era casado e tinha até filha, o desespero de Bentinho foi imenso. Ele foi invadido por um ciúme incontrolável. Por que esse sentimento se torna tão perturbador? Bentinho analisava todos os movimentos de Capitu, dando significado para cada gesto. O que aconteceu com Bentinho que fez com que ele não conseguisse mais pensar em outra coisa senão nessa desconfiança em sua esposa? Segundo o narrador, Ezequiel cresceu e se tornou cada vez mais parecido com Escobar. Só que, anteriormente, o próprio narrador afirma que Capitu, por coincidência, apresentava certa semelhança com a mãe de Sancha. Bentinho não assumiu sua posição de pai. Por que, para ele, o nascimento do filho era tido como um acontecimento difícil de aceitar? De acordo com Moreira, o filho seria uma efetivação da castração para o masculino, por isso a dificuldade de se concretizar a paternidade. “A queda narcísica está relacionada ao fim das certezas que o encontro com a castração provoca. Muitos homens não suportam este lugar.” (MOREIRA, 2010, p. 13). Dessa forma, acredita-se que o encontro com a paternidade determina ao homem uma reatualização de seu Édipo, emergindo conflitos já acalmados e deixando seu desejo à prova. O homem, então, ao ser pai, se depara com a castração, encontro que provoca perdas narcísicas. Para ocupar a posição de pai, ele precisa ser destituído da posição narcísica; ele precisa ser morto pelo filho. Podemos supor que Bentinho não assumiu a paternidade para manter a sua posição fálica e, assim, o ciúme apareceu como uma defesa para esse narcisismo. Bentinho, envolto pelo ciúme, planejou o assassinato da esposa e do filho, seguido pelo seu suicídio, mas não teve coragem de executá-los. A tragédia culminou na separação do casal. Quando nem mãe nem filho estavam comigo o meu desespero era grande, e eu jurava matá-los a ambos, ora de golpe, ora devagar, para dividir pelo tempo da morte todos os minutos da vida embaçada e agoniada. Quando, porém, tornava a 83 casa e via no alto da escada a criaturinha que me queria e esperava, ficava desarmado e diferia o castigo de um dia para outro. (ASSIS, 1997, p. 161). Ezequiel, aos 7 anos, foi colocado em um internato e retornava para casa aos finais de semana. A semelhança com o falecido incomodava o pai, o que tornou-se insuportável para Bentinho sentir-se em paz. Essa semelhança é tida como prova para sustentar o ciúme. Bentinho projetava no filho a imagem do outro, de seu rival, pensando ser Ezequiel semelhante à Escobar e não o assumindo como filho seu. Capitu foi mandada para a Europa com o filho, onde faleceu anos depois. Ezequiel voltou ao Brasil para visitar o pai e informar-lhe da morte da mãe. Dom Casmurro afirma, então, constatar a semelhança entre o antigo colega de seminário e o filho. Ezequiel voltou a viajar e morreu no estrangeiro. Após esse pequeno relato sobre a obra machadiana, parece-nos importante considerar as semelhanças entre essa narrativa e a vida de Otelo, de William Shakespeare. Machado de Assis atualiza a peça inglesa, denunciando a sociedade conservadora e patriarcal e a presença do ciúme neste contexto, época marcada por muitos preconceitos impostos à mulher, que ocupava lugar subalterno. O casamento, para a mãe de Bentinho, era sinônimo de propriedade, porém o amor dos dois se interpunha aos desígnios sociais, e, mais tarde, a mãe consentiu com a união. Ela era contra a união dele com Capitu por ela ser de classe social inferior. Pode-se inferir que Dom Casmurro é Otelo metamorfoseado, que condena Desdêmona e dá o castigo sobreposto à mulher e ao filho como sendo justo. Apresenta uma série de provas e também contraprovas para justificar a traição de Capitu. Nenhuma das provas tinha comprovações. A reconstituição do passado funciona para demonstrar que na menina dissimulada de antes já se prognosticava a mulher indigna de depois. Em três capítulos de Dom Casmurro há alusão direta a Otelo. São eles: “Uma ponta de Iago” (capítulo LXII), “Uma reforma dramática” (capítulo LXXII) e “Otelo” (capítulo CXXXV). Em “Uma ponta de Iago”, José Dias faz o papel de Iago; embora não sustente por Bentinho a inveja e, como pensado, o amor e o ciúme do alferes shakespeariano. José Dias se alia à mãe do rapaz para impedir a união dos jovens enamorados. Dona Glória não almeja que Bentinho e Capitu fiquem juntos por preconceito de classe e pela promessa de tornar o filho padre. José