UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA
MARCIA SANDRINI CASCAES PEREIRA OLIVEIRA
O MANEJO QUE PROFISSIONAIS DA SAÚDE REALIZAM PARA PREVENIR O
SUICÍDIO EM CASOS QUE ENVOLVEM RISCO DE SUICÍDIO
Palhoça
2008
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MARCIA SANDRINI CASCAES PEREIRA OLIVEIRA
O MANEJO QUE PROFISSIONAIS DA SAÚDE REALIZAM PARA PREVENIR O
SUICÍDIO EM CASOS QUE ENVOLVEM RISCO DE SUICÍDIO
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso
de graduação em Psicologia da Universidade do Sul de
Santa Catarina – UNISUL como pré-requisito parcial
para obtenção de título de Psicólogo.
Orientadora: Profª Nádia Kienen, Drª.
Palhoça
2008
3
MARCIA SANDRINI CASCAES PEREIRA OLIVEIRA
O MANEJO QUE PROFISSIONAIS DA SAÚDE REALIZAM PARA PREVENIR O
SUICÍDIO EM CASOS QUE ENVOLVEM RISCO DE SUICÍDIO
Este Trabalho de Conclusão de Curso foi julgado
adequado à obtenção do título de Psicólogo e
aprovado pelo Curso de Psicologia da Universidade
do Sul de Santa Catarina.
Palhoça, 20 de novembro de 2008.
______________________________________
Prof. Orientadora Nádia Kienen, Dr.
Universidade do Sul de Santa Catarina
______________________________________
Prof. Maria do Rosário Stotz, Dr.
Universidade do Sul de Santa Catarina
______________________________________
Prof. Maria Ângela Giordani Machado, Msc.
Universidade do Sul de Santa Catarina
4
AGRADECIMENTOS
Ao meu marido Guilherme, que sempre foi um grande incentivador e o fornecedor
do melhor suporte emocional para que eu não arrefecesse diante das dificuldades do recomeço
e realizasse o desejo de cursar psicologia.
Aos meus “paitrocinadores” em todos os sentidos. Por me incentivarem e
oportunizarem a concretização de mais esse desejo. Pela dedicação que sempre
empreenderam buscando o bem estar de nossa família. Por me encherem de orgulho por
serem pessoas tão maravilhosas.
A meu sobrinho e afilhado Lorenzo, meu melhor sujeito de pesquisa. Nasceu
justamente quando iniciava as disciplinas sobre as teorias de desenvolvimento psicológico.
Foi submetido a diversas provas piagetianas... e é responsável pelos meus maiores momentos
de alegria!
À Professora Nádia que, apesar de nossa distinta atração pela temática escolhida,
acreditou na proposta e não poupou esforços durante o processo de orientação. Meus
agradecimentos pela dedicação extremada.
À Professora Maria do Rosário e à Professora Maria Ângela, pelo aceite do
convite para participarem da banca examinadora deste trabalho, pelas contribuições indicadas
na qualificação, por tudo que pude aprender sobre a psicanálise. Meu respeito e admiração
pelo conhecimento e rigor acadêmico que demonstram na atividade profissional.
Às minhas amigas e colegas de orientação Ana Paula, Estefânia, Giana e Sílvia,
pelo companheirismo e parceria.
Aos meus irmãos e demais familiares, aos meus amigos, colegas de curso,
professores e todas as pessoas que de uma forma ou outra tornaram este trabalho possível,
meu muito obrigada!
5
O que assusta é pensar que, quem sabe, o desejo de morrer
também more, encolhido, dentro da gente. Não tenho
medo de andar de avião. Pelo contrário, sinto-me possuído
de uma grande tranqüilidade ao olhar para a terra, lá das
alturas. Mas meus sentimentos são diferentes quando me
debruço sobre a sacada de um apartamento do 18° andar...
Estranho, não? Pois não é muito mais seguro o edifício?
Por que o medo? Onde a diferença? Não está na altura.
Está no fato de que no avião estou protegido contra o meu
desejo. Não posso saltar, ainda que queira. Mas, na sacada
do edifício, sinto que há apenas o meu desejo a me separar
da morte. É muito fácil...
(Rubem A. Alves)
6
RESUMO
Manejar o comportamento suicida parece ser preocupação, não apenas de profissionais da
área da saúde, mas dos próprios órgãos federais e mundiais envolvidos com essa questão. Os
Manuais de Prevenção do Suicídio foram criados com base nessa preocupação e fazem parte
de um conjunto de estratégias da Organização Mundial de Saúde e do Ministério da Saúde do
Brasil. O objetivo desta pesquisa é caracterizar o manejo que profissionais da saúde realizam
para prevenir o suicídio em casos que envolvem risco de suicídio. Para alcançar este objetivo,
num primeiro momento realizou-se uma pesquisa documental, a partir da qual se extraiu dos
Manuais de prevenção do suicídio dirigidos aos profissionais da saúde do Ministério da Saúde
do Brasil e da Organização Mundial da Saúde, os critérios relacionados com as situações de
risco de suicídio e as características do manejo do comportamento suicida preconizado por
esses documentos. Num segundo momento, aplicou-se um questionário junto a 12
profissionais que atuam em diferentes níveis de atenção à saúde (Centro de saúde, Programa
de Saúde Mental, Hospital Geral e Hospital Psiquiátrico). O questionário foi elaborado a
partir de categorias a priori, selecionadas com base na pesquisa documental, quais sejam:
Motivos que levam uma pessoa a tentar suicídio; Fontes de informação sobre como abordar
um paciente em risco de suicídio e em como intervir em casos que envolvem risco de suicídio
para prevenir o suicídio; Identificação dos fatores de risco de suicídio; Intervenção realizada
ante a situação de ideação suicida; Freqüência com que se deparam com casos que envolvem
risco de suicídio na prática profissional; Manejo e possibilidade de Prevenção do suicídio e
Sentimentos ao atender paciente que tentou suicídio. Os dados foram apresentados em tabelas
e sua análise se constituiu pela ocorrência das respostas e por meio de análise comparativa das
informações extraídas dos manuais de prevenção do suicídio da OMS e do MSB com as
informações prestadas pelos profissionais da saúde. Dos resultados alcançados, foi possível
observar que os profissionais da saúde pesquisados demonstraram desconhecer fatores de
risco de suicídio psicológicos, ligados à condição médica e sócio-demográficos apresentados
nos manuais de prevenção do suicídio, associando o comportamento suicida à presença de
transtornos mentais, principalmente ao transtorno depressivo. Os profissionais com formação
em saúde mental foram os que apresentaram conhecimento mais aproximado do que é
preconizado pelos Manuais de Prevenção acerca do fenômeno do suicídio e do manejo dos
casos que envolvem tal risco.
Palavras-chave: Manejo. Suicídio. Prevenção.
7
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 - Perfil dos Sujeitos Pesquisados _______________________________________ 51
Tabela 2 – Fatores psiquiátricos de risco de suicídio. ______________________________ 58
Tabela 3 – Fatores sociodemográficos de risco de suicídio. _________________________ 59
Tabela 4 – Fatores ambientais de risco de suicídio. ________________________________ 60
Tabela 5 – Fatores psicológicos de risco de suicídio._______________________________ 62
Tabela 6 – Fatores de risco de suicídio relacionados a condições médicas. _____________ 63
Tabela 7 – Mitos sobre o Suicídio. _____________________________________________ 66
Tabela 8 – Primeiro contato e a comunicação com o paciente que está em risco de suicídio. 69
Tabela 9 – Avaliação dos Indicadores de Riscos de Suicídio. ________________________ 71
Tabela 10 – Gradação dos riscos de suicídio: identificação, avaliação e plano de ação do
Manual de Prevenção do Suicídio dirigido a Médicos Clínicos Gerais, da OMS._________ 74
Tabela 11- Gradação dos riscos de suicídio: identificação e plano de ação para baixo risco de
suicídio do Manual de Prevenção do Suicídio dirigido aos Profissionais das Equipes de Saúde
Mental, do MSB e do Manual de Prevenção do Suicídio dirigido Profissionais da Saúde em
Atenção Primária, da OMS. __________________________________________________ 75
Tabela 12- Gradação dos riscos de suicídio: identificação e manejo para médio risco de
suicídio do Manual de Prevenção do Suicídio dirigido aos Profissionais das Equipes de Saúde
Mental, do MSB e do Manual de Prevenção do Suicídio dirigido Profissionais da Saúde em
Atenção Primária, da OMS. __________________________________________________ 76
Tabela 13- Gradação dos riscos de suicídio: identificação e manejo para alto risco de suicídio
do Manual de Prevenção do Suicídio dirigido aos Profissionais das Equipes de Saúde Mental,
do MSB e do Manual de Prevenção do Suicídio dirigido Profissionais da Saúde em Atenção
Primária, da OMS. _________________________________________________________ 78
Tabela 14 - Fontes de informação sobre como abordar um paciente em risco de suicídio __ 83
Tabela 15- Fontes de informação sobre como intervir em casos que envolvem risco de
suicídio para prevenir o suicídio. ______________________________________________ 85
8
Tabela 16 – Motivos que levam uma pessoa a tentar suicídio. _______________________ 86
Tabela 18 - Identificação de fatores de risco do suicídio ____________________________ 96
Tabela 19- Já se deparou com casos que envolvem risco de suicídio na prática profissional. 98
Tabela 20- Freqüência com que se depara com casos que envolvem risco de suicídio na
prática profissional _________________________________________________________ 99
Tabela 21- Intervenção realizada ante a situação de ideação suicida__________________ 100
Tabela 22- Manejo e possibilidade de Prevenção do Suicídio. ______________________ 108
Tabela 23- Mitos sobre o suicídio ____________________________________________ 113
Tabela 24 - Sentimentos ao atender paciente em risco de suicídio ___________________ 117
9
LISTA DE SIGLAS
CAPS – Centro de Atenção Psicossocial
MSB – Ministério da Saúde do Brasil
OMS – Organização Mundial de Saúde
PSM – Programa de Saúde Mental
PSF – Programa de Saúde da Família
SUS – Sistema Único de Saúde
UNISUL – Universidade do Sul de Santa Catarina
10
SUMÁRIO
RESUMO_________________________________________________________________ 6
LISTA DE TABELAS ______________________________________________________ 7
LISTA DE SIGLAS ________________________________________________________ 9
1 INTRODUÇÃO _________________________________________________________ 12
1.1 PROBLEMÁTICA E PROBLEMA DE PESQUISA ___________________________ 13
1.2 JUSTIFICATIVA _______________________________________________________ 17
1.3 OBJETIVOS___________________________________________________________ 25
1.3.1 Objetivo Geral _______________________________________________________ 25
1.3.2 Objetivos específicos __________________________________________________ 25
2 MARCO TEÓRICO _____________________________________________________ 26
2.1 PROFISSIONAIS E SERVIÇOS DE SAÚDE QUE ATENDEM PESSOAS COM RISCO
DE SUICÍDIO ____________________________________________________________ 26
2.2 SUICÍDIO E COMPORTAMENTO SUICIDA________________________________ 29
2.3 O SUICÍDIO SOB DIFERENTES PERSPECTIVAS ___________________________ 35
2.4 O MANEJO DE CASOS QUE ENVOLVEM RISCO DE SUICÍDIO ______________ 45
3 MÉTODO ______________________________________________________________ 48
3.1 CARACTERIZAÇÃO DA PESQUISA______________________________________ 48
3.3 SUJEITOS DA PESQUISA _______________________________________________ 50
3.5 PROCEDIMENTO DE CONSTRUÇÃO E DE TESTE DO QUESTIONÁRIO ______ 52
3.6 SITUAÇÃO E AMBIENTE_______________________________________________ 53
3.7 PROCEDIMENTO DE COLETA DE DADOS________________________________ 54
3.8 ORGANIZAÇÃO, TRATAMENTO E ANÁLISE DE DADOS___________________ 55
4 APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS _______________________________ 57
4.1 APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS RELATIVOS AOS MANUAIS DE
PREVENÇÃO DO SUICÍDIO DO MSB E DA OMS______________________________ 57
4.1.1 Indicadores de risco do suicídio _________________________________________ 57
4.1.2 Mitos sobre o suicídio _________________________________________________ 65
4.1.3 Manejo _____________________________________________________________ 68
11
4.2 APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DADOS RELATIVOS AO QUESTIONÁRIO
APLICADO JUNTO AOS PROFISSIONAIS DA SAÚDE _________________________ 82
4.2.1 Formação Profissional_________________________________________________ 83
4.2.2 Dos motivos que levam uma pessoa a tentar suicídio________________________ 86
4.2.3 Identificação dos fatores de risco de suicídio ______________________________ 90
4.2.4 Manejo e Intervenções realizadas nos casos que envolvem risco de suicídio ____ 97
4.2.5 Mitos sobre o suicídio ________________________________________________ 113
4.2.6 Sentimentos despertados no profissional_________________________________ 116
CONSIDERAÇÕES FINAIS_______________________________________________ 122
REFERÊNCIAS _________________________________________________________ 129
APÊNDICES ____________________________________________________________ 134
APÊNDICE A - TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO ________ 135
APÊNDICE B - PROTOCOLO DE REGISTRO PARA ANÁLISE DOCUMENTAL ___ 136
APÊNDICE C - Questionário para coleta de dados _______________________________ 137
12
1 INTRODUÇÃO
Trata-se de pesquisa realizada como requisito da disciplina Trabalho de
Conclusão de Curso II, articulada com as disciplinas Trabalho de Conclusão de Curso I,
Núcleo Orientado em Psicologia da Saúde I, II e III, Estágio Específico em Psicologia da
Saúde I e II. Tal articulação entre pesquisa e campo de estágio se refere à diretriz do Curso de
Psicologia da Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL) em designar que o fenômeno
de estudo a ser pesquisado como tema do trabalho realizado nas disciplinas de Trabalho de
Conclusão de Curso I e II seja escolhido a partir do que o acadêmico observar e se interessar
como manifesto na prática do estágio específico.
No caso do presente trabalho, o Estágio Específico em Psicologia da Saúde está
sendo realizado no Programa de Saúde Mental (PSM) do Município de São José, o qual conta
com a parceria do Projeto de Extensão Time da Mente, do Curso de Psicologia da UNISUL campo de estágio ofertado pelo curso em referência.
Este Programa, que funciona junto ao Centro de Saúde Bela Vista do Município
de São José, constitui um serviço de referência em saúde mental para todo o município de São
José, no qual são atendidos pacientes com transtornos mentais, encaminhados pelas equipes
do Programa da Saúde da Família (PSF), vinculadas aos Centros de Saúde do município em
questão.
Para atender esses pacientes, o Programa de Saúde Mental (PSM) conta com a
seguinte equipe de saúde: dois psiquiatras, duas enfermeiras, uma técnica em enfermagem,
estagiários do curso de Psicologia da Universidade do Vale do Itajaí e estagiários de
psicologia e alunos de extensão do Projeto Time da Mente, do Curso de Psicologia da
UNISUL, implantado em agosto de 2006.
O Projeto Time da Mente é dividido em subprojetos, de acordo com o objetivo e
modalidade das atividades desenvolvidas por cada um deles, que resumidamente podem ser
descritas em: atendimento individual, atendimento em grupo operativo, oficinas terapêuticas,
realização de grupo temático relacionado às questões de alimentação, atividade física e autoestima, visitas domiciliares e grupo de orientação aos familiares dos pacientes atendidos pelo
PSM. Portanto, os pacientes contam, para além do tratamento medicamentoso, com os
atendimentos da psicologia, nas atividades desenvolvidas pelos estagiários e alunos de
extensão do Projeto Time da Mente, de acordo com as necessidades apresentadas em processo
de triagem, realizado também pelos estagiários do Projeto em questão.
13
Foi então, nas triagens e atendimentos realizados neste campo de estágio que se
pôde observar que muitos dos pacientes atendidos pelo Programa de Saúde Mental
apresentavam algum tipo de comportamento suicida1 (ideação suicida, histórico de tentativas
de suicídio), percebendo-se, então, a necessidade de conhecimento do manejo adequado para
prevenir o suicídio. Por este motivo é que se apresenta como tema central do presente
trabalho o manejo que os profissionais da saúde empreendem para prevenir o suicídio em
casos que envolvem tal risco.
Seguidamente, desenvolver-se-á o tema proposto e a pesquisa que sobre ele se
realizou nos tópicos: problemática e problema de pesquisa, justificativa, objetivo geral e
específicos, marco teórico, método, apresentação e análise dos dados, referências
bibliográficas e apêndice.
1.1 PROBLEMÁTICA E PROBLEMA DE PESQUISA
A amplificação da concepção de saúde para além da ausência de doença é
demarcada historicamente. Em 1945, após a Segunda Guerra Mundial, foi criada a
Organização das Nações Unidas (ONU) com o objetivo de enfrentar os problemas decorrentes
da Guerra, dentre os quais figuravam os relacionados à saúde. Por conseguinte, em 1947, a
Organização Mundial da Saúde (OMS) é instituída para zelar pelas questões da saúde, que
não se restringiam à dimensão biológica do corpo humano. É então, em 1948, que a OMS
propõe uma nova concepção para o fenômeno saúde, rompendo com o modelo organicista que
dominava naquele momento, passando a considerar saúde como o completo bem-estar físico,
mental e social.2 Sobre essa perspectiva de saúde, Kahhale (2003) adverte, no entanto, que
não há como se falar em saúde no sentido de uma plenitude, mas sim como a busca por um
equilíbrio entre as diversas situações de mal e bem-estar constituintes da vida humana. Em
suas palavras: “a saúde é um reflexo das capacidades de tolerância, compensação e adaptação
de cada indivíduo, dos grupos e da sociedade em geral frente às condições ambientais, sociais,
políticas e culturais nas quais estão inseridos”.(p.166)
1
O conceito de comportamento suicida é abordado posteriormente no capítulo do marco teórico.
KAHHALE, Edna M. Peters. Psicologia na saúde: em busca de uma leitura crítica e uma atuação
compromissada. In: BOCK, Ana Maria Mercês Bahia (org.). A perspectiva sócio-histórica na formação em
Psicologia. Petrópolis: Vozes, 2003, p.162-165.
2
14
É sob essa nova visão integral de saúde, que busca atender as diversas dimensões
do sujeito para além da dimensão biológica, que é instituído no Brasil o Sistema Único de
Saúde (SUS). Conforme Kujawa e outros (2003, p.26) a integralidade deve ser compreendida
sob dois aspectos. O primeiro, conforme os autores, é que “o ser humano é entendido como
um todo não-fragmentado, integrado a uma comunidade e vivendo em um contexto
específico”. Segundo, é que a integralidade diz respeito ao sistema que vai atender esse
sujeito. De maneira que, se o ser humano deve ser compreendido em todos os aspectos que
constituem a sua existência (orgânicos, psíquicos, sociais, econômicos, etc.), ele deve também
ser atendido por um sistema de saúde que vise essa integralidade, de modo a absorver todas as
esferas de atenção necessárias para que se dê conta dessa totalidade.3
Consoante à Constituição Federal, em seu art. 198 , II, as ações e serviços
públicos em saúde contam com “atendimento integral, com prioridade para as atividades
preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais”.4 Como se pode depreender do
dispositivo constitucional, a prevenção e promoção de saúde se apresentam como medida
prioritária no que é relativo ao campo da saúde pública. E nesse aspecto é que a psicologia
deve empreender no campo da saúde um papel desafiador, que é o de atuar em todos os níveis
de atenção à saúde: promoção, prevenção, recuperação e reabilitação. Isto quer dizer, que a
atuação do psicólogo em todos esses níveis, objetivando o alcance da integralidade, depende
de se transcender a concepção clínico-psicológica para uma ação que vise à coletividade,
numa atitude de pesquisador.5
Pesquisar fenômenos-problema em saúde, objetivando o conhecimento da
realidade para intervir rumo à prevenção parece medida condizente com o preconizado pelo
sistema de saúde atual, campo no qual a Psicologia necessita ingressar com esta perspectiva.
E, é sob este aspecto que este trabalho pretende enfocar o fenômeno do suicídio, já que, muito
embora a literatura descreva o suicídio como um fenômeno existente na humanidade desde os
tempos mais antigos, nem sempre foi considerado como questão de saúde a merecer atenção e
prevenção. Isto porque, segundo os autores que tratam do tema, o suicídio apresenta
conotações diversas, dependendo do momento histórico e da cultura nos quais se dá sua
3
KUJAWA, Henrique; BOTH, Valdevir; BRUTSCHER, Volmir. Direito à saúde com controle social. Passo
Fundo: Fórum Sul de Saúde (PR SC RS), Centro de Assessoramento Popular de Passo Fundo (CEAP), 2003, p.
26.
4
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 05 de outubro de 1988. 28 ed.
Atlas S/A: São Paulo, 2007.
5
KAHHALE, 2003, p.174.
15
ocorrência6. Segundo Meleiro e Wang (1995), o suicídio pode ser considerado um ato heróico,
como no caso dos kamikazes japoneses durante a Segunda Guerra Mundial. Conforme Dias
(1991) apud Carvalho (1996), os jovens japoneses continuam a cometer o suicídio para
defender a sua honra, seja em razão de uma nota baixa ou por serem reprovados no colégio.7
Na antiguidade e na Idade Média, o suicídio era visto como um ato criminoso ou mesmo
como um atentado contra o Estado. A resposta dada a tal ato poderia ser desde a privação dos
ritos fúnebres, da sepultura, maltrato ao cadáver, arrastando-o pelas ruas e o queimando
publicamente até o confisco dos bens do suicida. Foi a partir do Renascimento, com o início
da separação entre Igreja e Estado, conferindo-se uma maior autonomia da vida pessoal é que
se passou a aliviar a criminalização em relação ao ato suicida.8
Foi então somente após alguns estudos sistematizados sobre o suicídio, a partir do
final do século XIX, que se passou a pesquisar os fatores relacionados com a sua ocorrência
para posteriormente tais fatores serem utilizados como indicadores de risco de suicídio.
Segundo Meleiro e Wang (1995) destacam-se: em 1892, O Suicídio, de Emile Durkheim, que
estudou o fenômeno a partir da sociologia, descobrindo a influência das forças coletivas sobre
o irrompimento do ato suicida; em 1895, os estudos de Kraepelin, que identificou ocorrência
do ato suicida como a evolução desfavorável de alguns Transtornos Psiquiátricos; em 1914, o
artigo Luto e Melancolia, de Freud, no qual o autor apresenta a teoria de que o suicida
“direciona primitivamente a hostilidade contra o objeto de amor perdido e, secundariamente,
dirige contra si mesmo”9; em 1952, os estudos apresentados por Stengel, que demonstravam
as diferentes características sociodemográficas das pessoas que tentavam o suicídio das
daquelas que consumavam o ato; em 1960, o programa de prevenção do suicídio
implementado nos Estados Unidos, no qual foi iniciada a utilização da técnica de autópsia
psicológica, que tem por fim a reconstrução das características clínicas, psicológicas e sociais
de quem cometeu suicídio.10 Parece que foi a partir dos resultados desses estudos que
efetivamente estabeleceu-se a compreensão do suicídio como um fenômeno passível de
prevenção.
6
MELEIRO, Alexandrina Maria Augusta da Silva; WANG, Yuan-Pang. Suicídio e tentativa de suicídio. In:
LOUZÃ NETO, Mário Rodrigues et. al. Psiquiatria Básica. Porto alegre: Artes Médicas, 1995, p. 376-396, p.
377.
7
CARVALHO, Maria Margarida M. J. de. Suicídio: a morte de si próprio. In: BROMBERG, Maria Helena
Pereira Franco; KOVÁCS, Maria Júlia; CARVALHO, Maria Margarida M. J. de; CARVALHO, Vicente A. de
Carvalho. Vida e Morte: laços da existência. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1996, p. 87.
8
KALINA, Eduardo; KOVALDLOFF, Santiago. As Cerimônias da Destruição. Rio de Janeiro: Francisco
Alves, 1983, p. 44-54.
9 MELEIRO; WANG, 1995, p. 377.
10
MELEIRO; WANG, 1995, p. 377.
16
Com efeito, atualmente, o suicídio está sendo considerado um problema de saúde
pública e sua prevenção é medida que o Ministério da Saúde no Brasil, ante a política
Internacional de Prevenção do Suicídio, implementada pela OMS, julgou necessária.11 E para
que a população seja atendida da maneira preconizada pelo SUS já destacada, os profissionais
de saúde necessitam estar preparados para identificar, abordar e manejar os riscos de
ocorrência do suicídio.12 Daí é que surgem algumas questões relacionadas ao tema em
referência que provocam a reflexão sobre: o que um profissional da saúde precisa saber para
identificar o risco de suicídio e como abordar e manejar o possível suicida para prevenir a
ocorrência do suicídio? São estes questionamentos que impulsionaram a presente pesquisa,
que busca investigar a temática proposta, a partir do seguinte problema de pesquisa:
Quais as características do manejo realizado por profissionais da saúde para
prevenir o suicídio em casos que envolvem risco de suicídio?
É fato que a Organização Mundial da Saúde está implementando uma política
mundial de prevenção ao suicídio, compreendendo este fenômeno como um sério problema de
saúde pública. Seguindo os passos da OMS, o Ministério da Saúde brasileiro em dezembro de
2005, baixa a portaria de n° 2.542/GM, que versa sobre a formação de um grupo de trabalho
composto por representantes do governo, de organizações da sociedade civil e das
universidades, com o objetivo de se estabelecer um Plano Nacional de Prevenção ao Suicídio.
Na data de 14 de agosto de 2006, foi publicada pelo Ministério da Saúde a portaria de n°
1.876/GM, indicando as diretrizes que nortearão o plano de prevenção do suicídio. É
realizado, em Porto Alegre/RS, nos dias 17 e 18 de agosto de 2006, o I Seminário Nacional de
Prevenção ao Suicídio e no dia 30 do mesmo mês é lançado no Rio de Janeiro o Projeto
ComViver, que tem como finalidade o acompanhamento para familiares de pessoas que
cometeram suicídio. Em comemoração ao Dia Mundial da Saúde Mental, no dia 10 de
outubro de 2006, é apresentado o Manual do Suicídio para Profissionais das Equipes de Saúde
Mental e, por conseguinte, dá-se o lançamento da publicação: Referências Bibliográficas
Comentadas sobre Suicídio, Sobreviventes e Família.13
Diante de todo esse, ainda, recente movimento voltado à prevenção do suicídio é
que aparecem alguns questionamentos referentes ao que realmente tem acontecido neste
11
BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Estratégia Nacional de Prevenção do Suicídio. Portarias do
Ministério da Saúde de nº 2.542/GM de 22 de dezembro de 2005 e de n° 1.876/GM de 14 de agosto de 2006.
Disponível em <http://portal.saude.gov.br/portal/saude/cidadao/visualizar_texto.cfm?idtxt=25605> Acesso em:
31. mar. 2008.
12
ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. Prevenção do Suicídio: um manual para profissionais da saúde
em atenção primária. Genebra, 2000, p.4.
13
BRASIL. MINISTÉRO DA SAUDE. Disponível em <http://portal.saude.gov.br/portal/saude/cidadao
/visualizar_texto.cfm?idtxt=25605> Acesso em 31. mar 2008.
17
sentido na realidade. Os profissionais da saúde estão recebendo essas informações? Estão
construindo uma prática voltada à prevenção preconizada pelas políticas atuais? Como estão
sendo manejados os casos que envolvem o risco de suicídio? São as respostas a estas
perguntas que se propôs buscar com a presente pesquisa.
1.2 JUSTIFICATIVA
O manejo adequado do comportamento suicida é a essência da construção do
trabalho de prevenção que objetiva beneficiar a população em termos mundiais e nacionais
através dos planos e estratégias desenvolvidos para tanto. Estudiosos do tema em questão
costumam referenciar pesquisas que revelam que a metade14 dos suicidas procurou um
médico um mês antes de se matarem, ou até mesmo 60% a 70%15 revelaram abertamente que
desejavam cometer o suicídio. Esses autores alertam para que todo comentário ou sinal de
suicídio expresso pelo paciente deve ser tomado a sério, caso contrário, “ignorar um pedido
de ajuda pode convencer adicionalmente o indivíduo da desesperança da situação”.16
Neste sentido, Kapczinski e outros (2001) alertam para que tanto a tentativa de
suicídio bem como a ideação suicida não devem ser consideradas como “apenas para chamar
a atenção”, mas se caracterizam como um tipo de atividade suicida, a qual denominam de
“apelativa”, explicando que mesmo quando “alguém ‘manipula’ com sua própria vida na
intenção de solucionar problemas ou ‘chamar atenção’, isso em si já é grave e merece uma
avaliação cuidadosa, visto que existem outras formas de manipulação.”17. Mostra-se
alarmante um estudo (RUDESTAM, 1971), citado por Holmes (1997) no qual é revelado que
em torno da metade das pessoas que escutaram as ameaças suicidas, nada fizeram a respeito,
negando o que haviam ouvido e em alguns casos passaram a evitar indivíduos com risco
suicida18.
14
STERN et.al. (2004) apud MELEIRO, Alexandrina; TENG, Chei Tung. Fatores de Risco do Suicídio. In
MELEIRO, Alexandrina; TENG, Chei Tung; WANG, Yan Pang. Suicídio: estudos fundamentais. São Paulo:
Segmento Farma, 2004. p. 108-131, p.127.
15
Farberow & Simon, (1975) e Rudestam, (1971) apud HOLMES, David S. Psicologia dos Transtornos
Mentais. 2 ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997, 566p, p.201.
16
HOLMES, David S. Psicologia dos Transtornos Mentais. 2 ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997, 566p.
17
KAPCZINSKI , Flávio; CHACHAMOVICH, Ricardo; SCHMITT, Eduardo. Risco de suicídio: avaliação e
manejo. In KAPCZINSKI, Flávio; QUEVEDO, João; CHACHAMOVICH, Ricardo; SCHMITT, Eduardo.
Emergências Psiquiátricas. Porto alegra: Artmed. 2001. p. 149-165, p. 161.
