MARCOS BIDART CARNEIRO DE NOVAES O SOCIODRAMA EM ESTUDOS ORGANIZACIONAIS: A SUPERAÇÃO DO SILÊNCIO E DE CONFLITOS EM UM TRABALHO DE PESQUISA-AÇÃO PARTICIPANTE COM MULHERES BORDADEIRAS SÃO PAULO 2009 Por outro lado, nos costumes das instituições escolares, das academias, colégios e estabelecimentos semelhantes, destinados à sede dos homens doutos e ao cultivo do saber, tudo se dispõe de forma adversa ao progresso das ciências. De fato, as lições e os exercícios estão de tal maneira dispostos que não é fácil venha à mente de alguém pensar ou se concentrar em algo diferente do rotineiro. Se um ou outro, de fato, se dispusesse a fazer uso de sua liberdade de juízo, teria que, por si só, levar a cabo tal empresa, sem esperar receber qualquer ajuda resultante do convívio com os demais. E, sendo ainda capaz de suportar tal circunstância, acabará por descobrir que a sua indústria e descortino acabarão por se constituir em não pequeno entrave à sua boa fortuna. Pois os estudos dos homens, nesses locais, estão encerrados, como em um cárcere, em escritos de alguns autores. Se alguém deles ousa dissentir, é logo censurado como espírito turbulento e ávido de novidades. Sir Roger Bacon, 2009, p. 53 (original no Novum Organum, 1620, um ano antes Sir Roger Bacon ser banido) 2 Lista de Figuras e Quadros Figura 1 – O coquetel..........................................................................................................37 Figura 2 – A líder “dando aula”........................................................................................38 Figura 3 – A grande encomenda........................................................................................44 Figura 4 – Ajuda mútua.....................................................................................................48 Figura 5 - Criança no encontro..........................................................................................49 Figura 6 – A felicidade com a obra....................................................................................50 Figura 7 – O orgulho com a conquista..............................................................................53 Figura 8 – A colcha que aquece e descongela a vida.......................................................59 Quadro 1 - Os quatro paradigmas de Burrell e Morgan.................................................12 Quadro 2 – Sujeitos, Agentes e Veículos da Intervenção................................................25 3 Resumo O propósito deste trabalho é, baseado em uma experiência prática, discutir as possibilidades do sociodrama associado à pesquisa-ação participante como metodologia para a abertura de um espaço que permita a superação de silêncios e de conflitos historicamente construídos e que impedem comunicações dialogais. Pautado no pressuposto de que tanto o sociodrama quanto a PAP são formas de conscientização reflexiva, o autor busca identificar os três aspectos a seguir: 1) Como o sociodrama serviu de estratégia utilizada para a abertura do espaço de pesquisa conjunta; 2) Como o sociodrama pôde ajudar a superar os conflitos ocorridos entre os membros do grupo e; 3) Como o sociodrama apoiou a redução das diferenças entre pesquisador e participantes, que podem contribuir para superar ou reforçar os silêncios que já existem. O autor apresenta também semelhanças e diferenças com outras estratégias de pesquisa e convida a uma reflexão sobre questões ligadas à neutralidade e intencionalidade do pesquisador. O autor utiliza como metodologia uma combinação de Pesquisa-Ação Participante, uma das modalidades de pesquisa comprometidas com a aplicação prática do conhecimento científico e do Sociodrama, processo de aprendizagem que oferece também aos membros de um grupo a oportunidade de esclarecer valores e rever comportamentos, praticando novas atitudes. O autor conclui que a participação em uma pesquisa-ação sociodramática possibilita aos sujeitos vivenciar e construir atitudes críticas que acabam sendo educativas tanto para o grupo quanto para o pesquisador. Estas são fundamentais para a produção de conhecimentos para além daqueles que foram os focos da pesquisa, atribuindo sentido à existência coletiva e se comprometendo com a mudança, aproximando consciência e ação, reflexão e práxis. Palavras-Chave: Ação Social. Conflitos. Pesquisa-ação participante. Psicodrama. Sociodrama. 4 Abstract This work aims, based on a practical experience, to discuss the possibilities of sociodrama associated to participatory action research as a methodology to the opening of spaces which allow the overcoming of silences and conflicts historically constructed, that hinder dialogic communications. Assuming that sociodrama and participatory action research are forms of reflexiv knowledge aquiring, the author searchs to indentify the three following aspects:1) How sociodrama was used as an strategy to open an common research space; 2) How sociodrama helped to overcome the conflicts which ocurred among group members; 3) How sociodrama helped to support the shortening of differences between researcher and group members, what can help to overcome or reinforce the existing silences. The author presents too simmilarities and differences with other strategies and invites to a reflection about neutrality and intentionality of the researcher. As methodology the author uses a combination of participatory action research, one of the research kinds commited with practical appliance of knowledge and sociodrama, a learning process that also offers to group members the opportunity to clarify values and review behaviors, practicing new attitudes. The author comes to the conclusion that the participation in a sociodramatic participatory action research makes possible to the subjects to experience and frame critical attitudes, educational to the group and the researcher. Those are fundamental to the production of new knowledge, beyond those which were focus of the research, assigning sense to colective existence and commiting to change, approaching awareness and action, reflection and praxis. Key Words: Social Action. Conflicts. Participatory Action Research. Psychodrama. Sociodrama. 5 SUMÁRIO RESUMO.............................................................................................................................5 ABSTRACT.........................................................................................................................6 INTRODUÇÃO..........................................................................................................7 CAPÍTULO 1. EPISTEMOLOGIA E O SOCIODRAMA NA PESQUISA EM ADMINISTRAÇÃO...................................................................10 1.1 O PARADIGMA FUNCIONALISTA ..........................................13 1.2 O PARADIGMA INTERPRETATIVISTA.................................14 1.3 O PARADIGA ESTRUTURALISTA RADICAL .......................14 1.4 O PARADIGMA HUMANISTA RADICAL................................15 CAPÍTULO 2. PESQUISA-AÇÃO, PESQUISA PARTICIPANTE E O SOCIODRAMA...............................................................................................18 2.1 OBSERVAÇÃO PARTICIPANTE................................................18 2.2 PESQUISA-AÇÃO..........................................................................19 2.3 PESQUISA PARTICIPANTE........................................................21 2.4 PESQUISA-AÇÃO PARTICIPANTE...........................................23 2.5 O SOCIODRAMA COMO ESTRATÉGIA DE PESQUISA ORGANIZACIONAL.................................................................................24 2.5.1 Aquecimento inespecífico e específico...................................27 2.5.2 Dramatização ou cena............................................................28 2.5.3 O compartilhar........................................................................28 CAPÍTULO 3. AS MULHERES BORDADEIRAS E A FORMAÇÃO DO COLETIVO EMPREENDEDOR......................................................................... 29 3.1 ROMPENDO O SIlÊNCIO.......................................................35 3.2 O SOCIODRAMA A SERVIÇO DA SENSIBILIZAÇÂO MÚTUA E COMO FORMA DE LIDAR COM CONFLITOS E DIFERENÇAS.............................................................................42 3.3 O SOCIODRAMA NAS ORGANIZAÇÕES LIDANDO COM O INDIVÍDUO.................................................................... 50 3.4 A DECISÃO DE CONSTITUIR A COOPERATIVA: CONFLITOS, ERROS E ACERTOS............................................53 CAPÍTULO 4. ANÁLISE DOS RESULTADOS..............................................................56 CAPÍTULO 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS...................................................................59 REFERÊNCIAS..................................................................................................................65 6 INTRODUÇÃO O sociodrama é definido por Sternberg e Garcia (2000) como um processo de aprendizagem focado na solução de problemas de relações humanas. Segundo as autoras este exercício oferece também aos membros de um grupo a oportunidade de esclarecer valores e rever comportamentos, praticando novas atitudes. Percebi nesta definição pistas iniciais para a aplicação desta estratégia no âmbito de ações sócio-educativas ou sócioorganizacionais. Paralelo à minha formação como psicodramatista, que resulta neste trabalho de conclusão de curso, estava envolvido com meu trabalho de mestrado em administração, conduzido seguindo a metodologia da pesquisa-ação (PA), mais especificamente da pesquisa-ação participante (PAP). Reason and Bradbury (2008) definem a PA como uma família de práticas de pesquisa viva que tem como objetivo principal unir idéias e práticas a serviço do florescimento humano. Seguem afirmando que é um conjunto de práticas que responde a um desejo das populações envolvidas em agir criativamente para a solução de seus problemas. Afirmam também que a mesma é orientada para valores e procura se dirigir a assuntos vitais para o desenvolvimento de seres humanos e as comunidades a que fazem parte. Uma definição muito simples poderia ser que a PA é um processo de pesquisar e aprender fazendo. Um grupo de pessoas identifica um problema, faz algo para solucioná-lo, verifica quão bem sucedidos seus esforços foram e, se ainda não atingiram êxito, tentam novamente, agindo em ciclos. Pesquisa que então é irmã daquela feita com cunho socionômico, na qual “A articulação entre método e teoria é dinâmica, numa perspectiva de um contínuo acabamento e inter-retroações” (WECHSLER, 2007, p.75). Esta proposta de aprendizado na ação é totalmente alinhada com a concepção de Moreno (1997) de que “[...] em especial na esfera humana é impossível entender o presente social se não tentarmos mudá-lo.” Esta frase do homem que lançou os fundamentos para o psicodrama e, portanto para o sociodrama seria bastante para o colocar como um dos pensadores que embasam epistemologicamente a pesquisa-ação e outras modalidades de pesquisa colaborativa e 7 participativa que se abrigam debaixo deste guarda-chuva que se convencionou chamar de psicodrama, mas que engloba uma infinidade de denominações (SILVA e SILVA, 1991). A frase de Moreno (1997) mostra que sua preocupação não era apenas com a mudança e melhoria da situação do paciente ou do grupo. Havia a preocupação epistêmica com a compreensão da situação e com a geração do conhecimento. Tanto que a mesma é proferida no âmbito de uma discussão sobre as obras de Bergson e Peirce, a quem Moreno (1997) se refere como filósofos-expectadores. A esta categoria de pensador, o idealizador do psicodrama contrapõe a figura do filósofo-ator. “Onde o filósofo percebe a superfície a que confere uma expressão aforística, o ator terapêutico das grandes religiões, em seus períodos vitais, penetrou na própria essência, por meio da ação e da realização.” (MORENO, 1997, p. 59). O propósito deste trabalho será, portanto, a partir da minha experiência prática (BIDART-NOVAES, 2008ab), discutir as possibilidades do sociodrama associado à pesquisa-ação participante como metodologia para a abertura de um espaço que permita a superação de silêncios e de conflitos historicamente construídos e que impedem comunicações dialogais. Pautado no pressuposto de que tanto o sociodrama quanto a PAP são formas de conscientização reflexiva, num processo cíclico que vai abrindo espaços para a consciência de si e do mundo, busco identificar neste trabalho os três aspectos a seguir, distintos, mas interrelacionados: 1) Como o sociodrama pode servir de estratégia utilizada para a abertura do espaço de pesquisa conjunta; 2) Como o sociodrama pode ajudar a superar os conflitos ocorridos entre os membros do grupo e; 3) Como o sociodrama pode apoiar a redução das diferenças entre pesquisador e participantes, que podem contribuir para superar ou reforçar os silêncios que já existem. Busco também, para alicerçar estes objetivos, apresentar semelhanças e diferenças com outras estratégias e convidar a uma reflexão sobre questões ligadas à neutralidade e intencionalidade do pesquisador. Ao pesquisar a comunidade das mulheres bordadeiras, eu percebi que se instalou, nas primeiras ações coletivas um mutismo que revelava um “tema dramático: o tema do silêncio” (FREIRE, 2005, p. 114, itálico no original). Silêncio de pessoas que acreditam serem feitas apenas para executar tarefas enquanto outras são feitas para pensar (Colin, 2006). De outro lado, vivencei sentimentos de estranheza ao me defrontar com uma lógica cultural distante da sua e, de início, tive dúvidas sobre como iniciar o processo 8 investigativo. Muitos foram os conflitos, de ritmos, intencionalidades e desejos. Em alguns pude intervir com uso do sociodrama, em outros não me foi dada a oportunidade, mesmo assim pude refletir, porque o drama se desenrolou em meu interior. Esta discussão se justifica porque o sociodrama vem se revelando progressivamente como importante ferramenta de abertura de espaços comunicativos e de resolução de conflitos em grupos já constituídos. No passado, o sociodrama foi usado em muitos casos como intervenção grupal sem caráter de pesquisa e levantamento de dados para uso posterior. Profissionais da área da saúde e educação, bem como gestores de recursos humanos vêm buscando também no psicodrama e no sociodrama apoio para sua atuação e humanização da mesma. A comparação do psicodrama e do sociodrama com outras modalidades de pesquisa pode servir para construir uma ponte entre psicodramatistas e outros pesquisadores. Estes últimos, de outras linhas de atuação, como a saúde, educação e administração, vêm buscando na PA e na PAP, estratégias humanizantes e focadas em transformação da sociedade, podendo se beneficiar dos conhecimentos do psicodrama e do sociodrama. Esta inserção do sociodrama em um quadro epistemológico e metodológico mais amplo pode beneficiar a todas as partes na academia, permitindo um diálogo reflexivo e construtivo entre diferentes áreas do saber. Nos capítulos que se seguem não pretendo fugir às minhas origens de administrador. Pelo contrário, pretendo primeiramente apresentar como compreendo a inserção epistemológica e metodológica do sociodrama na pesquisa social aplicada. Discuto primeiro a inserção epistemológica do sociodrama nos paradigmas de pesquisa em administração segundo o modelo de Burrell e Morgan (1979). A seguir exponho algumas questões ligadas às diferenças e similaridades entre as linhas que se denominam de pesquisa-ação e de pesquisa participante. Isto é de importância, pois o sociodrama pode estar ligado a diferentes orientações ideológicas, que precisam ser explicitadas. A seguir relato como sessões sociodramáticas e o conhecimento teórico do psicodrama em geral foram de fundamental importância para que meu trabalho como pesquisador e como ator social se desenvolvesse com a comunidade em cujo seio pesquisei, as mulheres bordadeiras da Cratera da Colônia. 