7ago 2015 Indicadores econômicos da produção de borracha natural no Brasil Por Camila Braga* 1. Introdução A borracha natural, importante commodity agrícola, ao lado do aço e do petróleo, é considerada produto estratégico para a economia global. Ela é essencial para a manufatura de artefatos usados na indústria pneumática e automotora, aviões e tratores agrícolas, além de utilizada na fabricação de pisos industriais, luvas e materiais cirúrgicos. *Camila Soares Braga é Engenheira Florestal e Segurança do Trabalho; Mestre em Ciências Florestais. Assessora técnica da Comissão Nacional de Silvicultura e Agrossilvicultura da CNA. A indústria pneumática consome 75% da produção mundial de borracha natural. A quantidade média de borracha natural na fabricação de pneus varia em razão do uso, conforme a resistência necessária para suportar o impacto com o solo. O Instituto Agronômico – IAC informa que a porcentagem da borracha pode variar de 16% a 100%, na composição dos pneus de automóveis e de aviões, respectivamente. A crescente demanda mundial por borracha natural e a diversidade da aplicação na indústria conferem o elevado grau de importância econômica da heveicultura. Além disso, a seringueira, cultura produtora da borracha natural, consolida-se como ótima alternativa para a produção rural, por se tratar de uma atividade agrícola que, exceto pelo treinamento do sangrador, é de fácil condução, além de fixar a mão de obra no campo. No Brasil a seringueira é cultivada em 12 estados: São Paulo, Bahia, Mato Grosso, Minas Gerais, Goiás, Espírito Santo, Pará, Tocantins, Mato Grosso do Sul, Paraná, Amazonas e Acre. O setor que emprega uma pessoa por quatro hectares plantados (Portal Hevea Brasil) é responsável pela geração de 80 mil postos de trabalho no país. A safra da seringueira é de 10 meses e, mantidas as técnicas adequadas de manejo do plantio, produzirá látex por mais de 30 anos. Sua madeira também pode ser aproveitada, gerando renda para renovação do seringal. Apesar de já haver no mercado a borracha sintética, obtida do petróleo, as características de flexibilidade, resistência, impermeabilidade e capacidade de isolamento elétrico são oferecidas apenas pela borracha natural (NETO & GUGLIELMETTI, 2012). Isso indica sua importância para a segurança e qualidade de vida das pessoas, além do aspecto ambiental, ao contribuir para o cumprimento das metas brasileiras de redução de emissão de carbono, estipuladas por acordos internacionais. A seringueira é de origem nativa do Brasil, porém possui como maiores produtores mundiais a Malásia, Tailândia, Indonésia, Vietnã, Índia e China. A produção brasileira corresponde apenas a 1,5% da mundial, posição que afasta o país das discussões sobre os rumos da heveicultura mundial, tendo participação irrelevante na sua cotação nas bolsas internacionais (NETO & GUGLIELMETTI, 2012). De toda borracha importada, aproximadamente, 50% é originária do continente asiático. Nacionalmente a heveicultura possui histórica dependência da borracha importada, que atualmente responde por 2/3 do consumo no Brasil. Essa dependência é reflexo, principalmente, da crescente demanda das indústrias automotoras e pneumáticas. Conforme informado pela Agência Nacional de Transportes Terrestres - ANTT (2015), a frota de veículos de cargas aumentou de 1,3 milhão a 2,3 milhões de unidades, entre 2008 e 2014. A balança comercial dos produtos florestais, apesar de positiva, com o saldo de US$ 7,4 bilhões em 2014 (SECEX/MDIC, 2014), sofre grande impacto da importação da borracha natural, correspondendo a 24%, em média (2006-2014), da importação de todos os produtos florestais. Em 2005, o Governo Federal incluiu na Política de Garantia de Preços Mínimos – PGPM a borracha natural para os produtores rurais e cooperativas. O preço mínimo é estabelecido para o coágulo, com 53% de DRC (dry rubber content), que representa o conteúdo de borracha seca. Algumas regiões comercializam o coágulo com diferentes porcentagens de borracha seca, sendo necessária a sua conversão para comparativo. Naquela época, o preço mínimo da borracha seca foi estipulado em R$ 1,00. Desde então, houve evolução gradativa e atualmente está em R$ 2,00 (mai/2015). Quando o preço de mercado do produto está abaixo do valor de referência, o Governo Federal concede subvenção econômica denominada Prêmio Equalizador Pago ao Produtor – PEPRO. Essa politica consiste na venda do produto pela diferença entre o valor de referência e o valor do PEPRO, arrematado em leilão, obedecida a legislação do ICMS vigente em cada Estado (CONAB, 2015). Apesar da tentativa do Governo Federal em garantir uma renda mínima para os heveicultores, o preço mínimo de R$ 2,00/kg não é suficiente para a manutenção da cultura, em diversas regiões produtoras no país. A atividade de sangria é realizada por parceiros sangradores, responsáveis pela parte operacional e coleta do látex. Ao proprietário cabe a comercialização e a manutenção do seringal. Na maioria das regiões produtoras os sangradores recebem de 30% a 40% da produção, respondendo pelos tratos culturais, sangria, coleta e transporte. Aos proprietários cabe o fornecimento de moradia e insumos, administração e a comercialização. Outra opção utilizada em algumas regiões é o contrato de trabalho pela CLT. No entanto, a queda de preços do produto, observada nos últimos dois anos, tem forçado produtores a suspenderem a sangria das árvores, pois, os sangradores, para compensarem a redução no lucro, estão exigindo mais de 55% da produção. Nas regiões mais afetadas, muitos heveicultores estão desestimulados a permanecer na atividade, suspendendo a sangria das árvores, ou como relatado por produtores do estado do Mato Grosso, substituindo a seringueira por outras culturas agrícolas mais rentáveis (Figuras 1 e 2). A médio e longo prazo, essa situação agravará ainda mais a dependência brasileira na borracha importada. 1 Figuras 1 e 2 – Corte de seringal para substituição de cultura em Mato Grosso. 2 2 Para conhecimento do custo de produção e entendimento dos fatores que afetam a rentabilidade do seringal nas principais regiões produtoras do país, a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil - CNA incluiu, em 2013, a heveicultura no Projeto Campo Futuro. Esse projeto conta com a parceria do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural – SENAR, da Universidade Federal de Viçosa – UFV e do apoio das Federações de Agricultura e dos Sindicatos Rurais. A metodologia utilizada no Projeto Campo Futuro, denominada Painel, consiste na definição da propriedade típica de produção da região estudada e levantamento dos indicadores para o cálculo do Custo Operacional Efetivo (COE), Custo Operacional Total (COT) e Custo Total (CT); Receita (RBT), Margem Bruta (MB), Margem Líquida (ML) e Lucro (L). Quadro 1 – Principais indicadores do custo de produção do Campo Futuro INDICADOR COE COT CT RBT MB ML L DESCRIÇÃO Gastos do ciclo produtivo (desembolso direto do produtor) COE + pró-labore + depreciações COT + remuneração do capital empatado Preço de venda x quantidade vendida RBT - COE RBT - COT RBT - CT Os Painéis foram realizados em Guarapari (ES), Igrapiúna (BA), Monte Aprazível (SP), Gaúcha do Norte (MT) e São Mateus (ES). Em 2015, Ituberá (BA) também foi incluído no projeto. Após a realização dos Painéis in loco, a CNA acompanha mensalmente o preço dos insumos utilizados na cultura e atualiza os custos de produção. 2. Resultados e Discussão A queda no preço da borracha natural é consequência da redução do consumo pelos principais países consumidores. A grande oferta mundial do produto e as altas produtividades dos países asiáticos e alguns países africanos também têm contribuído para esse cenário (Portal Borracha Natural). Além disso, o custo de produção no Brasil é superior em razão dos encargos trabalhistas, tributações e exigências ambientais. Os produtores brasileiros que dependem de mão de obra externa por meio de contrato de parceria com sangradores são os que mais têm sentido os efeitos da crise. Com a redução do preço de mercado do coágulo, os sangradores estão exigindo reajuste no percentual de parceria com os produtores. Atualmente, considerando os indicadores calculados, a heveicultura não está remunerando o produtor rural em nenhuma região analisada (lucro negativo). O preço do coágulo (53% DRC) está abaixo do preço mínimo (R$ 2,00) em todas as regiões avaliadas, justificando participação nos leilões de PEPRO da Conab. Independente do modelo de produção, a heveicultura vem sendo prejudicada pela redução nos preços do coágulo, que reflete na diminuição do lucro do produtor e do sangrador (parceiro). Os resultados coletados mostram essa redução de preço, que em média foi de 27% nas regiões