18 HOLMES, 1997, p. 201
18
Se por um lado, alguns dos autores destacados descrevem que o profissional da
saúde deve estar extremamente atento para esse “pedido de socorro” do paciente que se
encontra em risco de suicídio e que procura o serviço de saúde, por outro lado, alguns desses
autores destacam um certo despreparo desses profissionais para lidar com a questão do
suicídio. Neste sentido, é inevitável que se questione: como está no presente momento o
preparo dos profissionais da saúde para lidar com a questão do suicídio e manejar os casos
que envolvem esse tipo de risco? Dentre as diversas reações dos profissionais da saúde frente
a pacientes em risco de suicídio, Pfützenreuter (2006, p.37) reflete sobre as dificuldades da
equipe médica, a partir do que Alves (1992) expõe a respeito:
Lidar com um paciente suicida não é fácil, ainda mais para a equipe médica, que
trabalha em prol da saúde, e não compreende por que uma pessoa quer se matar. A
equipe médica costuma reagir muito mal aos pacientes suicidas e na maioria das
vezes os agridem perguntando-lhes por que não procuraram métodos mais eficazes
para alcançar o objetivo do suicídio. Alguns chegam a sugerir maneiras mais
adequadas de morrer, como por exemplo: “Pule embaixo de um trem”, “Salte do
décimo andar” ou “Não tome apenas cinco comprimidos, mas sim umas duas caixas
de sedativos”.
Pfützenreuter (2006), objetivando realizar um mapeamento do suicídio na Grande
Florianópolis, pesquisou em documentos institucionais (prontuários, laudos) de pessoas que
haviam cometido ou tentado suicídio, dentro de um período de 6 meses (de setembro de 2005
a março de 2006), os principais dados registrados sobre o fato ocorrido. Além da citada
pesquisa documental, a pesquisadora realizou entrevistas com profissionais da saúde que
atendiam casos que envolviam suicídio ou risco de suicídio. Dentre as diversas constatações
da pesquisadora, destaca-se: que os profissionais da saúde entrevistados comentaram sentir
falta de uma capacitação a fim de compreender melhor o suicídio e a fim de saber como lidar
com esse tipo de paciente. Contudo, de acordo com a pesquisadora, a preocupação desses
profissionais sobre os casos de pacientes em risco de suicídio voltava-se mais sobre a
responsabilidade profissional e da instituição pela possível ocorrência do suicídio, do que
sobre o sofrimento e a saúde do sujeito com comportamento suicida. Segundo Pfützenreuter
(2006), um dos profissionais, na entrevista, contou sentir raiva dos pacientes que tentam tirar
a própria vida, enquanto outros lutam para viver (p.71). Por conseguinte, mostra-se de
fundamental importância que os profissionais da saúde estejam conscientes da gravidade dos
casos que envolvem risco de suicídio e do sofrimento que leva ao comportamento suicida,
bem como que estejam preparados para o reconhecimento dos fatores de risco da possível
19
ocorrência de suicídio para a prática interventiva no momento em que se defrontarem com o
fenômeno em questão.
Meleiro, Fensterseifer e Werlang enfatizam que “durante o exercício da profissão,
quase metade dos psiquiatras e aproximadamente 20% dos psicólogos perdem algum
paciente, em tratamento, por suicídio”19 e que “abordagens inadequadas podem aumentar
potencialmente o risco de comportamento suicida em indivíduos vulneráveis, particularmente
em jovens”20. Tais dados demonstram que os benefícios sociais dos resultados de uma
pesquisa acerca do manejo dos casos que envolvem risco de suicídio alcançam toda a
população atendida, bem como os profissionais que têm de lidar com o comportamento
suicida na sua intervenção. Gabbard (2006) cita um estudo (Chemtob e outros, 1988) que
denuncia os altíssimos níveis de estresse que psiquiatras experenciaram após perderem um
paciente que cometeu suicídio, chegando ao nível equivalente ao estresse vivenciado no pósmorte de um familiar.21 Deste modo, pesquisar as características desse tipo de intervenção
pode contribuir para a sistematização das intervenções dos profissionais da saúde em relação a
como manejar os riscos de suicídio e, ainda, pode-se contribuir com uma possível avaliação
desse manejo com base no conhecimento dessas intervenções. Outrossim, pode-se considerar
que pesquisar sobre o manejo dos casos que envolvem risco de suicídio parece se apresentar
como uma medida de segurança tanto para a população atendida como para os profissionais
de saúde que atendem essa população.
Em termos de números oficiais, publicados pela OMS, são muitas as estatísticas
que fundamentam as políticas de prevenção do suicídio e que por ora demonstram a
relevância social da presente pesquisa, à medida que revelam a quantidade de pessoas que
podem ser beneficiadas com estudos voltados à prevenção do suicídio. Em termos mundiais,
nos últimos 45 anos, a mortalidade por suicídio aumentou 60% e somente no ano de 2003 o
número de mortes por suicídio foi de aproximadamente 900 mil pessoas, o que representa
uma morte a cada 35 segundos. Em relação ao número de tentativas de suicídio, estima-se que
estas ultrapassem o número de suicídios em pelo menos 10 vezes. Na faixa etária entre 15 e
35 anos, o suicídio está entre as três maiores causas de morte, de maneira que a taxa de
mortalidade global por suicídio vem mudando progressivamente do grupo dos mais idosos
19
MELEIRO, Alexandrina M. A. S.; FENSTERSEIFER, Liza; WERLANG, Blanca Guevara. Esforços para
prevenção. In: WERLANG, Blanca Guevara; BOTEGA, Neury José. Comportamento Suicida. Porto alegre:
Artmed, 2004, p. 141-152, p. 142.
20
WASSERMAN (2001) apud MELEIRO, Alexandrina M. A. S.; FENSTERSEIFER, Liza; WERLANG,
Blanca Guevara. Esforços para prevenção. In: WERLANG, Blanca Guevara; BOTEGA, Neury José.
Comportamento Suicida. Porto alegre: Artmed, 2004, p. 141-152, p. 150.
21
GABBARD, G.O. Psiquiatria Psicodinâmica. 4.ed. Porto Alegre: Artmed, 2006, p. 168.
20
para o grupo dos mais jovens.22 Em relação ao grupo jovem, Souza e cols. (2002)23 realizaram
uma pesquisa em nove capitais brasileiras que revelou que os jovens estão morrendo mais por
causas violentas do que por causas biológicas, tendo sido observado um aumento de 27,6% no
índice de mortalidade por causas externas entre os indivíduos de 15 a 24 anos, no período
entre 1979 e 1998. Dentre elas, o suicídio aparece como a sexta causa.
Outro aspecto importante a ser levantado sobre a relevância em pesquisar o
manejo como possibilidade de prevenção do comportamento suicida é relativo ao sofrimento
das pessoas que perdem alguém por suicídio. Segundo a OMS, para cada suicídio há em
média, 5 ou 6 pessoas próximas ao falecido que sofrem conseqüências emocionais, sociais e
econômicas.24 Ou seja, o manejo adequado dos casos que envolvem comportamento suicida
pode prevenir, também, o impacto que uma morte por suicídio causa na vida das pessoas com
relação próxima ao suicida.
Além de alcançar os profissionais que atendem os casos que envolvem risco de
suicídio, a população que precisa desse tipo de atendimento profissional, os familiares que
sofrem com a situação e possivelmente contribuir para a sistematização do conhecimento
relativo ao tema do suicídio, o manejo como possibilidade de prevenção do suicídio pode
alcançar ainda questões relativas à economia e ao sistema produtivo. Segundo os dados da
OMS, as tentativas de suicídio configuram-se como a sexta causa de incapacitação de
indivíduos entre 15 e 44 anos e no ano de 2002 foram responsáveis por 1,4% do ônus global
ocasionado por doenças e estima-se que em 2020 chegará a 2,4%.25 Será que os profissionais
da saúde não deveriam estar preparados para atender esses casos e manejar os riscos de
suicídio, inclusive como forma de contribuir para o desenvolvimento do país?
No Brasil, muito embora as taxas nacionais sejam consideradas pela OMS como
relativamente baixas (de 3,9 a 4,5 suicídios por 100.000 habitantes ao longo de um ano), são
diversos os aspectos ocultos por essa estatística geral, que ao se revelarem, tornam o suicídio
no Brasil um fenômeno de preocupação, que merece ser estudado e prevenido. O primeiro
desses aspectos é que, sendo o Brasil um país populoso, o número total de suicídios ocorridos
coloca-o entre os 10 países com maiores números absolutos (7.987 suicídios no ano de 2004).
Um segundo aspecto se refere à proporção em que os números vêm crescendo: em 20 anos
22
BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Prevenção do Suicídio: manual dirigido a profissionais das equipes de
saúde mental. Estratégia Nacional de Prevenção do Suicídio. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de
Ações Programáticas Estratégicas. Área Técnica de Saúde Mental. 2006, p.07.
23
Souza e cols. (2002) apud WANG, Yuan Pang; MELLO-SANTOS, Carolina de; BERTOLOTE, José Manoel.
Epidemiologia do Suicídio. In MELEIRO, Alexandrina; TENG, Chei Tung; WANG, Yan Pang. Suicídio:
estudos fundamentais. São Paulo: Segmento Farma, 2004. p. 97-108, p.105.
24
BRASIL, 2006, p.07.
25
BRASIL, 2006, p.07.
21
(de 1994 a 2004) o aumento proporcional das taxas foi de 16,4% para os homens e de 24,7%
para as mulheres. Outro aspecto de extrema relevância é que as taxas no Brasil variam
desproporcionalmente entre os Estados, ficando a região Sul com as mais altas taxas de
suicídio no Brasil, comparáveis com as taxas de outros países, consideradas médias e elevadas
pela OMS.26 Um estudo internacional sobre o comportamento suicida nos continentes estimou
que nas próximas décadas, os países em desenvolvimento presenciarão um devastador
aumento das taxas de suicídio, explicado por fatores socioeconômicos e comportamentais que
incitarão o comportamento autodestrutivo, como, por exemplo, aumento de divórcios,
desemprego e diminuição da religiosidade. 27 A constatação desse estudo reforça ainda mais a
necessidade de os profissionais da saúde estarem preparados para manejar os riscos de
suicídio como possibilidade de prevenção do suicídio em atendimento à futura demanda
estimada.
Voltando-se para o Sul do país, região na qual se realizou a presente pesquisa, a
preocupação se torna ainda maior. De acordo com os dados apresentados pelo SIM (Sistema
de Informação de Mortalidade do Ministério da Saúde)28, o estado de Santa Catarina
apresenta a segunda maior taxa de mortalidade por suicídio em homens dentre os estados
brasileiros, sendo superado apenas pelo estado do Rio Grande do Sul e, entre as taxas de
mortalidade por suicídio em mulheres, Santa Catarina fica na quinta posição e o estado do Rio
Grande do Sul, na quarta. Essas informações demonstram a relevância em se pesquisar como
estão sendo manejados os casos que envolvam o risco de suicídio nesta localidade.
Contudo, ainda que, as estatísticas, como apresentadas, já suficientemente
demonstrem a gravidade do suicídio e a necessidade em se efetivar um plano de intervenção
para prevenção dos casos que envolvam tal risco, infere-se que tais estatísticas que descrevem
a epidemiologia do suicídio se apresentam em números inferiores ao que realmente acontece
na realidade. Os estudiosos do fenômeno em referência enfatizam a questão da relativização
dos dados29, em razão da subnotificação e da dificuldade dos registros desse tipo de morte,
por diversas razões: o estigma e preconceito em relação ao suicídio, que leva muitas vezes a
família ou as autoridades a evitar a notificação por suicídio; dificuldade em identificar a real
26
BRASIL, 2006, p. 09-10.
DEKSTRA; GUILBINAT (1993) apud WANG, Yuan Pang; MELLO-SANTOS, Carolina de; BERTOLOTE,
José Manoel. Epidemiologia do Suicídio. In MELEIRO, Alexandrina; TENG, Chei Tung; WANG, Yan Pang.
Suicídio: estudos fundamentais. São Paulo: Segmento Farma, 2004. p. 97-108, p.104
28
BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Secretaria de Vigilância em Saúde. Sistema de Informação de
Mortalidade. Perfil epidemiológico dos Suicídios. Brasil e Regiões, 1996 a 2002 Tentativa suicídio Brasil
2003. Disponível em < http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/Suicidios.pdf>. Acesso em: 16 abr. 2008.
29
HOLMES, 1997, p.199; WERLANG, BOTEGA e cols., 2004, p 46; MELEIRO, TUNG TENG E WANG,
2004, p. 101; CASSORLA, 1991, p.42.
27
22
causa do óbito (acidente ou suicídio; homicídio ou suicídio) e no caso das tentativas, que
dificilmente são registradas nos prontuários. Em relação às tentativas de suicídio, há um
estudo realizado no Brasil que não pode deixar de ser abordado. É o estudo multicêntrico de
intervenção no comportamento suicida – Supre-Miss, fomentado pela Organização Mundial
da Saúde. Tal estudo faz parte do programa Supre- Miss, da OMS, o qual é difundido em 13
países e tem como objetivos a avaliação de estratégias de tratamento para o suicídio, um
inquérito populacional relativo à ideação, ao comportamento suicida e uma descrição de
índices socioculturais da comunidade pesquisada.30
No Brasil, o estudo (inquérito populacional) foi realizado em 2003, na região
urbana de Campinas/SP, em parceria com a UNICAMP, chegando-se aos seguintes
resultados: de cada 100 habitantes, ao longo da vida, 17 pensam em se matar, 5 tem um plano
para tanto, 3 tentam o suicídio e dessas três que tentaram, apenas uma delas buscou
atendimento médico em decorrência da tentativa de suicídio.31 Deste modo, podemos inferir
que realmente as estatísticas não dão conta da dimensão do fenômeno, pois de 17 pessoas com
comportamento suicida, apenas uma delas chega ao serviço de saúde em decorrência da
tentativa. Pfützenreuter (2006) pôde observar essa subnotificação através do já comentado
estudo que realizou. A pesquisadora observou “que as instituições não costumam notificar os
casos de tentativa de suicídio” (p.77) e em relação aos documentos nos quais deveriam
constar as informações acerca do comportamento ou ato suicida, ela adverte que há
[...] falta de precisão nas informações sobre os sujeitos e sobre o ato suicida, o que
mostra que os dados nem sempre podem ser confiáveis. E esse é um problema, de
acordo com a teoria, enfrentado em todas as pesquisas sobre o suicídio, e torna os
estudos sobre a prevalência e a incidência deste ato um tanto quanto inexatas. Os
hospitais muitas vezes não registram a tentativa de suicídio nos prontuários, além de
não notificarem a polícia. E os documentos de óbito nem sempre têm como causa da
morte o suicídio, seja pelo fato da dificuldade de determiná-la ou pelo fato da
família pedir que não a indiquem. (p. 77)
Há outro aspecto que justifica a consecução da presente pesquisa e está
relacionado com o campo de estágio, com o qual se encontra articulada. Explica-se: no
Programa de Saúde Mental do município de São José é que se empreende as ações do Projeto
de Extensão Time da Mente do curso de psicologia da UNISUL, que é o campo de estágio ao
qual o presente trabalho encontra-se articulado e no qual foi identificado o fenômeno objeto
da presente pesquisa, uma vez que, muitos dos pacientes do referido programa, atendidos
30
BOTEGA, José N.; MAURO, Maria Lúcia F.; CAIS, Carlos F. da S. Estudo Multicêntrico de Intervenção no
comportamento suicida – Supre-Miss - Organização Mundial da Saúde. In WERLANG, Blanca Guevara;
BOTEGA, Neury José. Comportamento Suicida. Porto alegre: Artmed, 2004, p. 175-182, p. 180.
31
BRASIL, 2006, p.11.
23
pelos estagiários e pelos alunos de extensão do Projeto Time da Mente, apresentavam história
de tentativa de suicídio ou ideação suicida, fato que preocupava estes estagiários e alunos em
relação ao manejo com esses pacientes. Além disso, a literatura consultada32 dispõe que são
dois os principais fatores de risco de suicídio: história de tentativas de suicídio e a incidência
de transtornos mental, dentre estes, os que mais apresentam ocorrência de tentativas de
suicídio ou suicídio são os transtornos de humor e os transtornos mentais e de comportamento
decorrentes do uso de substâncias psicoativas, principalmente o alcoolismo.
Neste sentido, é interessante ressaltar que do estudo epidemiológico realizado pelo
Projeto de Extensão Time da Mente no ano de 200633, que foi efetivado como diagnóstico
institucional do citado Programa de Saúde Mental do município de São José para
planejamento das ações a serem desenvolvidas pela equipe de psicologia, colhe-se que os
transtornos mentais com maior incidência são justamente os transtornos de humor (35,89%) e
o transtorno devido ao uso de substâncias psicoativas (22,39%), principalmente o alcoolismo.
Desta forma, estes dados revelam que a maior parte dos pacientes do Programa de Saúde
Mental do município de São José apresenta os transtornos mentais mais relacionados com o
risco de suicídio, e que são considerados como um dentre os dois principais fatores de risco de
suicídio pela literatura destacada, e que por outro lado também fundamenta o fato da equipe
do Projeto Time da Mente (estagiários e alunos de extensão) deparar-se com o fenômeno em
questão. No mapeamento realizado por Pfützenreuter (2006), “os transtornos depressivos
apareceram em grande parte dos casos, indo ao encontro do que a literatura diz” (p.77). Desta
forma, há mais um ponto relevante que justifica a realização da presente pesquisa, cujo
objetivo é de caracterizar o manejo dos profissionais da saúde em casos que envolvem risco
de suicídio, que é o de fornecer subsídios que possam contribuir para realização de futuros
estudos, pesquisas e planejamento de intervenções do Projeto de Extensão referido.
Por fim, merecem destaque alguns aspectos referentes à relevância científica desta
pesquisa, no que diz respeito à fragilidade da literatura nacional, principalmente em relação à
psicologia. A literatura brasileira se mostra um tanto reticente em relação ao tema do suicídio.
Do levantamento bibliográfico realizado, encontrou-se a psicologia como uma ciência
bastante tímida na produção de conhecimento relativo às questões do suicídio e
principalmente em relação ao manejo dos casos que envolvem o risco de suicídio. Do que foi
encontrado, a psiquiatria é que mais tem produzido e publicado sobre o tema proposto.
32
BRASIL, 2006, p. 17; MELEIRO et al., 2004, p. 117; WERLANG e BOTEGA, 2004, p. 41; HOLMES, 1997,
p. 204; KAPCZINSKI, 2001, p. 155-156; GABBARD, 2006, p.161.
33
STOTZ, Maria do Rosário et al. Mapeamento da população atendida pelo Programa de Saúde Mental. In
Projeto de Extensão Time da Mente. Curso de Psicologia. UNISUL, Palhoça, 2006.
24
Segundo Gattaz34 (2004) muito embora seja inconteste a relevância em estudar o suicídio para
a prática profissional do psiquiatra, é surpreendente a carência de trabalhos brasileiros sobre o
tema. O autor cita que de 35 mil publicações indexadas no Medline (base de dados de
literatura internacional em ciências da saúde), somente cerca de 60 delas são provenientes do
Brasil. Não é diferente o que foi constatado no estudo descritivo realizado por Seminotti,
Paranhos e Thiers (2006), cujo objetivo foi de realizar um levantamento bibliográfico dos
estudos indexados que versassem sobre intervenção em crise e suicídio, a partir da consulta
nas bases de dados Scielo, Proquest e PsycINFO. As autoras utilizaram como um dos critérios
de análise dessas publicações os tipos de intervenções empregadas nos casos de crise em
suicídio e descobriram que: a) não existem trabalhos brasileiros indexados sobre a intervenção
a ser realizada nos casos de crise em suicídio nas bases de dados pesquisadas; b) que mesmo
nos estudos internacionais foram encontrados pouquíssimos trabalhos empíricos que
descrevem a intervenção para as crises em suicídio e c) que dos trabalhos encontrados que
descrevem possíveis intervenções a serem realizadas nos casos de crise em suicídio, estes
apresentam alguns passos a serem seguidos, mas que não há um padrão de intervenção entre
os trabalhos analisados.35 Deste modo, é possível perceber que a escassez de publicações
referentes à intervenção a ser realizada nos casos que envolvem o risco de suicídio é apontada
por alguns estudiosos da área da saúde, que sentem a necessidade de uma sistematização do
conhecimento acerca de como intervir nesses casos, como possibilidade para prevenção do
suicídio.
Pensa-se que esta também seja uma necessidade que se apresenta para os
profissionais da psicologia, muito embora pareça que o tema não tem merecido a devida
atenção por esta área do conhecimento. A reflexão que se faz é que o psicólogo é um
profissional que inevitavelmente tem de lidar com o comportamento suicida e que pela
natureza de sua profissão, é competente para perceber esse fenômeno como um estado de
extremo sofrimento para o sujeito. Quais serão então os motivos da falta de publicações de
trabalhos pela ciência psicológica? Será que os psicólogos utilizam técnicas e metodologias
para intervir nos casos que envolvem risco de suicídio? E se têm realizado intervenções
nesses casos, não estão comunicando à comunidade científica os resultados de sua prática? Ou
será que as intervenções dos psicólogos nesses casos estão baseadas no conhecimento
34
GATTAZ, Wagner Farid. Prefácio. In MELEIRO, Alexandrina; TENG, Chei Tung; WANG, Yan Pang.
Suicídio: estudos fundamentais. São Paulo: Segmento Farma, 2004. p. 11-12, p.11.
35
SEMINOTTI, Elisa Pinto; PARANHOS, Mariana Esteves; THIERS, Valéria de Oliveira. Intervenção em
crise e suicídio: análise de artigos indexados. Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Porto
Alegre, 2006. Disponível em: < http://www.psicologia.com.pt/artigos/ver_artigo.php ?codigo=A0297 &area
=d5&subarea=>. Acesso em: 20 abr. 2008.
25
produzido por outras áreas da ciência, como a psiquiatria? Portanto, colocar o tema do
suicídio em questão e pesquisar como os profissionais da saúde estão manejando os casos que
envolvem risco de suicídio parece uma forma de contribuir para a sistematização do
conhecimento sobre o fenômeno do suicídio, demonstrando-se a relevância científica da
presente pesquisa.
1.3 OBJETIVOS
1.3.1 Objetivo Geral
Caracterizar o manejo que profissionais da saúde realizam para prevenir o suicídio
em casos que envolvem risco de suicídio.
1.3.2 Objetivos específicos
a) Identificar os critérios relacionados com as situações de risco de suicídio
indicados nos Manuais de prevenção do suicídio (Ministério da Saúde do Brasil e
Organização Mundial da Saúde).
b) Caracterizar o manejo dos casos que envolvem risco de suicídio preconizado
pelos manuais de prevenção do suicídio (Ministério da Saúde do Brasil e Organização
Mundial da Saúde).
c) Identificar os critérios que profissionais da saúde utilizam para reconhecer
situação de risco de suicídio.
d) Caracterizar os procedimentos que os profissionais da saúde utilizam para
prevenir o suicídio nos casos em que identificam o risco de suicídio.
e) Comparar o manejo empreendido pelos profissionais da saúde para prevenção
de suicídio em casos que envolvem risco de suicídio com o que é preconizado pelas
organizações responsáveis pela elaboração de programas e estratégias de prevenção do
suicídio (Ministério da Saúde do Brasil e Organização Mundial da Saúde).
26
2 MARCO TEÓRICO
2.1 PROFISSIONAIS E SERVIÇOS DE SAÚDE QUE ATENDEM PESSOAS COM RISCO
DE SUICÍDIO
Para caracterizar o manejo que os profissionais da saúde realizam para prevenir o
suicídio em casos que envolvem risco de suicídio, torna-se oportuno, num primeiro momento,
delinear quais são os profissionais de saúde e, em que serviços de saúde estão esses
profissionais, que se deparam com casos que envolvem risco de suicídio na sua prática
profissional. Por conseguinte, ao suscitar quais serviços e profissionais de saúde se deparam
com o fenômeno em comento, cabe retomar alguns aspectos da estrutura do Sistema de Saúde
vigente no Brasil, o SUS.
Em atendimento ao princípio da integralidade do SUS e por intermédio da diretriz
da hierarquização dos serviços do SUS, a atenção à saúde é dividida em três níveis: atenção
básica, atenção de média complexidade e atenção de alta complexidade, isto é, da promoção e
prevenção da saúde até as atividades terapêuticas e de reabilitações, que funcionam em
estruturas como: centros ou postos de Saúde (controle e prevenção, com o apoio das equipes
de PSF), policlínicas e hospitais (atividades de apoio diagnóstico e terapêutico) e hospitais
gerais e especializados (serviços que demandam profissionais e estrutura tecnológica com alta
capacidade resolutiva).36 A atenção em Saúde Mental está dentre as ações do SUS e segue,
portanto, seus princípios e diretrizes: tratamento ambulatorial em Postos ou Centros de Saúde,
por intermédio das equipes de PSF, supervisionadas pelas equipes matriciais de saúde mental
(atenção básica); atendimentos especializados nos CAPS I, CAPS II, CAPS álcool e drogas e
CAPS Infância e adolescência (média complexidade); CAPS III e hospitais gerais e
especializados (alta complexidade).37 Com efeito, são os profissionais da saúde que atuam em
todos esses níveis de atenção à saúde que podem se deparar com o fenômeno do
comportamento suicida, além, ainda, dos profissionais de saúde que exercem sua atividade em
estabelecimentos particulares.
36
KUJAWA, et al., 2003, p. 26-29 e 46-47.
BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Secretaria de Atenção à Saúde. DAPE. Coordenação Geral de Saúde
Mental. Reforma psiquiátrica e política de saúde mental no Brasil. Documento apresentado à Conferência
Regional de Reforma dos Serviços de Saúde Mental : 15 anos depois de Caracas. OPAS. Brasília, novembro de
2005, p.24-25. Disponível em: < http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/Relatorio15%20 anos%20
Caracas.pdf>. Acesso em: 28 jun. 2008.
37
27
Portanto, faz sentido que também os Manuais de Prevenção do Suicídio
produzidos para profissionais da saúde sejam elaborados com base nessa distribuição em
níveis de atenção, quais sejam: Manual para profissionais da saúde em Atenção Primária38,
Manual para Médicos Clínicos Gerais39, Manual dirigido a profissionais das equipes de saúde
mental40, de forma que estes documentos são destinados desde aos agentes comunitários de
saúde, técnicos em enfermagem, médicos generalistas e enfermeiros de equipes de PSF da
atenção básica, até aos profissionais das mais diversas áreas que atuam no campo da saúde,
em média e alta complexidade, sejam médicos generalistas, psicólogos, fisioterapeutas,
farmacêuticos, terapeutas ocupacionais, fonoaudiólogos, assistentes sociais, enfermeiros,
médicos psiquiatras, médicos neurologistas e de outras especialidades, dentre outros.
Pfützenreuter (2006) refletiu sobre o atendimento de pessoas com comportamento
suicida, cogitando os locais e profissionais que recebem essas pessoas para atendimento,
observando que:
O Mapa do Suicídio na Grande Florianópolis toma como base um possível
caminho que o sujeito suicida trilha até chegar ao êxito de sua ação. Após a
tentativa, ele pode parar num hospital geral. Após várias tentativas o sujeito pode
acabar sendo encaminhado para uma internação num hospital psiquiátrico. Ao sair
dessa internação, pode ter um acompanhamento no CAPS. E se ele conseguir
cometer o ato suicida e alcançar o óbito, a polícia é chamada e o corpo é
encaminhado ao IML. Apesar do sujeito ter supostamente passado por tantas
instituições, ele conseguiu efetivamente morrer. Fica então visível que essas
instituições não formam uma rede de assistência ao sujeito suicida, pois não são
interligadas entre si e nem conhecem tal população. (p.76-77)
Vale lembrar que a pesquisa de Pfützenreuter (2006) tinha como objetivo mapear
os principais registros sobre suicídio e tentativas de suicídio na Grande Florianópolis, recorte
de modalidades de comportamento suicida que dirigiram à coleta de dados da citada pesquisa
em instituições de níveis de atenção à saúde de média e alta complexidade. Contudo, o
comportamento suicida abarca muitas outras modalidades que se apresentam de maneira mais
sutil e não de forma tão manifesta como no caso da tentativa de suicídio. Então, o manejo
desses casos que envolvem o risco de suicídio não tão evidente como possibilidade de
prevenção pode, muitas vezes, depender da atividade profissional de qualquer um dos níveis
de atenção do sistema de saúde. Entende-se, portanto, que qualquer dos profissionais da
38
ORGANIZAÇAO MUNDIAL DA SAUDE. Prevenção do Suicídio: Um Manual para Profissionais da Saúde
em Atenção Primária. Departamento de Saúde Mental: Genebra, 2000.
39
ORGANIZAÇAO MUNDIAL DA SAUDE. Prevenção do Suicídio: Um Manual para Médicos Clínicos
Gerais. Departamento de Saúde Mental: Genebra, 2000.
40
BRASIL, 2006.
28
saúde, de quaisquer níveis de atenção à saúde, pode se deparar com uma pessoa em risco de
suicídio, em suas mais diversas manifestações. Reflete-se que deve ser por este motivo que
dentre as diretrizes brasileiras para um Plano Nacional de Prevenção do Suicídio, do
Ministério da Saúde do Brasil, esteja a de “promover a educação permanente dos profissionais
de saúde das unidades de atenção básica, inclusive do Programa Saúde da Família, dos
serviços de saúde mental, das unidades de urgência e emergência, de acordo com os
princípios da integralidade e da humanização41.”
Dentre as ações promovidas com objetivo de transmitir o conhecimento do
fenômeno em questão e de como preveni-lo estão os já citados manuais, que por ora serão
utilizados como fontes da investigação das características do manejo que os profissionais da
saúde realizam em casos que envolvem o comportamento suicida. No Manual de Prevenção
de Suicídio para Profissionais da Saúde em Atenção Primária, da OMS, é justificada a sua
elaboração com enfoque na equipe deste nível básico de atenção à saúde, por meio das
seguintes razões:
• A equipe de atenção primária tem um longo e próximo contato com a comunidade
e são bem aceitos pela população local.
• A equipe provê um elo vital entre a comunidade e o sistema de saúde.
• Em muitos países em desenvolvimento, onde os serviços de saúde mental não estão
bem estruturados, o profissional de atenção primária é freqüentemente o primeiro
recurso de atenção à saúde.
• O seu conhecimento da comunidade permite-lhe reunir o apoio dos familiares,
amigos e organizações.
• Esse profissional está em posição de oferecer cuidado continuado.
• É também a porta de entrada aos serviços de saúde para os que deles necessitarem.
(p. 05)
O Manual de Prevenção ao Suicídio destinado aos Profissionais da Saúde Mental,
do Ministério da Saúde do Brasil, enfoca o manejo que os profissionais das equipes de saúde
mental devem realizar em casos que envolvam o comportamento suicida, principalmente no
que se refere aos profissionais que atuam nos CAPS, com o fundamento de que “uma vez que
várias doenças mentais se associam ao suicídio, a detecção precoce e o tratamento apropriado
dessas condições são importantes na sua prevenção”42, sendo o principal objetivo do citado
material a “transmissão de informações básicas que possam orientar a detecção precoce de
41
BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Portaria Nº 1.876/GM de 14 de agosto de 2006. Diretrizes da
Estratégia Nacional de Prevenção do Suicídio. Disponível em <http://portal.saude.gov.br/portal/saude/
cidadao/visualizar_texto.cfm?idtxt=25605>. Acesso em 31 mar. 2008.
