E STA D O D E M I N A S ● T E R Ç A - F E I R A , 1 6 D E A G O S T O D E 2 0 1 1 11 ECONOMIA BRASIL S/A ANTÔNIO MACHADO >>E-mail para esta coluna: [email protected] Arte da paciência Muito embora as percepções sobre a economia continuem distantes da onda de pessimismo que voltou a contagiar a Europa e os EUA, como se constata pela distensão das projeções do mercado financeiro que o Banco Central compila semanalmente, o mundo político em Brasília ferve como se o governo de Dilma Rousseff estivesse tão emparedado quanto estão o presidente Barack Obama e os seus colegas europeus. Dilma é contestada pelo que fez de melhor desde que assumiu, ao trombar com os esquemas criminosos operados em ministérios cedidos a partidos da base aliada e mandar removê-los – e pela disciplina imposta às liberações de verbas para as emendas de parlamentares. Tais ações são condenáveis se contemplarem só o efeito midiático. Se ela age com truculência ao atribuir limites para o acesso dos aliados aos dinheiros públicos, essa é outra questão, e certamente a menos relevante. Também não vem ao caso se ela compactuava com esses esquemas quando cuidava do ministério no governo Lula – que tolerou o loteamento de pedaços do Estado, depois do escândalo do mensalão, para se proteger de chantagens políticas e governar. A história está cheia de exemplos de herdeiros que se insurgiram contra malfeitorias exatamente por conhecê-las. Muito pior seria manter a impostura, que tem a idade da República mas parece ter se tornado endêmica com a perversão do senso da governabilidade. Ela obrigaria ao eleito cercar-se de maioria parlamentar, mesmo negando seus princípios, já que aos aliados de conveniência e não de fé importam os resultados mercantis para benefício do partido, quando não, do patrimônio próprio e dos operadores do esquema. É um custo alto demais imposto à sociedade para retorno tão baixo – essencialmente, a tranquilidade do governante, não a votação de projetos que contrariem Contra a ira dos os lobbies, sobretudo entre os pendurados no aliados, Dilma caixa do Estado. Até se a razão de não pode recuar entenderia megacoalizões, se o governante temesse seu nem acuar o passado e as decisões PMDB ou se que viesse a tomar. Com carreira moldaprecipitar na da ao largo de delinquências partidárias, Dileconomia ma não se enquadra nesse figurino, embora entre seus desafetos haja a queixa de que ela não tem agido como magistrada ao tratar questões envolvendo o seu PT e outros partidos da base. Há jeito para isso. Melhor que amaldiçoar faxinas feitas à revelia no próprio quintal é cobrar mais equivalência no trato e, no limite, denunciar o lixo dos vizinhos. A presidente se encontra diante desse desafio. ❚ CONSUMO Quem recorre à Farmácia Popular precisa completar receita e clientes de planos ficam com remédio público de alto custo Medicamento que dá dor de cabeça FREDERICO BOTTREL Efeitos colaterais marcam a expansão do mercado farmacêutico no Brasil. As cifras, que já movimentaram mais de R$ 37,7 bilhões no país, são engordadas por distorções do programa Farmácia Popular, do Ministério da Saúde, que, na rede de drogarias privadas, nem sempre entrega para o cliente a posologia completa receitada pelo médico: com isso, as cifras tambémaumentam,umavezque o paciente compra parte do remédio subsidiado pelo governo e acaba bancando o restante integralmente. Estudo da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) também mostra que cerca de 40% dos gastos públicos com medicamentos de alto custo em Minas Gerais beneficiam pessoas que têm plano privado de saúde. Segundo o farmacêutico Rilke Novato Públio, que traçou o mapa da distribuição dos medicamentos considerados “excepcionais” a partir de informações das 28 gerências regionais de saúde do estado, vale a pena rever a legislação específica dos planos de saúde, também nesse quesito. “Nada os