avaliadas: São Mateus (-31%), Monte Aprazível (-30%), Igrapiúna (-28%), Gaúcha do Norte (-22%) e Guarapari (-20%). Os produtores são os principais prejudicados, pois, de maneira geral, como o sangrador recebe parte da produção, seu lucro é sempre positivo, enquanto o lucro do produtor, dependendo do preço do coágulo e do custo de produção, pode ser negativo, ou seja, 3 ter prejuízo na produção. Apesar disso, a remuneração que os sangradores têm tido não é suficiente para mantê-los na cultura, resultando em uma exigência no reajuste do percentual de parceria para até 55% da produção, agravando ainda mais a situação econômica dos produtores, conforme relatado durante a realização dos Painéis. Os resultados mostram que as piores situações se encontram na região de Gaúcha do Norte/MT, onde em nenhum mês durante o período avaliado, o preço de mercado do coágulo esteve acima do COE (Figura 3), e na região de Guarapari, onde somente durante os três primeiros meses de avaliação (set-dez/2013), o preço do coágulo foi superior ao COE (Figura 4). Gaucha do Norte/MT Fonte: UFV/CNA Figura 3 – Evolução dos principais indicadores econômicos da heveicultura em uma propriedade moda da região de Gaúcha do Norte/MT1. GUARAPARI/ES Fonte: UFV/CNA Figura 4 – Evolução dos principais indicadores econômicos da heveicultura em uma propriedade moda da região de Guarapari/ES2. Observa-se que a queda de preço de mercado do coágulo é o principal fator de impacto, pois o Custo Operacional Efetivo manteve-se com pouca variação, no período avaliado. 1 O coágulo na região de Gaúcha do Norte é comercializado com 57% DRC. Foi utilizado o fator de 0,93 para conversão para 53% DRC. 2 O coágulo na região de Guarapari é comercializado com 61% DRC. Foi utilizado o fator de 0,87 para conversão para 53% DRC. 4 3. Conclusões Os dados apresentados evidenciam que o país deverá estabelecer uma política de fomento e incentivos fiscais à produção nacional para a heveicultura se tornar competitiva com os principais produtores mundiais. O cenário atual indica o desmantelamento de toda cadeia produtiva, formada por produtores, sangradores, usinas de beneficiamento, viveiristas e produtores de insumos específicos para a cultura. A dificuldade de competição com os principais produtores asiáticos é a principal explicação para o cenário apresentado. O grande investimento e volume de borracha produzido – desde a introdução da seringueira em seus territórios pelos ingleses, no final do século XIV (GAMEIRO, 2003) –, os tornaram competitivos, uma vez que a mão de obra, principal custo da produção, é relativamente menor nesses países. Como medida imediata, é necessária a regulamentação dos contratos de parceria agrícola entre produtores e sangradores, uma vez que o componente que mais onera o custo de produção da heveicultura nacional é a mão de obra. Sugere-se também a inclusão da borracha natural na Lista de Exceções à Tarifa Externa Comum – LETEC com elevação da alíquota de importação (de 4% para 20%). Em que pese parecer um aumento substancial para indústria automobilística, o impacto é pequeno no preço final de um automóvel, visto que o custo da borracha no valor de venda de um carro popular é aproximadamente 0,5%. A cultura da seringueira é perene, produz por até 30 anos, e inicia a sangria após o sétimo ano do plantio. No entanto, o payback, que corresponde ao período necessário para a recuperação do capital investido, é dado entre doze e quinze anos, com valor presente líquido (VPL) positivo após 12 anos (FERREIRA et al, 2014). É imprescindível a elaboração de um plano nacional para estímulo à reforma de seringais que possuem clones antigos e de baixa produtividade, muitos deles recomendados pelo governo federal nas três edições do Programa de Incentivo à Produção de Borracha Natural – PROBOR I (1972), PROBOR II (1977) e PROBOR III (1982). Pretende-se com essas medidas melhorar a remuneração da cadeia produtiva da borracha natural, como forma de atrair maiores investidores para a cultura e elevar a produção de borracha natural no País. Essas medidas em conjunto contribuirão para, além da melhoria da remuneração do produtor, a fixação do homem no campo, gerando empregos e desenvolvimento rural, redução da dependência externa pelo produto e o impacto negativo na balança comercial brasileira. 4. 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