9 CAPÍTULO 1. EPISTEMOLOGIA E O SOCIODRAMA NA PESQUISA EM ADMINISTRAÇÃO Pesquisas em que os próprios interessados participavam das mesmas eram altamente questionadas até pouco tempo atrás. A interferência do pesquisador e as interações com os sujeitos da pesquisa na realidade pesquisada vêm sendo progressivamente aceitas. Sobretudo porque na Administração há campos em que a participação dos sujeitos da pesquisa, tanto na sua elaboração quanto na condução, análise e interpretação dos resultados é altamente recomendável. A necessidade de construção conjunta de conhecimento pode ocorrer tanto quando trata de estudos envolvendo comunidades carentes ou grupos socialmente fragilizados, como no caso que será apresentado, ou quando se trata de casos de cooperação entre universidade e indústria, como no caso do Offshore Yard (GREENWOOD & LEVIN, 2006). Pode ocorrer dentro da própria universidade, como no caso da reforma do curso de introdução à física da Universidade de Cornell citado nos mesmos autores, ou ainda em parceria com a comunidade, como no caso aqui descrito. Os trabalhos de pesquisa desenvolvidos nestes campos visam à promoção e melhoria de condições da população envolvida na pesquisa. Assim, a participação dos sujeitos é recomendada, já que durante o processo se desenvolve o aprendizado conjunto, a interdisciplinaridade e a interação multicultural. (REASON; BRADBURY, 2008). Embora a hegemonia positivista que dificultava a participação ainda seja evidente, verifica-se, no entanto, uma ênfase cada vez maior no campo da Administração em pesquisas no campo de cunho interpretativista ou participativo. Nestas a ênfase está não na procura da objetividade, mas na maneira como os sujeitos de pesquisa interpretam ou modificam a realidade que vivenciam. Isto pode ser constatado no Brasil mediante análise dos anais dos últimos encontros da Associação Nacional de Pós-Graduação em Administração. É crescente o número de relatos de pesquisa elaborados sobre as bases da fenomenologia, da etnografia, do interacionismo simbólico e da grounded theory. Também é possível constatar a presença, ainda que não muito significativa, de relatos de pesquisa publicados em periódicos de Administração desenvolvidos nos moldes da PA e da pesquisa participante (PP), bem como da PAP. Há autores que consideram estas como alternativas viáveis nos estudos realizados com o propósito de promover mudanças organizacionais e sociais (THIOLLENT, 1997, REASON; BRADBURY, 2008). 10 A Administração enquanto disciplina científica tem sido pródiga na elaboração de teorias, que tem sido úteis para garantir um sistema conceitual para as pesquisas, para fazer previsões e para orientar os procedimentos metodológicos a serem seguidos. Como, porém, a Administração é uma ciência aplicada, a principal preocupação desses teóricos na construção de seus modelos e quadros de referência tem sido guiada por notável grau de pragmatismo. Isto tem favorecido a construção de teorias de alcance médio, em detrimento de teorias mais gerais, capazes de esclarecer acerca dos fundamentos ontológicos, epistemológicos e metodológicos da disciplina. Um dos modelos adotados para descrever os paradigmas (ou visões de mundo) da Administração é o construído por Burrel e Morgan (1979) e aprofundado por Morgan (2005), que considera os pressupostos acerca da natureza epistemológica das ciências sociais e da sociedade. Esse modelo indica quatro paradigmas, constituídos pela combinação das categorias referentes ao conhecimento proporcionado pela ciência social, que pode ser entendido como objetivo ou subjetivo e as categorias referentes à natureza da sociedade, que pode ser concebida em termos de ordem e conflito (regulação e mudança radical). Este modelo, apesar de freqüentemente criticado por apresentar uma visão fragmentada da realidade (SILVA; NETO, 2006), apresenta vantagens em sua utilização. Uma delas é a consideração da posição do pesquisador, fator que influencia significativamente a pesquisa-ação participante, que constitui objeto de discussão no presente trabalho. Com base na combinação dos pressupostos do modelo definem-se, portanto os quatro paradigmas do Quadro 1 a seguir (pag. 12): 1) funcionalista, que supõe uma posição objetiva da ciência social e uma compreensão de ordem ou de regulação da sociedade; 2) interpretativista, que supõe a posição subjetiva da ciência social e de ordem ou regulação da sociedade; 3) estruturalista, que supõe a posição objetiva da ciência social e a de conflito ou mudança radical da sociedade; e 4) humanista radical, que supõe a posição subjetiva de ciência social e de conflito e mudança radical da sociedade. 11 Quadro 1 Sociologia da Mudança Radical Subjetivo Paradigma Humanista Radical Paradigma Estruturalista Radical Teoria Crítica Teoria Antiorganização Marxismo Teoria Social Russa Teoria Organiz. Radical Paradigma Interpretativista Paradigma Funcionalista Hermenêutica Fenomenologia Etnometodologia Interacionismo simbólico Behaviorismo Determinismo Empirismo abstrato Teoria dos sistemas sociais Objetivo Sociologia da Regulação fonte: adaptado de Burrel e Morgan, 1979 e Morgan, 2005 Podem se observar similaridades e diferenças entre o modelo acima e proposto por Wechsler (2007), que aponta as origens das pesquisas socionômicas e psicodramáticas em três linhas epistemológicas: a sistêmico-construtivista ou do pensamento complexo, a fenomenológico-existencial e a dialético-marxista. Há um estreito relacionamento entre a teoria dos sistemas gerais e conceitos funcionalistas das ciências sociais, como apontado no Quadro 1. Em 1950, Ludwig van Bertalanffy (1973) publicou “The theory of open systems in physics and biology” na revista Science, e em 1956, o livro General System Theory. Foram publicações que influenciaram autores em diversas linhas de estudo, inclusive a teoria das organizações baseada no funcionalismo. O próprio Bertallanfy (1973) alertava quanto aos perigos da visão restrita a função e estruturas, já falando de complexidade. Entende-se por complexidade um grande 12 número de problemas e variáveis presentes em uma situação, que é a condição normal que as organizações e os administradores devem enfrentar. Wechsler (2007), no seu modelo de filiações epistemológicas do psicodrama traça esta divisão associando, no seu caso como pesquisadora, o pensamento sistêmicoconstrutivista a uma postura fenomenológica-existencial. Esta reflexão sobre a maneira de pensar e de agir deveria ser feita por cada pesquisador que se dedica ao uso de instrumentos metodológicos, como um passo que antecede a sua ação no campo. Não pretendo me furtar a esta reflexão. Abaixo vou me dedicar a uma análise rápida do modelo de Burrel e Morgan (1979), ainda atual como referência em Administração, apesar das críticas construtivas contra seu uso como forma de colocar em gavetas formas amplas de pensar e ver o mundo. Ao final dela, situo meu trabalho e minha visão desta pesquisa. 1.1 O paradigma funcionalista O paradigma funcionalista é o dominante nas pesquisas em ciências sociais. Estreitamente vinculado ao positivismo, sua abordagem é objetiva, caracterizando-se pela preocupação para explicar a ordem social, o consenso, a integração social e a satisfação de necessidades. Adota o princípio de que toda instituição social é funcional ou exerce uma função, sendo, portanto necessária. As pesquisas desenvolvidas segundo esta orientação buscam identificar relações manifestas e latentes dos fenômenos sociais. O pensamento sistêmico funcionalista foi elaborado por Parsons (1951). Segundo esse autor, há três níveis administrativos na estrutura hierárquica das organizações complexas: o nível técnico (produtor), o nível organizacional (direção) e o nível institucional ou comunitário. O sistema de administração no nível técnico diz respeito, principalmente, à racionalidade técnico-econômica, e procura criar a certeza “fechando” o núcleo técnico a numerosas variáveis. É esta busca de certeza e circunscrição que inibe em muitos casos pesquisadores funcionalistas de aceitarem a visão aberta e flexível de outras formas de pesquisa. O sistema de administração no nível institucional enfrenta o mais alto grau de incerteza em termos das alimentações provenientes do ambiente, sobre as quais a administração exerce pouca ou nenhuma influência. 13 O funcionalismo, em suas versões organizacionais mais atuais, também dá ênfase a sistemas de relacionamento e à unificação das partes e dos subsistemas em um todo funcional. Busca imprimir ás ciências sociais uma dinâmica em termos de estruturas, processos e funções, bem como compreender as relações existentes entre esses componentes. No entanto, o observador se crê do lado de fora do sistema e com uma visão objetiva e neutra do que está acontecendo. 1.2 O paradigma interpretativista O paradigma interpretativista, assim como o funcionalista, adota a abordagem social da regulação, mas sua concepção de análise da sociedade é subjetivista. O paradigma interpretativista parte do princípio que a realidade social não existe em termos concretos e sim como um produto das experiências intersubjetivas das pessoas. As pessoas é que constroem e mantêm simbolicamente a realidade. Assim, a explicação dos fenômenos sociais é procurada na consciência social e na subjetividade, no quadro de referência do participante e não do observador. Aqui estão incluídas as posturas hermenêuticas, fenomenológicas e etnometodológicas. Neste paradigma o mundo social é entendido como um processo criado pelos indivíduos. Mas, assim como no funcionalismo, pressupõe que o mundo é coeso, integrado e ordenado pela ação das pessoas. Por essa razão a dominação, a contradição, o conflito e a potencialidade de mudança não são considerados relevantes na explicação do comportamento social. Uma das múltiplas vertentes da teoria geral dos sistemas está intimamente ligada às visões interpretativistas. É a que traz em seu bojo o conceito de complexidade, aqui compreendida como grandes quantidades de interações que desafiam capacidades de calcular, bem como incertezas, indeterminações e fenômenos aleatórios. (Morin, 2006). Esta vertente possui a perspectiva de fornecer para a Ciência da Administração, carente de uma ontologia própria, um salto paradigmático. 1.3 O paradigma estruturalista radical O paradigma estruturalista radical fundamenta-se na perspectiva marxista. Assim como o paradigma funcionalista concebe o mundo social como determinado por estruturas concretas e reais, mas procura explicar os fenômenos a partir dos modos de dominação, das 14 contradições e do conflito estrutural. Seus adeptos, por sua vez, advogam a mudança radical da sociedade do ponto de vista objetivo. Para os estruturalistas radicais a sociedade contemporânea é caracterizada por conflitos entre as classes, que geram crises políticas e econômicas e acabam por promover mudanças radicais na sociedade. É pelo conflito que os seres humanos se emancipam das estruturas sociais em que vivem. Assim, os estudos desenvolvidos sob a perspectiva do estruturalismo radical centram-se na identificação dos conflitos inerentes aos processos empreendedores e na maneira como os vários modos de dominação os influenciam. Esta perspectiva enfatiza também a busca dos meios que possibilitem transcender a essa dominação, sendo que a crença subjacente é de que as mudanças precisam ser inicialmente nas estruturas. Fala-se hoje neste paradigma de uma Teoria Organizacional Radical 1.4 O paradigma humanista radical O paradigma humanista radical está estruturado na combinação da visão subjetivista com a teoria da mudança radical. A ordem social é entendida como produto da coerção e não do consentimento. Assim, os adeptos deste paradigma comprometem-se com uma visão de sociedade que enfatiza a importância de transcender os limites dos arranjos sociais existentes a partir de uma mudança que se inicie com os seres humanos. Os estudos desenvolvidos segundo esta perspectiva tendem, pois, a enfatizar a identificação dos conflitos inerentes aos processos em que estão envolvidos grupos oprimidos e à maneira como os vários modos de dominação os influenciam. Várias formas de ação social são vistas por autores filiados a esta tendência como uma das manifestações daquela “outra globalização” constituída por redes e alianças entre movimentos, lutas e organizações locais ou nacionais que se mobilizam para lutar contra a exclusão social, a degradação das condições de trabalho, o desemprego, o declínio das políticas públicas, a destruição do meio ambiente e da diversidade e os ódios interétnicos produzidos diretamente ou indiretamente pela globalização liberal (SANTOS, 2002). De certa forma estar-se-ia falando de uma Teoria Antiorganização. Na visão “bancária” da educação, e conseqüentemente do ensino e prática da administração o saber é uma doação dos que se julgam sábios aos que julgam nada saber 15 (FREIRE, 2005, p. 67). Com esta visão, a tendência será sempre a de manipular grupos para se adequar ao conhecimento administrativo e organizacional do paradigma vigente. Para Silva e Silva (2006 p.125) “uma proposta de construção de conhecimento comprometida com a mudança social implica tomar criticamente a realidade como objeto de pesquisa e requer a inserção do pesquisador na realidade social”. Esta inserção, por sua vez, exige explicitação da intencionalidade, sem nenhum pressuposto de neutralidade. Explicitação não só da ideologia do pesquisador, mas de sua postura em relação ao ensino da administração e do empreendedorismo. Na medida em que a pesquisa-ação participante, em especial quando realizada com adultos em comunidades carentes, é uma prática educativa, desde as suas origens, os dilemas do pesquisador surgem por vezes de sua postura ideológica, que precisa ser explicitada. Como pesquisador preciso, portanto refletir a que interesse ou interesses eu sirvo quando me dedico a práticas de pesquisa intervencionistas. Esta reflexão é importante tanto para praticantes de modalidades participativas de pesquisa e como por aqueles que se dedicam ao sociodrama. Isto porque estas intervenções podem estar, conforme o exposto acima: 1) A serviço da manutenção da ordem e do paradigma funcionalista; 2) De uma melhor compreensão e interpretação da realidade por parte de grupos e pesquisadores, visando o enriquecimento relacional e aumento do conhecimento de ambos; 3) A serviço de grupos oprimidos para a solução ou ampliação de conflitos existentes; 4) Pode servir a esta mudança social e questões emancipatórias conforme a proposta da visão humanista radical, uma visão ainda em construção, mas que se delineia como premente com o agravamento de questões socioambientais com as quais se depara a sociedade global. No caso específico do trabalho aqui apresentado como situação-exemplo, o sociodrama estava subordinado às questões emancipatórias mencionadas acima. É, portanto no âmbito deste último paradigma que situo a PAP e este meu trabalho, apesar de aceitar na minha formação a importância de influências fenomenológicas e interpretativistas e de precisar aceitar, mesmo que a contragosto, a hipnose coletiva funcionalista e behaviorista da escola de Administração. As similaridades e diferenças com outras formas de pesquisa, origens e fundamentos são apresentados nas seções que se seguem. Discussões em torno de terminologias podem se tornar cansativas e afastar leitores 16 e atores voltados para a prática. São, no entanto importantes quando se trata de delimitar claramente quadros de valores e assunções ideológicas. Como afirma Habermas (1993), o processo de justificação da dominação econômica mantém-se pela despolitização das massas. Isto quer dizer que o domínio ideológico da sociedade se mantém pela exclusão de uma questão prática do domínio público. O domínio é idealizado ao nível teórico, mas atua ao nível prático. Desta forma, dominar não é mais que desarticular a práxis de sua interpretação e o modo de compreensão de seu fazer imediato. É no isolamento das partes interdependentes que o sistema se reproduz justificando-se. Esta é uma característica que está na base do modo como se justifica a ação prática no sistema capitalista tardio. A partir de uma organização teórica constroem-se dogmas que perpetuam uma fé quase inabalável na ciência. Esta, apesar de uma pretensão de neutralidade, se constitui em poderoso instrumento de reforço e ampliação das ramificações do sistema, que justificam, fortificam e perpetuam novas formas de dominação. É nestas novas formas de ser do sistema que, por exemplo, a pesquisa-ação e o sociodrama, como a ciência e a técnica podem se transformar em instrumento ideológico que amplia os tentáculos do sistema via reprodução de um conhecimento transformado em técnica. Se praticada de forma irreflexiva, podem servir à formação e disseminação um modo específico de conceber e pensar o mundo, o ser humano e seu processo de conhecer. O pesquisador reflexivo (SCHÖN, 2000) sabe que não é neutro, participa da construção de sistemas sociais, da liberação de potenciais humanos (WECHSLER, 2007), podendo servir assim à perpetuação de situações opressivas ou à mudança e transformação da sociedade. 