42
TEMPORÃO, José Gomes. In BRASIL. Ministério da Saúde. Prevenção do Suicídio: Manual dirigido aos
profissionais das equipes de saúde mental, 2006, p. 05.
29
certas condições mentais associadas ao comportamento suicida, bem como o manejo inicial de
pessoas que se encontrem sob risco suicida e medidas de prevenção”43.
Em relação ao Manual destinado aos Médicos Clínicos Gerais, da OMS, ressaltese que o objetivo de sua elaboração em “destacar os principais transtornos e outros fatores
associados com o suicídio e prover informações referentes à identificação e ao manejo de
pacientes suicidas”44 aos médicos clínicos gerais, tomou por base a dificuldade enfrentada por
estes profissionais quando se deparam com o suicídio, descrevendo o citado documento que
“as reações comumente vivenciadas pelos médicos que passaram por este evento são
descrença, perda de confiança, raiva e vergonha (...) sentimentos de inadequação profissional,
dúvidas sobre a própria competência e medo de perder a reputação.45” Portanto, ante aos mais
diversos objetivos dos citados manuais, independentemente da formação profissional de seus
destinatários, considera-se que a investigação do manejo dos casos que envolvem risco de
suicídio como possibilidade de prevenção engloba os profissionais da saúde em geral, tendose em vista os diferentes graus de manifestação do comportamento suicida e também que este
potencial suicida pode buscar auxílio profissional em serviços de quaisquer dos níveis de
atenção à saúde.
Passa-se então a reflexão do que alguns estudiosos do tema compreendem por
comportamento suicida e como entendem que este se apresenta em diferentes dimensões.
2.2 SUICÍDIO E COMPORTAMENTO SUICIDA
Suicídio, etimologicamente significa “a morte de si mesmo” (do latim sui = si
mesmo e caedes = ação de matar).46 Muito embora possa parecer, à primeira vista, que a
definição de suicídio possa ser descrita de forma tão simples, tal conceito está longe de
alcançar todos os aspectos abarcados pelo comportamento suicida, como sugerem alguns
estudiosos do fenômeno em questão47. Cassorla (2004), ao refletir sobre o conceito
etimológico do suicídio, “até as últimas conseqüências”, conclui que “todas as mortes são ‘de
43
TEMPORÃO, 2006, p. 05.
ORGANIZAÇAO MUNDIAL DA SAUDE. Prevenção do Suicídio: Um Manual para Médicos Clínicos
Gerais. Departamento de Saúde Mental: Genebra, 2000, p.03.
45
ORGANIZAÇAO MUNDIAL DA SAUDE, 2000, p.03.
46
MELEIRO, A. e BAHLS, S. O Comportamento Suicida. In MELEIRO, Alexandrina; TENG, Chei Tung;
WANG, Yan Pang. Suicídio: estudos fundamentais. São Paulo: Segmento Farma, 2004. p.13-36. p. 14.
47
DURKHEIM, 2000, p.09; CASSORLA, 2004, p. 20.; MELEIRO e BAHLS, 2004, p. 14.
44
30
si mesmo’, já que parece claro que estamos geneticamente programados para morrer.”48
Durkheim (2000) assinala que “as palavras da língua usual, tal como os conceitos que elas
exprimem, são sempre ambíguas, e o cientista que as empregasse tal qual as recebe do uso e
sem submeter a maior elaboração estaria exposto às mais graves confusões”.49 Neste sentido,
observando o cuidado recomendado pelos citados autores, passa-se à reflexão de qual
conceito embasa o conhecimento necessário acerca do fenômeno do suicídio para fins da
caracterização do manejo dos casos que envolvem risco de suicídio, como possibilidade de
prevenção.
Na verdade, o ato de auto-eliminar-se, tenha ele como resultado a eficácia letal ou
não, é alvo das mais diversas divergências entre os estudiosos do suicídio. Tais divergências
estão relacionadas a questões referentes à consciência, à motivação, à intencionalidade e à
letalidade do ato suicida. Isto é, a concepção de suicídio pode partir de um sentido mais
estrito, qual seja, “as mortes em que o indivíduo, voluntária e conscientemente, executa um
ato ou adota um comportamento que ele acreditava que determinaria a sua morte”50 até um
sentido mais amplo, a partir do qual se incluiria todos os comportamentos auto-destrutivos,
tais como o abuso de drogas, dirigir imprudentemente, a desobediência de prescrições
médicas, trabalho excessivo, dentre outros, considerados, pela literatura como os suicidas
crônicos51 ou, ainda, casos demarcados por aspectos inconscientes, como os suicídios
praticados por “indivíduos com perturbação mental (delirantes, alucinados) e de crianças, as
quais não têm consciência da irreversibilidade da morte”52. É no percurso transcorrido entre o
sentido mais estrito ao sentido mais amplo que são travadas as discussões acerca de quais dos
aspectos e graus desses aspectos (consciência, motivação, intencionalidade e letalidade do ato
suicida) devem ser destacados e considerados para demarcar o fenômeno em referência.
Pensa-se que todos esses aspectos devam ser considerados. E para tanto, encontra-se a solução
para abarcar todos esses aspectos que compõem o ato autodestrutivo, na concepção acolhida
pela OMS de comportamento suicida, também adotada por Werlang e Botega (2004), a saber:
[...] todo ato pelo qual um indivíduo causa lesão a si mesmo, qualquer que seja o grau
de intenção letal e de conhecimento do verdadeiro motivo desse ato. Essa noção
possibilita conceber o comportamento suicida ao longo de um continuum: a partir de
48
CASSORLA, R. M. S. Suicídio e autodestruição humana In WERLANG, Blanca G. e BOTEGA, Neury J.
Comportamento Suicida. Porto alegre: Artmed, 2004. p. 21-33, p.21.
49
DURKHEIM, Émile. O suicídio: estudos de sociologia. São Paulo: Martins Fontes, 2000. p.09.
50
MELEIRO; BAHLS, 2004, p. 15.
51
MENNINGER (1970) apud MELEIRO, A. e BAHLS, S. O In MELEIRO, Alexandrina; TENG, Chei Tung;
WANG, Yan Pang. Suicídio: estudos fundamentais. São Paulo: Segmento Farma, 2004, p.13-36, p. 18.
52
MELEIRO; BAHLS, 2004, p. 18.
31
pensamentos de autodestruição, passando por ameaças, gestos, tentativas de suicídio,
e finalmente, suicídio 53
Partindo-se dessa concepção de comportamento suicida, é possível decompô-la
em diversos tipos de comportamento apresentados ao longo do continnum destacado,
classificando-se e diferenciando esses diversos tipos de comportamento suicida, por
intermédio da avaliação dos graus dos aspectos anteriormente destacados: consciência,
motivação, intencionalidade e letalidade do ato suicida. Para apresentação da graduação
exposta por Meleiro e Bahls (2004), confeccionou-se a representação gráfica abaixo, com
intuito de facilitar a visualização da caracterização de cada modalidade de comportamento
suicida.
Representação Gráfica 1 – Comportamento suicida
Fonte: Elaboração da autora (2008).
53
WERLANG, Blanca G. e BOTEGA, Neury J. Comportamento Suicida. Porto alegre: Artmed, 2004, p. 15.
32
De forma que, para Meleiro e Bahls (2004):
1. Idéias de morte →“Pensar que a morte seria um alívio, sem, no entanto, cogitar realizá-la
por si mesmo”, exemplos dos autores: dizer que gostaria de dormir e não acordar mais, ou
pensar em ter uma doença fatal.
2. Idéias suicidas → Idéias esparsas que invadem o pensamento do indivíduo, que as
reconhece como absurdas e intrusivas, não manifestando propósitos de auto-agressividade,
podem se tornar mais freqüentes, de maneira que não seja possível evitá-las.
3. Desejo de suicídio → A idéia não é mais absurda, é acompanhada pelo desejo do suicídio
como solução ou fim de algo admitido como insolúvel (desesperança), mas não há
planejamento nem ação.
4. Intenção de suicídio → Ameaça de dar cabo à própria vida é expressa, sem no entanto se
realizar alguma ação concreta, pode anteceder ou ocorrer concomitantemente ao plano de
suicídio.
5. Plano de suicídio → Com a decisão tomada, o indivíduo passa a planejar método, local,
horário e outros detalhes da própria morte, tais como um bilhete de despedida ou
mensagem de adeus.
6. Tentativas de suicídio → Atos auto-agressivos não-fatais. Não há necessariamente o
desejo de morrer. Outras motivações podem incitar o ato. Exemplo dos autores: desejo de
vingar-se de alguém, provocar culpa, chamar atenção de familiares
7. Atos impulsivos→ Atos auto-agressivos, sem planejamento suicida. Métodos repetitivos e
estereotipados. Exemplo dos autores: uso de medicamentos, jogar-se na frente de outros.
Comum em personalidades não tolerantes à frustração (epilepsia, deficientes mentais,
personalidade borderline). Graus variáveis – desde gestos e simulações, desejo consciente
de morrer até as tentativas propriamente ditas. A intervenção de terceiros ou a utilização
de métodos não eficazes é o que geralmente afastam o êxito letal.
8. Suicídio → O desfecho é a morte. Caracteriza-se pelo planejamento cuidadoso e utilização
de métodos altamente letais ou por forte componente impulsivo.
Diferentemente da ordem de graduação da classificação apresentada por Meleiro e
Bahls (2004), Cassorla (2004) entende que o comportamento suicida se inicia pela
manifestação verbal:
33
1) o primeiro grau de intencionalidade seria o “falar em suicídio”, a veleidade
suicida, que se trataria de algo em estado potencial, ainda no plano verbal; 2) a idéia
ou pensamento suicida, em que o ato existe virtualmente; 3) a ameaça suicida, em
que o indivíduo anuncia seu ato; 4) o gesto suicida; 5) a tentativa de suicídio
ambivalente; 6) a tentativa de suicídio deliberada; 7) o suicídio propriamente dito,
que costuma ser chamado de exitoso ou completo. O termo “gesto” utiliza-se para os
atos em que o propósito manipulativo e comunicativo parece proeminente e a
intencionalidade suicida praticamente inexiste. A tentativa de suicídio ambivalente
descreve situações em que a pessoa está consciente de sua indecisão e
aparentemente não pode escolher entre a vida e morte. Na tentativa de suicídio
deliberada, a intenção seria realmente morrer. (p.22)
Contudo, Cassorla (2004) enfatiza que, mesmo que em graus diferenciados, a
ambivalência e a confusão estão sempre presentes nos comportamentos suicidas e que muito
embora o conceito de “manipulação” implique numa questão moral, esta deve ser considerada
como uma questão emocional que precisa ser investigada cientificamente e não simplesmente
condenada.
É importante observar a diferenciação entre os dois modelos de decomposição do
comportamento suicida apresentados por Cassorla (2004) e Meleiro e Bahls (2004), relativa às
seguintes modalidades de comportamento suicida: gestos suicidas, atos impulsivos e
tentativas de suicídio. Para Cassorla (2004) o “gesto” suicida não apresenta ainda um grau de
intencionalidade importante, destacando o autor o caráter manipulativo e comunicativo desta
modalidade de comportamento, seguida, conforme a graduação sugerida por ele, pelas
tentativas de suicídio ambivalentes (o sujeito está consciente de sua indecisão) e tentativas de
suicídio deliberadas (a intenção seria de realmente morrer). Já, Meleiro e Bahls (2004)
entendem como tentativa de suicídio os atos auto-agressivos não fatais, seguidos, conforme a
graduação por eles apresentada, pelos atos impulsivos, que englobariam desde aqueles
comportamentos de gestos e simulações, os que apresentam o desejo consciente de morrer, até
as tentativas propriamente ditas, de maneira que tais comportamentos somente não logram o
êxito letal, em razão da utilização de métodos não eficazes ou da intervenção de terceiros.
Deste modo, parece-nos que Cassorla (2004) leva mais em conta a intenção e o desejo do
sujeito que pratica o ato autodestrutivo e Meleiro e Bahls (2004) o aspecto da letalidade do
ato. Por isso que para estes últimos, a tentativa propriamente dita está graduada em conjunto
com os gestos suicidas, comuns em personalidades impulsivas e não tolerantes à frustração,
que, num impulso, podem utilizar um método tão letal quanto aquele que deseja, planeja e
escolhe um modo eficaz para morrer e, no entanto, é impedido por um terceiro, no momento
em que está pondo em ato sua intenção suicida.
Muito embora considere-se a distinção de Cassorla (2004) entre tentativa de
suicídio ambivalente e tentativa de suicídio deliberada didaticamente mais adequada, parece-
34
nos que a perspectiva apresentada por Meleiro e Bahls (2004), além de englobar todas as
modalidades apresentadas por Cassorla (2004), confere uma maior amplitude ao
comportamento suicida, já que parte do pressuposto de que este pode ser considerado a partir
de pensamentos e idéias de que a morte representa um alívio para o indivíduo. Deste modo,
pensa-se que a partir de tal concepção, é possível realizar uma ação preventiva de forma mais
precoce, ampliando-se os meios de intervenção neste sentido.
Além disso, a concepção de Meleiro e Bahls (2004) é a que mais se aproxima da
utilizada nos três Manuais de Prevenção do Suicídio, tomados como fonte de referência de
manejo do comportamento suicida. Contudo, nestes manuais, aparece um agrupamento dos
tipos de comportamento suicida em níveis de risco. No Manual para profissionais da saúde em
Atenção Primária, da OMS e no Manual dirigido aos profissionais das equipes de saúde
mental, do MSB, os tipos de comportamentos suicidas são classificados e agrupados em
baixo, médio e alto risco (baixo risco –pensamentos suicidas, mas sem plano de execução do
ato; médio risco - pensamentos e planos, mas sem a intenção de cometer o suicídio
imediatamente; alto risco - a pessoa tem um plano definido, tem os meios para fazê-lo, e
planeja fazê-lo imediatamente). No Manual para Médicos Clínicos Gerais, da OMS, os tipos
de comportamento suicida recebem uma classificação numérica de 1 a 6, representando o
menor ao maior grau de risco de suicídio, sucessivamente (1 – Com problemas emocionais; 2Idéias vagas de morte; 3-Ideação suicida vaga; 4-Idéias suicidas sem transtornos psiquiátricos;
5- Idéias suicidas e transtornos psiquiátricos ou fatores estressores graves; 6-Idéias suicidas e
transtornos psiquiátricos ou fatores estressores graves ou agitação e tentativas prévias). Tais
graduações apresentadas nos manuais contribuem para aumentar as possibilidades de os
profissionais da saúde identificarem riscos de suicídio precocemente e avaliarem a
intervenção mais adequada para cada caso, de acordo com o tipo de comportamento suicida
apresentado pelo paciente.
Contudo,
é
importante
refletir
sobre
a
função
da
classificação
dos
comportamentos suicidas. Avalia-se que esse tipo de discriminação das graduações dos
comportamentos suicidas é de utilidade didático-teórica, que pode funcionar como um
instrumento facilitador a ser utilizado na avaliação de casos clínicos pelo profissional da
saúde. Entretanto, parece importante enfatizar que, em se tratando de seres humanos, não se
pode deixar de levar em consideração que cada pessoa tem uma história e uma forma
particular de lidar com o sofrimento. Por isso, a condução da entrevista clínica e a escuta
especializada do profissional podem revelar aspectos para além do que uma classificação
pode dar conta. Neste sentido, recomenda o Manual para Médicos Clínicos Gerais, da OMS:
35
Existem várias escalas que avaliam o risco de suicídio em pesquisas de campo, mas
elas são menos úteis que uma boa entrevista clínica na identificação dos indivíduos
que está [sic] em risco imediato de cometer suicídio. O médico pode ser confrontado
com uma variedade de condições e situações associadas com o comportamento
suicida. Um idoso do sexo masculino, viúvo há pouco tempo, em tratamento para
depressão, que mora sozinho, com história de tentativas de suicídio anteriores, e uma
jovem com alguns arranhões no antebraço, que foi abandonada pelo namorado
recentemente, são dois exemplos contrastantes. Na realidade, a maioria dos pacientes
encontra-se entre estes dois exemplos extremos e podem flutuar de uma categoria
para outra. (p.12)
Outro importante aspecto a ser aventado é que o comportamento suicida é
considerado um fenômeno complexo. Segundo Meleiro e Bahls (2004) “caracterizar este
comportamento em poucos elementos conduz a um reducionismo que de modo algum reflete
a complexidade multidimensional do ato de tirar a própria vida”54. Por esta razão, que “o
comportamento suicida tem sido estudado como resultado da interação de fatores biológicos,
sociológicos, epidemiológicos, filosóficos, psicológicos e culturais tanto intrapsíquico como
interpessoais”
55
.Ante à complexidade e multideterminação que envolve o fenômeno em
estudo, que se aventará, a seguir, estudos e teorias de diferentes perspectivas disciplinares e
que podem auxiliar na compreensão do comportamento suicida e na possibilidade de seu
manejo pelos profissionais da saúde, como forma de prevenção do suicídio.
2.3 O SUICÍDIO SOB DIFERENTES PERSPECTIVAS
Não há como falar em estudos sobre o suicídio, sem levar em consideração a
produção de Émile Durkheim. A maior parte da literatura consultada, apresenta o estudo de
Durkheim como um marco na história da pesquisa e teorização das causas que impulsionam o
ato suicida. 56 Beato (2004) alude que Durkheim, já antes da realização de sua pesquisa sobre
o suicídio, entendia que o indivíduo está submetido à supremacia da autoridade moral da
sociedade de modo que a condição de coesão social estaria relacionada à anuência dos
sujeitos aos valores morais comuns ao núcleo social, de maneira que tal condição passa a ser
inviabilizada no mundo moderno, a partir do sistema de divisão social do trabalho. Para Beato
54 MELEIRO, A. e BAHLS, S. O Comportamento Suicida. In MELEIRO, Alexandrina; TENG, Chei Tung;
WANG, Yan Pang. Suicídio: estudos fundamentais. São Paulo: Segmento Farma, 2004. p.13-36, p. 27.
55 MELEIRO; BAHLS, 2004, p. 27.
56
MELEIRO e WANG, 1995, p. 377; NUNES, 2004, p. 93; BEATO, 2004, p. 61.
36
(2004), Durkheim percebia no “mundo moderno um desenvolvimento negativo: é um mundo
em que não vigoram as condições necessárias à realização da solidariedade moral.”57 E é com
esta perspectiva sociológica que Durkheim (2000) procurou fazer a relação entre as diferentes
formas de vida social e as taxas de suicídio. Para ele “cada sociedade se predispõe a fornecer
um contingente determinado de mortes voluntárias”.58
Levando em conta alguns fatores que implicariam na condição social (religião,
política, composição familiar, estado civil, grupos profissionais) e excluindo os fatores extrasociais (clima, temperatura, hereditariedade, raça, loucura) e as questões individuais59,
Durkheim analisou e interpretou, do ponto de vista da sociologia, as estatísticas de suicídio de
um determinado período em seis países europeus e publicou, em 1897, na obra “O Suicídio”,
que o ato de tirar a própria vida “varia na razão inversa do grau de integração dos grupos
sociais de que o indivíduo faz parte.” 60
Então, a partir do pressuposto de que o suicídio estaria diretamente ligado à
condição de integração dos indivíduos em sociedade, Durkheim teorizou os três tipos sociais
de suicídio: a) Suicídio Egoísta, o qual se desenvolve a partir do enfraquecimento das regras
sociais, de maneira que o indivíduo passa cada vez menos a depender do seu grupo social,
levando-o a conduzir seus atos tão somente em relação a seus interesses particulares e não em
razão do interesse coletivo, afastando-se e desintegrando-se da sociedade. O suicídio egoísta é
o tipo que Durkheim considera como resultante “de uma individuação descomedida”61; b)
Suicídio Altruísta, em oposição ao egoísta, se refere àquele indivíduo que depende demais da
integração social, de maneira que esta passa a exercer extrema pressão sobre o indivíduo,
coagindo-o à autodestruição. Nesses casos, segundo Durkheim, “é preciso que a
personalidade individual, então, tenha muito pouca importância”.62 Como exemplos do
suicídio altruísta, cita o autor: “homens que chegam ao limiar da velhice ou são afetados por
doenças, mulheres por ocasião da morte dos maridos, clientes ou servidores por ocasião da
morte de seus chefes”
63
, ou seja, a perda de uma obrigação e de um dever social leva o
indivíduo à autodestruição pelo sentimento de desonra em relação às regras sociais; c)
Suicídio Anômico, relativo à ausência de regras sociais ou o conflito delas, carecendo ao
57
BEATO, Cláudio Chaves. Suicídio e a teoria social. In: MELEIRO, Alexandrina; TENG, Chei Tung; WANG,
Yan Pang. Suicídio: estudos fundamentais. São Paulo: Segmento Farma,2004, p. 61-62.
58
DURKHEIM, Émile. O suicídio: estudos de sociologia. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p.24.
59
NUNES, Everardo Duarte. Perspectiva Sociológica. In WERLANG, Blanca G. e BOTEGA, Neury J.
Comportamento Suicida. Porto alegre: Artmed, 2004.p. 93-106, p. 96.
60
DURKHEIM, 2000, p. 258.
61
DURKHEIM, 2000, p. 259.
62
DURKHEIM, 2000, p. 274.
63
DURKHEIM, 2000, p. 272.
37
indivíduo a indicação de uma determinada conduta moral a ser seguida, de maneira que a ele
sejam impostas novas condições que exijam um ajustamento que para ele seja extremamente
penoso. Como exemplos, Durkheim cita as crises relacionadas ao crescimento econômico,
aumento brusco de poder, de riqueza, ou de pobreza, estado de viuvez (anomia doméstica) e a
questão do divórcio (anomia conjugal)64.
É necessário atentar-se para o fato de que Durkheim contribuiu para a
compreensão do fenômeno em questão sob o ponto de vista sociológico. E isso Durkheim
deixa claro, quando afirma que vai “encará-lo” como fenômeno coletivo, estudando-o por
meio de dados estatísticos, “deixando de lado o indivíduo, enquanto indivíduo”, partindo do
todo (coletivo) para só depois relacioná-lo com a parte (indivíduo)65. Por outro lado, outras
importantes teorias se destacam por terem buscado compreender o suicídio do ponto de vista
intrapsíquico. Ou seja, a forma como os mecanismos individuais se organizam no sujeito para
que se deflagre um comportamento suicida.
E é neste ponto que os estudos de Freud também são considerados um marco na
compreensão do fenômeno do suicídio. No texto “Luto e Melancolia”, publicado em 1917,
Freud compara o processo de instauração da melancolia ao processo de luto, correlacionandoos a partir da causa que os origina, qual seja, a perda do objeto amado. Os dois processos, um
de ordem natural (luto) e outro de ordem patológica (melancolia), diferenciam-se, segundo o
autor, porque no luto, a perda se refere a um objeto real e, na melancolia, a perda diz respeito
ao objeto idealizado. No primeiro caso, o processo se dá de forma consciente, o sujeito,
submetido ao teste da realidade, é forçado a perceber que o objeto não existe mais de maneira
que, para ele, o mundo se torna pobre e vazio sem o objeto amado e o investimento libidinal
recolhido pelo sujeito, com o tempo, vai sendo investido em outros objetos substitutivos. Na
melancolia, o processo se dá de forma inconsciente, porque mesmo que o sujeito saiba quem
ele perdeu, não reconhece o que do objeto foi perdido, então, a libido que era dirigida ao
objeto perdido retorna ao ego e, nesse caso, não é o mundo que fica vazio e pobre, mas o ego
do sujeito. Nesse caso, Freud se refere ao paciente que “descreve seu Eu como não tendo
valor, como sendo incapaz e moralmente reprovável. Ele faz autocensuras e insulta a si
mesmo e espera ser rejeitado e punido” (p.105). Segundo Freud, o fato desse sujeito se sentir
tão desprezível, que aparece, muitas vezes, por meio de auto-recriminações, deve-se a uma
identificação com algo percebido como ruim do ego do objeto perdido, isto é, o sujeito
64
DURKHEIM, 2000. p. 303-353.
NUNES, Everardo Duarte. Perspectiva Sociológica. In WERLANG, Blanca G. e BOTEGA, Neury J.
Comportamento Suicida. Porto alegre: Artmed, 2004.p. 93-106, 2004, p. 96.
65
38
realizou uma escolha objetal e passou a investir libido no objeto de amor escolhido. Esse
objeto, em determinada circunstância, desagrada o sujeito, e em vez do sujeito deslocar o
investimento libidinal para outro objeto, recolhe-o para si, de modo que, nas palavras de
Freud, “a sombra do objeto caiu sobre o Eu” (p. 108). Isto é, o que era de ruim do objeto
agora faz parte do ego do sujeito, e este passa a se autocriticar. 66
Para Freud, está mais suscetível ao acometimento da melancolia o sujeito cuja
escolha objetal foi realizada pelo modo narcísico. Refere-se, neste caso, àqueles sujeitos que
escolhem o objeto de amor porque o percebem como igual, ou como ideal de eu (como ele
gostaria de ser) ou porque pensa que o objeto vai lhe oferecer a perfeição, a completude.
Contudo, diante da frustração em relação ao objeto, algumas vezes o sujeito não encontra
outra saída, não pode renunciar ao objeto de amor e, então, constitui-se uma condição
ambivalente: amor e ódio são dirigidos ao objeto e, na perda do “ideal” do objeto, ocorre o
retorno libidinal juntamente com os traços identificatórios que são introjetados no Eu,
resultando na autotortura contumaz na melancolia, que se apresenta como um modo de
vingar-se do objeto amado (regressão ao sadismo), que sofre por ver o sujeito adoecido.67 É
neste ponto de regressão ao sadismo, que Freud referencia o suicídio:
A partir da análise da melancolia, agora se tornou claro que o Eu somente pode
matar a si mesmo se conseguir, através do retorno do investimento objetal, tratar a si
próprio como um objeto, isto é, se puder dirigir contra si a hostilidade originalmente
destinada a um objeto, hostilidade esta que, em verdade, está no lugar da reação
original do Eu contra objetos do mundo externo. Desta forma, embora o objeto da
escolha narcísica objetal tivesse suprimido quando houve a regressão, ao final ele
mostrou-se mais poderoso que o próprio eu.68
Deste modo, pode-se pensar que na concepção freudiana a ação suicida é, em
resumo, o retorno ao próprio sujeito de um sentimento hostil que originariamente havia sido
dirigido ao outro. Ou, mais além, o retorno de um desejo de agredir o outro. Freud (1930), no
texto “O Mal Estar na Civilização” também refere, nos casos em que é inibida a satisfação
desses desejos, que “qualquer restrição dessa agressividade dirigida para fora estaria fadada a
aumentar a autodestruição”69, de forma que a agressividade inibida, é, então
66
FREUD, Sigmund. Luto e Melancolia. In FREUD, Sigmund. Escritos sobre a Psicologia do Inconsciente.
Vol. 2: 1915-1920. Rio de Janeiro: Imago, 2006. p. 99-122.
67
FREUD, [1915-1920], 2006, p. 99-122.
68
FREUD, [1915-1920], 2006, p. 111.
69FREUD, Sigmund. O Mal Estar na Civilização. In FREUD, Sigmund. Edição Standard Brasileira das Obras
Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Vol. XXI: 1856-1939. Rio de Janeiro: Imago, 1987. p. 73-148, p.
123.
39
introjetada, internalizada; ela é, na realidade, enviada de volta para o lugar de onde
proveio, isto é, dirigida no sentido de seu próprio ego. Aí, é assumida por uma parte
do ego, que se coloca contra o resto do ego, como superego, e que então, sob a
forma de `consciência', está pronta para pôr em ação contra o ego a mesma
agressividade rude que o ego teria gostado de satisfazer sobre outros indivíduos, a
ele estranhos. A tensão entre o severo superego e o ego, que a ele se acha sujeito, é
por nós chamada de sentimento de culpa; expressa-se como uma necessidade de
punição70
Pode-se dizer que o entendimento de Freud respalda o que Dias (1991) analisou e
interpretou a respeito dos bilhetes, cartas e fitas de áudio, deixados por suicidas. A autora
observou, a partir do conteúdo desses documentos, que o indivíduo que se suicida, assim o faz
para alguém. Segundo a autora, essas últimas palavras deixadas pelos suicidas revelaram a
questão do narcisismo, no que diz respeito à recusa de um mundo que não lhe serve, numa
atitude de imputação de culpa aos outros ou à sociedade. Contudo, a autora enfatiza que a
hostilidade contra os outros ou contra a sociedade aparece nessas mensagens de adeus sob
ambivalências e contradições, conforme os exemplos de mensagens apresentados pela autora:
“você não tem culpa não” e “infelizmente eu estou me vingando de você”71. Os aspectos da
ambivalência e contradição, como característicos do comportamento suicida, já haviam sido
descritos por Freud. A questão da ambivalência também é referida pelos três Manuais de
Prevenção do Suicídio, que apresentam essa característica como comum às pessoas que
apresentam comportamento suicida.
Não obstante, fica a reflexão se realmente todos os sujeitos que cometem suicídio
tem esse desejo de deixar um outro com sentimento de culpa ou de remorso ou se existem
várias outras motivações que levam um sujeito a se suicidar e são justamente aqueles que
deixam alguma mensagem que possuem essa intenção vingativa, ainda que ambivalente.
Devendo-se ter cautela nesse tipo de generalização.
Na verdade, Freud refere a questão da ambivalência não somente como um
aspecto intrínseco do comportamento suicida, mas como uma condição da qualidade humana.
São os conceitos de pulsão de morte e pulsão de vida72 apresentados no texto “Além do
Princípio do Prazer”, publicado em 1920, que também podem fundamentar o aspecto da
ambivalência do comportamento suicida, apresentado pelos três manuais de prevenção do
70
FREUD, [1856-1939], 1987, p.127.
DIAS, Maria Luiza. O Suicida e suas mensagens de Adeus. In CASSORLA, R. M. S. Do suicídio. São Paulo:
Papirus, 1991. p. 89-106, p. 104-105.