obriga a fornecer os medicamentos aos pacientes que já deixaram o hospital. Acontece que não é uma boa economia, já que, sem esses medicamentos, os quadros das pessoas podem se agravar e os pacientes representarem ainda mais despesas para os planos, no futuro”, defende Públio. O Sistema Único de Saúde fornece cerca de 100 medicamentos considerados componentes especializados da assistência farmacêutica, em geral de alto custo, com tratamentos mensais entre R$ 350 e R$ 2,5 mil, solicitados pelos usuários e distribuídos pelos estados. São geralmente medicamentos de uso contínuo, para controle de hepatite C, colesterol alto, osteoporose, entre outros. “O estudo comprovou também que os medicamentos mais caros são justamente os desses pacientes.” A pesquisa trabalhou com universo de 6.736 pacientes do SUS, cujos dados pudessem ser cruzados com os dos planos de saúde. Do total de R$ 2,1 milhões gastos com medicamentos, no período entre janeiro e junho de 2008, R$ 783 mil foram investidos em medicamentos de pacientes de planos privados. Outra situação controversa que polemiza o mercado de fármacos no Brasil vem diretamente do Programa Farmácia Popular, do governo federal. É o caso do casal Gerson e Maria Genuína de Paula, de 54 e 53 anos, respectivamente. Moradores do Bairro Saudade, na Região Leste de BH, enfrentam o dilema mensalmente, diante do balcão da farmácia. “O médico receita um remédio com 100 miligramas por dia. Como o Farmácia Popular só fornece o de 50 miligramas, a quantidade subsidiada só dá para 15 dias, porque eu preciso tomar, então, dois comprimidos de uma vez. E eu vou fazer o que com o resto do mês? Sou forçado a comprar o que falta, para completar”, diz o motorista. “E se eu não tivesse dinheiro para comprar? Ficaria sem o medicamento?”, questiona a telefonista. MINISTÉRIO Segundo o Ministé- rio da Saúde, a orientação para as farmácias privadas é que preencham a posologia receitada, mesmo que, para isso, seja necessário aumentar a quantidade de caixas dos medicamentos fornecidas, com subsídio, para o paciente. O ministério reconhece, contudo, que a decisão, muitas vezes, fica à mercê da administração da farmácia, sujeita a estoques e outras variáveis. O quantitativo do medicamento solicitado deve corresponder à posologia mensal compatível com os consensos de tratamento da doença para o qual é indicado, segundo o governo, para evitar automedicação e fraudes. Nos casos das prescrições que ultrapassam a quantidade mensal estabelecida, o interessado deve enviar ao Departamento de Assistência Farmacêutica do Ministério da Saúde a receita contendo seus dados (nome, endereço e CPF) juntamente com relatório feito pelo médico, classificando a patologia com o seu CID, justificando dessa forma a prescrição. FOTOS: CRISTINA HORTA/EM/D.A PRESS Faxina em campo minado O que começou num ministério entregue ao PR, sem grande peso na base aliada, foi bater em dois do parceiro abre-alas no Congresso – o PMDB, donatário das pastas do Turismo, que caiu nas malhas da Polícia Federal, e da Agricultura, atingida por denúncias anônimas e de um peemedebista que virou desafeto do ministro Wagner Rossi. O que o governo fizer daqui para frente estará condicionado pela atitude de Dilma diante do aliado mais poderoso do PT. A turma do deixa-disso diz que o expresidente a aconselhou a ir devagar com o PMDB, especialmente com o vice-presidente Michel Temer, a quem o ministro da Agricultura é ligado há anos. Ela terá de ser hábil. Campanha de descrédito Gerson e Maria Genuína sofrem com restrição do programa do governo federal e precisam pagar para inteirar a dose determinada pelo médico Classe C vai à farmácia A ordem entre os aliados, por ora, é contemporizar com Dilma, já que a sua cruzada pela ética, como seus propagandistas disseram no início, ou pela eficiência do governo, a versão mais branda agora apresentada, bateu