Valor Notícias – SP
15/01/2009
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O império contra-ataca, em lutas hegemônicas que nunca terminam
(Edson Pinto de Almeida)
"O Mito do Colapso do Poder Americano" - José Luís Fiori, Carlos Medeiros e Franklin
Serrano.
Record. 280 págs.
Há décadas os Estados Unidos vivem momentos de altos e baixos, o que sempre foi
motivo para extensas análises sobre o fim da supremacia americana no mundo desde a
Segunda Guerra. Neste início de século XXI, com o aprofundamento da crise financeira
que se tornou global, não é diferente. Novos questionamentos surgiram, e, agora, além do
declínio do império americano, prevê-se também o fim do capitalismo e o surgimento de
uma nova ordem mundial. Profecias ou previsões, como todo economista sabe, são
sempre perigosas. Atribuir uma dimensão revolucionária ao que hoje se define como fim
do ciclo americano não estaria sequer nos planos de Lenin, embora alguns autores
marxistas façam essa analogia com a teoria leninista do imperialismo.
Assim como as previsões, as analogias também são arriscadas. Talvez fosse mais fácil
ver Barack Obama como guerreiro jedi que derrota Darth Vader Bush e traz o Império
para o lado iluminado da força. Afinal, em 1980, ano do lançamento do episódio "O
Império Contra-Ataca", de "Guerra nas Estrelas", o então candidato e futuro presidente
Ronald Reagan utilizava o slogan "A América está de volta" ("América is back") em
resposta ao desgaste do poder econômico americano verificado ao longo da década de
1970.
Para quem gosta de olhar os fatos de forma mais objetiva, porém, ainda não há sinais
consistentes de que o império ruiu e a revolução socialista já é vitoriosa. Esse é o caso
dos autores dos três artigos que compõem "O Mito do Colapso do Poder Americano",
José Luís Fiori, Carlos Medeiros e Franklin Serrano, professores na UFRJ. A análise da
conjuntura internacional é emoldurada por extensas notas de rodapé que colocam os
temas no devido contexto histórico - o que torna a leitura um pouco mais vagarosa, mas
enriquece o conteúdo.
Numa imagem que serviria como epígrafe para a saga de "Guerra nas Estrelas", Fiori
desenvolve a teoria do universo em expansão para explicar ao longo da história o
processo de competição das nações (criando ordem e desordem, expansão e crise) e os
conflitos de status e poder que moldam a geopolítica mundial. É uma visão alternativa à
teoria dos ciclos de poder e econômicos de autores marxistas, que enxergam o fim da
hegemonia americana num processo de declínio que começou na década de 1970 e que
agora se transforma numa crise terminal do sistema como um todo. A visão de Fiori é
oposta. O poderio americano vem aumentando nessas três décadas. Começou com o fim
do padrão-ouro, foi seguido pela aliança estratégica com a China, que contribuiu para o
fim da União Soviética e da Guerra Fria, e culminou com a vitória na Guerra do Golfo em
1991. O autor acredita que "as dificuldades políticas e econômicas desta primeira década
do século XXI poderão se prolongar e aprofundar, mas não se trata do fim do poder
americano, muito menos da economia capitalista".
O ponto fraco das teorias que proclamam o declínio do poder americano residiria no fato
de que olham apenas para uma situação imediata e não para a questão estrutural de
longo prazo. Se há desafios para os Estados Unidos, o principal deles, como fica claro no
livro, é o de superar os limites e as contradições da estrutura de poder global "made in
USA" construída até agora. Em outras palavras, significa enfrentar novas forças.
É difícil saber se o século XXI será tão americano quanto o anterior, como já disse Bush
pai. Uma coisa é certa, na visão do livro: o nacionalismo e o protecionismo estão de volta,
com o aumento da pressão competitiva entre os Estados e as economias nacionais. A
aproximação de China e Rússia, como nota Carlos Medeiros, atende a interesses mútuos
para contrapeso da influência americana na Ásia Central. Chamem isso de
multipolaridade. Ao mesmo tempo, a fusão financeira entre Estados Unidos e China está
criando "um novo centro nacional de acumulação de poder e capital". Menos ressentidos
que os russos, os chineses financiam o déficit americano, mas não abrem mão de uma
"ascensão pacífica" na geografia mundial. O jogo não é simples.
Essa nova correlação de forças mostra a fragilidade política da União Européia. A
Alemanha reforça seu poder e hegemonia no velho continente, dando um chega pra lá em
França e Grã-Bretanha. A Rússia quer de volta o poder e os territórios perdidos depois do
fim da União Soviética ( 5 milhões de km2 e 140 milhões de habitantes). "A Rússia será a
grande questionadora da nova ordem mundial", escreve Fiori. No Oriente Médio, há o Irã
em ascensão. Na América do Sul, em meio a disputas internas e forças políticas
antagônicas em relação à aceitação da liderança americana, o Brasil é mencionado como
principal adversário na competição com os Estados Unidos pela supremacia no
continente.
O artigo de Franklin Serrano joga um balde de água fria sobre aqueles que torcem para
que o dólar deixe de ser a moeda mundial. "A crise financeira americana nada tem a ver
com a questão do papel internacional do dólar, e sim com o excesso de
desregulamentação e falta de supervisão dos mercados financeiros privados americanos."
O padrão "dólar flexível", em vigor a partir dos anos 1980, não está em crise, entre outras
razões, segundo Serrano, por que os americanos pagam suas dívidas (passivos externos)
em dólar, ao contrário de outros países, que precisam fazer a conversão de suas moedas.
A desvalorização do dólar, por exemplo, beneficia os Estados Unidos e prejudica os
credores.
Um aspecto da análise da economia americana chama a atenção no artigo de Serrano, e
que se pode aplicar ao Brasil: a crescente concentração de renda e a substituição de
salário por crédito nas camadas mais pobres. Para ele, é essa questão e não o consumo
excessivo ou a falta de poupança, a verdadeira causa dos problemas atuais. A
necessidade de expansão contínua do crédito e do endividamento das famílias mais
pobres é que dificulta o crescimento sustentando da demanda. Isso, a seu ver, tem
contribuído "para a ampliação da volatilidade dos mercados internacionais de
commodities e petróleo".
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