72
Em psicanálise, entende-se por pulsão o “processo dinâmico que consiste numa pressão ou força (carga
energética, fator de motricidade) que faz o organismo tender para um objetivo. Segundo Freud, uma pulsão tem a
sua fonte numa excitação corporal (estado de tensão); seu objetivo ou meta é suprimir o estado de tensão que
reina na fonte pulsional; é no objetivo ou graças a ele que a pulsão pode atingir a sua meta.” In LAPLANCHE, J.
Vocabulário de Psicanálise. 4 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001, p. 394.
71
40
suicídio em menção como a “atitude interna característica das pessoas que pensam em ou que
tentam o suicídio. Quase sempre querem ao mesmo tempo alcançar a morte, mas também
viver. O predomínio do desejo de vida sobre o desejo de morte é o fator que possibilita a
prevenção do suicídio.”73
Na concepção freudiana, a pulsão de vida diz respeito “ao atamento dos laços, por
intermédio da libido, entre nosso psiquismo, nosso corpo, os seres e as coisas. As pulsões de
vida tendem a investir tudo libidinalmente e a manter a coesão das partes da substância viva”.
Em compensação, a pulsão de morte se propõe “ao desligamento, ao desprendimento da libido
dos objetos e ao retorno inelutável do ser vivo à tensão zero, ao estado inorgânico [...] as
pulsões de morte representam a tendência do ser vivo a encontrar a calma da morte, do
repouso e do silêncio.” 74 E assim, as pulsões de vida se
apresentam como perturbadoras da tranqüilidade, trazendo contínuas tensões, cujo
alívio é sentido como prazer, enquanto as pulsões de morte parecem realizar seu
trabalho de uma maneira bem mais discreta. O princípio do prazer parece, de fato,
estar a serviço das pulsões de morte. 75
Neste sentido, se o princípio do prazer que rege o aparelho psíquico, tem por fim a
busca pelo prazer e afastamento do desprazer, rumo à diminuição da tensão psíquica, em seu
percalço estão, por um lado, as pulsões de vida, procurando a autoconservação, mesmo que
para isso seja necessário suportar um certo desprazer, com intuito de que o inevitável encontro
do sujeito com a morte ocorra da forma mais natural possível. Por outro lado, estão as pulsões
de morte que impelem ao sujeito à busca pelo prazer, pela satisfação total, garantindo, pela
descarga pulsional, um nível mínimo de excitação num estado de repouso absoluto.76 Não é
diferente o que Meleiro e Bahls (2004) reportam como “senso de alívio” do “terrível
sentimento de ansiedade ou pressão interna” que pacientes relatam após terem realizado uma
tentativa de suicídio.77 É possível que esses sujeitos reportem, inclusive, o sentimento de
alívio, por terem satisfeito o desejo de agressividade uma vez dirigido ao objeto e recolhido
ao sujeito, que ansiava pela descarga pulsional.
Daí a ambivalência, para a teoria freudiana, presente em todos os seres humanos:
pulsões de vida e pulsões de morte. A partir desta teoria, pode-se refletir que o potencial para
73
BRASIL, 2006, p.51.
NASIO, J. D. Introdução às obras de Freud, Ferenczi, Groddeck, Klein, Winnicott, Dolto, Lacan. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar, 1995, p.44.
75
FREUD, Sigmund. Além do Princípio do Prazer. In FREUD, Sigmund. Escritos sobre a Psicologia do
Inconsciente. Vol. 2: 1915-1920. Rio de Janeiro: Imago, 2006. p. 123-198, p. 181.
76
CHEMAMA, R. (org). Dicionário de Psicanálise Larousse. Porto Alegre: Artes Médicas. 1995, p. 181.
77
MELEIRO; BAHLS, 2004, p.29.
74
41
tender a satisfazer uma ou outra intenção pulsional é comum a todos os seres humanos. No
entanto, pensa-se que, de algum modo, as pulsões de morte devem se mostrar em prevalência
na dinâmica de funcionamento das pessoas que apresentam o comportamento suicida. O
mistério se funda justamente nos motivos pelos quais a pulsão de morte pode estar em
superioridade. É possível supor que somente a complexidade de significados das experiências
constituintes da história do sujeito pode referir os fatores que levam a essa prevalência ou à
própria melancolia como fator predisponente. Os estudos que dizem respeito aos principais
fatores que podem estar envolvidos na ocorrência do comportamento suicida serão discutidos
posteriormente. Entretanto, ainda existem outras compreensões sobre o fenômeno do suicídio
a serem observadas.
Dias (1991) também interpretou as mensagens de adeus a partir da influência do
meio social. A autora observou que a visão dominante sobre a morte na cultura ocidental e o
tabu que a circunda estavam presentes nessas últimas palavras, de maneira que, esses sujeitos
que se suicidaram podiam falar, comunicar e expressar, por meio da morte, o que
normalmente não se pode falar em vida. Nesta perspectiva social, a explicação de Dias (1991)
relativa a um afastamento social e individualismo, presentes na sociedade ocidental moderna,
vão ao encontro com o que anteriormente foi mencionado sobre a teoria social de Durkheim
(2000):
Na cultura ocidental contemporânea, podem-se observar traços coletivos – como o
temor intenso da velhice e da morte, a deterioração de laços de intimidade ou
compromisso entre homens e mulheres, o descompromisso emocional com o outro,
a tendência a preferir atitudes competitivas a atitudes cooperativas, a busca de autosuficiência. [...] O tabu da morte desempenha um papel significativo, uma vez que
tais experiências precisaram ser vividas no isolamento. Falar sobre a morte,
sofrimento, vontade de morrer só se fez possível quando o indivíduo já não estava
vivo.Talvez daí advenha a surpresa da família e dos amigos quando alguém se mata
(‘ninguém percebeu’)78
Desta forma, a questão cultural é um fator a ser levado em consideração na
complexidade do comportamento suicida. Meleiros e Bahls (2004) entendem o aspecto
cultural como diretamente relacionado com o sofrimento do sujeito. Para os autores, a
prescrição cultural de que se deve ter uma aparência sempre boa, com a oferta de uma
tecnologia voltada para proporcionar a estampa de bem-estar e de inexistência de sofrimento,
impõe ao indivíduo que se encontra em sofrimento, a impossibilidade de assumir e sentir a
sua dor. Deste modo, não há espaço para o sofrimento e a aceitação e tolerância a ele é muito
baixa, o sujeito se sente fraco e acredita que está sendo injustiçado, vivenciando esse episódio
78
DIAS, 1991, p. 102-103.
42
como uma falta de controle sobre a própria vida. Para esses autores, a percepção de falta de
controle (relacionada à depressão, que na psicanálise é denominada melancolia) seria a
questão central da crise suicida e a crise suicida um método aprendido para solução de
problemas, modelado por recompensa maximizada ou punição minimizada (que encorajam
mais o comportamento) e por reforço (evento que ocorre antes ou depois do comportamento,
tais como: diminuição de ansiedade, provocar raiva nos outros, esquiva do ambiente,
restabelecimento de relacionamento rompido, dentre outros). A “fórmula básica” de crise
suicida apresentada pelos autores é nomeada “três is”, descrita como um modo de
funcionamento cognitivo, que se apresenta da seguinte forma:
Quando a pessoa acredita que não é forte o suficiente para resolver o problema,
torna-se incapaz. Quando não há expectativa de que a situação mudará se ele
próprio de maneira nenhuma resolver, o problema tornar-se-á interminável. Quando
o indivíduo não pode tolerar a dor emocional que a situação está produzindo, o
problema é intolerável. 79 (grifo nosso)
Para os autores, “a pessoa suicida acredita verdadeiramente que todas as outras
razões para resolver o problema têm sido tentadas e falhadas” (p. 29). De maneira que matar a
si mesmo possui a função instrumental de solucionar a enorme dor emocional (“quando
alguém é morto, não há sentimento”). Já, no caso da tentativa, a função é expressiva, isto é, a
função é comunicar, solicitar ajuda, acionar um suporte social. Neste sentido, aconselham os
autores sobre o cuidado em sempre considerar o sofrimento do sujeito e não recair no
entendimento de que se trata de simples manipulação e, nem no de tentar persuadir o paciente
de que o suicídio é inapropriado, de maneira que só a experiência direta pode mostrar-lhe isso.
Do mesmo modo, já havia aconselhado Freud (2006), que destaca no texto “Luto e
Melancolia” que “seria infrutífero, tanto do ponto de vista terapêutico quanto científico,
querer contradizer as acusações desses doentes contra o seu próprio Eu”.80 Neste ponto, podese remeter a outro aspecto, considerado pelos três Manuais de Prevenção do Suicídio em
comento, como característico do estado cognitivo do sujeito com comportamento suicida, que
se refere à condição de rigidez ou constrição:
A consciência da pessoa passa a funcionar de forma dicotômica: tudo ou nada. Os
pensamentos, os sentimentos e as ações estão constritos, quer dizer, constantemente
pensam sobre suicídio como única solução e não são capazes de perceber outras
maneiras de sair do problema. Pensam de forma rígida e drástica: “O único
caminho é a morte”; “Não há mais nada o que fazer”; “A única coisa que poderia
79
80
MELEIRO; BAHLS, 2004, p.31.
FREUD, [1915-1920], 2006, p. 106.
43
fazer era me matar”. Análoga a esta condição é a “visão em túnel”, que representa o
estreitamento das opções disponíveis de muitos indivíduos em vias de se matar.81
Entende-se que contradizer o sujeito possa deixar com que ele se sinta
incompreendido na sua auto-avaliação, desamparado e desrespeitado no seu sofrimento, o que
talvez mostre que, mais uma vez, a solução seja dar fim à vida.
Além da questão da ambivalência do desejo do sujeito com comportamento
suicida, da rigidez ou constrição cognitivas presentes nesses casos, o terceiro aspecto
psicológico comumente encontrado nos casos que envolvem risco de suicídio referido nos
manuais de prevenção de suicídio em alusão diz respeito à impulsividade, isto é, “como
qualquer outro impulso, o impulso de cometer suicídio pode ser transitório e durar alguns
minutos ou horas. Normalmente, é desencadeado por eventos negativos do dia-a-dia.
Acalmando tal crise e ganhando tempo, o profissional da saúde pode ajudar a diminuir o risco
suicida.”82 É possível que nestes casos o comportamento suicida já esteja constituído num dos
graus mais relacionados com a questão da ideação de suicídio e diante da frustração ou da
crença na impossibilidade de resolução de problemas, uma personalidade com característica
impulsiva pode realizar o ato diretamente, sem planejamento prévio. Por isso, a importância
da identificação precoce do comportamento suicida para garantia da prevenção do ato
autodestrutivo.
Muito embora sem a intenção de analisá-lo com profundidade, um outro aspecto a
ser suscitado como componente da complexidade do comportamento suicida se refere à
questão neurobiológica. Tung Teng e Demétrio (2004) referem alguns estudos em diferentes
países que associam disfunções serotoninérgicas e noradrenérgicas com o comportamento
suicida. Esses autores citam a teoria estresse-diátese ou estresse-vulnerabilidade como a mais
aceita neste campo atualmente. Essa teoria defende que a associação de fatores ambientais,
vistos como estressores (sociais, culturais, dietéticos, história de vida pessoal) e de fatores
biológicos (predisposição estrutural genética ou adquirida), aumentam o risco de
desenvolvimento do comportamento suicida. Os autores citam como exemplo dessa
associação:
Um indivíduo que possuísse elementos de história pessoal como traumas cerebrais,
violência e nutrição inadequada na infância (ambiental) ou história familiar de
doenças mentais e suicídio, teria um risco aumentado, podendo o comportamento
suicida ser desencadeado por eventos de vida circunstanciais estressores
(desemprego, problemas interpessoais), que levariam a alterações neurobiológicas,
como na fisiologia dos neurotransmissores (e. g. serotonina), facilitando o início ou
81
82
BRASIL,2006, p.52.
BRASIL,2006, p.52.
44
a piora de um quadro psiquiátrico ao qual o indivíduo já seria predisposto
geneticamente.83
Essa compreensão neurobiológica, segundo os autores, contribui no sentido de
propiciar a indicação de “caminhos para novas abordagens médico-sanitárias para prevenção
do suicídio, incluindo tratamentos psicofarmacológicos emergentes como o lítio e a
clozapina”. 84
Diante de tantas explicações, pode-se perceber a diversidade da base
epistemológica que justifica a complexidade do fenômeno em análise, de maneira que as
teorias não invalidam umas as outras, mas complementam-se, auxiliando a compreensão do
comportamento suicida.
E desta forma, os profissionais da saúde, além de necessitarem compreender o
comportamento suicida como ocorrência ligada a um estado de extremo sofrimento do sujeito
e a uma séria questão de saúde, necessitam também desenvolver a capacidade de avaliar o
comportamento suicida a fim de que a prevenção de suicídio seja possível. Como já foi
explicitado, o fenômeno do suicídio é multideterminado, isto é, sua ocorrência é complexa e
se dá em razão da associação de inúmeros fatores que podem ser de ordem biológica,
psicológica, sócio-econômica, cultural, ambiental. Entende-se, por conseguinte, que a
identificação desses fatores, como indicadores do risco de suicídio, seria o primeiro passo
para efetivar uma intervenção adequada no fenômeno.
Segundo Meleiro e Tung Teng (2004), muito embora não se tenha uma etiologia
definida para o suicídio, são os estudos dos fatores de risco que embasam “caminhos possíveis
de intervenção para tentar alterar a ocorrência desse comportamento” (p. 109). Esses mesmos
autores lembram que um fator de risco é um conceito estatístico e diz respeito a características
do indivíduo, grupo ou ambiente que indicam um aumento da probabilidade de ocorrência de
um determinado resultado e que “os fatores de risco associados ao suicídio podem ser
diferentes para cada localidade ou subpopulação específica” (p.110-112), modificam-se de
acordo com a época e lugar, de maneira que é necessário que os estudos em relação aos
fatores de risco sejam realizados e revisados periodicamente, devendo-se questionar sobre a
generalização de dados de diferentes localidades.
83
DEMETRIO, Frederico N. e TUNG TENG, Chei. Neurobiologia do Suicídio. In MELEIRO, Alexandrina;
TENG, Chei Tung; WANG, Yan Pang. Suicídio: estudos fundamentais. São Paulo: Segmento Farma, 2004.
p.133-155, p. 134.
84
DEMETRIO, 2004, p. 150.
45
2.4 O MANEJO DE CASOS QUE ENVOLVEM RISCO DE SUICÍDIO
Com efeito, é necessário que o profissional de saúde seja capaz de reconhecer o
comportamento suicida como uma questão de saúde, motivado por um estado de intenso
sofrimento do sujeito, que é passível de prevenção e de identificar e avaliar os riscos que se
apresentam para realizar o manejo adequado nesses casos. Para Gabbard (2006) o manejo do
paciente em risco de suicídio se distingue do tratamento. Segundo o autor, o manejo se refere
ao conjunto de providências utilizadas para “impedir que o paciente aja de acordo com os seus
desejos suicidas”, tais como “observação contínua, restrição física e remoção de objetos
afiados do ambiente”, no entanto o tratamento diz respeito à medicação e abordagem
psicoterapêutica do paciente. Gabbard (2006) afirma que o manejo pode ser útil para prevenir
a ocorrência do suicídio imediata, mas não dá conta de modificar o desejo de morte do
sujeito.85 Deste modo, pode-se pensar em que nível de prevenção o manejo realizado por
profissionais de saúde sem formação profissional para medicar ou para realizar tratamento
psicoterápico pode ser eficaz.
Reinecke (2004) concorda com Gabbard (2006) em relação ao objetivo do
manejo, que é o de preservar a vida do paciente. Porém, a autora fornece subsídios para se
pensar numa intervenção pontual num momento de crise suicida, incluindo outras
intervenções para além das relacionadas aos riscos ambientais, afirmando que “isso se
consegue devolvendo a esperança ao paciente, criando impedimentos efetivos, aliviando
estressores e oferecendo apoio”.86 Já, Meleiro, Botega e Prates (2004) consideram que o
manejo do paciente em risco de suicídio engloba uma ação amplificada. Para esses autores,
são atividades de manejo dos casos que envolvem risco de suicídio a “combinação de
psicofármacos, psicoterapia individual, contato com familiares ou amigos, chegando, em
alguns casos mais graves, à hospitalização e à eletroconvulsoterapia”.87
Contudo, em que pesem as divergências das concepções expostas acerca dos
procedimentos que são englobados pela terminologia “manejo”, este termo foi escolhido para
ser utilizado neste estudo, tendo-se em vista que é o termo empregado pela literatura
85
GABBARD, 2006, p. 184.
REINECKE, Mark A. Suicídio e depressão. In DATTILIO, Frank M., FREEMAN, Arthur e cols. Estratégias
Cognitivo-compotamentais de Intervenção em Situações de Crise. 2 ed. Porto Alegre: Artmed, 2004, p. 82113., p. 95.
87
MELEIRO, A M.A. da S., BOTEGA, N.J., PRATES, J.G. Manejo das situações ligadas ao suicídio. In
MELEIRO, Alexandrina; TENG, Chei Tung; WANG, Yan Pang. Suicídio: estudos fundamentais. São Paulo:
Segmento Farma, 2004, p. 175-192, p. 176.
86
46
consultada e pelos manuais de prevenção de suicídio investigados, sendo possível por meio
dele referir-se ao conjunto de procedimentos, recomendações, abordagem, postura
profissional e técnicas empreendidas no atendimento de pacientes em risco de suicídio para
prevenir o suicídio.
Deste modo, é importante localizar o nível de prevenção de suicídio, quando se
pensa em manejo de casos que envolvem riscos de suicídio. Em termos de possibilidades de
prevenção do suicídio, Serrano (2008) adota o modelo de Leavell e Clarck, apresentado em
três níveis interligados, a saber:
O nível primário, teoricamente, se realiza [sic] antes que o risco aconteça, evitando-o
ou reduzindo-o. O secundário acontece durante a experiência do comportamento de
risco: é a intervenção precoce, capaz de evitar seqüelas e sofrimentos maiores, feita
antes ou durante a crise que gerou a tentativa. O terciário intervém sobre o risco já
estabelecido. Foca as pessoas que já foram afetadas por um comportamento suicida:
sobreviventes, pacientes em risco de repetir tentativas, familiares afetados, pessoas
vinculadas que possam imitar o ato, profissionais traumatizados por experiências
negativas.88
Neste sentido, pode-se observar que muito embora se considere a relevância de
todas as esferas de prevenção do suicídio, desde aquelas que se referem ao controle de armas
e substâncias que podem ser utilizadas como meios de realização do suicídio ou o cuidado a
ser tomado na veiculação apropriada de notícias de suicídios na mídia (medidas que visam
evitar o aparecimento do risco) até o aconselhamento do luto de familiares e profissionais
(medidas que procuram amenizar o impacto da ocorrência de um suicídio), caracterizar o
manejo de profissionais de saúde em casos que envolvem risco de suicídio diz respeito ao que
Serrano (2008) considera como nível de atenção secundário de prevenção do suicídio e uma
fração do nível terciário (especificamente em relação aos casos de pacientes que chegam ao
serviço de saúde com o risco de tentar novamente o suicídio).
Em relação às intervenções a serem realizadas nos níveis secundário e terciário de
prevenção do suicídio, Serrano (2008) aponta, assim como Gabbard (2006), o tratamento
psiquiátrico e psicológico como as intervenções mais importantes para viabilizar a prevenção
do suicídio. O autor enfatiza as dificuldades de profissionais de saúde da atenção básica no
manejo dos casos que envolvem risco de suicídio e a relaciona com as limitações técnicas
destes profissionais para detectar, acompanhar e manejar os fatores de risco de suicídio,
referindo ainda o quanto é difícil engajar a equipe de saúde para intervir nesses casos, uma
vez que apresentam uma prevalência baixa na atenção básica, se comparados a outras
88
SERRANO, Alan Índio. Chaves do Óbito Autoprovocado: sua prevenção, assistência e gestão em saúde
pública. Florianópolis: Insular, 2008. p. 75.
47
questões de saúde vivenciadas diariamente pela equipe de saúde deste nível de atenção.
Contudo, o autor destaca a necessidade de que esses profissionais de saúde conheçam
teoricamente como fazer a abordagem do paciente em risco de suicídio para que consigam se
sentir confortáveis para perguntar sobre os atos e pensamentos suicidas,
numa postura
empática, que é essencial, segundo o autor, como medida de prevenção de ocorrência do
suicídio, neste primeiro momento de acolhimento e escuta do sujeito em risco que chega ao
profissional da saúde.89
No mesmo sentido, Reinecke (2004) enfatiza que o “tratamento efetivo da
tendência suicida, como em outros problemas clínicos, começa com o estabelecimento de uma
colaboração terapêutica de confiança”. A autora cita a recomendação de Beck, Rush e cols
(1979) de que, após o reconhecimento do risco de suicídio, a primeira ação a ser tomada pelo
profissional é a de “entrar no seu mundo e enxergá-lo com as lentes do paciente”, isto é, para
Reinecke (2004) a atitude empática do profissional, admitindo como legítimas as razões que
estão levando o sujeito a desejar pôr fim à própria vida é a forma que pode fazê-lo sentir-se,
nas palavras da autora: “compreendido e aceito”.90 Vão à mesma direção as recomendações
dos manuais de prevenção do suicídio em estudo, a saber: “escutar com empatia é, em si, o
passo mais importante na redução do nível do desespero suicida”9192 e “uma abordagem
calma, aberta, de aceitação e de não-julgamento é fundamental para facilitar a comunicação.
Ouça com cordialidade. Trate com respeito. Empatia com as emoções. Cuidado com o
sigilo.”93
É a partir desta perspectiva que os Manuais de Prevenção do Suicídio da OMS e o
do Ministério da Saúde do Brasil descrevem como devem ser realizadas as intervenções pelos
profissionais da saúde em casos que envolvem risco de suicídio rumo à prevenção. Portanto,
pretendeu-se caracterizar o manejo dos casos que envolvem o risco de suicídio preconizado
por esses manuais de prevenção e verificar se estas informações estão disponíveis e acessíveis
e sendo apropriadas pelos profissionais da saúde que se deparam com o fenômeno do
comportamento suicida na sua prática profissional e, se estes profissionais têm efetivado tal
conduta no exercício da sua atividade.
89
SERRANO, 2008. p. 78-85.
REINECKE, 2004, p. 94.
91
ORGANIZAÇAO MUNDIAL DA SAUDE. Prevenção do Suicídio: Um Manual para Médicos Clínicos
Gerais. Departamento de Saúde Mental: Genebra, 2000. p.12.
92 ORGANIZAÇAO MUNDIAL DA SAUDE. Prevenção do Suicídio: Um Manual para Profissionais da Saúde
em Atenção Primária. Departamento de Saúde Mental: Genebra, 2000. p.14.
93
ORGANIZAÇAO MUNDIAL DA SAUDE, 2000; BRASIL, 2006, p. 56.
90
48
3 MÉTODO
3.1 CARACTERIZAÇÃO DA PESQUISA
Para caracterizar o manejo que profissionais da saúde realizam como
possibilidade de prevenção em casos que envolvem risco de suicídio contou-se com duas
modalidades de delineamento de pesquisa. Segundo Gil (2002), o delineamento se refere ao
planejamento da pesquisa, a partir dos critérios de ambiente em que serão coletados os dados
e forma de controle das variáveis, considerando o autor que “o elemento mais importante para
identificação de um delineamento é o procedimento adotado para a coleta de dados” (p. 43).
Desta forma, numa primeira etapa, a pesquisa pode ser delineada como
documental, uma vez que se coletaram as informações que pudessem responder o problema
de pesquisa em manuais de prevenção do suicídio, da OMS e do MSB.
Num segundo momento, como foi realizada a coleta de informações que também
pudessem responder ao problema de pesquisa, por meio de aplicação de questionários junto a
profissionais da saúde, passa-se a se referir também a um outro tipo de delineamento. Gil
(2002) delineia a pesquisa que utiliza a “interrogação direta das pessoas cujo comportamento
se deseja conhecer” (p.51) como um levantamento, que, segundo ele, é o delineamento
apropriado para as pesquisas descritivas, com as quais se pretende conhecer opiniões e
atitudes de um determinado grupo. Entretanto, o delineamento do tipo levantamento, segundo
o autor, para garantir a generalização dos dados ao grupo pesquisado, pressupõe a realização
de censo (todas as pessoas do universo pesquisado, que no presente caso seriam todos os
profissionais da saúde ou todos os profissionais da saúde de uma determinada localidade ou
de uma determinada instituição) ou amostragem (parte da população pesquisada que
represente todo o universo, por meio de cálculo probabilístico), o que não foi passível de
realização, pelo tempo que se tinha para realização e conclusão de um Trabalho de Conclusão
de Curso.
Uma alternativa para o delineamento da pesquisa é o de estudo de campo, que,
para Gil (2002) admite maior flexibilidade, tem maior alcance e maior profundidade e não
necessariamente tem por objetivo a generalização dos dados pesquisados ao grupo
selecionado. Contudo, o autor afirma que muito embora o delineamento do tipo levantamento
e do tipo estudo de campo se assemelhem, o que se busca no primeiro é “identificar as
49
características dos componentes do universo pesquisado”, sendo o instrumento mais utilizado
para isso o questionário. Enquanto no segundo, “estuda-se um único grupo ou comunidade em
termos de estrutura social, ou seja, ressaltando a interação entre seus componentes”, e que
para este propósito a coleta de dados se dá por meio de observação direta, exigindo-se “do
pesquisador que permaneça o maior tempo possível na comunidade, pois somente com essa
imersão na realidade é que se podem entender as regras, os costumes e as convenções que
regem o grupo estudado”. 94
Portanto, como o objetivo não diz respeito tão somente ao “aprimoramento de
idéias ou descoberta de intuições”95 - pesquisa exploratória e, sim, de caracterizar o manejo de
profissionais da saúde em casos que envolvem o risco de suicídio – pesquisa descritiva, mas
não é possível se realizar um censo ou amostra probabilística, apesar de ter sido utilizado o
questionário, principalmente, por uma questão de garantia da verossimilhança dos dados, a
classificação da pesquisa se entremeia entre as modalidades de levantamento e estudo de
campo, quanto aos procedimentos técnicos utilizados. Deste modo, pensa-se que ainda que os
resultados alcançados não possam ser considerados representativos da população, já que não
serão constituídos por amostra probabilística, de uma certa forma, conferirão um grau de
generalidade, pelo menos em relação a profissionais e instituições com características muito
semelhantes àquelas dos sujeitos que foram pesquisados.
A partir da escolha do caminho que foi percorrido rumo ao esclarecimento da
pergunta de pesquisa, pode-se dizer que, quanto ao objetivo, trata-se de pesquisa exploratória,
vez que se buscou uma aproximação e conhecimento deste tipo de intervenção, investigandose o conhecimento e a intervenção dos profissionais da saúde em relação à utilização ou não
das informações referentes aos fatores de risco, metodologia e manejo preconizadas pelos
manuais de prevenção do suicídio. De acordo com Gil (2002):
Estas pesquisas têm como objetivo proporcionar maior familiaridade com o
problema, com vistas a torná-lo mais explícito ou a construir hipóteses. Pode-se
dizer que estas pesquisas têm como objetivo principal o aprimoramento de idéias ou
a descoberta de intuições. Seu planejamento é, portanto, bastante flexível, de modo
que possibilite a consideração dos mais variados aspectos relativos ao fato estudado.
Na maioria dos casos, essas pesquisas envolvem: (a) levantamento bibliográfico; (b)
entrevistas com pessoas que tiveram experiências práticas com o problema
pesquisado, e (c) análise de exemplos que “estimulem a compreensão”.96
94
GIL, Antônio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 4 ed. São Paulo: Atlas, 2002, p. 52-53.
GIL, 2002, p. 41.
96
SELLTIZ et al. apud GIL, Antônio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 4 ed. São Paulo: Atlas,
2002, p. 41.
95
50
E neste sentido que se pretendeu, com a análise dos dados coletados, comparar o
que profissionais da saúde apresentaram como experiência e conhecimento em relação ao
manejo que realizam nos casos que envolvem risco de suicídio para prevenir tal risco com o
que os Manuais preconizam para alcançar-se a prevenção do suicídio. De forma que, em
relação à análise dos dados, a pesquisa pode ser caracterizada pela análise a partir da
ocorrência das categorias a priori constantes dos manuais e das respostas fornecidas pelos
profissionais da saúde no questionário e análise comparativa entre as informações
apresentadas por estas duas fontes de pesquisa.
3.2 FONTES DE INFORMAÇÃO
Para caracterizar o manejo que profissionais da saúde realizam como
possibilidade de prevenção em casos que envolvem risco de suicídio contou-se com dois tipos
de fontes de informação. Para pesquisa documental os três Manuais de Prevenção do Suicídio
dirigido a profissionais da saúde: Manual para profissionais da saúde em Atenção Primária,
Manual para Médicos Clínicos Gerais, ambos produzidos pela a Organização Mundial da
Saúde (2000) e o Manual dirigido a profissionais das equipes de saúde mental, do Ministério
da Saúde do Brasil (2006).
3.3 SUJEITOS DA PESQUISA
Entende-se que qualquer profissional da saúde, em todo e qualquer local e tipo de
assistência à saúde, seja este de baixa, média ou alta complexidade pode se deparar com o
sujeito que apresenta risco de suicídio. Por este motivo, coletaram-se os dados que respondam
ao problema de pesquisa junto a profissionais da saúde que exercem sua atividade em serviços
de saúde que correspondam aos três níveis de atenção destacados.
As instituições de saúde nas quais se realizou a aplicação dos questionários foram
escolhidas a partir do critério de indicação dos manuais da OMS e do MSB, já que estes são
dirigidos aos profissionais dos três níveis de atenção à saúde (atenção básica, média
complexidade e alta complexidade) e a profissionais especializados em saúde mental. Foram
51
selecionadas as instituições que realizavam atendimento em saúde mental em um município,
as quais se referem a: programa de saúde mental (média complexidade em saúde mental),
hospital psiquiátrico (alta complexidade em saúde mental), bem como um posto de saúde
(atenção básica) e a emergência de um hospital geral (alta complexidade), todas instituições
situadas num mesmo município. Foram sujeitos desta pesquisa três profissionais de cada um
desses níveis de atenção à saúde, totalizando 12 profissionais, distribuídos de acordo com a
tabela a seguir.
Tabela 1 - Perfil dos Sujeitos Pesquisados
Local
Sujeito
Profissão
Sexo
Experiência/
especialização
em Saúde
Mental
Sim
Posto
Saúde
PSM
H.