17 2. PESQUISA-AÇÃO PARTICIPANTE, PESQUISA-AÇÂO, PESQUISA PARTICIPANTE E O SOCIODRAMA A pesquisa-ação participante apresenta similaridades e diferenças com outras modalidades de pesquisa. Assim contrasta-se, a seguir, a mesma com outros tipos de pesquisa. 2.1 Observação participante Na observação participante (OP) o pesquisador procura tornar-se um membro do grupo observado e dessa forma compartilhar as experiências de vida para melhor compreender seus hábitos e convenções sociais. Podem-se encontrar suas origens nos trabalhos do antropólogo Bronislaw Malinowski (1978), que viveu entre os nativos das ilhas Trobriand, na Nova Guiné, de 1915 a 1918. Esta técnica foi amplamente utilizada pelos sociólogos da Escola de Chicago nas décadas de 1920 e 1930 no estudo de problemas urbanos. Sociedade de esquina, de W.W. Whyte (2005), foi um marco no uso da OP, orientando significativamente pesquisadores interessados no método. Desse livro depreendem-se os dez mandamentos da OP (VALADARES 2007, p.154): (1) trata-se de um processo longo; (2) o pesquisador precisa estar preparado para lidar com situações inesperadas; (3) exige interação entre o pesquisador e o pesquisado; (4) exige que o pesquisador se diferencie do grupo e abandone esforços de imersão total; (5) exige um mediador entre o pesquisador e a comunidade sobre ou com a qual se pesquisa; (6) exige do pesquisador a consciência de que ele mesmo está sendo todo o tempo observado e avaliado e que “seus passos durante o trabalho de campo são conhecidos e muitas vezes controlados por membros da população local”; (7) implica saber ouvir, escutar e fazer uso de todos os sentidos, deixando com o tempo que os dados venham sem esforço ao pesquisador; (8) exige rotinas de trabalho, autodisciplina e anotações sistemáticas; (9) aprendizado com erros; e (10) saber lidar com cobranças sobre qual utilidade advirá da pesquisa para o grupo. Segundo Godoy (2006 p.126) trata-se de uma das “técnicas etnográficas” (aspas da autora) utilizadas para colher dados de campo, da mesma forma que entrevistas, histórias de vida e diários. Para Yin (2001) a OP ocorre quando o pesquisador assume funções dentro 18 do grupo e participa dos eventos estudados. Também a classifica, no entanto como técnica de pesquisa que faz parte do esforço para coleta de evidências e não para transformação da realidade, como é o caso da proposta metodológica da PA ou da PAP. A utilização da técnica da OP, como compreendida no âmbito da pesquisa em Administração, não implica, como ocorre na PAP, compromisso com a comunidade em que se desenvolve a pesquisa, nem superação da oposição sujeito / objeto. O que significa que sua utilização é pacífica nas pesquisas desenvolvidas sob as perspectivas funcionalistas e interpretativistas. Quando, no entanto se fala de pesquisas e ações humanistas, o observador neutro desaparece em nome da presença assumidamente engajada do participante, que não perde por isso sua qualidade de cientista e ator reflexivo. É importante então aqui frisar que na minha atuação como pesquisador não uso a expressão OP em pesquisas de cunho participativo ou em uma intervenção sociodramática, pela sua ancoragem do termo na escola de psicologia social de Chicago. Deixo o termo reservado para aqueles que usam estudos de caso ou outras técnicas a princípio funcionalistas de pesquisa. 2.2. Pesquisa-Ação A PA é definida por Thiollent (1985, p. 14) como uma pesquisa com base empírica, “[...] realizada em estreita associação com uma ação ou com a resolução de um problema coletivo e no qual os participantes representativos da situação ou do problema estão envolvidos de modo cooperativo ou participativo”. O termo PA foi cunhado em 1946 por Kurt Lewin, ao desenvolver trabalhos que tinham como propósito a integração de minorias étnicas à sociedade norte-americana. Assim, definiu PA como a pesquisa que contribui não apenas para a produção de livros, mas que conduz à ação social (LEWIN, 1946, 1958). Diferentemente da pesquisa tradicional, não visa a obter enunciados científicos generalizáveis, embora a obtenção de resultados semelhantes em estudos diferentes possa contribuir para algum tipo de generalização, por meio de triangulação. Martins (2004, p. 47) a vê, no âmbito das organizações como “[...] uma proposta de pesquisa mais aberta, com características de diagnóstico e consultoria para clarear uma situação complexa e encaminhar possíveis ações, especialmente em situações insatisfatórias ou de crise”. Existe uma busca por identificar as bases filosóficas para uma filosofia do conhecimento e da ação e conseqüentemente da ciência da ação, em que o conhecimento estaria a serviço 19 desta ação e de processos de mudança, desvinculado do conhecer por conhecer (MACKE, 2006). Importante é, no entanto frisar que há autores que vêem a PA como uma forma ou variante do estudo de caso e outros autores que a enxergam como uma modalidade que vai além do estudo de caso. Isto porque segundo Argyris (1985 apud Macke, 2006 p.223) na pesquisa-ação o “[...] envolvimento dos participantes no processo de mudança faz com que eles pensem e reflitam sobre o que estão fazendo”. O notável desenvolvimento de pesquisas apresentadas sob esta rubrica possibilita hoje identificar diferentes modalidades de pesquisa-ação. Assim, Tripp (2005) apresenta cinco modalidades de PA: 1) PA técnica, em que o pesquisador age de modo inteiramente mecânico, “lendo o manual”; 2) PA prática, na qual o pesquisador projeta as mudanças; 3) PA política, em que o pesquisador sente a necessidade de engajar-se na política para mudar o “sistema”; 4) PA socialmente crítica: modalidade de pesquisa ação política em que se trabalha para mudar ou contornar o modo de agir dominante do sistema; e 5) PA emancipatória, também uma variação da pesquisa-ação política, que tem como meta mudar o statu quo não apenas para si mesmo e para os companheiros mais próximos, mas numa escala mais ampla do grupo social como um todo. Franco (2005) considera que o caráter emancipatório da PA se dá quando a transformação é percebida como necessária pelo próprio grupo, por meio de um processo de reflexão crítica coletiva, do qual o pesquisador participa. Chama a essa modalidade de PA crítica, contrapondo-a a outras experiências, como aquela em que a função do pesquisador é a de conferir um enfoque científico a um processo de mudança desencadeado pelos sujeitos, e que é denominada PA colaborativa. Ou, ainda, a trabalhos em que a transformação é previamente planejada, sem a participação dos sujeitos, tendo o pesquisador a tarefa de acompanhar os efeitos e avaliar os resultados, modalidade esta que a autora denomina PA estratégica. A condição para que a PA possa ser considerada crítica “[...] é o mergulho na práxis do grupo social em estudo, do qual se extraem as perspectivas latentes, o oculto, o não familiar que sustentam as práticas, sendo as mudanças negociadas e geridas no coletivo” (FRANCO, 2005, p. 486). O surgimento destas tendências críticas e emancipatórias com a denominação de PA de certa forma dissolveu as diferenças iniciais e radicais que havia em relação à PP. 20 2.3 Pesquisa Participante Tanto a PA quanto a PP caracterizam-se pela interação entre os pesquisadores e as pessoas envolvidas nas situações investigadas. Mas há uma grande diferença, que está no caráter emancipatório da PP. Enquanto a PA supõe alguma forma de ação, que pode ser de caráter social, educativo, técnico ou outro, a PP tem como propósito fundamental a emancipação das pessoas ou das comunidades que a realizam. Ou seja, a PA pode, dependendo de quem a pratica, ter um caráter emancipatório. Já a pesquisa participante, por sua origem no combate à oligarquia e luta contra a opressão, é escolhida geralmente por quem se propõe a lutar junto a comunidades excluídas ou grupos oprimidos por seus direitos e emancipação. Estas diferenças têm relação direta com a origem das duas modalidades de pesquisa. Enquanto a PA tem suas origens nos Estados Unidos no período que se seguiu à Segunda Guerra (LEWIN, 1946), a PP surgiu na América Latina como meio para alcançar a articulação de grupos marginalizados (BRANDÃO, 1999, GAJARDO, 1999, SILVA E SILVA, 1991). Seus criadores foram pessoas que participavam de programas educacionais voltados para trabalhadores rurais (GIANOTTEN & WITT, 1999) e sua estratégia consistia em fomentar o processo de formação de consciência crítica das comunidades para sua inserção em processos políticos de mudança. Pode-se definir pesquisa participante (PP) como uma modalidade de pesquisa que tem como propósito “[...] auxiliar a população envolvida a identificar por si mesma os seus problemas, a realizar a análise crítica destes e a buscar as soluções adequadas.” (LE BOTERF, 1984, p.52). Trata-se, portanto, de um modelo de pesquisa que difere dos tradicionais porque a população não é considerada passiva e seu planejamento e condução não ficam a cargo de pesquisadores profissionais. A seleção dos problemas a serem estudados não emerge da simples decisão dos pesquisadores, mas da própria população envolvida, que os discute com os especialistas apropriados. A PP deve ser compreendida, segundo a formulação de Brandão (2006 p.12), como um “[...] repertório múltiplo e diferenciado de experiências de criação coletiva de conhecimentos destinados a superar a oposição sujeito / objeto no interior de processos que geram saberes e na seqüência de ações que aspiram gerar transformações.” Há, portanto, vários modelos de PP, já que por sua própria natureza ela é flexível e como tal adapta-se a diferentes situações concretas, 21 conforme os objetivos perseguidos, os recursos disponíveis e o contexto sociopolítico em que se desenvolve As origens da PP estão na ação educativa. Sua principal influência encontra-se nos trabalhos de Paulo Freire (2005) relativos à educação popular. Seu método de alfabetização a partir da leitura do alfabetizando de seu próprio contexto sócio-histórico é que proporcionou as bases da pesquisa participante. Assim desenvolveu-se a chamada vertente educativa da PP. “Uma pesquisa que é também uma pedagogia que entrelaça atores-autores e que é um aprendizado no qual, mesmo quando haja diferenças essenciais de saberes, todos aprendem uns com os outros e através dos outros”, conceitua Brandão (2006, p. 13). A PP também tem na América do Sul uma vertente sociológica, inaugurada pelo colombiano Orlando Fals Borda (1972), que postulou o método do “estudo-ação” como práxis perante os problemas derivados da dependência e da exploração oligárquica. Sua proposta era devolver aos grupos o conhecimento por eles originado. Isto exige que o pesquisador se envolva como agente no processo que estuda, já que tomou uma decisão em favor de determinadas alternativas, aprendendo assim, não apenas por meio da observação, mas do próprio trabalho com as pessoas com quem se identifica (FALS BORDA, 1980). Os seis princípios metodológicos a serem seguidos para a investigação-ação conforme Fals Borda (1982) são: (1) Autenticidade e compromisso, pelo qual intelectuais, técnicos e cientistas devem demonstrar honestamente seu compromisso com a transformação social proposta, sem precisarem fazer passar pelo que não são; (2) Antidogmatismo, pelo qual é garantido ao grupo com o qual, para o qual e sobre o qual se estuda que o mesmo tem liberdade política, religiosa e organizacional em geral; (3) Restituição sistemática, que garante ao grupo que o conhecimento adquirido lhe será devolvido em linguagem que respeite suas tradições culturais, de forma sistemática e organizada; (4) Feedback à academia e aos intelectuais engajados, pelo qual se garante que os trabalhos gerem contribuição expressa com clareza na exposição teórica e observações sobre sua aplicabilidade em situações similares; (5) Ritmo e equilíbrio de ação e reflexão, que garante a articulação do conhecimento concreto com o geral, do conhecimento local com o nacional e o global, da formação social com o modo de produção; (6) Ciência modesta e técnicas dialogais, baseadas em duas idéias: a primeira a de que a ciência deve ser realizada mesmo em situações insatisfatórias e primitivas, sem que isto signifique falta 22 de ambição; a segunda a de que o pesquisador deve aprender a ouvir discursos em diferentes sintaxes, romper com a assimetria das relações sociais e incorporar pessoas por mais humildes que sejam como seres ativos e pensantes nos esforços de pesquisa. 2.4 Pesquisa-Ação Participante As divergências entre pesquisadores associados à pesquisa ação e à pesquisa participante conduziram à nomenclatura pesquisa-ação participante (PAP) como uma tentativa de minimizar as diferenças e enfatizar as semelhanças entre as duas modalidades de pesquisa participativa. Embora haja autores como Macke (2006) que propõem designar todas as modalidades de pesquisa participativa como PA, considero necessário manter a terminologia pesquisa-ação participante. Isto para enfatizar a característica sócio-educativa da PAP e suas origens latino-americanas, ligadas a trabalhos como os de Fals Borda (2001, 1982, 1980), Paulo Freire (2005, 1981) e outros (BRANDÃO 2006, 1999, 1981). A proposta da PAP ganhou força graças ao Simposio Mundial de Cartagena, realizado em 1977, que definiu a investigacion-acción participativa como uma metodologia inserida num processo vivencial para os grupos de base, que inclui simultaneamente educação de adultos, pesquisa científica e ação política. A abordagem crítica que caracteriza a PAP, além de se preocupar com a apresentação de uma visão ampla e dinâmica da realidade, procura conscientemente compreender os fatos inseridos em suas influências econômicas, políticas e culturais. Esta perspectiva envolve abandonar o “mundo seguro do funcionalismo, no qual as pesquisas geram hipóteses e modelos teóricos do trabalho empírico, para abraçar a incerteza e a produção de um conhecimento que o próprio pesquisador pode questionar em um ou outro momento” (PAULA, 2008, p. 11). Uma das características da pesquisa crítica é, pois, esta reflexividade do pesquisador sobre seu trabalho e sobre si próprio. Vinculada originariamente a movimentos políticos e sociais latino-americanas, a PAP vem ganhando adeptos em outras partes do mundo. Passou a ser utilizada em países de língua inglesa a expressão Participatory Action-Research. Foram organizados livros com este título (WHYTE, 1991, McTAGART, 1997). O primeiro apresenta como principais influências a análise sociotécnica norte americana e a work democracy research, de origem escandinava (ELDEN, 1979) e o segundo aborda o desenvolvimento da PAP em diferentes 23 países. A PAP vem encontrando adeptos também em muitos países da África e da Ásia. Na Índia, em 1982, foi fundada a Society for Participatory Research in Asia, organização voluntária que apóia iniciativas populares. Em Bangladesh, foi realizado, em 2004, The International Workshop on Participatory Action Research e a PAP vem sendo usada para melhor compreender e atuar em regiões devastadas por conflitos, como a antiga Iugoslávia, Haiti, Moçambique e outros países (JOHANSSEN, 2001). A PAP deve ser compreendida como uma das modalidades de pesquisa comprometidas com o modelo de “aplicação edificante” do conhecimento científico, (SANTOS, 1989 p.159), que tem, entre outros, os princípios: (1) tem lugar em situações concretas em que quem aplica está ética, existencial e socialmente comprometido; (2) é um processo argumentativo entre grupos que lutam pela decisão do conflito a seu favor; (3) envolve o cientista na luta pelo equilíbrio do poder, obrigando-o assim a tomar o partido daqueles que têm menos poder; (4) aceita que os limites e deficiências dos saberes locais não justificam a recusa destes, porque isso significa desarmar argumentativa e socialmente seres competentes. 2.5 O Sociodrama como estratégia de pesquisa organizacional As origens do Sociodrama podem ser encontradas nos trabalhos de Moreno (1997). A grande busca de Moreno era pela “[...] verdade contextualizada na ação e a complexidade relacional dos sujeitos” (MARRA, 2006, p. 95). O autor embasa seu posicionamento teórico afastando-se das ideias de Freud, que, segundo Moreno (1997, p. 373) considerava o grupo como “[...] um epifenomeno da psique individual.”