Dias inicia a história semelhante a Iago, mas com ambições bem mais humildes. É a inveja da família de Capitu que o faz denunciar o romance entre os vizinhos para Dona 84 Glória. Assim, a ida de Bentinho ao seminário é antecipada. Só que, depois, trabalha a favor da união dos dois apaixonados e consegue tirar Bentinho do seminário. Uma primeira crise de ciúme é desencadeada na visita de José Dias ao seminário quando é interrogado sobre Capitu e responde que ela estava alegre como de costume e que não tardaria a pegar algum peralta da vizinhança para casamento. Um sentimento cruel e desconhecido, o puro ciúme, leitor das minhas entranhas. Tal foi o que me mordeu, ao repetir comigo as palavras de José Dias: “Algum peralta da vizinhança.” Em verdade, nunca pensara em tal desastre. Vivia tão nela, dela e para ela, que a intervenção de peraltas na vizinhança, vária idade e feitio, grandes passeadores das tardes. Agora lembrava-me que alguns olhavam para Capitu, − e tão senhor me sentia dela que era como se olhassem para mim, um simples dever de admiração e de inveja. Separados um do outro pelo espaço e pelo destino, o mal parecia-me agora, não só possível mas certo. E a alegria de Capitu confirmava a suspeita; se ela vivia alegre é que já namorava a outro, acompanha-lo-ia com os olhos na rua, falar-lhe-ia à janela, às aves-marias, trocariam flores e […] (ASSIS, 1997, p. 88) A resposta de José Dias, que Capitu estava feliz e flertando com algum rapaz atraente, transforma o sentimento de suspeita de Bentinho em ciúme definitivo, pois, enquanto ela se encontrava alegre, ele se via triste e solitário. A partir daí, Santiago assume o papel de Iago, manipulando seus próprios lenços para comprovar sua desconfiança de infidelidade. Acredita que durante a lua-de-mel Capitu fica ansiosa para voltar ao Rio de Janeiro. Pensa que os homens ficam sempre reparando os belos braços da esposa nos bailes. Desconfia dos pensamentos de Capitu quando está desatenta. Se ela contempla o mar, ele tem ciúme do mar. E o ciúme de Escobar é aumentado após o amigo já ter morrido. Assim, é o próprio Santiago, o detentor do lenço de Desdêmona; é ele quem o manuseia. O amor de Otelo é invadido por algo externo, pela inveja, pelo ódio e pelo dolo de Iago; em Dom Casmurro, a disputa tem lugar dentro do mesmo homem. Iago e Otelo se encontram em Bento Santiago. No capítulo “Uma reforma dramática”, o narrador-personagem sugere que as peças começassem pelo fim, porque os últimos atos explicam o desfecho do primeiro. Assim propõe que Otelo mataria a si e a Desdêmona na primeira cena, e as demais cenas passariam lentamente em ação decrescente do ciúme; por último ficariam apenas as ameaças dos turcos e as explicações de Otelo a Desdêmona. Dessa forma, ficaria a boa impressão de ternura e de amor. Dom Casmurro possui o amor de um homem consumido pelo ciúme, pela angústia de uma dúvida indesvendável. No capítulo “Otelo”, é narrada a ida de Bentinho ao teatro; representava-se exatamente a peça shakespeariana. O narrador identifica-se com a ira do mouro de Veneza e aproxima 85 Desdêmona de Capitu. Ambas eram reflexivas, com modos minuciosos e atentos. Acredita ser Desdêmona amorosa, pura esposa e vítima de uma injustiça por causa de um lenço que acende o ciúme de Otelo. Já Capitu, considerada culpada, falsa, merecia uma punição mais cruel do que o asfixiamento cometido pelo mouro para matar Desdêmona. Por certo momento, a ideia de assassinato se põe no lugar da de suicídio planejado por Bentinho: “O ultimo ato mostroume que não eu, mas Capitu deveria morrer”. (ASSIS, 1997, p. 163). Tal sentimento não se efetiva nem em homicídio nem em suicídio, bem como em Otelo; mas assume, no entanto, uma progressão crescente que o envolve numa casmurrice irremediável: “Hoje, que me recolhi à minha casmurrice, não sei se ainda há tal linguagem, mas deve haver”. (ASSIS, 1997, p. 65). Bentinho não mata Capitu nem tampouco se suicida. Bentinho, sabiamente, encontra outra solução: renega mãe e filho, enviando-os para o exílio. Ele retira, de perto de seus olhos, os objetos que lhe causavam sofrimento, que lhe deslocavam de sua posição fálica, mas os faz presente em lembranças e pensamentos em todos os instantes da trama. Bentinho aproxima-se de Otelo pelo ciúme e pela ação destruidora, e, não, pelos atos heróicos. Nas duas obras, o poder da palavra assume destaque