Geral
2°
grau
Técnico
Superior
Tempo
experiência
no local
atual
11 anos
7 anos
8 anos
6 anos
Enfermeira
F
x
S2
Técnica
Enfermagem
F
x
S3
Médico
M
x
x
3 anos
2 anos
S4
Enfermeira
F
x
x*
22 anos
3 meses
S5
Enfermeira
F
x
x
7 anos
1 ano
S6
Psiquiatra
F
x
x
8 anos
5 anos
S7
Enfermeira
F
x
10 anos
3 anos
x
27 anos
21 anos
1 ano e 3
meses
3 anos e
meio
1 ano e 3
meses
S8
Técnico
Gesso
Técnico
Enfermagem
M
x
Tempo de
experiência
na área da
saúde
S1
S9
H.
Psiquiátrico
Não
Nível Escolaridade
x
x
x
x
M
x
x
S10
Psiquiatra
F
x
x
S11
Enfermeiro
M
x
x
S12
Auxiliar
Enfermagem
F
x
Fonte: Elaboração da autora, 2008.
* S4 - cursando pós graduação
x
4 meses
7 anos
2 anos e 9
meses
32 anos
10 anos
52
Diante do quadro “Perfil dos Sujeitos Pesquisados” pode-se depreender que
responderam o questionário doze profissionais da saúde, distribuídos da seguinte forma e com
as seguintes profissões: no Posto de Saúde (atenção básica) uma enfermeira, uma técnica em
enfermagem e um médico clínico geral da equipe de PSF; no Programa de Saúde Mental
(média complexidade) duas enfermeiras e uma psiquiatra; na emergência do Hospital Geral
(alta complexidade) uma enfermeira, um enfermeiro- atualmente na atividade de técnico de
gesso- e um técnico em enfermagem e, no Hospital Psiquiátrico (alta complexidade em saúde
mental), uma psiquiatra, um enfermeiro e uma auxiliar de enfermagem. A maior parte dos
respondentes com ensino superior, do sexo feminino e com experiência na área da saúde por
mais de sete anos. Seis dos doze respondentes apresentam experiência ou especialização na
área de saúde mental.
3.4 EQUIPAMENTO E MATERIAL
Para a realização desta pesquisa foram utilizadas folhas de papel A4, canetas
esferográficas, computador, impressoras, livros de acervo próprio e através de empréstimo na
Biblioteca da Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL), bem como artigos e
documentos (manuais de prevenção do Suicídio, da OMS e do MSB ) obtidos via Internet .
Foi também utilizado um protocolo de registro para os dados obtidos a partir dos manuais de
prevenção do suicídio e um questionário contendo 11 questões para obtenção de dados
fornecidos pelos profissionais da saúde.
3.5 PROCEDIMENTO DE CONSTRUÇÃO E DE TESTE DO QUESTIONÁRIO
Foi após a organização e tratamento das informações encontradas nos manuais de
prevenção do suicídio da OMS e do MSB, que se confeccionou o questionário, cujas questões
foram elaboradas com base nestes dados encontrados por meio da pesquisa documental. O
conteúdo das alternativas apresentadas aos sujeitos de pesquisa como possíveis respostas a
cada questionamento apresentado no questionário foi selecionado a partir das informações e
recomendações dos manuais de prevenção pesquisados sobre fatores de risco de suicídio e
53
procedimentos de manejo do comportamento suicida, bem como os mitos sobre suicídio
apontados por esses documentos e, ainda, incluiu-se informações, escolhidas aleatoriamente e
que não fossem contempladas como fatores de risco na literatura ou manuais pesquisados para
que fosse possível apresentar aos respondentes alternativas condizentes e não condizentes
com o que é preconizado pelos manuais de prevenção do suicídio. Além disso, fizeram parte
do instrumento, questionamentos necessários para caracterização dos sujeitos de pesquisa
(nível de escolaridade, profissão, tempo de experiência da área da saúde e no local de trabalho
atual), bem como algumas perguntas relativas à freqüência de atendimento de casos que
envolvem risco de suicídio e de como os profissionais se sentem ao atuarem nesses casos.
Para cada questão foram apresentadas múltiplas alternativas, sem limite de assinalamento.
Muito embora se trate de questionário fechado, foi ainda, em todas as questões, deixado
espaço para que o sujeito de pesquisa pudesse indicar alguma resposta não contemplada nas
alternativas apresentadas.
A escolha por questionário fechado se justifica em razão de já contar com
categorias a priori, do pouco tempo que se tinha para realizar a pesquisa de campo e, também,
em razão de estar se investigando uma competência profissional (o manejo em relação a uma
situação de risco, cujos profissionais de saúde normalmente apresentam certa resistência), de
maneira que, com o questionário, os sujeitos de pesquisa puderam “ter maior confiança em
seu anonimato e se sentirem mais livres para exprimir opiniões que temem ser desaprovadas
ou que poderiam colocá-los em dificuldades”.97
O questionário foi submetido à aplicação piloto, com quatro profissionais da
saúde: duas agentes comunitárias, uma psicóloga e uma terapeuta ocupacional. Os
profissionais que se submeteram à aplicação piloto apontaram como dúvidas questões
referentes ao enunciado das questões, ao número de alternativas que poderiam ser marcadas e
relataram não ter sentido qualquer desconforto em responder o questionário. Após a aplicação
piloto, foram realizados alguns ajustes no instrumento, relativos aos apontamentos dos
profissionais que o responderam.
3.6 SITUAÇÃO E AMBIENTE
97
LUNA, Iúri Novaes. Técnicas de coletas de dados na pesquisa social. Florianópolis: UFSC, 1996, p.9.
54
A coleta de dados foi realizada nas próprias instituições de atuação dos
profissionais de saúde, no horário e ambiente de trabalho. A identificação do município e
locais nos quais foi realizada a coleta de dados ficará resguardada, pela questão ética em se
cumprir com o estabelecido no termo de compromisso livre e esclarecido, no que diz respeito
ao sigilo da identidade dos sujeitos de pesquisa. Isto porque entende-se que a indicação do
município pode conduzir à identificação dos profissionais que atuam nas instituições, nas
quais se realizou a coleta de dados.
3.7 PROCEDIMENTO DE COLETA DE DADOS
Para extrair as informações dos Manuais de Prevenção do Suicídio, elaborou-se
um protocolo de registro (apêndice XXXX), o qual foi preenchido com informações
referentes a: indicadores de risco de suicídio, classificação dos diferentes graus de risco de
suicídio e respectiva intervenção e abordagem ao paciente a ser realizada pelo profissional da
saúde que se depara com casos que envolvem tal risco, bem como dos mitos sobre suicídio.
As informações foram extraídas do texto dos manuais de prevenção do suicídio,
que puderam ser encontrados disponíveis em versão digitalizada no site do Ministério da
Saúde, por meio dos instrumentos “recortar” e adicionadas no protocolo por meio da
ferramenta “colar” do programa Microsoft Word.
O procedimento de escolha dos sujeitos para a coleta de dados junto aos
profissionais da saúde foi realizado aleatoriamente (amostra acidental), tendo o questionário
sido aplicado da seguinte forma: num primeiro momento, para cada uma das instituições
escolhidas, contatou-se via telefone o responsável pelo setor, que mediante a aprovação da
realização da pesquisa, por meio do parecer de Comitê de ética em pesquisa98 indicou uma
determinada data para realização da coleta. Na data e hora marcada, juntamente com o
profissional responsável por receber a pesquisadora na instituição, eram abordados os
profissionais de saúde que lá se encontravam naquele momento. Para cada um dos sujeitos
pesquisados foi realizado o esclarecimento da natureza, objetivos e justificativa da pesquisa,
que concordaram em participar após a leitura, aceite e assinatura do termo de consentimento
livre e esclarecido.
98
Muito embora o projeto de pesquisa tenha sido submetido ao Conselho de Ética e Pesquisa da Unisul e por ele
aprovado, foi exigido pelo Hospital Psiquiátrico, bem como pelo Hospital Geral, que o projeto fosse também
submetido pelo CEP dessas instituições.
55
Para garantia e segurança da veracidade das respostas dos sujeitos de pesquisa e
da devolução imediata do instrumento respondido, o questionário foi preenchido na presença
da pesquisadora e entregue seguidamente, assegurando-se que os respondentes não
consultassem bibliografia, os manuais de prevenção do suicídio ou colegas de trabalho. Os
respondentes levaram em torno de 15 a 20 minutos para responderem o questionário.
Pensou-se então que o aspecto do anonimato era uma questão relevante para
garantia da obtenção fidedigna das respostas e, por isso, teve-se o cuidado para que os sujeitos
da pesquisa ficassem convencidos disso. Para tanto, contou-se com algumas estratégias, tais
como: preenchimento do termo livre e esclarecido e respectivo acondicionamento em
separado do questionário, o qual era depositado pelo próprio sujeito, depois de respondido,
numa pasta fechada.
3.8 ORGANIZAÇÃO, TRATAMENTO E ANÁLISE DE DADOS
Em relação à pesquisa documental, as informações encontradas nos Manuais de
Prevenção de Suicídio foram organizadas em tabelas por categorias, de maneira que fosse
possível analisar e comparar as informações entre os manuais. Tal maneira de organizar os
dados teve por objetivo a visualização das semelhanças e diferenças entre as informações
encontradas nos três manuais em referência, indicando-se aquelas mais encontradas ou
destacadas como mais relevantes, facilitando a discussão dos dados encontrados.
A respeito da análise dos dados obtidos por meio do questionário aplicado junto
aos profissionais da saúde, esta foi realizada a partir da ocorrência das respostas apresentadas
referente a cada questionamento. Para a apresentação desses dados, foram elaboradas tabelas,
cuja categoria indica o tema de cada uma das questões, ao passo que as subcategorias indicam
as possíveis respostas que poderiam ser assinaladas.
As tabelas com os dados relativos ao questionário têm as linhas das subcategorias,
cujas informações estão de acordo com o estabelecido pelos manuais de prevenção do suicídio
da OMS e do MSB pesquisados, destacadas em cinza. Estes dados foram desta forma
organizados, com a finalidade de facilitar a análise comparativa das respostas dos
profissionais da saúde pesquisados com o que foi encontrado como recomendado pelos
Manuais de Prevenção do Suicídio no levantamento que foi realizado desses documentos.
Abaixo de cada tabela é então feita a discussão dos dados apresentados, a partir do destaque
56
das subcategorias cuja ocorrência ou não ocorrência se mostram significativas diante do que
foi encontrado nos manuais de prevenção do suicídio pesquisados, bem como na literatura
revisada.
57
4 APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS
Este capítulo de apresentação e análise dos dados está dividido em dois
subcapítulos. O primeiro diz respeito à apresentação e discussão dos dados encontrados a
partir da análise documental realizada dos três Manuais de Prevenção do Suicídio da OMS e
do MSB. O segundo subcapítulo se refere à apresentação e discussão dos dados obtidos por
meio da aplicação do questionário junto aos profissionais da saúde pesquisados.
4.1 APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS RELATIVOS AOS MANUAIS DE
PREVENÇÃO DO SUICÍDIO DO MSB E DA OMS
Passa-se a apresentar os dados referentes à análise documental dos Manuais de
Prevenção do Suicídio da OMS e do MSB dirigidos à profissionais da Saúde. Os aspectos
analisados são apresentados nas subseqüentes seções: Indicadores de risco do suicídio, Mitos
sobre o suicídio e Manejo.
4.1.1 Indicadores de risco do suicídio
Pode-se perceber na literatura consultada, bem como nos manuais de prevenção
do suicídio, certa similaridade em relação aos fatores de risco de suicídio apresentados. Com
intuito de organizar e sistematizar o que os Manuais de Prevenção do Suicídio, elaborados
pela OMS e pelo Ministério da Saúde do Brasil, apresentam como indicadores de risco de
suicídio, confeccionaram-se as seguintes tabelas que se encontram divididas em grupos de
fatores: psiquiátricos, sociodemográficos, ambientais, psicológicos e condições médicas, de
acordo com o que foi encontrado nos citados manuais. cfCada grupo de fator de risco de
suicídio se divide em indicadores e especificadores dos indicadores que foram encontrados
nos manuais destacados. Cada fator encontrado em cada um dos manuais é assinalado com
um “X” na respectiva coluna.
58
Tabela 2 – Fatores psiquiátricos de risco de suicídio.
Fatores de
Risco
organizados
por eixos
temáticos
Indicador
Transtorno de
Humor
P
S
I
Q
U
I
Á
T
R
I
C
O
S
Transtorno
devido ao uso
de
substâncias
psicoativas
Transtorno de
Personalidade
Especificadores dos
indicadores
Manual dirigido
aos Profissionais
das Equipes de
Saúde Mental
(MSB)
Manual para
Profissionais da
Saúde em
Atenção
Primária
(OMS)
Manual
para
Médicos
Clínicos
Gerais
(OMS)
Enfoque no T.
Depressivo
X
X
X
Todos os subtipos
X
Enfoque no
alcoolismo
X
Outras substâncias,
no caso dos
adolescentes
Borderline
Anti-Social
Narcisista
Histriônico
Com traços de
impulsividade,
agressividade e
freqüentes alterações
de humor
Esquizofrenia
Transtornos de
Ansiedade
Transtorno
Mental Orgânico
Comorbidades
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
Enfoque na depressão
+ alcoolismo
Transtorno
mental + história
de tentativas de
Principais
suicídio
fatores de risco
Transtorno
para suicídio
mental + alta
recente do
hospital
Fonte: Elaboração da autora, 2008.
X
X
X
X
X
X
Como é possível perceber, em relação aos Transtornos Psiquiátricos, o enfoque do
risco de suicídio, de acordo com os manuais, é com relação à depressão, à dependência do
álcool e à esquizofrenia. No caso dos Transtornos de Personalidade, o risco de suicídio é
aumentado naqueles transtornos cujo quadro apresenta as características de impulsividade,
humor lábil, agressividade e intolerância à frustração. A associação de transtorno mental com
a existência de histórico de tentativas de suicídio é ressaltada nos manuais de prevenção do
suicídio como um dos mais importantes fatores de risco.
59
Tabela 3 – Fatores sociodemográficos de risco de suicídio.
Fatores de
Risco
organizados
por eixos
temáticos
Indicador
S
O
C
I
O
D
E
M
O
G
R
Á
F
I
C
O
S
Sexo masculino
consuma o suicídio
Sexo feminino
tenta mais o
suicídio
Faixas etárias entre
15 e 35 anos e
acima de 75 anos
Estratos
econômicos
extremos
Residentes em
áreas urbanas
Desempregados
(principalmente
perda recente do
emprego)
Aposentados
Isolamento social
(viver sozinho)
Solteiros ou
separados
Viúvos
Migrantes
Especificadores
dos indicadores
X
X
Manual para
Médicos
Clínicos
Gerais
(OMS)
X
X
X
X
X*
* acima de 65
anos
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
Farmacêuticos
Dentistas
Químicos
X
X
X
Agricultores
X
Médicos
Veterinários
Profissão
Manual para
Manual dirigido
Profissionais da
aos Profissionais
Saúde em
das Equipes de
Atenção
Saúde Mental
Primária
(MSB)
(OMS)
X
X*
*fazendeiros
Fonte: Elaboração da autora, 2008.
Como pode ser observado na tabela, em relação aos fatores de risco
sociodemográficos, os manuais de prevenção ao suicídio apresentam relevância em relação ao
sexo masculino, pessoas jovens e idosas, sem atividade laboral (desempregados,
60
aposentados), e que não apresentam vínculos familiares ou afetivos importantes, vivendo de
forma mais isolada ou solitária.
Tabela 4 – Fatores ambientais de risco de suicídio.
Fatores de Risco
organizados por
eixos temáticos
A
M
B
I
E
N
T
A
I
S
Indicador
Especificadores dos
indicadores
Estressores
da Vida
Problemas
interpessoais
Rejeição
Eventos de perda
Problemas
financeiros e no
trabalho
Mudanças na
sociedade
Sentimentos de
vergonha, ameaça e
Culpa
Manual dirigido
aos Profissionais
das Equipes de
Saúde Mental
(MSB)
Manual para
Profissionais da
Saúde em Atenção
Primária
(OMS)
Manual
para
Médicos
Clínicos
Gerais
(OMS)
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
Facilidade
de Acesso
Métodos para
cometer suicídio
X
Exposição
ao Suicídio
No próprio contexto
de vida ou por meio
da mídia
X
Fonte: Elaboração da autora, 2008.
Os fatores de risco que aparecem na tabela acima são nomeados como
“ambientais” porque assim são designados no Manual para Profissionais da Saúde em
Atenção Primária, da OMS. Na verdade, a maior parte deles aparece com a designação de
“fatores de risco psicológico” no Manual dirigido aos Profissionais das Equipes de Saúde
Mental do MSB e, como “características próprias do estado das mentes suicidas” no Manual
para Médicos Clínicos Gerais da OMS. Pensa-se que, com exceção do fator referente à
facilidade de acesso aos meios para cometer o suicídio (que realmente é um fator ambiental),
todos os outros que aparecem na tabela 4 podem ser considerados de ordem psicológica, vez
que implicam em relações subjetivas com o trabalho, família, meio social, eventos de perda,
61
sentimentos de culpa, vergonha, rejeição, isto é, questões que envolvem um significado
relacionado com a história do sujeito e que o leva a ter dificuldades nesses aspectos da vida.
Ressalte-se desta tabela, além da acessibilidade aos meios e métodos para cometer
o suicídio (armas, drogas e substâncias químicas), o que se refere ao aumento do risco de
suicídio nos sujeitos que são expostos ao suicídio no próprio contexto de vida (familiares,
amigos, pessoas próximas) ou por meio da mídia. Meleiro, Fensterseifer e Werlang (2004)
referem que “a divulgação inadequada pela mídia, assim como o estilo de vida de uma
comunidade, podem criar uma cultura de suicídio” (p.147). São os denominados “suicídios
por imitação ou por contágio” relacionados com a imitação de suicídios publicados pela
mídia, realizados principalmente por adolescentes e mais comumente referentes a
personalidades famosas. Os autores destacados apontam os estudos que confirmam tal
influência (Phillips, 1974; Phillips, Lesyna e Paight, 1992; Rich, Young e Foweler, 1986;
Brent et al., 1991; Taiminen, 1992) e citam como exemplo o suicídio de muitos adolescentes
que imitaram o astro de rock Kurt Cobain, do grupo Nirvana.99 Diante do preocupante
impacto e possíveis conseqüências que podem suceder a divulgação de um caso de suicídio, a
Organização Mundial da Saúde elaborou um manual de prevenção ao suicídio destinado aos
profissionais da mídia, recomendando as precauções a serem tomadas ao noticiar o suicídio. E
além deste Manual da OMS, Dapieve (2007) refere o Manual de redação e texto jornalístico
de O Dia, o Manual da Redação da Folha de São Paulo e o Manual de redação e estilo de O
Globo, que recomendam a não publicação de notícias de suicídio, com exceção daqueles
cometidos por pessoas notoriamente públicas, cujos motivos que levaram ao suicídio sejam de
interesse da população. Nestes casos, os citados manuais dispõem algumas regras para
publicação, como por exemplo, não revelar detalhes do método ou do local onde ocorreu o
fato, como medidas de prevenção de ocorrência de suicídios por contágio.100
99 MELEIRO, A M.A. da S., FENSTERSEIFER, L., WERLANG, B. Esforços para Prevenção. In: WERLANG,
Blanca G. e BOTEGA, Neury J. Comportamento Suicida. Porto alegre: Artmed, 2004. p. 141-152, p. 147.
100
DAPIEVE, Arthur. Morreu na Contramão - o suicídio como noticia. Rio de Janeiro Jorge Zahar, 2007, p.
75-76, 106 e 167-168.
62
Tabela 5 – Fatores psicológicos de risco de suicídio.
Fatores de
Risco
organizados
por eixos
temáticos
Indicador
Especificadores dos
indicadores
Ambivalência
Impulsividade
Rigidez/Constrição
P
S
I
C
O
L
Ó
G
I
C
O
S
Sentimentos de
depressão,
desesperança,
desamparo e
desespero
(regra dos 4D)
Frases de alerta: “Eu
preferia estar morto”;
“Eu não posso fazer
nada”;
“Eu
não
agüento mais”; “Eu
sou um perdedor e um
peso pros outros”.
“Os outros vão ser
mais felizes sem mim”
Manual
dirigido aos
Profissionais
das Equipes de
Saúde Mental
(MSB)
Manual para
Profissionais
da Saúde em
Atenção
Primária
(OMS)
Manual
para
Médicos
Clínicos
Gerais
(OMS)
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
101
Sentimentos de autodesvalorização
Perdas recentes
Perdas de figuras
parentais na infância
Dinâmica familiar
conturbada
Datas importantes
Reações de
aniversário
Personalidade com
traços significativos
de impulsividade,
agressividade, humor
lábil
Fonte: Elaboração da autora, 2008.
X
X
X
X
X
X
X
X
Em relação aos aspectos psicológicos, alguns também contemplados na Tabela 4,
pode-se observar que os que mais se destacam nos manuais em comento são a ambivalência,
impulsividade, rigidez ou constrição, como características psicológicas apresentadas pelos
101
BRASIL, 2006, p. 53.
63
potenciais suicidas. Os sentimentos de desamparo e desesperança também são enfatizados. E,
ainda, a situação de perda parental na infância.
Tabela 6 – Fatores de risco de suicídio relacionados a condições médicas.
Fatores de
Risco
organizados
por eixos
temáticos
Indicador
Especificadores dos
indicadores
Sem especificador
C
O
N
D
I
Ç
Õ
E
S
M
É
D
I
C
A
S
Doenças
orgânicas
incapacitantes
Dor crônica
Lesões
desfigurantes
perenes
Epilepsia
Trauma medular
Acidente
Vascular Cerebral
Neoplasias
malignas (câncer)
HIV e AIDS
Fonte: Elaboração da autora, 2008.
Manual dirigido
aos Profissionais
das Equipes de
Saúde Mental
(MSB)
Manual para
Profissionais da
Saúde em
Atenção
Primária
(OMS)
Manual
para
Médicos
Clínicos
Gerais
(OMS)
X
Diabetes
X
Esclerose múltipla
X
Condições crônicas
renais, hepáticas ou
gastrointestinais
Doenças nos ossos ou
articulações, com dor
crônica
Doenças
cerebrovasculares ou
neurovasculares
X
X
X
X
X
Doenças sexuais
X
Aqueles que têm
dificuldade em andar,
ver ou ouvir
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
Em relação às condições médicas, são consideradas, como fatores de risco de
suicídio, a presença de doenças que manifestam as decorrências de limitações, incapacitações,
dores crônicas, e aquelas de ruim prognóstico ou alvo de estigmas (HIV e AIDS, Câncer).
Ainda, foram encontrados outros fatores de risco não contemplados nos manuais
da OMS e do Ministério da Saúde do Brasil, destacando-se a questão da etnia (pessoas de cor
64
branca cometem mais suicídio) e a questão da orientação sexual (pessoas de orientação
homossexual ou bissexual apresentam maior prevalência de comportamento suicida). Em
relação aos transtornos mentais, também é apresentado o risco de suicídio relacionado aos
transtornos alimentares. Referem-se ainda fatores de risco de suicídio relacionados à história
familiar, havendo maior risco de suicídio dentre as pessoas que possuem história familiar de
suicídio, doença psiquiátrica, abuso emocional, físico ou sexual na infância e de violência no
ambiente familiar.102
Pfützenreuter (2006) pesquisou, em dois Hospitais Gerais e um CAPS, os
principais dados constantes em prontuários de pacientes que haviam tentado suicídio e, no
IML, os principais dados existentes no documento de óbito de pessoas que haviam cometido o
suicídio. Esses dados se referem aos seguintes aspectos: sexo, idade, estado civil,
naturalidade, cidade de procedência, profissão, tipo de suicídio ou de tentativa, instrumento
utilizado, data da ocorrência, patologias associadas, aspectos psicológicos relacionados ao
suicídio, tentativas prévias, registro nos documentos e notificação dos casos (p.42). Então,
entende-se como apropriada a verificação da compatibilidade ou não das características
encontradas por Pfützenreuter (2006) com os fatores de risco apresentados nas tabelas acima.
Dos resultados apresentados pela pesquisadora, encontram compatibilidade com o
preconizado pelos manuais de prevenção do suicídio, os seguintes fatores de risco de suicídio:
a) sexo, as mulheres são a maioria no que diz respeito às tentativas de suicídio e, em relação
ao suicídio exitoso, os homens aparecem em maior número; b) faixa etária, a mais prevalente
foi a faixa entre 20 e 29 anos de idade; c) patologias associadas às pessoas que tentaram
suicídio (exceto no IML - tal dado não constava no documento de óbito de pessoas que se
suicidaram), a mais prevalente foi a Depressão, seguida pelo Transtorno Afetivo Bipolar,
esquizofrenia e hipertensão arterial sistêmica; d) histórico de tentativas de suicídio anteriores,
das instituições que realizavam esse tipo de registro, mais de 50% das pessoas que tentaram
suicídio, já o tinha feito antes. Dos resultados da pesquisa de Pfützenreuter (2006), não
apresentaram (ou apresentaram em parte) compatibilidade com os fatores de risco
considerados pelos manuais de prevenção do suicídio os seguintes aspectos: a) estado civil, as
pessoas que cometeram suicídio ou o tentaram, na região pesquisada, na maior parte são
casadas, seguidas pelas solteiras e, por fim, as separadas (os manuais apresentam como mais
tendente ao risco de suicídio as pessoas separadas, solteiras, viúvas ou as pessoas que moram
sozinhas e vivem isoladamente); b) profissão, foi encontrado como prevalente nas pessoas que
102
MELEIRO, A. e TENG, Chei., 2004. p. 108-131.
65
tentaram ou cometeram suicídio, as de estudante, aposentado e do lar (sendo somente a
aposentadoria considerada como fator de risco pelos manuais de prevenção do suicídio).
Ainda que a pesquisa não tenha sido realizada na totalidade das instituições que
recebem pessoas que tentaram o suicídio e se refira ao período de somente 6 meses (de
setembro de 2005 a março de 2006) é importante perceber a concordância da maior parte dos
fatores de risco encontrados por Pfützenreuter (2006) com o que é apresentado nos manuais
de prevenção do suicídio. A partir disso, é possível pensar na credibilidade desses aspectos
num momento de avaliação do risco de suicídio.
Seguindo-se, portanto, a avaliação de casos que envolvem o risco de suicídio,
passa-se a uma questão relevante apontada pelos manuais de prevenção do suicídio e pela
literatura referente ao tema que remete os profissionais de saúde a uma “revisão de atitudes e
temores em relação ao comportamento suicida”.103
4.1.2 Mitos sobre o suicídio
Os Manuais de Prevenção do Suicídio e a literatura104 que tratam do manejo dos
casos que envolvem risco de suicídio por profissionais da saúde apresentam uma preocupação
em desvelar os “mitos” acerca do comportamento suicida. Esses mitos apresentam-se, na
realidade, como idéias equivocadas sobre o comportamento suicida, disseminadas no senso
comum, que se consideradas como verdades pela equipe de saúde, possibilitam a ocorrência
de imobilismo terapêutico ou descuido no manejo dos pacientes em risco ou ainda o
julgamento subjetivo do profissional em relação ao potencial suicida, isto é, condutas
profissionais que vão de encontro com a prevenção do suicídio.105 Daí a importância em
revelar e esclarecer essas falsas idéias do comportamento suicida entre os profissionais de
saúde.
O Manual dirigido aos Profissionais das Equipes de Saúde Mental, do MSB se
refere a tais concepções como “idéias que levam ao erro”. O Manual para Profissionais da
103
MELEIRO; BOTEGA; PRATES, 2004, p. 176.
A importância em desvelar os mitos ou ficções sobre o comportamento suicida é destacada por Meleiro,
Scalco e Mello-Santos In Suicídio: Estudos Fundamentais (2004, p.160); Werlang e Botega (2004, p.124);
Holmes (1997, p. 203); Kapczinski et al (2001, p.158); Cassorla (1991, p.159).
105
WERLANG, Blanca G. e BOTEGA, Neury J. Avaliação e manejo do paciente. In WERLANG, Blanca G. e
BOTEGA, Neury J. Comportamento Suicida. Porto alegre: Artmed, 2004. p.123-140, p.124.
104
66
Saúde em Atenção Primária, da OMS apresenta tais crenças e respectivas oposições com as
designações de “Ficção” e “Fato”. O Manual para Médicos Clínicos Gerais, da OMS utilizase da nomenclatura de “Mitos” e “Realidade”. Abaixo foi confeccionada uma tabela com o
disposto nesses três manuais, de maneira que a marcação com “X” se refere ao mito e
respectivo fato que estão descritos no manual correspondente à coluna marcada. Quando não
há “X”, significa que o manual não descreve tal mito e fato correspondente.
Tabela 7 – Mitos sobre o Suicídio.
(continua)
Mitos, Ficção e
Idéias que levam ao
erro sobre o
comportamento suicida
Os pacientes que falam
em suicídio raramente o
cometem ou pessoas que
ficam
ameaçando
suicídio não se matam. A
ameaça é apenas para
manipular.
Suicídios
ocorrem sem avisos.
Perguntar sobre suicídio,
pode induzir o paciente a
isso.
Realidade, Fato
Os pacientes que cometem
suicídio
normalmente
dão
alguma
pista
ou
aviso
antecipadamente. Pelo menos
dois terços das pessoas que
tentam ou que se matam haviam
comunicado de alguma maneira
sua intenção para amigos,
familiares ou conhecidos. As
ameaças devem ser levadas a
sério. A maioria das pessoas que
se mataram deram avisos de sua
intenção. Chegar a esse tipo de
recurso indica que a pessoa está
sofrendo e necessita de ajuda.
Perguntar
sobre
suicídio
freqüentemente
reduzirá
a
ansiedade a respeito deste tema;
O paciente pode sentir-se
aliviado e melhor compreendido.
Sente-se acolhido por um
profissional cuidadoso, que se
interessa pela extensão de seu
sofrimento.
Manual
dirigido aos
Profissionais
das Equipes de
Saúde Mental
(MSB)
Manual para
Profissionais
da Saúde em
Atenção
Primária
(OMS)
Manual
para
Médicos
Clínicos
Gerais
(OMS)
X
X
X
X
X
X
67
(conclusão)
A maioria dos que pensam em se
matar,
têm
sentimentos
ambivalentes. Essa idéia pode
Quem quer se matar, se conduzir
ao
imobilismo
mata mesmo.
terapêutico, ou ao descuido no
manejo das pessoas sob risco.