. Propõe ele que o grupo seja considerado como um novo sujeito, como primeiro passo para o tratamento de questões grupais, que acabem tendo impacto na psique individual e na melhoria do individuo. Moreno (1997) explica com clareza como se dá a questão da inserção do pesquisador no grupo. Após esta compreensão do grupo como sujeito, como um segundo passo, os indivíduos que compõe o grupo passam a ser agentes da terapia e o terapeuta parte do grupo. A partir disto e por causa deste embasamento teórico, o veículo da terapia (sociodrama) passa a ser separado do terapeuta, bem como dos indivíduos que compõe o grupo, transformando a realidade dos dois durante o processo da ação. A partir desta reflexão sobre sujeito (grupo), agentes (diretor / facilitador e indivíduos / clientes) e veículo 24 da terapia, Moreno (1997, p.376-377) propõe um quadro que apresento abaixo livremente adaptado para a realidade organizacional segundo a minha compreensão atual: Quadro 2 – Sujeito, Agentes e Veículos da Intervenção 1) Sujeito da Intervenção 1.1) Quanto à constituição do grupo Grupo amorfo - Grupo em formação, com Grupo organizado - Grupo já constituído, com integrantes que ainda não se conhecem. valores e a dinâmica própria. 1.2) Quanto ao local da intervenção In locu - A intervenção se dá na própria empresa, Situação secundária – Intervenção se dá em locais comunidade, organização ou até nas casas de especialmente criados para tal, como hotéis, centros membros do grupo. de convenção ou outros 1.3) Quanto á finalidade da intervenção Focada nas queixas - A intervenção visa retornar às origens dos problemas grupais, incluindo os membros do grupo in vivo no processo de intervenção e busca de soluções. Focada nas soluções – Intervenção é voltada para a solução de problemas individuais com apoio do grupo, sem exposição destes problemas durante o processo de intervenção. 2) Agente da Intervenção 2.1) Quanto à fonte de influência para a mudança Centrada no pesquisador (interventor) - Um só Centrada no grupo - Cada membro do grupo se pesquisador ou um grupo deles conduzem a torna agente da intervenção, voltado para influenciar intervenção. Os membros do grupo não são usados um ou mais de um dos demais membros. O grupo é sistematicamente como agentes da intervenção um todo que interage entre si e com a comunidade. 2.2) Quanto á forma da influência Espontânea e livre - Existe liberdade de experiência e expressão. O locutor ou ator da intervenção é improvisado e extemporâneo, podendo ser um dos membros do próprio grupo. Ensaiada e preparada – A intervenção é preparada pelo pesquisador, com lições e regras pré-produzidas. A intervenção é memorizada e ensaiada pelo pesquisador, sendo ele o principal ator ou locutor. 3) Veículo de Intervenção 3.1) Quanto ao modo de influência Métodos de leitura e verbais - Leituras, lições, Métodos dramáticos ou de ação - Dança, música, palestras, apresentações de filme e lições. teatro, fazer filmes e teatros de bonecos. 3.2) Quanto ao tipo de veículo Conservados ou mecânicos - Uso de filmes Espontâneos ou criadores – Filmes como medida prontos, teatro comum ou de fantoches ensaiados, preliminar para ação, teatro comum ou de fantoches passos ensaiados de dança, canto induzido e improvisado, música composta na hora, filmes feitos conduzido, música “em conserva” (partituras ou pelo grupo, ou outros métodos improvisados. reprodução digital). 3.3) Quanto à origem do veículo Apresentação face a face - Representações dramáticas de todos os tipos mencionados acima. À distância – Rádio, televisão, internet, intranet, mensagens de texto e outros veículos de comunicação. fonte: adaptado livremente de Moreno 1997, p. 376-377 25 Estas múltiplas possibilidades apontadas acima podem levar a um grande leque de intervenções grupais, que não necessariamente se enquadrariam no que é considerado sociodrama. Para tal, é necessário que o planejamento e atuação dos pesquisadores e membros do grupo estejam alicerçados na teoria socionômica de Moreno, cuja síntese encontrei em autores como Kaufman (1992), Sternberg e Garcia (2000), Marra (2006) e Drummond e Souza (2008). Quando se fala do sociodrama em seu sentido mais amplo, os objetivos mais tradicionais de intervenção são os apontados por Pierre Weil (1967, apud DRUMMOND; SOUZA, 2008, p. 20): 1) Vivenciar a tele, ou força energética que faz as pessoas se sentirem atraídas umas pelas outras de forma biunívoca; 2) Realizar experimentações sociométricas, medindo relações informais do grupo, para lidar com aproximações e repulsões; 3) Libertar a criatividade e a espontaneidade; 4) Reajustar relações grupais; 5) Desenvolver a empatia, por meio da percepção do outro para se colocar no lugar dele; 6) Realizar um laboratório de comunicação, eliminando barreiras para a mesma; 7) Vivenciar cenas como ensaio para o futuro; 8) Desenvolver o controle emocional; 9) Experimentar autonomia e rever relações de autoridade. Os principais objetivos do sociodrama nas organizações são segundo Sternberg e Garcia (2000) novas percepções (insight), liberação de tensões (catharsis) e prática (ou treinamento) de papéis (role training). Drummond e Souza (2008) propõem de forma similar que os objetivos são: 1) Analisar em parceria com o grupo a dinâmica das relações grupais no contexto organizacional; 2) Estimular a reflexão dos participantes para que estes atuem com maturidade e liberdade em seus vínculos e; 3) Trabalhar os papéis sociais dos membros, os convidando a ser co-responsáveis em sua atuação no contexto organizacional. A estes objetivos, quando se fala de usar o sociodrama em trabalhos de cunho social como o aqui descrito, deve se adicionar o de “[...] inserir o sujeito na organização social.[...] Portanto, intervir é reconhecer e participar da mobilização social, como um ato de melhoria da qualidade de vida dos cidadãos,” (MARRA, 2006, p. 101). O sociodrama nestes casos deve estar a serviço da construção de redes, favorecendo a tomada de consciência e a emancipação por meio do desnudamento das determinações culturais e sociais que influenciam um grupo. 26 Jonathan Moreno (1998), filho do idealizador do Psicodrama, afirma que o objetivo do sociodrama “não é oferecer psicoterapia para qualquer indivíduo, mas melhorar o bem estar geral do grupo, geralmente pelo encorajamento de sua coesão e pelo potenciar para uma atividade cooperativa”. Kaufman (1992 p. 48) lembra que a coesão do grupo é a principal qualidade que um grupo pode apresentar e define coesão como “o campo total de forças que atuam sobre os membros do grupo para que permaneçam dentro dele, o que implica a existência de interação pessoal, lealdade individual ao grupo e orgulho pela pertenência”. O sociodramatista organizacional pode ter como “cliente” ou sujeito da pesquisa a empresa privada, a organização do terceiro setor, o governo ou a comunidade. Cada um destes públicos certamente leva a abordagens e práticas diferenciadas. Mesmo assim, independente da organização em que são aplicadas, as concepções de intervenção que podem ser chamadas de sociodramáticas estão necessariamente alinhadas com a teoria de Moreno, são fundamentadas no conceito da espontaneidade e criatividade, tem como finalidade a transformação de indivíduos e sistemas sociais e seguem o método de três etapas, aquecimento, dramatização e compartilhar. As três etapas acima mencionadas são apresentadas com maior aprofundamento a seguir. 2.5.1 Aquecimento inespecífico e específico Tem como objetivo fazer com que os membros do grupo tragam sua atenção para o aqui e agora do grupo (STERNBERG; GARCIA, 2000). Começa de uma forma inespecífica, pela qual se pode deixar aparecer as questões e sentimentos ligados a elas que mobilizam os membros do grupo naquele momento. Em um momento seguinte começa-se a trazer o grupo para a questão a ser trabalhada, com propostas mais específicas e voltadas para o objetivo do trabalho naquela sessão, determinado pelo grupo ou pelo pesquisadorinterventor a partir de demandas anteriores do grupo. O aquecimento pode ser mais cognitivo ou afetivo e pode ser iniciado pelos membros do grupo ou pelo diretor, no nosso caso o pesquisador. Aquecimentos cognitivos fornecem informações e falam mais ao nosso intelecto, e podem ser feitos como leituras, apresentações e discussões. Aquecimentos afetivos falam diretamente às nossas emoções e corpos físicos e podem ser inter-relacionais ou fisicamente ativos. De uma forma ou de 27 outra os aquecimentos tem como propósito trazer à tona sentimentos que os membros do grupo tem sobre o tema a ser trabalhado. Ainda segundo as memas autoras propõem que o aquecimento pode ser estruturado ou não estruturado. A primeira forma é conduzida pelo pesquisador e a segunda ocorre quando o diretor (pesquisador), ao perceber os temas e forma como são discutidos e vivenciados na chegada do grupo, prefere deixar que a segunda etapa surja naturalmente. 2.5.2 Dramatização ou cena Agora o foco se volta para trabalhar o assunto que emergiu do grupo ou que estava pendente de resolução. Pode ser feita de várias formas, como as expostas no Quadro 1, o importante é que a cena, ensaiada antes ou espontânea, com uso de materiais conservados ou criados no momento, sirva para uma das possibilidades antes apontadas. Importante é que por meio do sociodrama nas organizações, “[...] resguardando o papel individual e salientando o profissional, cada um experimenta novos papéis, inverte com outros participantes e retorna ao seu carregado de novas experiências.” (DRUMMOND, SOUZA, 2008, p. 145). 2.5.3 O compartilhar O sharing, ou compartilhamento em português é a etapa final e que serve para unir o grupo em torno da reflexão necessária para integrar o que se aprendeu na cena. (STERNBERG; GARCIA, 2000). Durante esta fase é desencorajada a análise da cena em termos teatrais ou julgamento das atuações dos sujeitos. O foco é na expressão de cada um sobre o que sentiu e o que aprendeu, com estímulo à aceitação de todos os pontos de vista. Assim os indivíduos se sentem menos isolados e passam a perceber que outros têm problemas ou experiências similares. Durante esta fase, “Membros do grupo compartilham sentimentos, fazem perguntas, discutem a ação e planejam novos comportamentos. Por esse processo eles se acalmam em relação à cena, se movem para um âmbito cognitivo e se preparam para o fim da sessão.” (STERNBERG; GARCIA, 2000, p. 20). A seguir, procuro ilustrar de forma prática como o sociodrama pode ser utilizado em trabalhos de PAP junto a comunidades carentes e oprimidas. 28 CAPÍTULO 3. AS MULHERES BORDADEIRAS E A FORMAÇÃO DO COLETIVO EMPREENDEDOR. Distante 40 quilômetros do centro da cidade de São Paulo há uma cratera de 3,6 quilômetros de diâmetro formada pela queda de um cometa ou meteorito entre 36 e 5 milhões de anos atrás. Dentro dela, cercado por suas bordas, se situa o bairro de Vargem Grande. Este conta indicativamente com 35.000 habitantes. Segundo dados de órgãos governamentais, os responsáveis pelos domicílios auferiam mensalmente, em média, US$ 300.00, e em 27,03 % dos domicílios a renda média mensal per capita era inferior a US$ 100.00. Esses responsáveis tinham, em média, 5 anos de estudo e 12,4% eram analfabetos. As mulheres responsáveis por domicílios correspondiam a 21,0% e a parcela de crianças com menos de cinco anos equivalia a 12,1% do total da população. Nesse cenário, foi construída uma história de saber e fazer. Pessoas vivendo em condições de vulnerabilidade social, lutando por sobrevivência, formaram o grupo da pesquisa-ação participante aqui relatado. A origem do trabalho foi o convite feito a mim por uma mulher, durante um curso de empreendedorismo e gestão de pequenos negócios, em que participei como facilitador voluntário. A princípio, a intenção dessa mulher não era muito clara. Interpretei das afirmações iniciais, ainda confusas para mim, que ela desejava criar uma cooperativa de trabalho com um grupo de bordadeiras. A mulher explicou que as bordadeiras estavam insatisfeitas por terem que receber seu trabalho de uma pessoa intermediária que negociava em nome delas, cobrando uma alta comissão. Desejavam, portanto, aprender a negociar elas próprias o produto de seu bordado e fazer com que seu trabalho transcendesse o âmbito do individual para ganhar a dimensão do coletivo. Em minha primeira visita à comunidade de Vargem Grande, para um encontro com as bordadeiras, eu não tinha certeza se o trabalho se iniciaria e se havia realmente um grupo de mulheres dispostas a trabalhar em conjunto para a melhoria de suas condições de vida. Evitei iniciar o estudo com hipóteses previamente formuladas para testar ou questões específicas para responder, apenas apresentei-me ao grupo me dispondo a ouvi-lo com interesse. Em pesquisa-ação se chama essa primeira fase de identificação e diagnóstico. Realizei então, o reconhecimento das possíveis participantes do grupo, bem como o diagnóstico da situação-problema de forma coletiva e participativa. Escolhi trabalhar do 29 ponto de vista metodológico com aquecimentos e diagnósticos sociodramáticos e com círculos de conversa, visando a transição de um grupo amorfo para um grupo dinâmico, conforme o Quadro 2. Minha formação como psicodramatista influiu bastante nessa escolha. Esforcei-me para proporcionar ao grupo reuniões descontraídas, em que todos, após se aquecerem e realizarem jogos, vivências (YOZO, 1996) ou dramatizações sentavam-se em círculo e conversavam livremente sobre seus sentimentos, dúvidas, intenções, sonhos e desejos de mudança de vida. Importante frisar aqui que, no contexto sociodramático, a palavra diagnóstico significa apenas a compreensão e adaptação do coordenador de um grupo às manifestações do grupo e necessidades do momento, sem características de categorização. No processo sociodramático, diagnóstico e intervenção andam de mãos dadas durante todo o caminhar (DRUMMOND, 2008), como também ocorre nos processos de pesquisa-ação participante e no modelo educacional de Freire (2005). Não é possível nem desejável realizar longos e elaborados diagnósticos, até porque muitas vezes se está lidando com populações cansadas de diagnósticos sem conseqüências e de pesquisas que não resultam em ações. (LE BOTERF, 1999). As participantes traziam para essas reuniões assuntos de seu cotidiano e se expressavam ainda com grande dificuldade para ordenar suas idéias e objetivos, desconfiadas das minhas intenções. Nesta fase de caos grupal (DRUMMOND, 2008) inda não havia clareza sobre se eu era mais um dos inúmeros políticos em busca de apoio para algo, ou um dos aproveitadores de mão de obra barata que abundam na região com falsas promessas. A partir dessas primeiras reuniões, fui coletando temas que iriam direcionar possíveis discussões para as fases seguintes da pesquisa e planejando estratégias sociodramáticas para superar as barreiras de silêncio. De acordo com as informações coletadas por mim nos jogos, vivências, dramatizações e círculos de conversa da fase inicial, foi possível reconhecer que as dificuldades de comunicação do/com o grupo estavam pautadas primeiramente na diferença cultural e social entre os participantes e eu. Elas demonstravam constrangimento em conversar comigo usando um vocabulário coloquial e simples, e, muitas vezes, o silêncio tomava conta das reuniões, exigindo que eu 30 estimulasse o grupo com perguntas e discussões objetivas. Tratava-se, como diz Schön (1997), de superar o jogo do silêncio e o apego às atitudes defensivas, o embaraço, a vergonha, a timidez. Para isso, é necessário sensibilizar o grupo e a si próprio, tecer o “nós”. O pesquisador deve estar preparado para iniciar um processo de troca, pelo qual se permite que os indivíduos falem, expressem-se, sintam-se acolhidos, num processo contínuo de co-formação emocional e cognitiva. Busquei, então, tranqüilizar o grupo, demonstrando total disponibilidade para ouvilas e procurando ser o mais claro possível sobre minhas intenções. Expliquei inúmeras vezes que desejava ajudá-las gratuitamente com orientações de como se organizarem para negociar seus produtos. Apesar das dificuldades de comunicação, nessa fase de identificação e diagnóstico, compreendi que seria um campo fértil para um trabalho de ação, de pesquisa e de participação colaborativa, com o uso do sociodrama como estratégia. Precisava construir com o grupo uma relação de confiança e comunicação dialogal, instituindo o que Barbier (2004) chama de pesquisador coletivo. Ou seja, um grupo de pessoas que de