no muro peemedebista. Ela não tem base política própria para recrudescer, já que a unidade do PT se orienta mais pelo pragmatismo das alianças de Lula que pela vontade do governo. Mas Dilma também não se pode deixar envolver por uma campanha de descrédito, movida por relatos de sua impaciência com subordinados e de broncas em ministros e quem mais a contrarie. Um empreiteiro, dias atrás, teria recebido uma carraspana, segundo testemunhas, ao questionar os dados de um projeto. Isso cria ressentimentos. Antes pegávamos (o remédio) no posto médico, mas agora não compensa Três riscos potenciais ■ Dirceu Gomes de Alckmin, bombeiro hidráulico Dilma precisa atentar para três riscos potenciais. O primeiro é o de desorganização da economia, parte por rebarba da crise externa, parte se der ouvido a conselhos de economistas próximos ao governo para que pressione o BC a desinflar a Selic. Isso virá, mas não em meio a incertezas. Também não pode solapar os acertos de Lula para as eleições de 2012 e 2014. Nem esperar que ele a ampare em tudo. A força intimidadora de Lula sobre os partidos da base aliada e a oposição está nos palanques. É cedo para exercitá-la, sob o risco de sugerir a capitulação da presidente. Ela não pode recuar do que começou nem estressar sua relação com o PMDB. Mas terá de ampliar a interlocução com a sociedade e armar um ministério que respeite. ❚ PIB DA AMÉRICA LATINA » EVOLUÇÃO DO PIB » CRESCIMENTO DO MERCADO 4% 13,3% (EM TRILHÕES DE DÓLARES) entre 2006 e 2010 FARMACÊUTICO NA AL entre 2006 e 2010 A estimativa é que o mercado latino-americano dobre de valor nos próximos cinco anos Com caixas e cartelas de remédios na mão, o bombeiro hidráulico Dirceu Gomes de Alckmin não tem dúvidas. “Antes pegávamos no posto médico, mas agora não compensa. É melhor gastar o dinheiro e garantir que vamos resolver direito os problemas de saúde que possam aparecer”, diz o pai de dois adolescentes, que mora com a família no Bairro Jardim Comerciário, de Venda Nova, em Belo Horizonte. Dirceu representa a tendência que aquece as expectativas do setor farmacêutico, a partir do aumento da classe C no país. “Este ano esperávamos crescer inicialmente10%,ejárevimosessa meta para 15%. Medicamento vira prioridade assim que o poder de compraaumenta”,acreditaEdison Tamáscia,presidentedaFederação BrasileiradasRedesAssociativasde Farmácias (Febrafar). A classe C representa, de acordo com a federação, aproximadamente 42% do consumo de medicamentos. E as estimativas do setor seguem de vento em popa. Nem o cenárioincertodaeconomiainternacional parece ser balde de água fria. “Neste primeiro momento nãoteremosdesaceleraçãodaeconomia. Pode haver perda e desvalorização das empresas que têm capital na bolsa, mas o desaqueci- mentonãoéimediato.Nãoacredito que o varejo será afetado”, comenta o presidente da Febrafar. O crescimento,emcomparaçãocom 2009, é de 18%. “Há quatro anos crescemos o dobro do PIB e a tendência é que, em 2015, as pessoas gastem 20% mais com medicamentos que hoje”, diz Tamáscia. Enquanto o mercado de medicamentos de referência protegidos diminuiu cinco pontos percentuais nos últimos cinco anos, o de genéricos cresceu dois pontos. Ao mesmo tempo, estima-se que a classe C represente 42% do consumo de medicamentos. “É um mercado que ainda tem muito a crescer, se compararmos com outros países, como os Estados Unidos, mas o aumento do consumo já chama a atenção. Em cinco anos, o mercado no geral cresce 18%; o de genéricos vai a 38%”, destaca Waldir Eschberger Júnior, da EMS, a maior empresa de capital exclusivamente brasileiro no segmento de genéricos. Em Minas, as vendas da EMS cresceram 60% no último ano; no Brasil, a média é de 30%. Trabalho focado na classe C é a estratégia da Medley, a líder no setor, no Brasil, para expandir os negócios, de acordo com Messias Cavalcante, gerente de marketing da fabricante.