Não se trata de evitar todos os
suicídios, mas sim os que podem
ser evitados.
Muitos suicídios ocorrem num
período de melhora, quando a
Melhora após a crise
pessoa tem a energia e a vontade
significa que o risco de
de transformar pensamentos
suicídio acabou.
desesperados
em
ação
autodestrutiva.
Nem todos os suicídios Verdade, mas a maioria pode-se
podem ser prevenidos.
prevenir.
Pensamentos suicidas podem
retornar, mas eles não são
Uma vez suicida, sempre
permanentes e em algumas
suicida.
pessoas eles podem nunca mais
retornar.
O que dirige a ação autoO suicídio é um ato de
inflingida é uma dor psíquica
covardia ou de coragem.
insuportável e não uma atitude
de covardia ou coragem.
Há sempre o risco de o
profissional
identificar-se
profundamente com aspectos de
desamparo,
depressão
e
No lugar dele, eu desesperança de seus pacientes,
também me mataria.
sentindo-se impotente para a
tarefa assistencial. Há também o
perigo de se valer de um
julgamento pessoal para decidir
as ações que fará ou deixará de
fazer.
Fonte: Elaboração da autora, 2008.
X
X
X
X
X
X
X
X
Observando a tabela, pode-se perceber que tais idéias enganosas sobre o
comportamento suicida se referem à incompreensão do suicídio como um sofrimento, um
problema de saúde, passível de prevenção e desconhecimento das intervenções possíveis para
viabilizá-la. É possível, portanto, compreender o propósito de desmistificação dessas crenças
como um aspecto importante ressaltado nos manuais de prevenção do suicídio. A literatura
consultada enfatiza a importância em desvelar os mitos sobre o suicídio entre os profissionais
68
da saúde como um modo de evitar o imobilismo terapêutico e viabilizar um bom contato
interpessoal entre o profissional e o potencial suicida.106
4.1.3 Manejo
Muito embora os objetivos e as intervenções recomendadas em relação ao manejo
do paciente em risco de suicídio sigam a mesma linha de conduta nos três manuais
destacados, a classificação do risco de suicídio e a descrição das respectivas intervenções são
apresentadas da mesma forma no Manual para Profissionais da Saúde em Atenção Primária,
da OMS e no dirigido aos Profissionais das Equipes de Saúde Mental, do MSB e
diferentemente destes no Manual para Médicos Clínicos Gerais, da OMS.
Ainda, ressalta-se que no Manual dirigido aos Profissionais das Equipes de Saúde
Mental, do MSB, além de todas as informações referentes à epidemiologia do suicídio, fatores
de risco, características do comportamento suicida, classificação do risco de suicídio em
baixo, médio e alto risco e respectivas intervenções, o manejo de pacientes em risco de
suicídio é relacionado ao diagnóstico psiquiátrico, isto é, ao tipo de transtorno mental
apresentado pelo sujeito (este manual especifica diferentes manejos para os casos de
Esquizofrenia, Transtornos de Humor, Dependência por álcool e Transtornos de
Personalidade). Isso, porque, segundo o disposto no citado manual “estudos em diferentes
regiões do mundo têm demonstrado que, na quase totalidade dos suicídios, os indivíduos
estavam padecendo de um transtorno mental”.107 No caso do manual do MSB, além do
manejo clínico indicado para cada tipo de diagnóstico psiquiátrico, é, sobretudo, explicitada a
indicação da prescrição de psicofármacos, conforme ação e efeitos destes medicamentos.
Em relação ao Manual para Profissionais da Saúde em Atenção Primária, da OMS
e ao Manual dirigido aos Profissionais das Equipes de Saúde Mental, do MSB, a metodologia
de abordagem do paciente em risco de suicídio é sistematizada por meio de ações que, num
primeiro momento, são relacionadas em uma série de passos a serem seguidos para organizar
um espaço apropriado para realizar uma comunicação tranqüila e eficaz em prevenção.
106
WERLANG E BOTEGA, 2004, p.124 e HOLMES, 1997, p. 203.
Em que pese a importância da diferença do manejo para cada um dos grupos de transtornos mentais indicado
no Manual dirigido aos Profissionais das Equipes de Saúde Mental, do MSB, este estudo tem por foco o manejo
inicial dos casos que envolvem risco de suicídio realizado por profissionais de saúde em geral. Por esse motivo
que se absteve de indicar as especificidades do manejo realizado para diferentes transtornos atribuído aos
profissionais especializados em saúde mental.
107
69
Posteriormente, apresentam as descrições das intervenções que devem ser realizadas em
termos de comunicação, expostas em recomendações de como o profissional deve ou não se
comunicar. O conteúdo deste primeiro método, que se refere a como deve se dar a
comunicação no primeiro contato entre o profissional de saúde e o potencial suicida, é
apresentado nos dois manuais mencionados, conforme a tabela a seguir.
Tabela 8 – Primeiro contato e a comunicação com o paciente que está em risco de suicídio.
Descrição da Intervenção
“Quando as pessoas dizem ‘Eu estou cansado da vida’ ou
‘Não há mais razão para eu viver’, elas geralmente são
rejeitadas, ou, então são obrigadas a ouvir sobre outras
pessoas que estiveram em dificuldades piores. Nenhuma
dessas atitudes ajuda a pessoa com risco de suicídio. O
contanto inicial com o suicida é muito importante.
Freqüentemente o contato ocorre numa clínica, casa ou
espaço público, onde pode ser difícil ter uma conversa
particular.
“1. O primeiro passo é achar um lugar adequado onde uma
conversa tranqüila possa ser mantida com privacidade
razoável.”
“2. O próximo passo é reservar o tempo necessário.
Pessoas com ideação suicida usualmente necessitam de
mais tempo para deixarem de se achar um fardo e precisase estar preparado mentalmente para lhes dar atenção.”
“3. A tarefa mais importante é ouvi-las efetivamente.
‘Conseguir esse contato e ouvir é por si só o maior passo
para reduzir o nível de desespero suicida. ’”
Como se comunicar
Como não se comunicar
Ouvir atentamente, ficar Interromper
muito
calmo.
freqüentemente.
Entender os sentimentos Ficar chocado ou muito
da pessoa (empatia).
emocionado.
Dar mensagens nãoverbais de aceitação e Dizer que você está ocupado.
respeito.
Expressar respeito pelas Tratar o paciente de maneira
opiniões e valores da que o coloque numa posição de
pessoa
inferioridade.
Conversar honestamente Fazer comentários invasivos e
e com autenticidade.
pouco claros.
Mostrar
sua
preocupação, cuidado e Fazer perguntas indiscretas.
afeição.
Focalizar
nos
sentimentos da pessoa.
Fonte: Elaboração da autora, 2008.
Manual dirigido
aos
Profissionais
das Equipes de
Saúde Mental
(MSB)
Manual para
Profissionais da
Saúde em
Atenção
Primária
(OMS)
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
Manual
para
Médicos
Clínicos
Gerais
(OMS)
70
Observando-se a tabela, é possível depreender, das descrições das intervenções
recomendadas para o primeiro contato com o paciente em risco de suicídio, as noções
referentes à empatia, demonstração de interesse e de disponibilidade necessárias para o
estabelecimento de uma relação de confiança, como destacado pelos autores Reinecke (2004)
e Serrano (2008).
Botega e Werlang (2004) lembram que nem sempre o paciente em risco de
suicídio está disposto a colaborar. Nas palavras dos autores, ele pode se encontrar
“enfraquecido” e “hostil”, ainda assim, “respeitar a condição emocional do paciente e a
situação de vida que o levou à tentativa de suicídio é fundamental em uma atitude de
acolhimento, sem julgamento moral” (p.123).108
No mesmo sentido, Meleiro, Botega e
Prates (2004) anunciam a postura profissional na abordagem do paciente em risco de suicídio:
“1. A necessidade de o profissional colocar-se no lugar do paciente, com respeito,
compreendendo-o (empatia), sem julgá-lo moralmente; 2. O esforço para construção
de um vínculo (aliança terapêutica); 3. O ‘empréstimo’ de alguma dose de confiança
e esperança (alterego) que possa garantir ao paciente uma possibilidade de superação
do desespero e falta de perspectiva.” (p.190)
E é neste ponto que se pensa que os conhecimentos da psicologia têm papel
fundamental. Além da possibilidade de a psicologia, por meio de suas técnicas de entrevistas
iniciais e de estabelecimento de rapport, instrumentar os profissionais de saúde, oferecendo
os subsídios teóricos para o estabelecimento de uma relação de confiança, realçada como
essencial pelos manuais de prevenção do suicídio e literatura destacados, pode, mais do que
isso, auxiliar esses profissionais a compreender o sofrimento de um sujeito que tenta suicídio,
como forma de facilitar que este evite ao máximo julgar essa tentativa, podendo-se, inclusive,
auxiliar este profissional de saúde a utilizar a contratransferência109 como instrumento de
identificação do comportamento suicida. Sobre a utilização da contratransferência como
instrumento de trabalho do profissional de saúde em casos que envolvem risco de suicídio,
Cassorla (1991) assinala que:
108
109
WERLANG; BOTEGA, 2004. p.124.
“Contratransferência - Conjunto das reações inconscientes do analista à pessoa do analisando e, mais particularmente,
à transferência deste” In Laplanche e Pontails. Vocabulário de Psicanálise. São Paulo: Martins Fontes, 2001, p.102.
71
O médico pode conscientizar-se de sentimentos de menosprezo agressivo perante
pacientes com risco ou com tentativas de suicídio e a possibilidade de que esses
aspectos contratransfernciais prejudiquem sua visão do caso e sua conduta. A
percepção de seus próprios sentimentos, pelo médico, mobilizados por identificação
com aspectos de seus pacientes, é uma arma diagnóstica de grande valia, usada
naturalmente por muitos médicos e desenvolvida com sua experiência. Acredito que
os clínicos possam ser treinados a desenvolver essa capacidade através de grupos
Balint, por exemplo, ou, em situações em que conflitos próprios do médico tendem a
se misturar com as projeções do paciente de uma forma muito intensa, a ponto de
tornarem a atividade médica não um prazer, mas um sofrimento [...]110
Neste sentido, pode-se pensar que a intervenção do psicólogo, em termos de
prevenção do suicídio, está para além do manejo do paciente. Se hoje é apregoada a
intervenção interdisciplinar, é essencial que a equipe de profissionais da saúde esteja
preparada para lidar com a contratransferência despertada nos casos que envolvem risco de
suicídio e aproveitá-la como instrumento de trabalho. Talvez os profissionais da psicologia
poderiam contribuir com seus conhecimentos para realizar tal capacitação.
A partir do conhecimento de como abordar e se comunicar com o paciente em
risco de suicídio, o próximo passo, segundo os manuais de prevenção do suicídio em
apreciação, seria a avaliação dos riscos para então planejar a intervenção adequada para o
caso.
Conforme já fora enunciado, o comportamento suicida é multideterminado, e, por
conseguinte, os indicadores de risco de suicídio são igualmente de naturezas diversas. Os
fatores de risco já foram apresentados, conforme descritos e divididos nos manuais de
prevenção do suicídio em riscos psiquiátricos, sociodemográficos, psicológicos, ambientais e
referentes à condição médica. Os manuais referem que no momento da avaliação de uma
pessoa que apresenta risco de suicídio devem ser considerados principalmente os seguintes
indicadores de risco.
Tabela 9 – Avaliação dos Indicadores de Riscos de Suicídio.
Riscos a serem identificados
1.
2.
3.
110
Comportamento
retraído,
inabilidade para se relacionar
com a família e amigos.
Pouca rede social
Doença psiquiátrica.
Manual dirigido aos
Profissionais das
Equipes de Saúde
Mental
(MSB)
Manual para
Profissionais da Saúde
da Atenção Primária
(OMS)
X
X
X
X
X
(continua)
Manual para
Médicos
Clínicos
Gerais
(OMS)
X
CASSORLA, R. M. S. O Impacto dos Atos Suicidas no Medico e na Equipe de Saúde. In CASSORLA, R.
M. S. Do Suicídio. São Paulo: Papirus, 1991. p. 149-165, p. 162-163.
72
4.
Alcoolismo.
5.
Ansiedade ou pânico.
X
6.
Depressão
X
7.
Transtornos de personalidade
X
8.
Mudança
na
personalidade,
irritabilidade,
pessimismo,
depressão ou apatia.
Mudança no hábito alimentar e
de sono.
9.
10. Tentativa de suicídio anterior.
11. Odiar-se, sentimento de culpa, de
se sentir sem valor ou com
vergonha.
12. Uma perda recente importante –
morte, divórcio, separação, etc.
13. História familiar de suicídio.
X
X
(conclusão)
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
14. História familiar de alcoolismo
ou
outros
transtornos
psiquiátricos
X
15. Luto na infância.
X
16. Desejo súbito de concluir os
afazeres pessoais, organizar
documentos,
escrever
um
testamento, etc.
17. Sentimentos
de
solidão,
impotência, desesperança.
X
X
X
X
18. Cartas de despedida
X
X
19. Doença física crônica, limitante
ou dolorosa.
X
X
X
20. AIDS
21. Menção repetida de morte ou
suicídio.
22. Estado marital solteiro, viúvo ou
separado
23. Viver
sozinho
(isolamento
social).
X
X
X
X
X
24. Desemprego ou aposentadoria
X
25. No caso de paciente psiquiátrico,
alta recente do hospital.
X
26. Separação marital recente.
X
27. Problemas familiares recentes
X
28. Alterações recentes no status
ocupacional ou financeiro.
29. Rejeição
de
uma
pessoa
significativa.
Fonte: Elaboração da autora, 2008.
X
X
73
Desta tabela, pode-se perceber que além daqueles fatores de riscos apresentados
num primeiro momento pelos manuais de prevenção do suicídio, e que já foram anteriormente
descritos, quando os manuais passam a recomendar os riscos a serem avaliados na intervenção
propriamente dita, são incluídas outros aspectos, a saber: a) desejo súbito de concluir os
afazeres pessoais, organizar documentos, escrever um testamento e b) Cartas de despedida.
Vale ainda lembrar como as frases de alerta e, a regra “dos 4Ds”, destacadas pelo
Manual dirigido aos Profissionais das Equipes de Saúde Mental, do MSB e, o Manual para
Profissionais da Saúde em Atenção Primária, da OMS, podem também ajudar os profissionais
da saúde na identificação do risco referente ao comportamento suicida que não se apresenta
tão evidente quanto os casos que se caracterizam por tentativas anteriores, ideação suicida ou
planos de suicídio. São as frases: “Eu preferia estar morto”; “Eu não posso fazer nada”; “Eu
não agüento mais”; “Eu sou um perdedor e um peso pros outros”; “Os outros vão ser mais
felizes sem mim”. E a regra dos 4D se refere aos quatro sentimentos comuns nas pessoas com
comportamento suicida: depressão, desesperança, desamparo e desespero.
Conjuntamente a essa avaliação da presença de indicadores de risco de suicídio se
dá a apreciação dos graus de comportamento suicida, que aparecem classificados em baixo,
médio e alto risco de suicídio no Manual dirigido aos Profissionais das Equipes de Saúde
Mental, do MSB e no Manual para Profissionais da Saúde em Atenção Primária, da OMS e,
qualificados em ordem numérica de 0 a 6, no Manual para Médicos Clínicos Gerais, da OMS.
A avaliação do grau de risco de suicídio de acordo com o comportamento suicida apresentado
é realizada a partir dos seguintes critérios adotados nos três manuais em alusão: a) estado
mental atual e pensamentos sobre morte e suicídio (se o sujeito parece estar sob efeito de
alguma substância, se seu discurso é coerente ou apresenta pensamentos sobre morte e
suicídio); b) plano suicida atual – quão preparada a pessoa está, e quão cedo o ato está para
ser realizado e c) sistema de apoio social da pessoa (família, amigos, rede de apoio, etc.). A
partir da caracterização do grau de risco de suicídio, por intermédio dos critérios destacados,
são empreendidas as ações adequadas ao caso, como se pode observar na tabela a seguir.
74
Tabela 10 – Gradação dos riscos de suicídio: identificação, avaliação e plano de ação do
Manual de Prevenção do Suicídio dirigido a Médicos Clínicos Gerais, da OMS.
Risco
de
suicídio
Sintoma
Avaliação
Ação
0
Nenhum
-
-
1
Com problemas emocionais
Perguntar sobre
pensamentos suicidas
2
Idéias vagas de morte
Perguntar sobre
pensamentos suicidas
3
4
5
Ideação suicida vaga
Idéias suicidas
SEM transtornos psiquiátricos
Idéias suicidas e transtornos psiquiátricos ou
fatores estressores graves
Avaliar a
intencionalidade
(plano e método)
Avaliar a
intencionalidade
(plano e método)
Avaliar a
intencionalidade
(plano e método)
Escutar com
empatia
Escutar com
empatia
Explorar as
possibilidades
Identificar apoio
Explorar as
possibilidades
Identificar suporte
Encaminhar para
um psiquiatra
Estabelecer um contrato
6
Idéias suicidas e transtornos psiquiátricos ou
fatores estressores graves ou agitação e
tentativas prévias
Ficar com o paciente
(para prevenir o acesso
aos meios letais)
Hospitalizar
Fonte: Manual para Médicos Clínicos Gerais da OMS, Genebra, 2000.
Ao Observar esta tabela de identificação, manejo e plano de ação proposta no
Manual de Prevenção do Suicídio dirigido a Médicos Clínicos Gerais, da OMS, pode-se
perceber que a equipe de profissionais não especializados em saúde mental assume o caso que
envolve risco de suicídio até o momento em que não há o diagnóstico de transtorno mental. A
partir da constatação de Transtorno Mental, segundo as recomendações proposta neste
manual, o paciente deve ser encaminhado para um médico psiquiatra.
Como o Manual de Prevenção do Suicídio dirigido aos Profissionais das Equipes
de Saúde Mental, do MSB e o Manual de Prevenção do Suicídio dirigido Profissionais da
Saúde em Atenção Primária, da OMS não apresentam uma tabela pronta, elaborou-se as três
75
próximas tabelas a seguir com o proposto por esses dois manuais em relação à classificação
do risco de suicídio e respectiva intervenção a ser realizada. As três seguintes tabelas foram
dividas por grau de risco de suicídio, conforme a classificação apresentada por esses dois
manuais: baixo, médio e alto risco.
Tabela 11- Gradação dos riscos de suicídio: identificação e plano de ação para baixo risco de
suicídio do Manual de Prevenção do Suicídio dirigido aos Profissionais das Equipes de Saúde
Mental, do MSB e do Manual de Prevenção do Suicídio dirigido Profissionais da Saúde em
Atenção Primária, da OMS.
Risco de
suicídio:
BAIXO
RISCO
Manejo
X
*O ideal seria ter alguém na
equipe treinado para orientar
o indivíduo a falar sobre as
circunstâncias pessoais e
sociais emergentes que o
colocam sob risco.
X
2. Trabalhar sobre os sentimentos
suicidas. Quanto mais abertamente a
pessoa fala sobre perda, isolamento e
desvalorização, menos turbulentas suas
emoções se tornam. Quando a confusão
emocional cede, a pessoa pode se tornar
reflexiva. Este processo de reflexão é
crucial, ninguém senão o indivíduo pode
revogar a decisão de morrer e tomar a
decisão de viver.
X
X
3. Focalize na força positiva da pessoa,
fazendo-a falar como problemas anteriores
foram resolvidos sem recorrer ao suicídio.
X
*É uma forma de motivá-la e
ao mesmo tempo recuperar a
confiança em si mesma.
X
X
*Se você não conseguir
identificar uma condição
tratável e/ou a pessoa não
demonstrar melhora, não
conseguir refletir sobre sua
condição, encaminhe-a para
um profissional de saúde
mental
X
1. Oferecer apoio emocional.
A pessoa teve
alguns
pensamentos
suicidas, como:
“Eu não
consigo
continuar”
“Eu gostaria de
estar morto”,
mas não fez
nenhum plano.
Manual dirigido aos
Profissionais das Equipes
de Saúde Mental
(MSB)
*especificações encontradas
somente neste manual
(continua)
Manual
para
Profissionais
da Saúde em
Atenção
Primária
(OMS)
4. Encaminhe a pessoa para um
profissional de saúde mental ou a um
médico.
76
(conclusão)
5. Encontre-a em intervalos regulares e
mantenha contato externo.
X
*Pelo menos até que ela
receba tratamento adequado,
encontre-a em intervalos
regulares
e
mantenha
contato externo
6. Nem todos os pacientes com
pensamentos suicidas serão encaminhados
aos serviços especializados, portanto esses
pacientes com baixo risco não deverão ser
a maioria nesses serviços.
X
X
Fonte: Elaboração da autora, 2008.
Ao observar esta tabela de identificação e manejo em casos que são classificados
como baixo risco de suicídio pelo Manual de Prevenção do Suicídio dirigido aos Profissionais
das Equipes de Saúde Mental, do MSB e o Manual de Prevenção do Suicídio dirigido
Profissionais da Saúde em Atenção Primária, da OMS, pode-se perceber que o
encaminhamento ao profissional de saúde mental (não se restringe somente ao psiquiatra) não
depende do diagnóstico de Transtorno Mental, mas do resultado das intervenções referentes à
escuta empática, reforço da autoconfiança na resolução de problemas, por meio do
acompanhamento e avaliação regular da rigidez cognitiva do paciente. Neste caso, a
persistência da ideação suicida indica a intervenção de um profissional da saúde mental.
Tabela 12- Gradação dos riscos de suicídio: identificação e manejo para médio risco de
suicídio do Manual de Prevenção do Suicídio dirigido aos Profissionais das Equipes de Saúde
Mental, do MSB e do Manual de Prevenção do Suicídio dirigido Profissionais da Saúde em
Atenção Primária, da OMS.
(continua)
Risco de suicídio:
Médio Risco
Manejo
Manual dirigido
aos Profissionais
das Equipes de
Saúde Mental
(MSB)
A
pessoa
tem
pensamentos e planos,
mas não tem planos de
cometer
suicídio
imediatamente.
1. Ofereça apoio emocional, trabalhe
com os sentimentos suicidas da pessoa
e focalize nos aspectos positivos (já
descritos anteriormente). Em adição,
continue com os passos seguintes.
X
Manual
para
Profissionais da
Saúde em
Atenção Primária
(OMS)
X
77
(conclusão)
A
pessoa
tem
pensamentos
e
planos, mas não tem
planos de cometer
suicídio
imediatamente.
2. Focalize os sentimentos de
ambivalência. O profissional da saúde
deve focalizar na ambivalência sentida
pelo indivíduo em risco de suicídio entre
viver e morrer, até que gradualmente o
desejo de viver se fortaleça.
3. Explore alternativas ao suicídio. O
profissional da saúde deve tentar
explorar as várias alternativas ao
suicídio, até aquelas que podem não ser
soluções ideais, na esperança de que a
pessoa vá considerar ao menos uma
delas.
4. Faça um contrato, negocie, aqui é o
momento para usar a força do vínculo
existente entre você e o paciente. Extraia
uma promessa sincera do indivíduo de
que ele ou ela não vai cometer suicídio:
1. Sem que se comunique com a equipe
de saúde;
2. por um período específico.
O objetivo é ganhar tempo até conseguir
ajuda especializada ou até que as
medidas tomadas comecem a dar
resultado.
5. Encaminhe a pessoa ao psiquiatra da
equipe ou agende uma consulta o mais
breve possível dentro do período em que
foi feito o contrato.
6. Entre em contato com a família, os
amigos e/ou colegas e reforce seu apoio.
Antes de fazer esse contato, peça
autorização ao paciente, para deixá-lo
ciente sobre quais informações serão
dadas, preservando seu direito ao sigilo.
Oriente sobre medidas de prevenção ao
suicídio que poderão ser realizadas pelos
familiares/amigos/colegas, Como: impedir o acesso aos meios para cometer
suicídio. Exemplos: esconder armas,
facas, cordas, deixar medicamentos em
local que a pessoa não tenha acesso, de
preferência trancados, e com alguém
responsável em administrá-los. Tudo isso
também deve ser esclarecido ao paciente,
solicitando sua autorização. Explicar que
essas medidas são temporárias, até que
ele/ela melhore o suficiente para
reassumir o controle.
7. Negocie com sinceridade, explique e
peça o aval do paciente para todas as
medidas a serem tomadas.
Fonte: Elaboração da autora, 2008.
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
78
Desta tabela de identificação e manejo em casos que são classificados como
médio risco de suicídio pelo Manual de Prevenção do Suicídio dirigido aos Profissionais das
Equipes de Saúde Mental, do MSB e o Manual de Prevenção do Suicídio dirigido
Profissionais da Saúde em Atenção Primária, da OMS, pode-se depreender a importância da
consideração do sigilo, objetivando-se a conservação da confiança estabelecida entre
profissional e paciente, de maneira que o aval do paciente é requerido pelo profissional em
qualquer intervenção que requeira a comunicação com outras pessoas. Nesta recomendação
de manejo para médio risco surgem além do encaminhamento para o psiquiatra, as
intervenções referentes ao acionamento de suporte e rede social, a realização do “contrato
anti-suicídio” e orientação referente à remoção e controle dos meios de acesso para cometer o
suicídio.
Tabela 13- Gradação dos riscos de suicídio: identificação e manejo para alto risco de suicídio
do Manual de Prevenção do Suicídio dirigido aos Profissionais das Equipes de Saúde Mental,
do MSB e do Manual de Prevenção do Suicídio dirigido Profissionais da Saúde em Atenção
Primária, da OMS.
(continua)
Risco de suicídio:
ALTO RISCO
A pessoa tem um
plano definido, tem
os meios para fazê-lo
e planeja fazê-lo
prontamente.
* Muitas vezes já
tomou algumas
providências prévias
e parece estar se
despedindo
Manejo
Manual dirigido aos
Profissionais das Equipes de
Saúde Mental
(MSB)
*especificações encontradas
somente neste manual
Manual
para Profissionais
da Saúde em
Atenção Primária
(OMS)
1. Estar junto da pessoa.
Nunca deixá-la sozinha.
X
X
2. Gentilmente falar com a
pessoa e remover pílulas,
faca, arma, venenos, etc.
(distância dos meios de
cometer suicídio).
3. Fazer um contrato
X
*Explicar que você está ali para
ajudá-la, protegê-la e que no
momento ela parece estar com
muita dificuldade para comandar
a própria vida.
X
*Como descrito anteriormente e
tentar ganhar tempo.
X
X
79
(conclusão)
A pessoa tem um
plano definido, tem
os meios para fazê-lo
e planeja fazê-lo
prontamente.
* Muitas vezes já
tomou algumas
providências prévias
e parece estar se
despedindo
4. Informar a família e
reafirmar seu apoio, já
descritos.
5. Se no local em que você
trabalha pode ser feita a
avaliação psiquiátrica ou
existe hospitalidade diurna e
noturna, um acolhimento
pode ser feito, seguido de
investigação
inicial
e
posterior tratamento. Tente
convencer a pessoa a
permanecer no serviço para
receber ajuda e os cuidados
necessários. Mesmo em um
ambiente protegido, ela
deverá ficar sob maior
observação, pois ainda existe
o risco de ela tentar o
suicídio utilizando os meios
que estiverem ao seu
alcance.
X
X
X
6. Entre em contato com um
* Se onde você trabalha o
profissional
psiquiatra não está acessível ou
da saúde mental ou do
não tem hospitalidade diurna e
serviço de emergência mais
noturna, esta é uma situação de
próximo. Providencie uma
emergência.
ambulância e encaminhe a
Explique o motivo do
pessoa ao pronto-socorro
encaminhamento para transmitir
psiquiátrico, de preferência.
as informações importantes que
você já conseguiu sobre o caso.
7. Se você esgotou todas as
tentativas de convencimento
do paciente para uma
internação
voluntária
e
percebe um risco de suicídio
iminente, peça ajuda da
família, pois uma internação
involuntária poderá ser
necessária.
Fonte: Elaboração da autora, 2008.
X
X
X
X
Ao observar esta tabela de identificação e manejo em casos que são classificados
como alto risco de suicídio pelo Manual de Prevenção do Suicídio dirigido aos Profissionais
das Equipes de Saúde Mental, do MSB e o Manual de Prevenção do Suicídio dirigido a
Profissionais da Saúde em Atenção Primária, da OMS, pode-se perceber, que igualmente ao
que é indicado quanto ao manejo dos casos que são identificados como médio risco, são
indicados: o acionamento de suporte e rede social, a realização do “contrato anti-suicídio” e a
orientação referente à remoção e controle dos meios de acesso para cometer o suicídio. As
80
ações que emergem para os casos classificados como de alto risco são: encaminhamento a um
serviço de saúde mental para avaliação psiquiátrica (neste caso a avaliação do médico
psiquiatra é indicada como necessária); internação voluntária; e somente se esta não for
possível, internação involuntária.
Além do manejo indicado para cada grau de risco de suicídio, os Manuais em
destaque ainda apresentam a descrição da pergunta a ser feita e a forma como deve ser
conduzida a entrevista com a pessoa em avaliação.
Em relação a como perguntar e quando perguntar sobre a ideação suicida, a
recomendação dos três manuais de prevenção do suicídio em alusão é que a entrevista seja
realizada de forma gradual, observando-se os cuidados já mencionados anteriormente
referentes ao estabelecimento de uma relação de confiança, com cautela para não fazer
julgamento moral do que a pessoa está relatando, acolhendo o sujeito e compreendendo seu
sofrimento (atitude empática). Então, quando o profissional começar a perceber que a pessoa
passa a apresentar o sentimento de estar sendo compreendida, mostrando-se confortável em
falar sobre seus sentimentos, descrevendo sentimentos negativos como solidão e desamparo, é
o momento em que o profissional pode iniciar, de forma gradativa, com perguntas como
“Você se sente triste?”; “Você sente que ninguém se preocupa com você?”; “Você sente que a
vida não vale mais a pena ser vivida?”; “Já pensou que seria melhor estar morto ou tem
vontade de morrer?” E conforme o sujeito for revelando sua intenção, para avaliar se existe
um plano para cometer o suicídio, o profissional pode passar a perguntar “Você fez algum
plano para acabar com sua vida?”; “Você tem uma idéia de como vai fazê-lo?”, seguindo-se
com perguntas que auxiliam a descobrir se o sujeito em avaliação já tem os meios para se
matar, tais como: “Você tem pílulas, uma arma, veneno ou outros meios?”; “Os meios são
facilmente disponíveis para você?” e, ainda, para descobrir se a pessoa fixou uma data para
realização do ato suicida, o profissional pode perguntar ao sujeito “Você decidiu quando
planeja acabar com sua vida?” e “Quando você está planejando fazê-lo?”. Essas perguntas são
descritas nos manuais em referência como eficazes para realizar a avaliação e classificação
do risco de suicídio para planejamento do manejo a ser realizado.111
Neste ponto, as seguintes precauções são recomendadas no Manual de Prevenção
do Suicídio dirigido a Médicos Clínicos Gerais, da OMS: a) “melhora falsa ou enganosa quando um paciente agitado de repente fica calmo, ele pode ter tomado a decisão de cometer
111
BRASIL, 2006, igualmente encontradas no texto do Manual de Prevenção do Suicídio para Profissionais da
Saúde em Atenção Primária, da OMS e com conteúdo similar no Manual de Prevenção do Suicídio dirigido a
Médicos Clínicos Gerais, da OMS.