diferentes ângulos e com saberes particulares se propõe a juntos revelar e transformar uma realidade. Identifiquei, então, que a mulher que me procurou inicialmente exercia um papel relevante, uma vez que demonstrava exercer liderança sobre o grupo. Ela tinha a credibilidade do grupo e poderia me ajudar a ganhar a confiança do mesmo. Passei assim a compartilhar a coordenação do grupo com essa líder. Em termos teóricos psicodramáticos eventualmente ela assumia a função de multiplicadora de jogos e vivências e me trazia as reflexões do grupo, sendo a principal co-pesquisadora e mantenedora de registros. A líder atuava espontaneamente, motivando as mulheres a participar das reuniões, e, muitas vezes, traduzindo o que as mulheres desejavam expressar. Obviamente esta líder detinha um certo poder sobre o grupo de mulheres, pois ela é que possuía o contato com a intermediária e ela é que determinava quantas peças de bordados cada mulher recebia por mês. O fato de que eu tinha um relacionamento de amizade com esta liderança facilitou a aproximação com o grupo, mas também reforçava a ligação desta mulher com um universo ao qual as outras ainda não faziam parte. A segunda grande barreira de comunicação, na fase de identificação e diagnóstico, foi a falta de confiança do grupo em si mesmo. As participantes sempre esperavam que a 31 líder decidisse por elas e não tinham autonomia para tomar qualquer tipo de iniciativa. Estavam mergulhadas em um “estado de resignação”, ou seja, de apatia e impotência diante das dificuldades enfrentadas em suas vidas. Pode ser traduzido em linguagem psicodramática como um estado de ausência de espontaneidade e de dificuldade de congelamento de conservas culturais. No entanto, as revelações dessas mulheres, nos círculos de conversa, demonstraram que estavam ali porque tinham um interesse genuíno em melhorar suas vidas. Apegando-se a essa motivação e esperança de mudança, foi possível avançar para além do limite de conhecimento que essas mulheres tinham de sua própria realidade, podendo assim melhor compreendê-la e nela intervir criticamente, aquecendo as conservas antes mencionadas. Constatei que, no meu trabalho com as bordadeiras havia perspectivas, ritmos e intencionalidades diferentes. Eu precisava de tempo para organizar os conhecimentos que iam emergindo do processo, já os sujeitos participantes tinham a urgência da ação transformadora. Eu esperava a participação dos envolvidos, no entanto, esses sujeitos só começavam a participar à medida que passavam a acreditar criticamente na possibilidade de transformação que adviria do trabalho. Eu precisava de um coletivo para iniciar meu trabalho, no entanto, percebia que, frente a grandes desigualdades sociais e culturais, a organização coletiva só ocorria após um trabalho crítico de aprendizagem social para os envolvidos. Compreendi que as diferenças culturais, sociais e de intencionalidade correspondiam a pesadas barreiras na comunicação que impediam o diálogo entre pesquisador e participantes. Passei, então, a considerar essas diferenças como “silêncios” na comunicação. Percebi ainda que os sujeitos da prática, embora em maior número, não conseguiam expressar seus sentimentos e valores, fechando-se na condição de desfavorecidos sociais, calados por força de suas histórias pessoais e das situações opressivas em que vivem. Uma das grandes dificuldades com que se deparam pesquisadores da tradição latinoamericana da pesquisa-ação, ao estruturar uma ação comunicativa com os sujeitos da prática, é a eventual existência de uma grande diferença cultural entre pesquisador e os membros do grupo. E, nesse caso, aproximar-se para conhecer e compreender o universo cultural desses sujeitos é o primeiro e grande desafio a ser enfrentado pelo pesquisador. Em 32 experiências no Brasil (BIDART-NOVAES, 2008ab) constatei como também o fizeram outros autores (FRANCO, 2005, PONTES 2007) que os sujeitos envolvidos nos processos de pesquisa-ação tinham grande dificuldade de expressão e comunicação, em decorrência, em parte, de processos históricos de opressão. Eram pessoas que assumiam uma atitude de resignação diante de condições sociais desfavoráveis, como condenadas ao silêncio. O silêncio precisava ser substituído pelo diálogo a fim de que a realidade opressora fosse superada. Nesse sentido, a pesquisa-ação e o sociodrama podem promover a produção coletiva de conhecimento e transformações sociais, de forma emancipatória e não manipulativa. O “estado de resignação” pode ser definido como um sentimento de impotência, de incapacidade de reação, um estado de apatia e conformidade por acreditarem-se incapazes de promover mudanças profundas em seus destinos. Esse conceito se aproxima ao conceito de “oprimidos” que Paulo Freire (2005) considera como a condição de “ser menos”, vítimas de uma desumanização provocada por uma ordem social injusta, pela violência dos opressores que exploram os menos favorecidos. E somente uma pedagogia libertadora poderá transformar oprimidos em homens críticos e libertos. Uma pedagogia que não pode ser prescrita, imposta ou elaborada pelo opressor, mas que deve ser forjada “com” o oprimido e não “para” ele, ou seja, como a “Pedagogia do Oprimido” de Paulo Freire (2005) ou o Psicodrama de Moreno (1997). Para superar este estado há a necessidade da construção lenta e contínua de um universo comum de participação. O que implica essencialmente a utilização de atitudes não arrogantes; o exercício de ouvir e compreender discursos elaborados em diferentes sintaxes culturais; o rompimento com a assimetria das relações e a aceitação de todos os envolvidos como indivíduos ativos e pensantes (Freire, 2005; Fals Borda, 1980). Implica principalmente reconhecer e ajudar a desenvolver uma pedagogia própria dessas pessoas (Freire, 2005), por meio de dramas em que “Os atores não eram quaisquer pessoas, gente in abstracto, mas a minha gente, meu pai, minha mãe, meus irmãos, minhas irmãs, meus amigos e vizinhos.” (MORENO, 1997, p. 64) Portanto, o primeiro passo foi, sem dúvida, quebrar a “cultura do silêncio” (Freire, 2005, p. 201). Silêncio gerado na cultura opressora, permitindo que essas mulheres emergissem da ingenuidade para a esfera da crítica, da passividade à ação, da dor à 33 esperança, da resignação à utopia, constituindo-se em seres capazes de transformar a própria realidade em comunhão com outros. “A união dos oprimidos exige deste processo que ele seja, desde seu começo, o que deve ser: ação cultural” (FREIRE, 2005, p. 202). O sociodrama é útil nesta ação pois como lembra Marra (2006, p. 98) trata-se de um “[...] método psicopedagógico de trabalho com grupos, que facilita a aprendizagem de conceitos e atitudes a partir da vivência pedagógica.” Na pesquisa-ação aqui relatada, a transformação foi percebida como necessária no início dos meus trabalhos do pesquisador com o grupo, num processo que valorizou a construção cognitiva da experiência, via reflexão crítica coletiva. Buscou-se, portanto, a emancipação dos sujeitos. Um aspecto a destacar aqui é que, segundo Franco (2005), quando o grupo procura o pesquisador, tomando a iniciativa de um projeto de pesquisaação participante visando à transformação de sua realidade, podemos considerar o trabalho sob uma perspectiva crítica. Entendemos como crítica, neste trabalho, a perspectiva dialética, emancipatória e participativa adotada por autores citados ao longo deste artigo. A fase de identificação e diagnóstico foi muito importante, também, para que eu percebesse que minha missão nessa pesquisa-ação iria muito além do que orientar o grupo a criar uma cooperativa de trabalho. As mulheres estavam junto comigo construindo um coletivo empreendedor, ou seja, um espaço de aprendizagem mútua e parceria em que elas e eu estaríamos nos integrando num processo cíclico de transformação de nossas realidades e de superação de “estados de resignação” de ambos os lados diante de condições opressoras. O trabalho com o grupo pode ser dividido em quatro grandes fases. A primeira pode ser considerada como de identificação e diagnóstico da situação-problema e do grupo, a segunda de sensibilização do grupo, a terceira a de organização para a produção e a quarta a de efetiva produção. De um total de 32 encontros pode-se considerar que as 12 reuniões iniciais foram de identificação e diagnóstico e sensibilização, que associamos à abertura do espaço comunicativo por meio de sessões sociodramáticas, tema principal discutido neste trabalho. Apresento também duas situações de conflito em que busquei atuar sociodramaticamente, com mais ou menos sucesso. No próximo tópico, são apresentadas as estratégias que utilizei com o grupo de bordadeiras para a abertura do espaço de pesquisa conjunta. Estratégias baseadas no 34 sociodrama e que ajudaram a romper o silêncio do grupo e a aproximar os universos culturais do pesquisador e dos sujeitos da prática. 3.1 Rompendo o silêncio A noite engoliu o tempo. Com serenidade ela espalhou o silêncio de onde emergem as palavras e para onde elas retornam. No entanto o silêncio pode por vezes romper-se de improviso. Lá onde menos se espera vem surgir na superfície da consciência a bolha de uma lembrança, de uma vaidade, de um desejo, de uma humilhação, que sobem do mais profundo, fazem renascer um mundo desaparecido. François Jacob (1987) O silêncio que, muitas vezes, tomou conta dos círculos de conversa, na fase de identificação e diagnóstico, dificultou que o grupo começasse a expressar seus anseios, necessidades e seus temas de interesse. Freire (2005, p. 115) explica que o que pode parecer inexistência de temas sugere, pelo contrário, “a existência de um tema dramático: o tema do silêncio. Sugere uma estrutura constituinte do mutismo ante a força esmagadora de ‘situações-limites’, em face das quais o óbvio é a adaptação”. O grupo de bordadeiras expressava no silêncio sua impotência de superar as condições adversas em que vivem. Na perspectiva crítica em que me baseei, as estratégias tiveram como pressuposto epistemológico a problematização da realidade, com o objetivo de ajudar as participantes a desenvolver processos críticos de conscientização de seu papel social, buscando soluções coletivas para seus problemas. Coletei com o grupo, nos jogos, vivências e círculos de conversa das reuniões iniciais (fase de identificação e diagnóstico) temas relacionados aos interesses das participantes. Fundamentei-me no conceito de “temas geradores” de Freire (2005) e no conceito de shared central issue (tema central compartilhado) de Sternberg e Garcia (2000). Estas autoras propõem que o coordenador sociodramático deve ouvir os vários assuntos trazidos à tona pelo grupo em cada sessão. Aquele que mais interessar ou atrair a atenção do grupo será escolhido para ser trabalhado. Procurei expandir este conceito mantendo em mente que se tratava de um projeto inicialmente de um ano, de modo que alguns temas poderiam ser guardados para ser retomados. Segundo Freire (2005), os temas se chamam geradores porque contêm em si a possibilidade de desdobrar-se em outros tantos temas que, por sua vez, provocam novas 35 tarefas que devem ser cumpridas. Para Freire (2005, p. 101), o que se pretende investigar com os temas geradores não são os homens, “mas o seu pensamento linguagem referido à realidade, os níveis de percepção desta realidade, a sua visão de mundo, em que se encontram envolvidos seus temas geradores Como antes mencionado, para esses “aquecimentos coletivos”, a cada reunião do grupo de bordadeiras, eram utilizados jogos e vivências (Yozo, 1996; Brown, 2004) que ao mesmo tempo serviam para quebrar o silêncio inicial dos encontros e para unir o grupo. Com o objetivo de integrar o grupo e levantar as expectativas iniciais, utilizei na primeira reunião a técnica a seguir descrita. Como um aquecimento específico, foi feito um “coquetel” (Figura 1 na página seguinte), durante o qual pedi às mulheres que conversassem em duplas e que trocassem as duplas a cada cinco minutos, a um sinal que eu fazia batendo palmas. O tópico sugerido das conversas era o que elas achavam que tinham vindo fazer e o que esperavam do encontro. Passei então á cena em si. Com o grupo sentado então em círculo, pedi a cada participante que contasse as melhores conversas que tinha tido e o que mais a tinha interessado nos parceiros de conversa. Ao final, como compartilhamento, junto com o grupo, fiz uma síntese dos assuntos mais relevantes, de como tinha sido o encontro e dos sentimentos envolvidos. Nessa reunião, sem nenhuma dúvida, o tema central foi a questão de como aumentar a renda de seus trabalhos de bordado realizados em casa. Já surgiram, no entanto, outros temas em torno deste, como os obstáculos colocados por alguns maridos, a dificuldade de com quem deixar crianças e o desejo de ter empregos e rendas fixos. Como afirma Drummond (2008), é diante do grupo e face a face com os membros dele que podemos aprofundar o planejamento e o nosso olhar. O pesquisador, ao se deparar com uma realidade para ele desconhecida, precisa também se aquecer, para abrir novas possibilidades de visão e perceber como está o grupo e quais facilidades e dificuldades enfrentam no cotidiano. Sem slogans e materiais prontos que muitas vezes só servem para acalmar o nervosismo do “pesquisador-educador-diretor”. 36 Figura 1 – O coquetel Foto: Marcos Bidart Novaes Nessa fase de abertura do espaço comunicativo, as atividades e técnicas sociodramáticas de aquecimento, jogo (cena) e compartilhamento utilizadas foram, pouco a pouco, rompendo o silêncio. Apesar da dificuldade imposta pela restrição de tempo, uma vez que as mulheres neste início de trabalho dispunham de apenas duas horas no máximo disponíveis, foi lentamente se construindo o “projeto dramático” (AGUIAR, 2006, p 141). Palestras dadas pelas próprias integrantes do grupo foram uma constante, sobre os próprios produtos que sabiam fazer ou já haviam feito no passado. Em um dos encontros, por exemplo, a estrutura foi a seguinte: Aquecimento: O grupo chegando lentamente e eu as estimulei a lembrar quem eram suas professoras na escola. Foram contando episódios e lembrando. Perguntei após algum tempo se a professora naquele dia podia ser uma delas. Responderam tímidas que sim, “desde que não seja eu”. Cena: A líder das bordadeiras foi convidada a contar a história de como tudo começou (Figura 2 acima). Relatou sua história com os bordados. Falou também do número 37 de peças que bordavam no começo e como isso cresceu. Teve mais de meia hora para contar com riqueza de detalhes toda a história do empreendimento. Compartilhamento: Após a palestra, o grupo foi convidado a sentar em círculo e conversar sobre o que mais havia marcado nessa história e como o trabalho delas poderia se desenvolver. Figura 2 – A líder “dando aula” Foto: Marcos Bidart Novaes Em outro encontro, marcante e que entrou para as histórias que o grupo contava para recém-chegadas, retransmitimos em vídeo e debatemos matéria que havia sido transmitida na televisão há poucos dias sobre a exploração de bolivianos no mercado têxtil de São Paulo. As mulheres identificarem que pelo fato de trabalharem de forma informal, e nas mãos de intermediários, a situação delas se assemelhava muito à desses imigrantes ilegais. Neste encontro o aquecimento havia sido estruturado e cognitivo, com a lembrança das discussões anteriores sobre renda familiar e a proposta de reflexão em grupos de três sobre quanto uma pessoa precisa ganhar para viver de forma organizada e tranqüila. 