particular. Em Otelo, a fala traiçoeira de Iago denigre a honestidade de Desdêmona aos olhos do marido e culmina na morte de ambos. Nesta relação, é a palavra do mouro que seduz a amada e motiva uma briga familiar em que Desdêmona foge de casa para se casar com Otelo. Em Dom Casmurro, a palavra de José Dias denunciando a felicidade de Capitu propicia a primeira cena de ciúme. Aqui, o julgamento que Betinho faz de Capitu não se altera. O romance finaliza com o narrador reafirmando: E bem, qualquer que seja a solução, uma coisa fica, e é a suma das sumas, ou restos dos restos, a saber, que a minha primeira amiga e o meu maior amigo, tão extremosos ambos e tão queridos também, quis o destino que acabassem juntando-se e enganando-me… A terra lhes seja leve! (ASSIS, 1997, p. 175). Capitu e Desdêmona encontram-se envolvidas numa situação dramática que termina com final trágico. Capitu tem o filho usado como prova de adultério. O ciúme faz com que Bentinho desampare o filho e deseje sua morte por lepra. Quanto a Escobar e Cássio, estes representam a falsidade, a impostura, a mentira. Em Otelo, esse pensamento é desmentido quando a intriga feita por Iago é desvendada. Em Dom Casmurro, essa ideia é sustentada até o final. 86 Para garantir a veracidade de seu discurso, Dom Casmurro procura na Bíblia uma comprovação e cita um conselho de Jesus: “Não tenhas ciúme de tua mulher para que ela não se meta a enganar-te com a malícia que aprender de ti”. (ASSIS, 1997, p. 175). Como um Otelo à brasileira, Bentinho transfere para o leitor a responsabilidade de decidir se Capitu é inocente ou culpada. Na luta entre o amor e o ciúme de Bento Santiago, o ciúme torna-se vencedor. Os nomes dos personagens machadianos também sofrem influências de Shakespeare. Analisemos o nome de Bento Santiago, o personagem principal. O nome “Bento” é derivado de Benedito (forma portuguesa). O significado do adjetivo bento é abençoado, bendito, que recebe as bênçãos de Deus; qualidades confiadas a Bento Santiago na obra. E o sobrenome Santiago é um tradicional nome português da época do descobrimento. E, por influência de Shakespeare, pode-se pensar: Sant-, ou seja, um santo, primoroso, verdadeiro em suas atitudes e –iago, o criador da desarmonia. Bento Santiago é, ao mesmo tempo, causador e vítima de seus atos. É ele que tem ciúme de Capitu por qualquer pretexto. No entanto, podemos concluir que as duas obras citadas apresentam histórias de relacionamentos amorosos atravessados pelo ciúme, que terminam em separação e tragédias familiares, apesar das circunstâncias que ocasionaram tais atos não serem realmente comprovadas. 87 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS Na presente dissertação, realizamos uma reflexão sobre o ciúme dentro da teoria psicanalítica de Freud, tendo como inspiração a crescente violência contra as mulheres. Essa violência legitimou a criação de leis para a proteção do sexo feminino em países como o Equador, a Espanha e o Brasil. São inúmeros os casos divulgados pela mídia de agressão doméstica contra o parceiro amoroso, tendo como principal causa o ciúme. Esse cenário social nos serviu de inspiração para a realização deste trabalho. O ciúme causador dessa violência é justificado pelos agressores através do amor. Para tanto, investigando as diversas formas de amor, descobrimos que amor e ciúme são dois sentimentos existentes desde os primórdios da sociedade. As formas de manifestação do amor sofreram influências com o decorrer dos anos, sendo um sentimento discutido desde Platão até Bauman. No amor andrógino e no amor romântico, busca-se o retorno a uma ilusão de completude originária; procura-se no outro a metade perdida anteriormente; deseja-se encontrar no parceiro a felicidade tão almejada. A partir dessas considerações, buscamos na psicanálise freudiana indícios que possam oferecer sustentação para os acontecimentos cotidianos. São várias as teorias e diversos os eixos epistemológicos que pesquisam este tema; todavia, a psicanálise apresenta uma leitura estrutural do ciúme. Nesse sentido, acreditamos na importância da constituição do sujeito para a compreensão das manifestações ciumentas. Freud ([1925]1976) afirma ser o ciúme uma das consequências da inveja do pênis na menina, exercendo papel muito maior na vida psíquica das mulheres, podendo ser considerado mais devastador, decorrente do complexo de castração. No menino, acreditamos que o complexo de castração também possui relevância para a emergência do ciúme. Se o menino conclui o Édipo por uma escolha narcísica e o falo é o articulador dessa solução narcísica, podemos dizer que uma falha na constituição do eu no menino pode retornar com mais potência do que na menina. Por isso, sendo o ciúme relacionado a uma ameaça de perda do objeto amado, ele pode surgir no homem com uma agressividade maior, uma defesa de sua masculinidade. Segundo o pensamento freudiano, são três camadas de ciúme: ciúme normal, projetivo e delirante. 