81
suicídio, daí a calma após a decisão” e b) “negação- pacientes que tem intenções muito sérias
de suicidar-se podem deliberadamente negar a ideação suicida”.112 Por esses motivos, pensase que a discussão e avaliação do caso com outros profissionais da equipe de saúde pode ser
mais eficaz na detecção do risco e da real condição do paciente, além do compartilhamento da
responsabilidade desses casos que tanto afligem o profissional de saúde, aliviando a
sobrecarga que esse tipo de caso costuma significar para esses profissionais.
Em relação aos recursos de rede a serem acionados, principalmente nos casos de
médio e alto risco de suicídio nos quais são indicados a vigilância do sujeito e remoção e
controle do acesso aos meios para cometer o suicídio, os manuais descrevem como
possibilidades de fontes de apoio: a família, companheiros/namorados, amigos, colegas,
clérigo, profissionais de saúde, grupos de apoio, ex.: Centro de Valorização da Vida (CVV) www.cvv.com.br. Contudo, as recomendações referentes ao acionamento dos recursos de rede
da comunidade descritos nos manuais em comento, enfatizam que é importante que sempre
seja pedida a permissão ao paciente para recrutar quem possa ajudá-lo, em geral alguém de
sua confiança, para somente depois entrar em contato com essas pessoas e, se esta permissão
não for conferida pelo paciente, ainda assim, é fundamental que numa situação de risco
importante, localize-se alguém que seja compreensivo com o paciente, procurando, dentro do
possível, preservar o sigilo do paciente. Deve-se ainda, segundo os manuais de prevenção do
suicídio em referência, explicar ao paciente que algumas vezes é mais fácil falar com um
estranho do que com uma pessoa amada, para que este não se sinta negligenciado, de modo
que o profissional deve assegurar-lhe e reforçar seu apoio na consecução do tratamento. E,
quando for realizado o contato com as pessoas de suporte, o profissional deve procurar
empreender toda cautela para que estas não se sintam acusadas ou culpadas, atentando-se
inclusive para as necessidades dessas pessoas que se propuseram a ajudar.
Deste modo, sinteticamente, as ações recomendadas no manejo do paciente em
risco de suicídio pelos três referenciados manuais de prevenção do suicídio norteiam o
profissional da saúde para uma conduta de aceitação, acolhimento do sofrimento do sujeito,
numa postura empática, prestando apoio, disponibilidade, proporcionando um espaço de
escuta para que o sujeito possa falar sobre seus sentimentos e que o profissional possa
perguntar de forma gradual sobre eles, viabilizando a avaliação e classificação dos riscos.
Ainda, são recomendadas as ações referentes ao encaminhamento a ser realizado, ao
112
ORGANIZAÇAO MUNDIAL DA SAUDE,Genebra, 2000.
82
acionamento da rede e suporte social, realização do “contrato anti-suicídio” e orientação
referente à remoção e controle dos meios de acesso para cometer o suicídio.
Contudo, muito embora as recomendações sejam norteadoras para os profissionais
da saúde no manejo desses casos, principalmente daqueles que não são da área de saúde
mental e que talvez não tenham desenvolvido as habilidades profissionais requeridas para esse
tipo de intervenção, pensa-se que algumas das propostas de manejo do paciente dispostas
pelos manuais não são tão simples de empreender como indicadas. Ações descritas como:
“focalizar na força positiva da pessoa, fazendo-a falar como problemas anteriores foram
resolvidos sem recorrer ao suicídio” (tabela 11); “Focalize os sentimentos de ambivalência. O
profissional da saúde deve focalizar na ambivalência sentida pelo indivíduo em risco de
suicídio entre viver e morrer, até que gradualmente o desejo de viver se fortaleça” (tabela 12);
“Trabalhe com os sentimentos suicidas da pessoa e focalize nos aspectos positivos” (tabela
12); “Explore alternativas ao suicídio. O profissional da saúde deve tentar explorar as várias
alternativas ao suicídio, até aquelas que podem não ser soluções ideais, na esperança de que a
pessoa vá considerar ao menos uma delas” (tabela 12) revelam-se um tanto genéricas,
suscetíveis a diversas interpretações e podem implicar em condutas que, dependendo do
despreparo profissional, venham possibilitar a inversão da prevenção pretendida, facilitando o
risco de suicídio. Neste sentido, pensa-se que algumas intervenções são inerentes a
determinadas competências profissionais. Portanto, a possibilidade dos profissionais da saúde
conseguirem identificar o risco de suicídio, realizando o acolhimento desses pacientes numa
postura empática e, posteriormente, encaminharem esses pacientes às equipes de saúde
mental, cujos profissionais, possivelmente, estarão habilitados para realizar as intervenções
que necessitem um conhecimento específico desse campo de atuação - já se apresenta como
de grande valia para prevenção do suicídio.
4.2 APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DADOS RELATIVOS AO QUESTIONÁRIO
APLICADO JUNTO AOS PROFISSIONAIS DA SAÚDE
A seguir passa-se a apresentar os resultados alcançados a partir dos dados obtidos
por meio do questionário, instrumento de coleta de dados, respondido pelos profissionais da
saúde investigados, cujos perfis estão organizados na Tabela 1, p.53 .
83
As tabelas a seguir expostas foram organizadas da seguinte forma: as colunas
intituladas por “categorias” se referem às temáticas das perguntas elaboradas para o
instrumento de coleta de dados, criadas com base em categorias a priori. As subcategorias se
referem às possíveis respostas que foram apresentadas aos respondentes no questionário. As
linhas destacadas em cinza dizem respeito às subcategorias que condizem com o que está
disposto nos Manuais de Prevenção do Suicídio.
4.2.1 Formação Profissional
O preparo técnico do profissional da saúde se revela essencial para condução do
manejo dos casos que envolvem risco de suicídio como possibilidade de prevenção. Dentre as
estratégias do Plano Nacional de Prevenção do Suicídio do MSB estão a educação continuada
dos profissionais da saúde e a transmissão de informações essenciais para realização do
manejo adequado para atendimento desses casos por meio dos Manuais de Prevenção. Passase então a apresentar o que os profissionais investigados indicaram como fontes de
informação que os capacitaram para abordar o paciente em risco de suicídio e para intervir
nesses casos.
Tabela 14 - Fontes de informação sobre como abordar um paciente em risco de suicídio
Categoria
Fontes de
informação
sobre como
abordar um
paciente em
risco de
suicídio
Subcategoria
No próprio
curso de
formação
profissional
(técnico ou
superior)
Cursos de
capacitação
Treinamento
Palestras
Literatura
Nunca tive
acesso a essas
informações
Outro
S1
S2
x
S3
S4
S5
S6
S7
S8
S9
S10
S11
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
S12
Ocor.
10
x
1
x
x
4
4
x
x
x
1
*
**
2
Fonte: elaboração da autora, 2008.
* S4 acrescentou: por conviver com colegas de trabalho que tentaram e filhos de amigos e praticarão (sic) o ato.
** S12 : no próprio local de trabalho.
84
Em relação ao questionamento de como os profissionais da saúde obtiveram
informações sobre a maneira de abordar um paciente em risco de suicídio, a maioria assinalou
que foi no próprio curso de formação profissional. Quatro assinalaram, como fonte de
informação, palestras e quatro informantes assinalaram literatura. Nenhum dos informantes
indicou que teve algum tipo de treinamento específico e apenas um dos informantes revelou
ter tido um curso de capacitação para saber como abordar um paciente que apresente risco de
suicídio. Também apenas um dos respondentes revelou nunca ter tido acesso a esse tipo de
informação. Diante da carência de aperfeiçoamento, seja por meio de cursos de capacitação
ou treinamentos, indicada pela maior parte dos sujeitos de pesquisa, vale ressaltar que a
necessidade de preparo dos profissionais da saúde para realização do manejo dos casos que
envolvem risco de suicídio é medida preconizada dentre as diretrizes brasileiras para um
Plano Nacional de Prevenção do Suicídio. Tal medida foi instituída por intermédio da Portaria
n° 1.876/GM , do Ministério da Saúde do Brasil, com o seguinte texto “promover a educação
permanente dos profissionais de saúde das unidades de atenção básica, inclusive do Programa
Saúde da Família, dos serviços de saúde mental, das unidades de urgência e emergência, de
acordo com os princípios da integralidade e da humanização.”113 Contudo, há que se
considerar que esta portaria foi publicada recentemente (14 de agosto de 2006), e espera seja
posta em efetividade.
Ainda é válido referir que foram poucos os sujeitos investigados que indicam
consultar a literatura (apenas quatro dos 12 sujeitos pesquisados), que provavelmente denota
que eles não têm acesso aos manuais, já que a maioria parece não consultar fontes de
informações para se aperfeiçoarem. Além disso, vale questionar a principal fonte de
informação para abordar o paciente que apresenta risco de suicídio referenciada pelos sujeitos
investigados, qual seja, o conhecimento adquirido por meio do curso de formação
profissional. Neste sentido, apresenta-se a necessidade de estudar mais o que significa essa
preparação indicada pelos sujeitos, já que os cursos de formação são generalistas, o que
produz certa desconfiança em relação à capacidade de os profissionais atuarem para manejar
situações de risco de suicídio a partir do que possivelmente aprenderam nos cursos que
fizeram.
Ainda cabe comentar que S4 apontou as experiências de vida pessoal, tais como
amigos e filhos de amigos que tentaram ou consumaram o ato suicida, como fonte de
113
BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Portaria Nº 1.876/GM de 14 de agosto de 2006. Diretrizes da
Estratégia Nacional de Prevenção do Suicídio. Disponível em <http://portal.saude.gov.br/portal/saude/
cidadao/ visualizar_texto.cfm?idtxt=25605>. Acesso em 31 mar. 2008.
85
informação em como abordar um paciente que apresenta tal risco. Já S12 aponta a experiência
no próprio local de trabalho (Hospital Psiquiátrico) como fonte de informação dessa natureza.
Neste sentido, é possível pensar que S4 e S12 acreditam que ao observarem ou vivenciarem
situações que envolvem o fenômeno do comportamento suicida, seja nas experiências
pessoais ou no local de trabalho, adquirem um conhecimento que pode fundamentar a
abordagem do paciente que apresenta risco de suicídio? Isto se torna questionável ao
partirmos do pressuposto que uma intervenção em determinado campo de atuação
profissional necessita se basear em teorias e metodologias amparadas pela ciência.
Na seqüência, vê-se que as mesmas hipóteses levantadas em relação às fontes de
informações que os profissionais da saúde questionados detêm em relação a como abordar um
paciente em risco de suicídio podem ser estendidas aos dados relativos às fontes de
informação sobre como intervir em casos que envolvem risco de suicídio.
Tabela 15- Fontes de informação sobre como intervir em casos que envolvem risco de
suicídio para prevenir o suicídio.
Categoria
Fontes de
informaçã
o sobre
como
intervir
em casos
que
envolvem
risco de
suicídio
para
prevenir o
suicídio
Subcategoria
No próprio
curso de
formação
profissional
(técnico ou
superior)
Cursos de
capacitação
Treinamento
Palestras
Literatura
Nunca tive
acesso a essas
informações
Outro
S1
S2
x
S3
S4
S5
S6
S7
x
x
x
x
x
x
x
x
S8
x
x
S9
S10
S11
x
x
x
x
x
S12
Ocor.
8
x
1
x
1
4
5
x
x
1
**
1
Fonte: elaboração da autora, 2008.
* S12 :“conversar (sic). Tentar elevar á (sic) auto estima.”
Relativamente a como os profissionais da saúde obtiveram informações sobre
como intervir em casos que envolvem risco de suicídio para prevenir o suicídio, a maioria
também assinalou que foi no próprio curso de formação profissional. Quatro assinalaram,
como fonte de informação, palestras e cinco assinalaram literatura. Apenas um dos
informantes indicou que teve algum tipo de treinamento ou curso de capacitação para intervir
em casos que envolvessem risco de suicídio. Também apenas um dos respondentes revelou
86
nunca ter tido acesso a esse tipo de informação. Deste modo, pode-se observar os mesmos
questionamentos destacados em relação aos dados anteriores, quais sejam: a hipótese de
desconhecimento dos Manuais da OMS e do MSB em destaque pela maior parte dos
profissionais respondentes e o grau de suficiência do que eles aprendem nos cursos de
formação para manejar casos que envolvem risco de suicídio.
4.2.2 Dos motivos que levam uma pessoa a tentar suicídio
Diante da complexidade da rede de fatores que envolvem o comportamento
suicida, Cassorla (2004) afirma que não há como se referir a possíveis‘causas’ que levam o
sujeito a desfechar o ato suicida. Nas palavras do o autor, “o que se apresenta ao observador
como motivações do ato são apenas desencadeantes, constituídos por fatos que,
aparentemente, estimularam o desenlace.”114 Nesta seção, apresenta-se o que os profissionais
investigados referiram acerca dos possíveis motivos deflagradores da ação autodestrutiva.
Tabela 16 – Motivos que levam uma pessoa a tentar suicídio.
Categoria
Subcategoria
S1
S2
S3
S4
S5
Se vingar de alguém
Acabar com o
sofrimento
Por não dar valor à
vida
Por estar
mentalmente doente
Motivos que
Por
ser covarde e não
levam uma pessoa
querer encarar os
a tentar suicídio
problemas
Porque foi vítima de
alguma desgraça.
Para chamar a
atenção
Falta de religiosidade
Outro
Fonte: elaboração da autora, 2008.
114
S6
S7
S8
x
x
S9
S10
S11
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
Ocor.
2
x
x
x
x
S12
x
2
x
12
x
x
x
x
x
x
4
x
x
3
x
2
1
x
x
7
x
x
x
x
2
*
* S5 acrescentou: desespero, fraqueza
CASSORLA, R. M. S. Suicídio e autodestruição humana In WERLANG, Blanca G. e BOTEGA, Neury J.
Comportamento Suicida. Porto alegre: Artmed, 2004. p. 21-33, p.27.
87
Da tabela “Motivos que levam uma pessoa a tentar suicídio”, pode-se salientar
que todos os sujeitos pesquisados consideram o sujeito que tenta se matar como “mentalmente
doente”. Ao passo que sete dos doze respondentes consideram a tentativa de suicídio como
ação que o sujeito empreende motivado por “acabar com o sofrimento”.
Muito embora os manuais de prevenção do suicídio, bem como a literatura
destacada, apontem a presença de transtorno mental como fator de risco associado a maior
parte dos casos de ocorrência de comportamento suicida, elevam em máxima a consideração
de que o sujeito com comportamento suicida assim o faz como única forma por ele encontrada
para pôr fim ao insuportável sofrimento que a realidade está lhe impondo. Cassorla (2004)
refere o reducionismo da complexidade de fatores genéticos, biológicos, psicológicos, sociais,
históricos e culturais que estão envolvidos na constituição do comportamento suicida, ao
atribuir-lhe como “causa” um determinado transtorno mental.115 Daí a necessidade do
profissional da saúde, para ter condições de realizar uma boa intervenção, conseguir
vislumbrar o comportamento suicida, em suas diversas graduações, como fenômeno
multicausal e, fundamentalmente, como um comportamento motivado por um sofrimento.
Neste sentido, Meleiro, Botega e Prates (2004) recomendam que:
O profissional de saúde deve ser capaz de perceber por que o paciente sente o
impulso de se matar e vivenciar, em algum grau, o desespero e sofrimento do
paciente. Este entendimento e empatia não apenas capacitam o profissional a adaptar
suas estratégias de ajuda às necessidades específicas do paciente, mas também
comunicam a este que é compreendido. O profissional deve ser capaz de lidar com a
noção de que os desejos suicidas não são “loucos” – mas decorrentes de uma
dedução lógica a partir de premissas errôneas do paciente. 116
A partir da recomendação dos autores em desvencilhar a percepção do desejo
suicida da questão da “loucura”, é interessante observar que a própria “doença mental”,
assinalada por todos os respondentes não é, por todos eles, associada a um sofrimento, vez
que apenas sete deles marcaram este item. E sobre as possíveis decorrências em os
profissionais da saúde não conceberem o comportamento suicida como algo ligado ao
sofrimento, mas apenas a uma doença, possivelmente está a limitação das intervenções que
serão empreendidas a partir deste olhar sobre o fenômeno. No caso, pode-se pensar, na
restrição à intervenção farmacológica, dispensando-se outras possíveis intervenções que
visam o atendimento integral ao sujeito e que viabilizam o manejo preconizado pelos manuais
115
CASSORLA, R. M. S. Suicídio e autodestruição humana In WERLANG, Blanca G. e BOTEGA, Neury J.
Comportamento Suicida. Porto alegre: Artmed, 2004. p. 21-33, p.27.
116
MELEIRO, BOTEGA, PRATES, 2004, p. 178.
88
investigados. Neste sentido, SOUZA (2006) realizou uma pesquisa com quatorze famílias que
perderam alguém por suicídio e obteve como um dos resultados, a verificação de que “o
discurso médico vincula o suicídio à existência de transtornos mentais e encobre outros
discursos”117, e sobre as decorrências disto, o pesquisador reflete que
Não obstante, o discurso médico adquire relevo, fazendo com que os demais fatores
passem para segundo plano ou sejam efetivamente desconsiderados. Neste sentido é
correto falar em um predomínio deste discurso. Em parte, esta situação ocorre
porque atribuir o suicídio à depressão, por exemplo, é uma forma de lidar com o
problema, é uma maneira de atribuir-lhe um significado. Mas também é uma forma
dos familiares como um todo se isentarem de qualquer parcela de responsabilidade
no processo. Não que exista necessariamente alguma parcela de responsabilidade,
mas fica difícil para o familiar avaliar sua implicação devido ao sofrimento e à culpa
presentes na situação. Há uma precipitação geral – dos familiares, vizinhos, amigos
e profissionais médicos e não-médicos – em atribuir a causa do suicídio ao
transtorno mental, o que restringe qualquer possibilidade de compreensão mais
aprofundada do problema.118
Desta forma, pode-se pensar que, para o manejo dos casos que envolvem risco de
suicídio, o predomínio do discurso médico pode facilitar a pouca compreensão do suicídio
como fenômeno multicausal e de promover o descompromisso dos familiares como aventado
por Souza (2006) e também, possivelmente, a desatenção dos profissionais da saúde que não
são da área psiquiátrica.
Outro aspecto que pode ser observado na tabela 16, ainda quanto aos motivos que
levam uma pessoa a tentar se suicidar, diz respeito às múltiplas alternativas assinaladas por
S6, S8, S9 e S12. Nos manuais investigados e na literatura correlata119
há ênfase na
necessidade de compreender que são inúmeros os motivos que podem levar uma pessoa a
tentar dar cabo à própria vida, não sendo possível determinar uma única causa para tanto, ou
seja, o “suicídio é um problema complexo para o qual não existe uma única causa ou uma
única razão”120. Será então, que os quatro sujeitos que assinalaram múltiplas alternativas,
assim responderam por realmente compreenderem como múltiplas as possibilidades que
levam um sujeito a tentar se matar? S6 (psiquiatra) assinalou várias alternativas, contudo,
nenhuma das assinaladas se refere a um juízo de valor ou crença religiosa, quais sejam “se
vingar de alguém”, “acabar com o sofrimento”, “por estar mentalmente doente”;“porque foi
117
SOUZA, Nei Ricardo de. Sobrevivendo ao Suicídio: estudo sociológico com famílias de suicidas em
Curitiba. 2006. 169 f. Dissertação (Mestrado em Sociologia) – Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2005,
p.155.
118
SOUZA, 2006, p.155.
119
“O comportamento suicida tem sido estudado como resultado da interação de fatores biológicos, sociológicos,
epidemológicos, filosóficos, psicológicos e culturais, tanto intrapsíquico como interpessoais.” (MELEIRO e
BAHLS 2004, p.27). No mesmo sentido: CASSORLA, 1991, p.66; WERLANG E BOTEGA, 2004, p. 18.
120
ORGANIZAÇAO MUNDIAL DA SAUDE, 2000, p.04.
89
vítima de alguma desgraça”, “para chamar a atenção”. Já, S9 e S12 (técnico e auxiliar em
enfermagem) e S8 (enfermeiro e técnico de gesso) incluíram em sua resposta alternativas
como: “por não dar valor à vida”, “por ser covarde e não querer encarar os problemas”, “falta
de religiosidade”, que denotam aspectos que envolvem juízo de valor ou crença religiosa.
Talvez a diferença apontada entre as alternativas assinaladas por S6 e por S8, S9 e S12 esteja
relacionada com a diferença da formação profissional destes quatro sujeitos investigados. A
partir disso é possível pensar que as respostas assinaladas por S6 (psiquiatra) foram,
possivelmente, motivos que pacientes apresentaram-lhe, no decorrer de sua prática
profissional ou, ainda, que esta profissional, pela própria formação em psiquiatria, conhece o
fenômeno em questão por meio da literatura científica, não o vislumbrando a partir de préconceitos. Já em relação S8, S9 e S12 pode-se pensar que assinalaram essas possibilidades a
partir de um conhecimento intuitivo, “atravessado” pelo senso comum. Meleiro, Botega e
Prates (2004), apontam que algumas crenças da equipe de saúde sobre o comportamento
autodestrutivo inevitavelmente influenciarão no manejo desses casos.
121
Sobre esse aspecto,
Werlang e Botega (2004) alertam que há o perigo de o profissional se valer de um julgamento
pessoal subjetivo para decidir as ações que fará ou deixará de fazer122 e quanto a isto, ressaltese a recomendação do Manual dirigido a profissionais das equipes de saúde mental, do MSB:
“respeite a condição emocional e a situação de vida que o levou a pensar sobre suicídio, sem
julgamento moral, em uma atitude de acolhimento (p. 58)”.
Em face dessas percepções acerca do comportamento suicida, apresentadas pelos
sujeitos de pesquisa, convém lembrar que segundo Meleiro e Bahls (2004) o comportamento
suicida se apresenta para o sujeito com a função instrumental de solução de um problema:
“matar a si mesmo é um instrumento de solução incalculável de dor emocional. Quando
alguém está morto não há sentimento. Ser morto é um instrumento de solução para o
problema do mau sentimento”
123
. E, para esses autores, no caso da tentativa de suicídio, a
função é expressiva, isto é, a função, neste caso, é a de comunicação e solicitação de
compreensão, ajuda e suporte social. E neste sentido, os referidos autores alertam que um erro
no entendimento dessas funções possibilita, em suas palavras “marcar um rótulo negativo para
o paciente suicida” e, que “sem essa espécie de apreciação, é muito provável que o
profissional de ajuda e/ou paciente possam proceder em diferentes sintonias”
121
124
. Ou seja, em
MELEIRO, BOTEGA, PRATES, 2004, p. 178.
WERLANG, B.G.; BOTEGA, N. J. Avaliação e manejo do paciente. In WERLANG, B.G.; BOTEGA, N. J.
Comportamento suicida. Porto Alegre: Artmed,Editora, 2004, p. 123-152, p. 124.
123
MELEIRO; BAHLS, 2004, p.30.
124
MELEIRO; BAHLS, 2004 p.30-31.
122
90
última análise, conhecer as funções do comportamento suicida possivelmente apresentaria
como decorrência melhor fundamentação dos profissionais da saúde, que tenderiam a
compreender melhor o sofrimento do paciente, de forma que tal visão sobre o fenômeno
representaria o primeiro passo em direção à realização do manejo de casos que envolvem
risco de suicídio, condizente com o preconizado pelos manuais de prevenção da OMS e do
MSB, já que estes documentos apresentam a compreensão do suicídio como única solução
para os problemas na visão do sujeito que o intenciona e apontam a desesperança, depressão,
desamparo e desespero, como os sentimentos que motivam o comportamento suicida125.
4.2.3 Identificação dos fatores de risco de suicídio
O estudo dos fatores de risco de suicídio, segundo Meleiro e Tung Teng (2004)
“constitui atualmente a base das principais condutas clínicas preconizadas para se abordar o
comportamento suicida”126, indicando os possíveis caminhos para intervenção para modificar
a ocorrência de tal comportamento. Passa-se a apresentar o que os profissionais da saúde
investigados indicaram como fatores de risco do comportamento suicida.
Anteriormente à apresentação e discussão dos dados desta seção, é válido
esclarecer que se tratam de duas tabelas sobre identificação dos fatores de risco do suicídio
porque o tema referente aos fatores de risco do suicídio foi abordado de forma distinta, em
duas questões no instrumento de coleta de dados (questão 05 e questão 09, Apêndice C). A
tabela 17 se refere à questão 05 – assinalar os aspectos que auxiliam avaliar o risco e, a tabela
18 diz respeito à questão 09- frases que concorda e não concorda sobre fatores de risco de
suicídio.
125
126
BRASIL, 2006, p.52
MELEIRO; TENG, 2004. p.109.
91
Tabela 17- Identificação de fatores de risco de suicídio
Categoria
Identificação
dos fatores de
risco de
suicídio
Subcategoria
Portador de
AIDS ou
Câncer
Ser casado
Estar em
situação de
desemprego
Ser idoso
Ser analfabeto
Ter perdido
alguém
próximo
Ser jovem
Ter
dependência
por álcool
Ter
personalidade
agressiva
Ter filhos
Ter T.
depressivo
Ter
personalidade
impulsiva
Ter uma vida
solitária
Estar
aposentado
Ser expresidiário
Ter tentado
suicídio
anteriormente
Gostar de
chamar atenção
Não me sinto
capaz de
avaliar o risco
de suicídio
Outro
S1
S2
S3
S4
S5
S6
S7
S8
S9
x
x
x
S10
S11
x
x
S12
Ocor.
x
3
x
1
x
4
x
1
-
x
x
x
x
x
2
x
1
x
4
x
1
-
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
11
4
x
x
6
-
x
x
x
x
x
x
x
x
*
Fonte: elaboração da autora, 2008.
*S4 acrescentou: eu acredito que o paciente para se alto (sic) agredir tem que estar muito fora de si.
x
1
x
8
x
1
1
1
92
Sobre a identificação dos fatores de risco de suicídio com indicação mais
significativa, os sujeitos investigados apontaram, em primeiro lugar o “Transtorno depressivo”
(11 dos 12 respondentes assinalaram esta alternativa), em segundo lugar “ter tentado suicídio
anteriormente” (8 dos 12 respondentes assinalaram esta alternativa). O reconhecimento do
Transtorno Depressivo como fator de risco de suicídio por quase todos os sujeitos investigados
se mostra bastante relevante, já que os Manuais de Prevenção do Suicídio da OMS e do MSB,
bem como a literatura revisada, destacam essa prevalência e indicam a necessidade de
tratamento do transtorno como medida de prevenção - o risco médio de suicídio nos pacientes
com diagnóstico de transtorno depressivo maior e distimia é de, respectivamente, 20 e 12
vezes maior que o esperado na população em geral127.
Por outro lado, a idéia é compreender o sujeito e, conseqüentemente, seu
sofrimento, para além de um transtorno ou doença, que se mostra como uma maneira
organicista de compreendê-lo. Contudo, os profissionais investigados reconhecerem o
transtorno depressivo como fator de risco e a maior parte deles não reconhecerem a
associação de outros importantes fatores de risco de diferentes naturezas (fatores de risco
psicológicos, sócio-demográficos, ligados à condição médica), presentes nesta tabela 17 (“ser
portador de AIDS ou Câncer”, “estar em situação de desemprego”, “ser idoso”, “ter perdido
alguém próximo”, “ser jovem”, “ter personalidade agressiva”, “ter personalidade impulsiva”,
“ter uma vida solitária”, “estar aposentado”), o que faz novamente aparecer a relação, quase
exclusiva, que os profissionais investigados fazem do risco de suicídio com a presença de
transtorno mental. Isso porque “a simples presença de transtorno mental não é suficiente para
realização do ato suicida, pois, em sua maioria, as pessoas com transtornos mentais não se
suicidam. Então, em termos práticos, um transtorno psiquiátrico grave seria necessário para o
suicídio, mas outros fatores devem pesar para esse desfecho, porque o transtorno mental, por
si só, não é suficiente para levar a um suicídio”128. E é neste sentido que se entende a
necessidade de os profissionais da saúde compreenderem o suicídio para além da patologia
psiquiátrica, relacionando-o com os aspectos sociais e psicológicos do sujeito para realização
do manejo desses casos como possibilidade de prevenção. Neste sentido é que Kapczinski,
Chachamovich, Schmitt (2001) enfatizam o primeiro ponto importante a ser considerado na
127
HARRIS E BARRACLOUGH (1997) e HENRIKSSON et al. (1993) apud MELEIRO, Alexandrina;
MELLO-SANTOS, Carolina de; SCALCO, Andréia Z. Abordagem Médica da tentativa de suicídio. In
MELEIRO, Alexandrina; TENG, Chei Tung; WANG, Yan Pang. Suicídio: estudos fundamentais. São Paulo:
Segmento Farma, 2004. p. 157-174, p. 168.
128BOTEGA, Neury José; RAPELI, Benedito Claudemir; FREITAS, Gislaine Vaz Scavacini. Perspectiva
Psiquiátrica. In WERLANG, B.G.; BOTEGA, N. J. Comportamento suicida. Porto Alegre: Artmed,Editora,
2004 p. 107-121. p. 107.
93
entrevista de avaliação dos riscos de suicídio: “procurar entender o que está acontecendo na
vida do indivíduo para levá-lo a pensar ou tentar se matar. Por isso é necessária uma boa
revisão dos fatores de risco(...)”129. Caso contrário, é possível imaginar que a detecção do
transtorno mental e a administração dos respectivos psicofármacos, por si só, bastariam para a
prevenção do ato letal. Portanto, a avaliação dos riscos a partir de um olhar integral do sujeito
parece ter por finalidade abranger todas as possíveis intervenções a serem realizadas para que
o manejo do caso aproxime-se ao máximo da possibilidade de prevenção.