38 A cada encontro, de forma informal, pois havia percebido que uma “leitura de ata” dispersava o grupo, eu sempre pedia para o próprio grupo contar e recontar para as recémchegadas (e sempre as havia) o que estavam fazendo e o que havia acontecido na reunião anterior. Aos poucos, com pequenas vitórias, e com a repetição de reuniões e com o recontar das histórias a união do grupo foi acontecendo. Depois de aproximadamente 12 encontros havia um núcleo fixo de aproximadamente 15 mulheres que a esse momento já se mostravam impacientes por “fazer” algo, no sentido de produzir, de gerar renda para suas famílias ou aumentar a receita dos bordados. Sempre eram feitos jogos novos de aquecimento e sensibilização. Por exemplo, o jogo de histórias populares ou infantis, em que elas eram convidadas a dar continuidade a histórias iniciadas com leitura e interrompidas em um ponto qualquer. Estes jogos não eram usados apenas como instrumento de aquecimento e sim como um estímulo ao posterior compartilhamento de pensamentos, emoções e desejos ligados ao projeto. Dentro da teoria sociodramática organizacional, este é um ponto importante: que a maior parte possível do que é dito e trazido à tona seja aproveitado para a concretização em planos de ação de transformação da realidade grupal. Serve também para que o diretor se inteire em um clima lúdico e afetivo sobre os assuntos que mais preocupam o grupo no momento. No meu caso com toda atenção para lidar com assuntos organizacionais e ligados à criação do coletivo empreendedor e não me aventurar em terrenos para os quais nem estou preparado nem tenho a permissão ética e profissional para atuar. Em trabalhos dessa natureza, é difícil delimitar fases de forma estanque, dentro das sessões e no trabalho visto em ciclos mais amplos. A meu ver, três momentos foram decisivos para que se estabelecesse o espaço comunicativo necessário para a formação do coletivo empreendedor. Na terceira reunião realizei um aquecimento em que pedi para elas sentarem em pequenos grupos ou duplas e lembrassem dos pequenos negócios que mais chamavam sua atenção na comunidade. Rapidamente pedi a elas para me contarem o que havia surgido na conversa e porque os negócios eram atraentes. Parti então para a cena em si. Pedi que um voluntário se apresentasse. Após um certo constrangimento o grupo de forma brincalhona “elegeu” uma voluntária, uma das mulheres mais extrovertidas, como é comum em situações deste tipo. Perguntei se ela sabia o que estava ali para fazer e ela disse que não. 39 Dei então a ela uma peça de roupa de presente. Pedi então a elas que conversassem sobre o ocorrido e que relação isto tem com nosso trabalho conjunto. As próprias mulheres disseram que a vivência havia mostrado é que para que elas melhorassem suas condições precisam dar um passo à frente, correr riscos, enfrentar o desconhecido. Todas ganharam então uma peça de roupa similar e conversou-se sobre o que isso tem a ver com a idéia de uma cooperativa. Ficou claro que em uma cooperativa a idéia é que todos ganhem, mas ficou registrada a informação de que cada um ganha pelo fruto de seu trabalho. Esta pequena vivência teve forte impacto sobre o grupo. Serviu para conscientizar o mesmo para a necessidade do impulso individual e da atuação de cada uma delas para que o ganho coletivo fosse atingido. Era um dos episódios que sempre era contado quando chegavam novas integrantes. Em outra reunião o grupo trouxe como síntese de uma discussão coletiva realizada entre elas durante a semana, com apoio apenas da sua liderança seus desejos com a seguinte formulação, na minha análise posterior ainda com uma conotação individualista: Queriam ter a oportunidade de sair mais de casa, de aprender coisas novas e de ganhar o próprio dinheiro. O fato de que o grupo já se reunia sem interveniência e hora marcada pelo pesquisador demonstrava um impulso e voz própria, denotando que o silêncio inicial começava a se romper. A liderança comunitária conseguiu manter este encontro intermediário entre as idas semanais do pesquisador à comunidade. Auxiliei a líder do grupo a entender mesmo que de forma simples como eu conduzia os encontros, deixando o grupo e eu mesmo nos aquecermos, realizando um jogo e compartilhando. Mesmo com a dificuldade que ela tinha com a questão de cenas ou jogos, compreendia a importância do aquecimento e sempre me pedia idéias. Sempre sugeri que ela aquecesse o grupo com as atividades delas, mas feitas de forma criativa, como bordar em conjunto, coisa que raramente faziam, ou falar de seus estados e famílias de origem, pois reclamavam que havia percebido que eram vizinhas, mas se conheciam pouco. Entre o sexto e o sétimo encontro, a líder do grupo havia conseguido durante a semana, sem a participação do pesquisador, formular o objetivo do grupo da seguinte forma, já voltado para a ação coletiva: (1) valorização do trabalho da mulher; (2) renda justa por meio de uma cooperativa; (3) trabalhar no bairro e desenvolver o mesmo. 40 No décimo segundo encontro, a atividade de aquecimento foi falar entre elas um pouco sobre a infância e quais as brincadeiras preferidas de cada uma. Como jogo propus ao grupo compor letras para colocar em melodias infantis ou não, conhecidas de todos. Foi solicitado ao grupo, dividido em três equipes, que fizessem paródias com letras contando como estavam se sentindo em relação à constituição da cooperativa. Drummond (2008) explica que a música como forma de expressão permite ultrapassar de forma criativa a dificuldade em comunicar o que se sente e percebe em relação ao trabalho organizacional. Afirma também que o humor é a forma mais simples e por vezes a única de fazer participantes de grupos perceberem a seriedade do conteúdo com o qual lidam, por meio da criação inusitada. O resultado desta atividade denotou melhora da auto-estima, integração do grupo, construção de uma identidade comum e um objetivo comum. O espírito do grupo nesse momento pode ser depreendido desta letra composta (música da Xuxa): Tá na hora tá na hora Ta na hora de cooperar Pegue tesoura e linha E vamos todos trabalhar Dá um pulo vai pra frente Que não sabe vai aprender Aqui na cooperativa Ninguém fica sem saber Cooperar e cooperar oh oh oh Cooperar e trabalhar oh oh oh Com a cooperativa da cratera Todas vamos chegar lá Confiança e Amor, Humildade e Compreensão Com mais ajuda e confiança A gente constrói a União Ou desta outra (música de Roberto Carlos): 41 Acredite, é hora de vencer Esta força vem de dentro de você Você pode, é só acreditar e vencer Acredite que nenhum de nós já nasceu com jeito de super-herói Vamos juntas, através da união e seremos as Mulheres em Ação !!! A abertura do espaço comunicativo não foi um processo linear e sim feito de idas e vindas. Em determinados momentos o pesquisador teve a impressão de que “perderia o grupo”. Precisava sempre se lembrar que deveria aceitar os resultados que viessem, e que estava engajado, não só na transformação do sistema que estava pesquisando, como também na sua própria transformação (COGHLAN & BRANNICK, 2005; BARBIER, 2004). 3.2 O sociodrama a serviço da sensibilização mútua e como forma de lidar com os conflitos e diferenças. A pesquisa-ação é hoje muito usada para aproximar pesquisadores e grupos de sujeitos da prática. Como apoio do sociodrama torna-se ainda efetiva para a “tradução” necessária para que grupos oriundos de diferentes meios e com diferentes necessidades se aproximem. Usamos aqui a palavra tradução, com as devidas licenças de nível, no sentido de “que uma necessidade, uma aspiração, uma prática numa dada cultura pode ser tornada compreensível e inteligível para outra cultura” (SANTOS, 2007, p. 31). Santos (2007 p. 30) nos lembra que “como a solidariedade é uma forma de conhecimento que se obtém por via do reconhecimento do outro, o outro só pode ser conhecido enquanto produtor de conhecimento”. Afirma também que a construção deste conhecimento com características multiculturais esbarra exatamente na questão do silêncio e da diferença. Silêncio causado pelo fato de que algumas culturas tiveram suas formas de ver e conhecer o mundo tornadas impronunciáveis. O silêncio é na visão do autor português, um sintoma de um bloqueio, de uma potencialidade que não pode ser desenvolvida. A grande questão que se coloca é “como fazer falar o silêncio sem que ele fale necessariamente a linguagem hegemônica que o pretende fazer falar” (SANTOS, 2007, p. 30). 42 Esse sintoma só pode ser enfrentado com paciência e dando voz ao grupo, no seu ritmo, a seu tempo e com sua linguagem e com reflexão do pesquisador sobre suas próprias realidades introjetadas e maneiras de ver o mundo. Uma vez que “[...] ninguém pode dizer a palavra verdadeira sozinho, ou dizê-la para os outros, num ato de prescrição, com o qual rouba a palavra dos demais” (FREIRE, 2005, p. 91). O que Freire chama de diálogo é em muitos momentos próximo do que Moreno chama de encontro. Apenas como parêntese fico pensando que os dois mestres gostariam muito de se encontrar e dialogar. Por isto o diálogo é uma exigência existencial. E, se ele é o encontro em que se solidarizam o refletir e o agir de seus sujeitos endereçados ao mundo a ser transformado e humanizado, não pode reduzir-se a um ato de depositar idéias de um sujeito no outro, nem tampouco tornar-se simples troca de idéias a serem consumidas pelos permutantes. [...] Porque o encontro de homens que pronunciam o mundo, não deve ser doação do pronunciar de uns a outros. É um ato de criação. Paulo Freire (2005, p. 91) Esta foi exatamente uma das dificuldades que enfrentei durante da pesquisa. Como o trabalho se desenvolvia no âmbito de uma dissertação de mestrado, para um programa de mestrado em Administração de Empresas, precisei reconhecer, após algum tempo de trabalho que, em alguns momentos, estava querendo forçar o grupo de mulheres para soluções provenientes de modelos de negócios preexistentes, oriundos da academia e da prática de gestão, e não criados no próprio ritmo e vontade do grupo. O próprio grupo e sua coesão precisavam ser criados e esta tarefa deveria estar acima de meu trabalho e minha agenda, sob o risco do trabalho perder a característica emancipatória que eu pretendia. Ou seja, precisava me preparar para relatar talvez apenas a construção do coletivo, sem ter alcançado resultados concretos após um ano, prazo previsto para o trabalho conjunto. Percebia já que talvez não pudesse, por questões éticas, abandonar o grupo à própria sorte no prazo previsto nem interferir em momentos como o que narro abaixo, em que o uso do sociodrama serviu apenas como ferramenta de reflexão. Ao chegar numa sexta-feira na comunidade em que se desenrola o trabalho, me deparei com uma revolução na pequena oficina, cedida em um dos cômodos da casa da 43 líder do projeto. Uma das integrantes do grupo havia conseguido uma encomenda em regime de produção semi-industrial de 3.500 peças de roupa feminina, pelas quais o dono de uma pequena fábrica de roupas se dispunha a pagar US$ 2.20 por peça pronta. Figura 3 – A grande encomenda Foto: Marcos Bidart- Novaes Sem o mínimo de planejamento já haviam começado a desembalar as partes de roupa para começar a fazer as peças. Tentei formular perguntas simples sobre quanto tinham de prazo e quanto tempo levariam para fazer cada peça, que ficaram naquele momento sem resposta. Preferi naquele momento manter apenas uma conversa com a líder das mulheres sobre qual a opinião dela em relação ao assunto, para se adequar às expectativas e poder ajudar. A opinião dela era clara. Aquilo era o objetivo para o qual tinham trabalhado tanto, aquela era uma benção trazida pela providência divina. Segundo ela o grupo deveria agarrar aquela oportunidade e se dedicar ao máximo. Já a minha 44 opinião era bem diferente. Mesmo sem fazer muitas contas, aquela operação de costura me parecia exatamente igual à de bordados antes de se tentar eliminar intermediários. Mesmo sem fazer as peças na prática elas me diziam que achavam que no nível de capacitação delas iriam conseguir fazer uma peça por dia. Ou seja, ganhar menos de US$ 2,00 por dia, já que algo teria que ficar para a cooperativa para pagar custos de energia e das máquinas. Neste momento meu dilema como pesquisador e participante se apresenta. Como dizer o que acho sem ser apontado como uma liderança negativa e aquele que está interferindo no sucesso? Até porque em momentos anteriores havia ocorrido muita pressão sobre mim para que fizéssemos algo. A ênfase que eu colocava em capacitação, preparação e planejamento era considerada como um entrave à necessidade de ganhar dinheiro imediata. Até eu mesmo havia me questionado nos ciclos de reflexão e ação se a questão do planejamento não era uma postura de meu paradigma de administrador oriundo do mercado de grandes empresas e da academia. Logo os primeiros problemas começaram a surgir. As máquinas de costura, que se mostravam adequadas para trabalhos de artesanato quebravam com frequencia quando submetidas a um regime semi-industrial. A capacitação das mulheres se revelou insuficiente e as peças saíam com defeitos. Defeitos estes que elas a princípio queriam negar, dizendo que os serviços estavam bons. Foi necessário preparar um primeiro lote de dez peças e levar para o dono da encomenda, e verificar que oito foram rejeitadas, para que elas entendessem o nível de perfeição que seria exigido. A esta altura uma das mulheres, a mais velha delas, de 66 anos, que já havia trabalhado em indústrias de jeans e de uniformes, e que em reuniões anteriores havia sido eleita como coordenadora técnica, assumiu um papel preponderante. Ela, que até então era uma pessoa doce e agregadora, tornou-se uma espécie de chefe de oficina industrial à moda antiga, impondo um ritmo de trabalho forte, mandando as outras desmancharem as peças assim que observava defeitos e cobrando perfeição. Paulo Freire (2005 p.36) observa em relação a isso: “Raros são os camponeses que ao serem promovidos a capatazes, não se tornam mais duros opressores de seus antigos companheiros do que o patrão mesmo.” E lembra que esta situação de “consciência-hospedeira” da sombra do opressor se dá porque a situação de opressão em si não foi transformada. Neste caso está representada pelos 45 baixíssimos rendimentos, pressão por prazos, presença de intermediários que ficam com o grosso do valor do trabalho. Eu como pesquisador me sentia comovido pelo esforço, mas na dúvida sobre qual a atitude mais correta preferindo dar um passo atrás e deixar o grupo aprender. No entanto assistia com grande pesar um esfacelamento do grupo longamente constituído, a perda do capital social acumulado, a perda da confiança, o surgimento de facções rivais. Eram buscados culpados e ocorriam os mecanismos descritos por Argyris (1969), de negação, projeção, vacilação e ambivalência. Por vezes eu mesmo era responsabilizado pelo conflito, por deixar a senhora mencionada acima ser tão dura. Outras mulheres me davam a entender que eu deveria interferir para que ela não fosse tanto ao trabalho na oficina para que elas “trabalhassem em paz.” É Freire (2005) de novo que lembra que a libertação é um parto, e um parto doloroso. O pesquisador-ator participante já entra nesta comunidade de certa forma sabendo que faz parte do que é para estas mulheres o mundo do opressor. O mundo em que o trabalho que elas fazem por R$ 3,00 ao dia é, depois de passar por algumas mãos, vendido por R$ 50.00, sem que elas compreendam exatamente como isto ocorre. “Descobrir-se na posição de opressor, mesmo que sofra por este fato, não é ainda solidarizar-se com os oprimidos. A leitura e a prática de Freire (2005) e de Moreno me levaram a uma compreensão de que solidariedade e encontro ocorre quando meus gestos deixam de ser gestos sentimentais e passem a ser gestos de amor. Isto é. quando oprimidos deixem de ser uma categoria abstrata e passem a ser homens concretos, injustiçados e roubados. Estas reflexões levadas ao pé da letra talvez me levassem a agir em direção e influenciar o grupo a abandonar o mais rápido possível a encomenda desagregadora. No entanto, eu não conhecia naquele momento nenhuma outra maneira de fazer isso que não fosse manipulando o grupo a pensar como eu penso. Preferi em vez de tentar educar para algo que eu achava correto, me deixar educar pela situação e aprender com o grupo. “Desta maneira, o educador já não é o que apenas educa, mas o que, enquanto educa, é educado, em diálogo com o educando que, ao ser educado, também educa”.