88 Na tentativa de compreender melhor o ciúme, e entendendo ser a literatura uma expressão do cotidiano, buscamos as duas obras literárias clássicas sobre o ciúme, sendo elas: Otelo e Dom Casmurro. Otelo, um mouro de Veneza, jovem negro e guerreiro, esposa-se de Desdêmona contra a vontade de seu sogro. Perturbado com as palavras de Iago, desconfia do amor de sua esposa e a condena por traição injustamente. É o ciúme que se encarrega de interpretar as cenas e as atitudes de Desdemôna de maneira errônea e culmina em seu assassinato. Para Freud ([1922]1996), o ciúme de Otelo pode ser classificado como projetivo, pois ele acalenta um desejo inconsciente de infidelidade do mouro. Dessa forma, acredita-se numa relação recalcada de desejo homossexual entre Otelo e Iago. Em Dom Casmurro, conhecemos a história e seus acontecimentos segundo o olhar do narrador-personagem, Bentinho. Após a morte de seu amigo Escobar, Bentinho interpreta o sofrimento de Capitu como prova de infidelidade. Durante o decorrer dos capítulos, ele procura fatos que comprovem a traição de sua esposa, dando significado aos atos e palavras de Capitu. O ciúme normal não está necessariamente baseado em eventos reais; está enraizado no inconsciente e originado no complexo de Édipo. A relação de Bentinho com sua mãe nos fornece indícios de que ele representa o falo para ela, o filho único e prometido a Deus. Sendo o ciúme uma defesa da falta fundamental, ele entra em cena para reafirmar a demanda de Bentinho ser o único, insubstituível para a mãe e para Capitu. Contudo, o ciúme demonstrou ser um tema de grande importância e a constituição do sujeito essencial para a compreensão desse objeto. Percebemos que as questões sobre o ciúme e o amor são diversas, sendo que ainda possuem muitos pontos a serem estudados. Deixamos questões abertas para um outro momento de continuidade das pesquisas relacionadas ao ciúme. Após a reflexão já realizada e o levantamento bibliográfico sobre o tema acima exposto, podemos questionar se há alguma especificidade de gênero na manifestação do ciúme. Seria o ciúme masculino mais violento e o feminino mais devastador? A emergência do complexo de castração poderia ser o regulador desse ciúme? Assim, a ferida narcísica no masculino é sentido de forma mais violenta? Sabemos que não encontramos a diferenciação entre agressividade e violência em Freud, mas outros autores, como Lacan, podem nos oferecer formulações interessantes para distinção entre esses dois conceitos. A partir dessa caracterização pode ser possível compreender, na psicanálise, o ciúme e sua especificidade na questão de gênero? Dessa forma, não se obtém um esgotamento de todas as reflexões sobre esses sentimentos 89 avassaladores à alma humana. Ainda possuímos demanda para muitos pontos de investigação sobre o sentimento de ciúme. 90 REFERÊNCIAS ABBAGNANO, N. Dicionário de Filosofia. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2002. AMELIO, A. O mapa do amor. São Paulo: Editora Gente, 2001. ARISTOTELES. Da Alma. Tradução de C. H. Gomes. Lisboa: Edições 70, 2001. ARREGY, M. E. Dois romances, tempos distintos: uma reflexão sobre o amor e o ciúme na atualidade. Revista mal-estar e subjetividade, Fortaleza, 2004, p. 112-130. Disponível em:<http://www.unifor.br/joomla/joomla/images/pdfs/pdfs_notitia/170.pdf>. Acesso em: 08 nov. 2010. ASSIS, M. Dom Casmurro. Rio de Janeiro: Record, 1997. AUSTEN, J. Razão e sensibilidade. São Paulo: Scipione, 2005. AUSTEN, J. Orgulho e preconceito. São Paulo: Martin Claret, 2006. BARROS, R. S. Análise do comportamento: da contingência de reforço à equivalência de estímulos. Cadernos de Textos de Psicologia, 1, p. 7-14. 1996. BARTHES, R. Fragments d’um discours amoureux. Paris: Seuil, 1977. BAUMAN, S. 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