Homilia da Missa com os padres jubilários da Fraternidade Sacerdotal Chamados a curar as feridas e a aquecer os corações † António Marto Basílica da Santíssima Trindade 26 de Setembro de 2013 Caros irmãos e irmãs no Senhor Encontramo-‐nos aqui para celebrar o jubileu aniversário da ordenação de alguns sacerdotes do nosso presbitério, membros da fraternidade sacerdotal. É para mim um momento de particular felicidade unir-‐me a eles e viver juntos a ação de louvor e reconhecimento ao Senhor. Saúdo todos os presentes e, com particular afeto, os jubilários a quem felicito com sinceros parabéns em nome pessoal e de toda a assembleia. 1. Fazer memória da graça do chamamento O dia jubilar é, antes de mais, um convite a fazer memória da nossa vocação, a voltar à fonte do nosso chamamento, ao momento inicial do seu caminho. Não podemos ser desmemoriados dessa primeira graça. Seria perder o contacto com a fonte. Estamos, pois, cheios de gratidão e alegria porque evocamos a vocação sacerdotal não só como uma graça do passado mas também como uma realidade do presente. Cada um de vós pensa, certamente, no “sim” pronunciado diante da comunidade e da Igreja num determinado dia, um “sim” cheio de entusiasmo e de alegria interior. Sentíamo-‐nos “abraçados” pelo amor do Senhor. Mas cada um pensa também no momento precedente, naquele dia misterioso, naquela noite ou naquela data em que descobriu ou intuiu, maravilhado, o chamamento a seguir Jesus no caminho do sacerdócio. 1/3 Contudo, o vosso sim, como o de Jesus e Maria, não foi dito só no dia que hoje recordamos. Vós repetiste-‐lo ao longo de todos estes anos; mesmo se podemos lamentar-‐nos porque as fadigas, o desgaste psicológico, as dificuldades, as inevitáveis provações do caminho parecem ter esmorecido a alegria sensível do sim juvenil, levando-‐nos a pronunciá-‐lo, por vezes, com alguma amargura. 2. Chamados a reavivar o sim hoje Pois bem, o Senhor vê a beleza do primeiro sim e do sim de hoje. Mais, o sim de hoje é talvez mais resplandecente porque já temperado pelas provações, pelas lágrimas, por uma fidelidade que resistiu a tentações e sofrimentos. O vosso estar aqui hoje significa que o Senhor vos conduziu pela mão, vos alimentou quotidianamente com o maná no deserto, vos purificou para vos tornar mais conformes a Jesus, para vos revestir – como diz Paulo na primeira leitura – de sentimentos de misericórdia, de bondade, de humildade, de mansidão, de paciência. Se o Senhor não nos tivesse segurado pela mão e não nos tivesse revestido destes sentimentos, teríamos desanimado alguma vez. Eis mais um motivo para estarmos cheios de alegria e de gratidão. Tudo isto não é só graça do passado, mas de hoje. Por isso, neste dia desejamos consagrar-‐nos de novo a Deus como sua propriedade, com uma consciência maior relativamente ao dia da ordenação. Cada um pode dizer com verdade, no seu íntimo: Senhor, eu sou teu e tu és meu! Tu, Jesus ressuscitado, vives em mim e és a minha verdadeira vida e eu quero permanecer em ti! 3. Chamados a curar as feridas e a aquecer os corações Reavivar o sim hoje significa querer responder e corresponder, com abertura corajosa, aos novos desafios que o mundo e a história põem ao anúncio do evangelho e à missão da Igreja. Numa sociedade diversa que está a emergir sem contornos ainda definidos, somos convidados a ser mais proactivos, mais confiantes na nossa maneira de viver o evangelho, mais criativos e audazes para transmitir a fé. Neste sentido vai a interpelação provocadora do Papa Francisco nas palavras e nos gestos tão cheios de um impulso profético. Ele desperta-‐nos e chama-‐nos a ser cada vez mais sacerdotes segundo a qualidade e a medida do coração de Cristo, privilegiando o anúncio da misericórdia e da esperança do Evangelho, como nos refere a passagem evangélica e a carta aos Colossenses. 2/3 No seu magistério e no seu testemunho, o Papa indica quatro pistas prioritárias para a ação pastoral da Igreja: -‐ edificar uma Igreja forte na fé para anunciar firmemente a oferta da salvação (Jesus salva-‐te) a uma sociedade atravessada pela dúvida, pelo vazio de sentido, pelo enfraquecimento dos laços sociais; -‐ uma Igreja cheia de alegria e de esperança: a lamentação não leva a lado nenhum, não ajuda a encontrar Deus. É um contratestemunho, uma demissão. Por isso temos de dizer não à resignação, ao pessimismo. Há que acreditar que cada tempo oferece novas chances para o Evangelho. Também os homens do nosso tempo, como os discípulos cépticos e decepcionados de Emaús, esperam que lhes levemos o calor que aquece os corações e os faça arder de esperança e alegria. Que a alegria da nossa vocação e do nosso ministério seja também sol a aquecer, a iluminar e a atrair os que hoje são chamados pelo mesmo Deus que nos confiou este dom. -‐ Igreja da humildade e da misericórdia: que, à semelhança de Jesus, bom samaritano, prefere a medicina da misericórdia ao rigor da atitude severa de condenação e por isso cuida, antes de mais, dos feridos e cura as feridas. Não muda a doutrina, mas muda a atitude na aproximação e no acolhimento das pessoas concretas. O sacerdote pode fazer muito no acompanhamento, no aconselhamento espiritual, no confessionário... A misericórdia muda o coração humano e o mundo! -‐ Igreja que sai do seu recinto (que deixa de ser autorreferencial) para ir às periferias existenciais, à semelhança do Bom Pastor que deixou as noventa e nove ovelhas para ir à busca de uma que se perdeu. “Não podemos ficar encerrados na paróquia, nas nossas comunidades, na nossa instituição paroquial ou diocesana, quando há tanta gente esperando o Evangelho. Mas sair...enviados. Não se trata simplesmente de abrir a porta para que venham, para acolher, mas de sair pela porta fora para procurar e encontrar”(Papa Francisco). Não temamos as exigências dos novos tempos, não tenhamos medo do futuro. Coragem! Nossa Senhora nos acompanhe no caminho do nosso ministério com a sua proteção materna e nos ajude a anunciar o evangelho da misericórdia e da esperança, a sermos capazes de curar as feridas e de aquecer os corações, como Ela o fez e continua a fazer tão bem aqui em Fátima. Ámen! † António Marto, Bispo de Leiria-‐Fátima 3/3