(Freire, 2005, p.79). Precisei manter em mente em relação à prática da PAP e do sociodrama, a questão de dissociar o que estava acontecendo no campo externo da ação do que estava acontecendo no âmbito interno de minhas reflexões como pesquisador. Mesmo que o grupo àquela altura 46 se dissolvesse, todos teríamos aprendido muito. O desfecho deste episódio foi bem difícil. Do grupo de vinte costureiras que havia se formado, apenas oito manifestaram interesse em continuar, as outras deixaram o projeto, alegando motivos diversos. A maior parte delas afirmando a necessidade inquestionável de renda imediata para sobreviver. Nestes momentos precisei de ajuda externa. Em conversa com Joceli Drummond (2008), psicóloga e psicodramatista experiente recebi o feedback de que o grupo poderia neste momento passar por um processo de dissolução. Ela me sugeriu que fossem realizadas vivências para unir e motivar o grupo. No encontro seguinte convidei então a psicodramatista para dirigir o encontro e poder depois triangular percepções. No total eram 22 mulheres neste encontro, que foi aberto a outras mulheres da comunidade. Três delas com crianças de colo, sendo que uma delas com duas. Solicitou-se a C., a mais antiga presente que apresentasse às mais novas o que estava sendo feito e o que estávamos aprendendo. Ela disse que o objetivo do trabalho era formar mulheres cidadãs, que soubessem trabalhar em grupo e com independência financeira. Passou-se a levantar as expectativas e o que as mulheres achavam de trabalhar em grupo. Algumas frases recolhidas foram: É melhor. Pode ganhar mais. Rende mais o serviço. Prefiro trabalhar só, em grupo fala muito. Pediu então que todas se levantassem, se dessem boas tardes e boas vindas e explicou que trabalharia com tricô e crochê. Distribuiu lãs e elas começaram, ainda meio desconfiadas e muitas dizendo que não sabiam. Joceli perguntou o que é trabalhar em grupo, as respostas foram registradas pelo autor da pesquisa no quadro. Com as duas últimas respostas elas explicitaram que queriam dizer que é preciso concentração e não ter vergonha de perguntar o que não sabe. O grupo trabalhou de início individualmente e depois lentamente foi incentivado a se ajudar mutuamente, a ver quem estava com mais dificuldade. Perguntou o que elas achavam que tinha a ver com trabalhar em grupo. Conceitos que surgiram durante o compartilhar: Parceria União Atingir objetivos Está difícil de fazer Vamos fazer um grande negócio 47 Tem que segurar bem e prender Um ajudar o outro Emprestar material Joceli Drummond passou então a também explicitar o que aconteceu. Lembrou que parceria é emprestar o material. Que ajudar os outros aconteceu muito, em especial as que sabiam ensinando as que nunca tinham visto tricô ou crochê. Lembrou que a mulher com a criança no colo mostrou a todas o que é perseverança e decisão, que não gosta de falar muito, mas dá o exemplo. Lembrou que é verdade que cada uma vai fazer as coisas de um jeito diferente e que é mesmo preciso lidar com os jeitos diferentes de ser. Após o grupo se unir em torno de que estes comportamentos eram negativos e deviam ser evitados, Joceli Drummond fez uma dinâmica com botões, cada uma agradecia a outras por algo, trocando um botãozinho. Várias delas mostraram coisas que estão fazendo. O que mais me impressionou foi uma blusa simples, feita por R., que até pouco tempo atrás nem sabia enfiar uma linha na máquina de costura. Figura 4 – Ajuda mútua foto: Marcos Bidart-Novaes 48 Joceli então perguntou o que atrapalhava. Conceitos que surgiram: o Parar o Desistir o Modos diferentes de fazer, jeitos diferentes de ser o Ter que aprender dá trabalho o Conversar demais o Desatenção o Desânimo o Palpite errado Figura 5 – Criança no encontro foto: Marcos Bidart-Novaes Outra importante crença a princípio velada do pesquisador, e que foi desmascarada no contato com o grupo por meio do sociodrama, é a de “comunidade”, como já alertado por Le Boterf (1999). Este termo mascara interesses opostos que existem dentro de grupos sociais, que precisam ser trazidos à tona. 49 Para mim, pesquisador de classe média, foi relevante a constatação vivencial de que no que parece ser uma “comunidade pobre”, há segmentos e frações de classe social e de identificação religiosas, com desejos e orientações diferentes. Não há em um bairro como o descrito, e no grupo de mulheres, consensos sociais e sistemas de valores comuns que lhes permitam ter de imediato qualquer forma de identidade comum para se opor a agressões culturais e econômicas exteriores. Realizar um estudo desta situação social da população ao mesmo tempo em que se integra o grupo em torno de objetivos comuns é de fundamental importância para um trabalho participativo. Há que se considerar as diferenças de poder e de inserção social como as mencionadas antes em relação à situação da liderança do grupo e seu contato com o pesquisador e com a dona da loja de bordados. Há que se considerar também dentro do próprio grupo as diferenças entre aquelas pessoas que possuem condições mínimas de sobrevivência e outras que vivem uma luta diária para tal. Figura 6 – A felicidade com a obra foto: Marcos Bidart-Novaes 50 3.3 O Sociodrama nas organizações lidando com o indivíduo Em muitos momentos do trabalho houve a necessidade de conversar individualmente com participantes. Apesar do foco do trabalho ser organizacional, a minha presença permanente em campo levou como em toda organização a interações constantes com as integrantes do grupo. Algumas conversas foram absolutamente informais, em outras o pesquisador usou de técnicas de entrevistas, tomando sempre as devidas precauções éticas. Em especial em momentos de conflito procurei conduzir entrevistas em que algumas perguntas (ou interlocuções) eram feitas usando o que aprendi com a técnica do duplo do psicodrama, como mostram os trechos abaixo. Como não era uma dramatização, não me permiti falar por ela na primeira pessoa, mas tentei expressar seus sentimentos na pergunta. Entendi que estas entrevistas (ou conversas) com as envolvidas no conflito neste momento era uma das formas de as apoiar a melhor entender o que estava acontecendo e fazer com que as próprias entrevistas fossem ferramentas comunicativas de dissolução do mesmo e não apenas ferramentas de pesquisa para uso do pesquisador. Como na entrevista com a D.A, com trechos a seguir. Pergunta: A Sra disse que está cansada? A Sra se arrepende? D.A. Estou muito cansada. Vou dois períodos. Preferia arranjar alguém que soubesse manejar as costuras. P.: Só a Sra. é profissional não é? D.A. As costureiras não são profissionais. Fazem remendos, não são a mesma coisa que profissionais. Estamos com serviço atrasado. Por mim não tínhamos pego a encomenda. É quantidade de roupa para dez máquinas trabalhando o tempo todo. As duas máquinas de lá quebram o tempo todo e a gente não consegue arrematar P.: A Sra. preferia desde o começo não pegar... e agora? 51 D.A. Estipulei para a D. que deveríamos devolver. O marido disse que não era possível, que a gente tinha que mostrar que era capaz. Mas achei que era difícil, pois precisava cinco profissionais. P.: Mas a Sra. é uma grande profissional, está ensinando muito a estas moças... D.A. Isto é bom, mas se a gente tivesse continuado com o serviço que nos começamos seria melhor. Mas a D. achou este melhor. Entendo que ela não tinha experiência deste trabalho. Tentei convencer ela que não ia dar certo. As costureiras não eram capacitadas. Eu estou sentindo na pele que o peso deste serviço está todo sobre mim. Agora melhorou que a D arranjou mais gente, mas vamos ver se vai ser aprovado. É um serviço pequeno, mas cheio de detalhes. P. O peso está todo nas suas costas? D.A. Quando fui levar as peças a mulher não aprovou nada. Arrumei as peças e mandei. Agora voltou uma das peças para arrumar uma das peças. Só eu sei fazer isso. Agora paramos a costura. D. mandou parar para separar, pois as separadeiras misturaram as peças. Uma hora faltava um bolso, outra hora uma gola. Comentamos com a D. e ela disse que achava melhor parar tudo e separar. A partir de segunda continuamos, pois se falta uma peça não podemos continuar. Ele é todo preparado aberto para depois fechar. A Sra. que pegou as peças já foram todas começadas. ............................... P. E depois desde período de aprendizado o que devemos fazer? D.A. Se ele não der um corte mais maneiro não sei. Somos hoje cinco na parte da manhã e seis na parte da tarde. Todo dia chega costureira, mas todo dia vai embora. Se manda desmanchar vai embora, descobre que é difícil. Voltava para cobrar, descobre que não tem salário, que é por peça pronta. Querem trabalhar, mas por salário fixo. P. A senhora acha melhor fazer uma colcha de retalho, uma blusa, roupas para evangélicas? (esta minha afirmação vinha de partes anteriores de nosso diálogo) 52 D.A. No meu a ver eu gostaria que fosse assim. O que não vendesse na hora, quando tivesse uma feirinha colocava uma pessoa de garra ali e vendia. A gente tem amiga tem colega, vendia, oferecia peça de roupa e vendia. P. O que aconteceu afinal? Faltou reunião? D.A. Nós assistimos uma peça na cidadania da mulher sobre um homem que chegou na cooperativa encomendou tantas peças e elas pegaram dinheiro no banco para fazer as peças. No fim o homem não veio buscar as peças e elas ficaram com a mão na cabeça. Elas ficaram depois culpando a presidente porque pegou a encomenda. (rs). Aconteceu a mesma coisa com a gente. Falei para a D. que era cedo para a gente pegar 1000 e poucas peças. Mesmo que o grupo àquela altura se dissolvesse, todos teriam aprendido muito. A própria D. A havia feito e concluído cursos de cooperativismo. Figura 7 – O orgulho com a conquista foto: Marcos Bidart-Novaes 53 3.4 A decisão de constituir a cooperativa: conflitos, erros e acertos. Em novembro de 2007 um novo momento importante acontece. A outra parte do grupo, formada pelas bordadeiras, vive um acontecimento importante. Desde setembro a líder do grupo havia conseguido identificar no bairro do Brás, área atacadista têxtil de São Paulo, a loja de propriedade de uma senhora coreana em que os produtos artesanalmente bordados por elas eram expostos e comercializados. Em contato com esta comerciante havia sido possível convencê-la de que os bordados eram feitos por um único grupo de mulheres na periferia de São Paulo. A comerciante concordou em fazer uma experiência com 1000 peças iniciais, pelas quais pagaria R$ 5,00 por bordado, mais do que o dobro do que elas vinham recebendo até então. A líder do grupo decide então que é momento de compartilhar riscos e tarefas e formar a cooperativa. Após consulta ao pesquisador, contas são feitas chega-se à conclusão que, se do grupo de 200 mulheres que hoje bordam com ela, ao menos 100 concordassem em autorizar que de seus ganhos mensais R$ 10,00 (duas peças) fossem destinadas para o sustento da cooperativa, a mesma poderia sobreviver. Com esta renda de R$ 500.00 seria possível pagar o aluguel de uma pequena loja e o salário de uma pessoa para controlar a chegada das mercadorias e a distribuição das mesmas entre as mulheres. Iniciou-se aqui o que apenas depois percebi ser uma sucessão de erros. A conseqüência de querer impor a criação da cooperativa de cima para baixo foi que as mulheres sentiram que tinham que “pagar para trabalhar”, como algumas diziam. Outros repassadores de bordados da comunidade insuflaram este pensamento, uma vez que o valor maior que estava sendo pago em nosso empreendimento trazia para nosso grupo as melhores bordadeiras. Outro fator só foi compreendido por mim mais tarde, por meio da leitura de outros trabalhos. Reconheço hoje que meu paradigma de pensar mensalmente em determinadas contas não era compartilhado pelo grupo das mulheres mais carentes, em especial aquelas que ou não tinham maridos, ou cujos maridos não tinham salários. Abrir mão de US$ 5.00 significava abrir mão de comida suficiente para uma semana. Isto para sustentar algo que ela ainda não percebia como dela, uma cooperativa com a qual o senso de pertencimento (ou pertenência) ainda não havia sido construído. Percebeu-se depois que a confiança e a vontade de empreender coletivamente foram superestimadas pela liderança do grupo e por 54 mim naquele momento, sem levar em consideração que neste empreendimento não havia nenhuma hierarquia formal e os vínculos ainda estavam em formação. Alguns comentários surgiram de que a líder do grupo queria cobrar a mensalidade para enriquecer. Isto quase a levou a desistir de todo o projeto e de repassar bordados em geral, já que ela é casada com um senhor, garçom de profissão, que tem um bom emprego e na verdade ela era uma das menos necessitadas financeiramente. Além de ter fortes características de empreendedorismo social, sempre teve lojas ou pequenos negócios de venda porta a porta. Aqui sim o autor da pesquisa decidiu intervir com mais vigor, agindo como “palestrante” e consultor, com o intuito apenas de ajudar a fazer com que o momento de maior tensão e conflito fossem superados, e que a atitude de abandonar o projeto não fosse tomada neste momento de emoção. Gesto de altruísmo do pesquisador ou pensamento voltado para a realização da dissertação de mestrado? De novo aqui há que se separar os dois ciclos, o da ação e o da pesquisa, em que reflexões e até estas reflexões sobre meu mundo interior são tecidas. Fato é que na prática, a continuidade do trabalho e a superação do conflito eram boas para o grupo e da transformação social. Fosse na forma de uma cooperativa, de uma associação ou de uma empresa limitada, tendo apenas a líder e mais algumas mulheres à frente, o novo negócio distribuía mais riqueza entre os membros daquela comunidade do que a forma anterior. Permitia que elas continuassem trabalhando em horários flexíveis, cuidando de seus filhos e ganhando o dobro. 55 CAPÍTULO 4. ANÁLISE DOS RESULTADOS Franco (2005) lembra que há a necessidade de conseguir, no grupo, um espaço de permissão para poder pesquisar com o próprio grupo, no ritmo e maneira que este autorizar. O desejo de chegar e imediatamente começar a pesquisar, com modelos predeterminados pelo pesquisador pode levar a silêncios insuperáveis. Este risco houve no início do trabalho e precisou ser superado com paciência e calma, esquecendo o objetivo da constutuição da cooperativa e me deixando levar pelo grupo. A superação das diferenças se dá porque o sociodrama é uma forma de ação comunicativa (Habermas, 1982) altamente interativa que se constrói a partir do coletivo, do grupo. Como o diretor está também muito próximo e não atrás de cortinas ou nos bastidores, a ação emerge como processo dialógico e que transforma a todos, inclusive ao pesquisador-diretor-ator. Quando a serviço de comunidades carentes, o sociodrama não visa eficiência ou eficácia organizacional garantida, mas sim esta ação dialógica, vital que emerge do mundo experienciado por todos, a partir de momentos de espontaneidade e criatividade. Trata-se de uma ação nascida na situação e que oferece caminhos para escapar desta situação. É comunitária, busca compreensão e consenso, negociação e acordo. É axiológica, uma vez que parte da crença na validade das normas discutidas. No caso das mulheres bordadeiras, não se tratou de descongelar apenas as convicções das mulheres. Talvez as maiores convicções que precisaram ser revistas foram as minhas próprias. Porque exigir tanto planejamento imediato? A pressa era do grupo ou de meu prazo de entrega de trabalho? Porque orientar o grupo na direção de um negócio formal quando a realidade das mulheres é a da economia informal? Fals Borda (1982) afirma que a superação das diferenças deve vir com autenticidade e sem disfarces. Afirma que ao contrário do que ocorreu nos anos 60 e 70, o pesquisador não deve sair da universidade com o propósito de se “assimilar” ao homem comum. O autor colombiano sugere que a superação das diferenças se dará, entre outros aspectos, pelo compromisso honesto do pesquisador com a causa popular, pela ausência de arrogância intelectual e pela incorporação de “pessoas das bases sociais como indivíduos ativos e pensantes nos esforços de pesquisa” (FALS BORDA, 1982, p. 55). Na vertente latinoamericana da pesquisa-ação, “[...] a investigação, a educação e a ação social convertem-se em momentos metodológicos de um único processo dirigido à transformação social” 56 (BRANDÃO, 2006, p. 43). Como esta modalidade de pesquisa é um ato então político claro e assumido é importante que este ato seja por outro lado não doutrinário e afastado de movimentos partidários ou religiosos (GAJARDO, 1999), o que poderia aprofundar as diferenças preexistentes. Franco (2005) nos lembra que os acordos resultantes das negociações feitas no âmbito de pesquisas participativas, são intersubjetivos, negociados criticamente e baseados em racionalidade comunicativa e diálogo. Diferente dos acordos baseados em racionalidade estratégica, impostos por meio de gratificações, sugestões frias e ameaças veladas ou explícitas e para os quais o que conta é o sucesso das ações propostas. Na ação comunicativa, que caracteriza tanto a PAP quanto o sociodrama humanista, os participantes podem chegar a um conhecimento compartilhado que tece uma estrutura de confiança e compromisso, sem indução de valores e convicções. A cooperativa no sentido jurídico não se constituiu, mas o empreendimento coletivo de bordados com a líder do grupo e mais duas mulheres á frente do projeto sim. As histórias que se ouviam eram de que mulheres que antes faziam 60 peças por mês e viviam com US$ 120.00 / mês, com o aumento do valor por peça haviam se animado a produzir mais e haviam trazido até maridos antes catadores de lixo para os bordados, tendo a renda familiar subido para em torno de US$ 500.00. Isto permitia com estas famílias conversas sobre novos interesses e negócios. No entanto, pelos acontecimentos do passado e da experiência comum, desde que não se falasse no assunto cooperativa. O maior conhecimento técnico e acesso a determinados recursos do pesquisador participante permite a manipulação de grupos populares. Esta manipulação pode se dar com falsas promessas, como é caso de algumas pesquisas participantes feitas no passado com objetivos claramente militantes. Mas este não é o ponto ser analisado aqui. A questão que neste trabalho desejo abordar como resultado final é a análise dos pontos em que é possível a convivência entre sociodrama e pesquisa-ação e de outros em que talvez seja necessária e desejável uma vida à parte. Silva e Silva (2006 p.125) lembra que “[...] uma proposta de construção de conhecimento comprometida com a mudança social implica em tomar criticamente a realidade como objeto de pesquisa e requer a inserção do pesquisador na realidade social”. Esta inserção exige explicitação da intencionalidade, sem nenhum pressuposto de 57 neutralidade. Explicitação não só da ideologia do pesquisador, mas de sua postura em relação à educação e a que tipo de trabalho foi realizar em uma comunidade. Na medida em que a pesquisa-ação participante, em especial quando realizada com adultos em comunidades carentes é uma prática educativa, desde as suas origens, os dilemas do pesquisador surgem de sua postura. Na visão “bancária” da educação o saber é uma doação dos que se julgam sábios aos que julgam nada saber (Freire, 2005, p. 67). Pesquisadores e sociodramatistas arraigados a esta visão terão a tendência de manipular grupos para que estes se adequem ao conhecimento administrativo e organizacional do paradigma vigente. Outro dilema com que me deparei é que com o grande contato com o grupo, surgiu uma riqueza enorme de dados e assuntos ligados à realidade da vida das mulheres. Estas talvez quisessem trabalhar sociodramaticamente os obstáculos ao trabalho ligados aos maridos, comunidade, filhos, religião etc, mas que minha agenda como mestrando impedia. Isto certamente exigiria uma equipe de experientes psicodramatistas e sociodramatistas voluntários, com disponibilidade para se deslocar para a Cratera da Colônia em outros horários que não interferissem no meu trabalho e acordados com o grupo. A questão é exatamente como possibilitar que novos conhecimentos sobre novas possibilidades organizacionais, de geração de emprego e renda e de superação de questões de gênero, raça, deficiência e qualquer tipo de opressão surjam para esta massa de desempregados e subempregados. Conhecimentos que sejam gerados no seio das próprias comunidades e assim possam ser mais facilmente transmitidos e compreendidos para outras com as mesmas características, de tal forma que contradições sejam superadas. A educação “bancária” que Paulo Freire (2005) critica é esta que deposita, transfere e transmite valores e conhecimentos. Na área de Administração isto é um grande desafio: como lidar com populações de baixa renda criando uma linguagem comum e nova, um universo cultural comum, sem considerar os sujeitos com quem se trabalha em comunidades pobres iletrados ou ignorantes. O que de fato não são, pois sobreviver com R$ 3,00 por dia exige enorme conhecimento e sabedoria. Para o sociodrama o desafio é o mesmo. Realmente enxergar aquela pessoa com quem se trabalha como detentora de um enorme poço de saber, capaz de, com o devido apoio e em uma linguagem muito mais eficaz, coordenar sessões, aquecer e dirigir cenas e fazer com que as comunidades compartilhem seus sentimentos com mais coração do que elementos vindos de fora. 58 CAPÍTULO 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS As bordadeiras conseguiram, desde o mês de setembro de 2007, quebrar a barreira do intermediário e elas mesmas irem ao Brás e pegarem as peças que bordam. Recebem por peça em torno de R$ 4,00 a R$ 5,00, em vez do R$ 1,00 a 1,20 que recebiam quando dependiam das intermediárias. Segundo relatos colhidos pelo próprio pesquisador isto faz toda a diferença em termos de renda familiar hoje para estas mulheres. Além do trabalho com bordados se dedicam como grupo a fazerem trabalhos para serem vendidos na comunidade, como colchas de retalhos, trabalhos de “fuxico” e outras atividades artesanais. Figura 8 – A colcha que aquece e descongela a vida Foto: Marcos Bidart- Novaes Isto leva à reflexão de que a formação psicodramática e sociodramática deve se preocupar com uma pesquisa de alto nível, estratégica e de longo prazo. Pode ter cursos que 59 continuem dialogando com a base teórica de Moreno e com sua aplicação em pequenas intervenções, mas precisa estar atenta às emergentes necessidades sociais e intervenções de longo prazo. Uma preocupação com uma fundamentação epistemológica aprofundada deve ser uma constante participação do pesquisador na realidade pesquisada, ou de ação conjunta com o sujeito da pesquisa não deve ser vista como um afastamento dos ideais científicos. Argumentos para uma compreensão diferente sobre a relação entre teoria e práxis na pesquisa social podem ser encontrados tanto no pragmatismo, quanto no humanismo, ou ainda no materialismo dialético dos movimentos ecológicos, feministas e sociais. O pesquisador que utiliza a pesquisa-ação participante em conjunto com o sociodrama se defronta com grande complexidade ética e epistemológica ao lidar com as diferenças culturais que permeiam o encontro do seu universo com o de grupos oprimidos, dentro de uma sociedade marcada por profundos processos de exclusão social e intelectual. Há a necessidade de estabelecimento de um clima de parceria, negociação, transparência e compromisso, fundamentais para permitir que os sujeitos se solidarizem e abram espaços para a quebra de silêncios e o início de diálogos e processos comunicativos, bem como com uma maneira não manipulativa de lidar com conflitos. No entanto, estes conflitos podem vir a ocorrer, com maior ou menor intensidade, causados por inexperiência e pressa do grupo ou minha enquanto pesquisador, como evidenciado acima. Quando os conflitos ocorrem, não há como se manter à distância, na postura de observador pretensamente neutro, ou buscar “acalmar” o grupo por meio de jogos manipulativos para uma calmaria que pode só apaziguar a mim mesmo. Cabe a mim, como pesquisador profissional e sociodramatista, iniciar espaços para a superação dialógica dos conflitos, cabe à pesquisa-ação participante e ao sociodrama imbuirem-se de seu papel e tornarem-se instrumentos políticos de dissolução, resolução, ou até mesmo ampliação do conflito. Conflitos fazem parte de processos de mudanças. Cuidado e sensibilidade são características essenciais do pesquisador envolvidos em situações como essas. Pesquisadores da área organizacional precisam especial atenção com uma ida a campo influenciada por um paradigma que exige resultados mensais, lucros anuais, objetivos claros e planos. A pesquisa-ação participante aliada ao sociodrama no âmbito organizacional é acima de tudo um empreendimento educativo que oferece às pessoas condições de se 60 perceberem como sujeitos sociais, dotados de consciência, desejo e vontade e que solicitam espaços para auto-expressão e convivência coletiva. É no coletivo, no diálogo com suas circunstâncias, que cada sujeito vai atribuindo sentido à existência coletiva e se comprometendo. Nesse processo, cada um dos envolvidos aproxima consciência e ação; reflexão e práxis. É esta alternância entre ação e reflexão que precisa permitir ao grupo encontrar solução para seus conflitos, por mais simples que seja sua linguagem e sua forma simbólica de representar os eventos. O pesquisador pode apoiar esses ganhos simbólicos, e possibilitar aos sujeitos vivenciar e construir atitudes críticas construtivas, que são fundamentais para a construção e produção de conhecimentos. A maior limitação sobre a qual deve refletir um pesquisador que se envolve em um projeto que use o sociodrama no longo prazo são os vínculos que se formar com os grupos e as diferentes demandas que vão surgindo. Estas transcendem o objetivo inicial da pesquisa e podem confundir e exaurir emocionalmente o pesquisador. Mesmo que este se atenha aos aspectos de sua área de atuação, neste caso a Administração, a limitação é o próprio paradigma vigente na academia e a visão do empreendedorismo como um fenômeno ligado à formalização de negócios planejados e executados com rigor. Cabe ao pesquisador buscar dentro de si próprio o tamanho da marca do paradigma da administração tradicional. Esta ciência, por carência de uma ontologia própria possui muitas vertentes, na administração da produção, em finanças comportamentais, psicologia social aplicada a recursos humanos etc.. Com que ritmo e com que flexibilidade o pesquisador / diretor sociodramático está permitindo que o grupo construa conhecimento por si próprio, ou está levando ensinamentos e conhecimentos sustentáveis ou ainda ensinando técnicas superficiais a sujeitos da prática deve ser motivo de reflexão permanente. Cabe a este pesquisador ou a esta pesquisadora olhar para si próprio e se perguntar se olha para estas pessoas como iguais com quem aprende ou como ignorantes a quem tem que ensinar técnicas superiores. Resta ao pesquisador voltar-se permanentemente para si próprio em busca de seus motivos e seus objetivos com rigor, olhando para os sujeitos e seus subjetivos com amor. Nos momentos de conflito, mais do que nunca precisei de reflexão e de uma rede de apoio para fazer aquilo que em processos terapêuticos seria chamado de “supervisão” para o psicólogo. Acredito que isso não só qualificou o meu trabalho profissional como 61 pesquisador como também abriu espaço para as vozes dos sujeitos. Da mesma forma que preciso dessas vozes mais experientes para produzir conhecimentos através delas, os sujeitos precisam de pesquisadores menos experientes como eu, mas talvez com mais disponibilidade para ir a campo, como forma de expressar suas vozes e, nesse processo, de ouvir as próprias vozes. Assim, pesquisadores e sujeitos aprendem a ouvir os outros e transformar coletivamente maneiras individualistas de pensar. A pesquisa-ação participante e o sociodrama são instrumentos formativos de ambos os lados, sujeitos de pesquisa e pesquisadores. Geram práticas educativas que transcendem seus objetivos iniciais. O pesquisador qualifica-se ao incorporar a cultura local, trabalhar sobre ela, superar-se em seus questionamentos; surpreender-se com as respostas do grupo. Os sujeitos da prática por sua vez, além de resolverem os problemas de seu cotidiano, envolvem-se em processos coletivos ligados a suas experiências e valores; surpreendem-se ao se confrontarem com seus pressupostos de vida e formação e criam coragem para empreender mudanças. A ruptura do silêncio, a abertura do espaço comunicativo e a superação dos conflitos não foram processos lineares e sim feitos de idas e vindas. Quando a comunicação vigente era de desânimo de que “não ia dar certo”, foi necessário mais do que nunca para o pesquisador evitar qualquer tipo de manipulação consciente do grupo. Manipulação esta que, segundo Freire (2005, p. 168), provoca um tipo inautêntico de “organização” e evita que camadas populares encontrem maneiras verdadeiramente autônomas emancipatórias de se estruturar. A construção desse universo comum é feita através do diálogo sobre o objeto a ser conhecido e sobre a representação da realidade a ser transformada e é realizada por meio de questões provocadas pelo pesquisador principal, aprofundando as leituras de mundo dos sujeitos envolvidos. O debate que surge daí possibilita uma releitura da realidade de onde pode resultar um maior engajamento dos participantes em práticas políticas com vista à transformação da realidade. Como fazer isso não manipulando o grupo, evitando forçar o mesmo a pensar como o pesquisador e mudando a mentalidade das pessoas? Neste caso, a preferência do autor da pesquisa foi por em vez de tentar mudar o curso dos acontecimentos, e “educar” o grupo para algo que achava correto, se deixar educar pela situação e aprender com o grupo. 62 “Desta maneira, o educador já não é o que apenas educa, mas o que, enquanto educa, é educado, em diálogo com o educando que, ao ser educado, também educa” (Freire, 2005, p. 79). Neste caso o que procurei manter em mente como pesquisador-ator participante e diretor sociodramático foi a separação do que estava acontecendo na prática do que estava acontecendo no campo de minhas reflexões como pesquisador. Não no sentido de busca de objetividade e neutralidade, como na ciência positivista, mas em busca de uma máxima possível objetividade e rigor em relação a mim mesmo. Isto implica em reconhecer minha impotência como pesquisador sobre como determinar o que é certo ou errado para o grupo em prazos mais longos. Implica em reconhecer minha crença de que o maior aprendizado possível é aquele feito pelo grupo em seu ritmo e em sua forma de aprender, mesmo que passando por uma frustração momentânea. Para mim ficou evidente que a pesquisa-ação permite a mediação entre pesquisadores e sujeitos da prática. Isso qualifica o trabalho do profissional pesquisador e abre espaço para as vozes dos sujeitos. Precisei dessas vozes para produzir conhecimentos e as mulheres bordadeiras se apoiaram em mim e no sociodrama para encontrar formas de expressar suas vozes e, nesse processo, ouvir as próprias vozes. Assim, aprenderam a ouvir os outros e com os outros. Construiu-se assim um processo mútuo de qualificar a produção de conhecimentos e de qualificar a vida dos sujeitos. É mais que tudo a mediação entre o exercício profissional e a existência. Desse modo, reafirmo que, acima de tudo, a pesquisa-ação que eu me permitiria agora de chamar de sociodramática é um empreendimento educacional e criativo. Oferece às pessoas condições de se perceberem como sujeitos sociais, dotados de consciência, desejo e vontade e que solicitam espaços para auto-expressão e convivência coletiva. É no coletivo, no diálogo com suas circunstâncias, que cada sujeito vai atribuindo sentido à existência coletiva e se comprometendo. Nesse processo, cada um dos envolvidos aproxima consciência e ação; reflexão e práxis. Posso hoje afirmar que a participação em uma pesquisa-ação sociodramática possibilita aos sujeitos vivenciar e construir atitudes críticas e emancipatórias que são fundamentais para a construção e produção de conhecimentos, habilidades e atitudes para além daqueles que foram os focos da pesquisa. 63 Esses comportamentos, habilidades e atitudes se generalizam para outras esferas da vida dos sujeitos. Transformam-se em processos educativos de formação e de descongelamento de velhas práticas ou conservas como diria Moreno. A pesquisa-ação sociodramática funciona como um instrumento de formação e desenvolvimento de encontros e diálogos entre o sujeito e sua existência; entre o saber e o fazer; entre a ética e o método; quebrando silêncios que foram historicamente construídos nessas relações. E, finalmente, permitindo aos sujeitos da prática, entre eles o pesquisador, superar a resignação para transformar sua realidade, encerrando esperas e iniciando esperanças. 64 REFERÊNCIAS AGUIAR, Moisés. The theatre of spontaneity and psycodrama psycotherapy. In: Sambadrama. FIGUSCH, Zoltan (ed. and transl.). London and Philadelphia: Jessica Kingsley Publishers, 2006, p.141-156 ARGYRIS, Cris. Personalidade e Organização. Rio de Janeiro: Editora Renes, 1969 BACON, Francis. Novum Organum ou Verdadeiras Indicações Acerca da Interpretação da Natureza. disponível em < http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/cv000047.pdf > acesso em 8.2.2009 Créditos da digitalização: Membros do grupo de discussão Acrópolis (Filosofia) Homepage do grupo: http://br.egroups.com/group/acropolis/ BARBIER, René. A pesquisa-ação. Brasília: Liber Livro Editora, 2004. BERTALANFFY, Ludwig van. Teoria geral dos sistemas. Petrópolis: Vozes, 1973. BIDART NOVAES, Marcos. 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