Prevenir riscos de suicídio a partir de uma visão integral do sujeito,
compreendendo o suicídio como um fenômeno multideterminado faz pensar na importância
da contribuição do profissional da psicologia, cuja avaliação do fenômeno por uma ótica
psicológica e intervenção a partir de tal olhar pode cooperar com o tratamento do paciente em
risco de suicídio. Nesta orientação, sugere o Manual de prevenção do Suicídio, do MSB “o
ideal seria ter alguém na equipe treinado para orientar o indivíduo a falar sobre as
circunstâncias pessoais e sociais emergentes que o colocam sob risco”130 e, ainda, a respeito
do manejo nos casos associados à transtorno de personalidade, este Manual recomenda :
Por último, a regra que consideramos a mais importante: se, num primeiro momento,
optamos por apoio, técnicas cognitivas, fármacos, não devemos perder de vista que,
se não todos, pelo menos a grande maioria desses pacientes necessita de importante
reestruturação psicodinâmica a longo prazo, ou seja, em um segundo tempo técnicas
que privilegiem insight são bem-vindas. A percepção de quando transitar o
tratamento do primeiro para o segundo tempo e a maneira de conduzi-la é, a nosso
ver, um dos principais aprendizados necessários ao clínico que atende pacientes em
risco de suicídio.131
Em relação ao segundo fator de risco mais apontado pelos profissionais
investigados - tentativas de suicídio anteriores- que é salientado como um dos mais
importantes fatores de risco pelos manuais de prevenção em referência, estatísticas da OMS e
literatura consultada, vale referir que dos 8 dentre os 12 respondentes que selecionaram esta
alternativa, seis são profissionais atuantes no campo da saúde
mental. Os estudos132
demonstram que 15 a 25 % das pessoas que tentaram o suicídio irão fazê-lo novamente no
período de 1 ano e que 50 a 66% das pessoas que cometeram suicídio já o haviam tentado
129
KAPCZINSKI, Flávio; CHACHAMOVICH, Ricardo; SCHMITT, Eduardo. Risco de suicídio: avaliação e
manejo. In KAPCZINSKI, Flávio; QUEVEDO, João; CHACHAMOVICH, Ricardo; SCHMITT, Eduardo.
Emergências Psiquiátricas. Porto alegra: Artmed. 2001. p. 149-165, p. 160.
130
BRASIL, 2006, p.63.
131
BRASIL, 2006, p. 50.
132
RICH, YOUNG E FOWLER (1986) e MORGAN E OWEN (1990) apud BOTEGA, Neury José; RAPELI,
Benedito Claudemir; FREITAS, Gislaine Vaz Scavacini. Perspectiva Psiquiátrica. In WERLANG, B.G.;
BOTEGA, N. J. Comportamento suicida. Porto Alegre: Artmed,Editora, 2004 p. 107-121. p. 112.
94
anteriormente. As tentativas pregressas, mostram-se, portanto, um forte fator preditor. E,
dentre as possíveis decorrências do conhecimento deste importante fator de risco no manejo
dos casos que envolvem risco de suicídio, vale destacar que muito embora “não se disponha
de dados que indiquem que o paciente costume repetir o método ou usar outros mais ou
menos letais, a informação de como foi tentado o suicídio em outra ocasião é valiosa para se
traçar um perfil do comportamento suicida do indivíduo”133.
Neste sentido, Botega, Rapeli e Freitas (2004) recomendam que as tentativas de
suicídio precisam ser encaradas com seriedade, procurando-se percebê-las como manifestação
da atuação de fenômenos psicossociais complexos. Isto porque, segundo esses autores, as
tentativas de suicídio estão muitas vezes mais relacionadas com evento recente que funcionou
como desencadeante do comportamento auto-agressivo, do que com a possível ocorrência de
transtorno mental. Os autores citam como situações desencadeantes mais ocorrentes nos casos
de tentativa de suicídio a história de perdas reais, imaginadas ou temidas de parentes
próximos, de companheiros, namorados e situações de gravidez indesejada ou de abortos
recentes.134 Esses motivos parecem estar relacionados com que Freud (1917) afirma acerca do
processo de luto patológico e da melancolia, instaurados a partir de perdas sofridas pelo
sujeito, de maneira que a libido que antes se destinava ao objeto de amor perdido, retorna para
o próprio sujeito, possibilitando o desencadeamento de auto-recriminação e do
comportamento suicida135. A compreensão da dinâmica psicológica das situações de perda
para o sujeito parece ter importância na avaliação, diagnóstico e prognóstico dos casos que
envolvem risco de suicídio, de forma que o conhecimento dessas situações que podem
aparecer como propulsoras das tentativas de suicídio merecem atenção dos profissionais da
saúde no momento de manejo desses casos, como medida de prevenção.
Concernente a outros importantes fatores que indicam risco de suicídio, apontados
nos manuais de prevenção do suicídio da OMS e MSB, tais como: ser portador de AIDS ou
Câncer; estar em situação de desemprego; ser idoso ou jovem; ter dependência por álcool; ter
personalidade agressiva; ter personalidade impulsiva; ter perdido alguém próximo; ter uma
vida solitária e ser aposentado, foram poucos os profissionais da saúde pesquisados que
assinalaram essas alternativas. Contudo, é importante referir que somente um deles (S9)
assinalou não se sentir capaz de avaliar os riscos (Tabela 17). Por conseguinte, pode-se
pensar qual a possibilidade de se intervir numa situação, a qual não é detectada? Para
133
134
KAPCZINSKI, et al., 2001, p. 162.
BOTEGA et al., 2004, p. 107.
135
FREUD, [1915-1920], 2006. p. 99-122.
95
Kapczinski, Chachamovich, Schmitt (2001), o conhecimento dos fatores de risco, associado
ao conhecimento dos mitos sobre o suicídio e da clínica do suicídio, mostra-se essencial para
se tomar a conduta mais adequada para o caso136.
Ainda com relação aos fatores de risco de suicídio pouco assinalados pelos
sujeitos investigados, merece destaque a questão do alcoolismo (4 dos 12 sujeitos
investigados marcaram esta alternativa), já que dentre os Transtornos Mentais associados ao
risco de suicídio, o transtorno relacionado ao uso de álcool é apontado como o segundo
transtorno mais relacionado com mortes por suicídio, estabelecendo-se uma relação de 50 %
dos casos de suicídio em diversos países, inclusive no Brasil.137 É comum estar associado a
transtornos de humor e de personalidade e mesmo assim o abuso de álcool é considerado por
si só um importante fator preditor de suicídio, pois “muitos suicídios dão-se na vigência da
embriaguez, a qual prejudica o julgamento e controle da impulsividade.”138 Segundo Meleiro
e
Tung Teng (2004), no caso da bebida alcoólica, “como o padrão de uso é muito
influenciado pela cultura e religião vigentes em diversos países, esse fator de risco é um
candidato importante para abordagens incisivas nos programas de prevenção do suicídio”139.
Diante das considerações mencionadas, está a importância de os profissionais da saúde que
atendem casos que envolvem risco de suicídio reconhecerem o alcoolismo como importante
fator de risco, ainda mais que este pode passar despercebido em razão da aceitação cultural do
uso da bebida alcoólica, conforme enfatizam os autores destacados.
Uma decorrência da provável carência de conhecimento, pela maior parte dos
profissionais da saúde investigados, em torno de fatores de risco ligados a condições médicas,
fatores psicológicos e sócio-demográficos de risco do suicídio, apresentados pelos manuais de
prevenção do suicídio da OMS e do MSB, talvez seja o despercebimento dos riscos de
suicídio e conseqüente inviabilidade da realização do manejo precoce como possibilidade de
prevenção.
136
KAPCZINSKI, et al., 2001, p. 159.
MELEIRO; TENG, 2004, p. 119.
138
BOTEGA et al, 2004, p. 115.
139
MELEIRO; TENG, 2004, p. 120.
137
96
Tabela 18 - Identificação de fatores de risco do suicídio
Categoria
Identificação
de fatores de
risco do
suicídio
Subcategoria
Homens
cometem mais
suicídio que
mulheres
Pessoas que
vivem sozinhas
dificilmente
cometem
suicídio
Entre os casos
de dependência
química, o
alcoólatra é
quem apresenta
maior risco
Muitos suicídios
são cometidos
por pessoas
idosas
A depressão
está ligada ao
risco de suicídio
Esquizofrenia
indica risco de
suicídio
Sempre
observar risco
de suicídio em
casos de
Transtorno de
Personalidade
S1
S2
S3
S4
S5
S6
S7
x
x
S8
S9
S10
S11
S12
Ocor
x
x
4
x
2
x
x
x
2
-
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
11
x
7
x
7
Fonte: elaboração da autora, 2008
Desta outra tabela sobre fatores de risco de suicídio, pode-se mais uma vez
perceber o reconhecimento do risco de suicídio ligado à condição da presença de Transtornos
Mentais. Como respostas mais assinaladas novamente aparece o transtorno depressivo em
quase totalidade das respostas dos sujeitos pesquisados, e, seguidamente a esquizofrenia e os
transtornos de personalidade, marcados por 7 dentre os 12 respondentes. Nenhum profissional
marcou como fator de risco a condição de ser idoso e poucos reconhecerem o fato de homens
cometerem mais suicídios que mulheres. Contudo, vale mais uma vez ressaltar o fato de,
muito embora os profissionais assinalarem diferentes transtornos psiquiátricos como fatores de
risco de suicídio, não reconhecem a dependência química por álcool como fator de risco, não
obstante seja referenciado como importante fator preditor. Da tabela em referência, pode-se
observar que nem mesmo as psiquiatras referendam o disposto sobre o alcoolismo nos
97
manuais de prevenção em menção e, de acordo com a tabela 17, apenas uma delas assinala a
alternativa referente ao alcoolismo como fator de risco.
Sobre a não indicação de importantes fatores de risco de suicídio por muitos dos
profissionais investigados é possível avaliar a implicação desta limitação do conhecimento
acerca dos fatores de risco modificáveis e dos fatores de risco não modificáveis no manejo
realizado nos casos que envolvem risco de suicídio como possibilidade de prevenção. Meleiro
e Tung-Teng (2004) afirmam que “a chance de suicídio aumenta proporcionalmente, isto é,
quanto mais fatores de risco estiverem presentes, maior a possibilidade dando indícios de uma
maior gravidade e uma necessidade de maiores cuidados” (p.111). No entanto, há uma
classificação para os fatores de risco de suicídio em fatores modificáveis e fatores nãomodificáveis. Para essas autoras, alguns fatores de risco de suicídio, como os fatores sóciodemográficos, tais como idade (maior risco para jovens ou idosos) e sexo (homens cometem
mais suicídio e mulheres tentam mais e consumam menos o ato) não são passíveis de
modificação ou outros tais como a história pregressa, dificuldades financeiras e desemprego
são muitas vezes fatores de difícil modificação, pelo menos em curto prazo. Contudo, se
associados a outros fatores, podem indicar uma maior gravidade do caso, daí a importância
em reconhecê-los. Já fatores de risco modificáveis, como presença de meios de acesso para o
cometimento do suicídio, como arma de fogo, corda, veneno no domicílio ou a ocorrência de
transtorno mental são fatores, passíveis de intervenções que podem produzir alteração em
curto prazo, minimizando-se o risco da possibilidade de ocorrências de suicídio. Portanto,
como muitos dos sujeitos investigados deixaram de assinalar fatores de risco modificáveis e
fatores de risco não modificáveis, é possível pensar numa provável limitação da intervenção
profissional a partir da pouca identificação de tais fatores de risco de suicídio.
4.2.4 Manejo e Intervenções realizadas nos casos que envolvem risco de suicídio
A partir da compreensão de que muito embora, “nem todos os casos de suicídio
poderão ser prevenidos, mas a habilidade em lidar com ele faz a diferença, pois milhares de
vidas poderão ser salvas todos os anos se todas as pessoas que tentaram suicídio forem
adequadamente abordadas e tratadas”
140
140
é que se passa a apresentar as ações e intervenções,
MELEIRO, SCALCO E MELLO - SANTOS, 2004, P. 172.
98
que constituem o manejo realizado como medida de prevenção do suicídio, apontadas pelos
profissionais da saúde investigados.
Esta seção inicia-se com apresentação das informações dos profissionais da saúde
investigados referentes à presença e freqüência deste tipo de fenômeno no cotidiano
profissional e, após, a apresentação dos dados relativos às condutas, procedimentos e
intervenções que os sujeitos de pesquisa afirmam realizarem ao se depararem com os casos
que envolvem risco de suicídio.
Tabela 19- Já se deparou com casos que envolvem risco de suicídio na prática profissional.
Categoria
Já se deparou
com casos que
envolvem risco
de suicídio na
prática
profissional
Subcategoria S1
Sim
Não
S2
S3
S4
S5
S6
S7
S8
S9
S10
S11
S12
Ocor
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
11
X
1
Fonte: elaboração da autora, 2008.
Como é possível perceber, o suicídio é um fenômeno presente em quaisquer dos níveis
de atenção à saúde, de maneira que independentemente do local, cargo ou formação profissional,
somente um dos respondentes revelou não ter se deparado com algum caso que envolvia risco de
suicídio na sua trajetória profissional. Tal constatação vai ao encontro da justificativa de proposição
dos três Manuais de Prevenção do Suicídio investigados, com vistas para atingir tanto os
profissionais do nível básico, média complexidade e alta complexidade de atenção à saúde.
Contudo, como destacado por Pfützenreuter (2006, p.76-77), o sujeito que apresenta
comportamento suicida é atendido por diversos profissionais da saúde, em diferentes instituições e
níveis de atenção à saúde e ainda assim consegue morrer. A pesquisadora aventa o fato de tais
instituições não formarem uma rede de assistência ao sujeito suicida, por não serem interligadas
entre si e nem conhecerem tal população. Contemplando-se as observações de Pfützenreuter (2006)
e levando-se em conta o fato de 11 dos 12 profissionais da saúde pesquisados revelarem já ter se
deparado com casos que envolvem risco de suicídio é que se ressalta a necessidade desses
profissionais da saúde estarem capacitados para intervir, de maneira que possam oferecer um
atendimento adequado ao paciente em risco de suicídio.
99
Tabela 20- Freqüência com que se depara com casos que envolvem risco de suicídio na
prática profissional
Categoria
Subcategoria
S1
S2
S3
S4
S5
S6
S7
Diariamente
Freqüência
com que se
depara com
casos que
envolvem
risco de
suicídio na
prática
profissional
S9
S10
S11
S12
x
1 a 3 casos por
semana
1 a 3 casos por
mês
x
x
Ocor
1
x
x
x
1 caso por mês
1 caso a cada
dois ou três
meses
1 caso a cada
seis meses
Foram raras as
vezes com que
me deparei
Nunca me
deparei
S8
x
4
x
3
-
x
x
x
x
Outros
2
1
x
2
*
1
Fonte: elaboração da autora, 2008.
* S4 esclareceu: “profissionalmente não, só na vida”
Sobre a freqüência com que os profissionais da saúde pesquisados descreveram
deparar-se com casos que envolvem risco de suicídio na prática profissional, é possível
observar que os profissionais do nível de atenção básica à saúde revelaram menor freqüência
de atendimentos de pacientes com esse tipo de risco (“1 caso a cada seis meses”, “raras as
vezes com que me deparei” e “nunca me deparei”) . Já os que exercem atividade em nível de
atenção à saúde de média e alta complexidade revelaram se deparar com casos que envolvem
risco de suicídio com freqüência elevada (“diariamente”; “1 a 3 casos por semana” e “1 a 3
casos por mês). Somente uma enfermeira do Hospital Geral (alta complexidade) revelou se
deparar com casos que envolvem risco de suicídio em torno de uma vez a cada seis meses e
uma enfermeira do Programa de Saúde Mental (média complexidade) revelou nunca ter se
deparado com esse tipo de caso. Contudo vale referir que esta última está exercendo atividade
no citado Programa de Saúde Mental há apenas 3 meses e o fenômeno foi apontado com maior
ocorrência por suas colegas de local de trabalho. Há ainda que referir que, dentre as
alternativas elencadas, as de média freqüência (“1 caso por mês” e “1 caso a cada dois ou três
meses”) não foram assinaladas.
100
Deste modo, pode-se observar a necessidade dos profissionais de média e alta
complexidade estarem capacitados para realização do manejo dos casos que envolvem risco
de suicídio, ante a considerável freqüência com que revelaram se deparar com esse tipo de
caso. O que não quer dizer que os profissionais da saúde de atenção básica não tenham que se
preparar para tanto, em razão da baixa freqüência por eles revelada, uma vez que existe a
possibilidade desses casos não estarem sendo reconhecidos por estes profissionais do nível
básico de atenção à saúde, possivelmente por sua atuação ser mais generalista e por estes
profissionais pesquisados terem revelado o reconhecimento do fenômeno do suicídio à
questão da doença mental. Seja porque referiram, basicamente, como motivos que levam uma
pessoa a tentar se matar “estar mentalmente doente” (Tabela 16) ou, em relação aos fatores
de risco, o fato do suicídio ligado ao estado depressivo (Tabela 17 e 18), revelando, ainda,
como intervenção “sempre encaminhar o paciente que apresenta risco de suicídio para
avaliação psiquiátrica” (Tabela 24). E as decorrências da percepção dos profissionais de
atenção básica à saúde investigados para o manejo dos casos que envolvem risco de suicídio
pode ir além da não detecção precoce do comportamento suicida. O despreparo da equipe de
atenção básica para acompanhar mais proximamente o paciente que fora atendido em média e
alta complexidade, e que retorna para o acompanhamento pela equipe de atenção básica em
saúde, como recomendado pelo Sistema de Saúde vigente, é um dos exemplos desse tipo de
decorrência.
Tabela 21- Intervenção realizada ante a situação de ideação suicida
(continua)
Categoria
Intervenção
realizada
ante a
situação de
ideação
suicida
Subcategoria
Internar
Encaminhar para
profissional da saúde
mental
Tirar essa idéia da cabeça
do paciente, mostrandolhe que esse não é o
melhor caminho para
resolver seus problemas
S1
S2
x
x
S3
S4
x
x
S5
S6
S7
S8
S9
x
x
x
x
x
x
x
x
S10
S11
x
S12
x
Ocor
2
x
x
8
x
7
101
(conclusão)
Intervenção
realizada
ante a
situação de
ideação
suicida
Não dar confiança para
não estimular esse tipo
de comportamento
Avisar a família, sem o
paciente saber
Desviar o assunto,
porque falar sobre
suicídio pode aumentar
o risco de o paciente
pensar em se matar
Escutar o paciente, sem
julgar suas atitudes
Antes de tomar
qualquer atitude,
sempre informar o
paciente sobre o que se
pensa que deve ser feito
e pedir permissão a ele
Procurar estimular o
paciente para que ele
fale sobre o que está
acontecendo com ele,
demonstrando estar
disponível para ouvi-lo
Não tomar nenhuma
atitude em relação ao
paciente, mas anotar no
prontuário, para o
profissional
responsável fazer o que
deve ser feito
Fazer um pacto com o
paciente, no qual ele se
comprometa em não
cometer o suicídio sem
antes entrar em contato
comigo
Na verdade, não me
sinto capacitado para
tomar qualquer atitude
em relação a esse
paciente
Discutir o risco de
suicídio com outros
profissionais que
trabalham comigo, para
que possa dividir a
responsabilidade e
aumentar a
possibilidade de
cuidado ao paciente.
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
1
x
x
x
4
x
x
x
x
x
x
9
x
7
x
8
x
x
1
1
-
x
x
x
Outro
Fonte: elaboração da autora, 2008.
* S8 acrescentou: procuro passar para o cliente o carisma, amor e atenção
x
*
x
x
x
7
1
102
Sobre a categoria “Intervenção realizada ante a situação de ideação suicida”, é
importante, primeiramente, salientar que essa categoria diz respeito às intervenções que
devem ser realizadas de forma condizente com o grau de risco relativo à ideação suicida, que
se constitui na “alteração no conteúdo do pensamento que se caracteriza por apresentar,
basicamente, idéias recorrentes e/ou permanentes de perda de vontade de viver, desejo de
estar morto, desejo de acabar com a própria vida e desejo de autodestruição. Constitui-se na
motivação intelectual para o suicídio. O chamado plano suicida (plano de execução do ato
suicida) estabelece-se na evolução da ideação suicida”141. E sobre como intervir diante desta
modalidade de comportamento suicida, a maior parte dos profissionais da saúde pesquisados
assinalaram, em acordo com o que recomendam os Manuais de Prevenção do suicídio, em
primeiro lugar “escutar o paciente, sem julgar suas atitudes” (9 dentre os 12 sujeitos
pesquisados indicaram essa alternativa); em segundo lugar “procurar estimular o paciente
para que ele fale sobre o que está acontecendo com ele, demonstrando estar disponível para
ouvi-lo” (8 responderam, dentre os 12 sujeitos pesquisados); em terceiro lugar “antes de
tomar qualquer atitude, sempre informar o paciente sobre o que se pensa que deve ser feito e
pedir permissão a ele” e em quarto lugar “discutir o risco de suicídio com outros profissionais
que trabalham comigo, para que possa dividir a responsabilidade e aumentar a possibilidade
de cuidado ao paciente” (7 responderam estas duas alternativas, dentre os 12 sujeitos
pesquisados). Os profissionais da saúde pesquisados que assinalaram estas alternativas
parecem demonstrar concordância com o que Meleiro, Botega e Prates (2004), denominam
por “executar a tarefa mais importante, a de escutar, ouvi-los com empatia, com reforços
positivos e numa postura de não-julgamento, tentando preencher uma lacuna criada pela
desconfiança”142.
Contudo, há que se apontar uma incoerência apresentada por três dos sujeitos
pesquisados em relação à comunicação e estabelecimento de confiança no atendimento do
sujeito em risco de suicídio, preconizado pelos manuais de prevenção em referência e pela
literatura apresentada. Como se pode observar em relação aos dados referentes à intervenção
realizada ante a situação de ideação suicida (Tabela 21), S7 e S8 (enfermeiros de hospital
geral) e S12 (técnica em enfermagem do hospital psiquiátrico) assinalaram as alternativas
“antes de tomar qualquer atitude, sempre informar o paciente sobre o que se pensa que deve
ser feito e pedir permissão a ele” ao passo que, também assinalaram a alternativa “avisar a
família, sem o paciente saber”. Deste modo, S7, S8 e S12, primeiramente parecem acordar
141
142
KAPCZINSKI, et al., 2001, p. 149.
MELEIRO; BOTEGA; PRATES, 2004, p. 176.
103
com o que os manuais investigados enfatizam sobre a importância de que sempre seja pedida
a permissão ao paciente para recrutar quem possa ajudá-lo, procurando-se, dentro do possível,
preservar o sigilo e, após, em contradição, afirmam abandonar tal preservação. É possível se
pensar que a atitude de “avisar a família, sem o paciente saber” assinalada, por S7, S8 e S12,
vai além da questão ética em relação ao sigilo, podendo implicar no prejuízo do manejo como
possibilidade de prevenção. Pensa-se que diante da quebra de sigilo, é possível que o paciente
se sinta desamparado e desrespeitado, e que disto decorra a quebra de confiança do paciente
não somente com o profissional, mas com toda a expectativa deste para com o tratamento e
serviço de saúde, o que talvez mostre, mais uma vez, que a solução seja dar fim à vida. Por
isto, possivelmente, que os manuais pesquisados conferem destaque ao aspecto do sigilo.
Além disso, sobre as alternativas marcadas pelos sujeitos pesquisados e que não
condizem com o disposto pelos manuais de prevenção do suicídio da OMS e do MSB, a
alternativa mais assinalada foi “tirar essa idéia da cabeça do paciente, mostrando-lhe que esse
não é o melhor caminho para resolver seus problemas” (7 dos 12 sujeitos pesquisados
marcaram esta alternativa). É possível pensar que este tipo de atitude do profissional em tentar
“tirar essa idéia da cabeça do paciente” pode se mostrar em oposição ao recomendado pelos
manuais de prevenção da OMS e do MSB e da literatura consultada, no que diz respeito à
empatia. Essa alternativa assinalada pelos sujeitos da pesquisa pode significar a não
compreensão do sentimento de desesperança, incutindo-se a desresponsabilização do sujeito
sobre a condução da própria vida. Uma recomendação dos Manuais de prevenção do suicídio,
neste caso é de poder ajudar o sujeito a lembrar e falar de como problemas anteriores foram
resolvidos sem recorrer ao suicídio143, diferente de contradizê-lo. Neste sentido, Freud alerta,
no texto Luto e Melancolia (1917), que contradizer os pacientes auto-agressivos não funciona
terapeuticamente. Em suas palavras, esses pacientes estão “descrevendo algo que
efetivamente corresponde ao que vêem”
144
. Ou seja, não adianta tentar convencer o paciente
que o suicídio não é a melhor solução, pois seu pensamento está constrito, como o modelo de
visão em túnel. Daí a necessidade da atitude empática do profissional, para que o paciente
possa se sentir compreendido. Assim, o que se mostra possível em ser feito é oferecer
alternativas ao suicídio, sendo o próprio tratamento uma possível oferta ao paciente .
Carvalho (1996), com experiência de atendimento desses casos, afirma em artigo
reflexivo, a importância de se verbalizar ao paciente que está em risco de suicídio a própria
limitação do profissional em impedir a ocorrência do suicídio, responsabilizando-o pela
143
144
BRASIL, 2006, p. 64.
FREUD, [1915-1920], 2006, p.106.
104
escolha, e ao mesmo tempo colocando-se disponível para ajudá-lo a superar essa condição. A
citada autora compartilha sua experiência no sentido que esta lhe tem mostrado que
contradizer os pacientes nesses casos é inútil, observando que a minoração ou não aceitação
dos sentimentos destrutivos do paciente implica na acentuação destes, revelando como
procura atuar nos casos em referência:
Em algum momento do processo terapêutico eu verbalizo que é seu direito escolher
entre a vida e a morte, que eu respeito a sua decisão de se matar se essa for a única
solução. Eu digo que ele certamente sabe como fazê-lo, como todos nós sabemos, e
que a vida é sua e que ele é responsável por ela. Mas que se ele quiser ajuda para
viver melhor, encontrar alternativas, direcionar positiva e produtivamente sua
agressividade, melhorar sua auto-estima, buscar novos relacionamentos ou outras
possíveis saídas, eu estou à disposição. 145
Parece que a intervenção descrita por Carvalho (1996) apresenta uma postura
empática (compreensão do sofrimento do paciente), disponibilidade do profissional e
responsabilização do sujeito pela decisão sobre a própria vida. Contudo, pensa-se
desnecessário expressar ao sujeito que respeita a decisão de se matar. Imagina-se que isto
pode parecer ambíguo para o sujeito, já que os esforços do profissional são no sentido de que
isso não aconteça. Ainda, vale salientar que a autora descreve sua intervenção a partir de uma
experiência em psicologia clínica no atendimento de casos com risco de suicídio, e que para
muitos profissionais da saúde a dificuldade pode residir na escolha ou detecção “do momento
do processo terapêutico”, aludido pela autora.
Sobre a distinção da responsabilidade do profissional e a do sujeito em risco de
suicídio, Gabbard (2006) afirma que é fundamental que o terapeuta não se coloque no papel
de salvador, aceitando as solicitações intermináveis dos pacientes que apresentam
comportamento suicida, eximindo-os da responsabilidade sobre sua própria vida. Para o autor,
os profissionais devem diferenciar a responsabilidade deles da do paciente. Dos pacientes
deve ser a responsabilidade de decidir se irão cometer o suicídio ou se irão se engajar no
tratamento para compreenderem seu desejo de morrer. Portanto, ao assinalarem a questão
“tirar essa idéia da cabeça do paciente, mostrando-lhe que esse não é o melhor caminho para
resolver seus problemas”, parece que esses profissionais investigados não estão cientes da
distinção destas responsabilidades, o que pode dificultar o estabelecimento de uma relação de
confiança, por meio da empatia, necessárias para realização do manejo dos casos que
145
CARVALHO, Maria Margarida M. J. de. Suicídio: a morte de si próprio. In: BROMBERG, Maria Helena
Pereira Franco; KOVÁCS, Maria Júlia; CARVALHO, Maria Margarida M. J. de; CARVALHO, Vicente A. de
Carvalho. Vida e Morte: laços da existência. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1996, p. 77-98, p. 92.
105
envolvem risco de suicídio. Além de poder produzir uma sensação de sobrecarga ao
profissional, que pode se sentir responsável sobre as decisões tomadas pelo paciente.
A alternativa “encaminhar para profissional da saúde mental”, assinalada por 8
dos 12 sujeitos pesquisados merece também algumas considerações. Em relação ao Manual de
Prevenção do Suicídio dirigido a Médicos Clínicos Gerais, da OMS, as “Idéias suicidas” são
classificadas de acordo com a gradação exposta neste manual, como Grau 5 de risco de
suicídio e podem vir associadas a transtornos psiquiátricos ou fatores estressores graves.
Quando aparecem com esta associação, segundo este manual, deve-se encaminhar o paciente
para avaliação do psiquiatra. Caso contrário, se a ideação suicida não aparece associada a
Transtorno psiquiátrico, o plano de ação fica na exploração de possibilidades e de
identificação de suporte. Já os Manuais de Prevenção do Suicídio dirigido a Profissionais da
Saúde em Atenção Primária, da OMS e o dirigido aos Profissionais das Equipes de Saúde
Mental, do MSB classificam como baixo o risco apresentado pelo sujeito que refere ter alguns
pensamentos suicidas, como: “Eu não consigo continuar”, “Eu gostaria de estar morto”, mas
que não fez nenhum plano. Nestes casos, tais manuais recomendam o encaminhamento do
paciente para um profissional de saúde mental ou a um médico somente se o profissional da
saúde que o atendeu não conseguir identificar uma condição tratável e/ou o sujeito não
demonstrar melhora; não conseguir refletir sobre sua condição. Ainda, o Manual de
Prevenção do Suicídio dirigido aos Profissionais das Equipes de Saúde Mental, do MSB –
apresenta a seguinte ressalva “Nem todos os pacientes com pensamentos suicidas serão
encaminhados aos serviços especializados, portanto esses pacientes com baixo risco não
deverão ser a maioria nesses serviços.”
Em relação à classificação de médio risco de suicídio, no qual o sujeito apresenta
pensamentos e planos, mas não tem planos de cometer suicídio imediatamente, os Manuais de
Prevenção do Suicídio dirigido Profissionais da Saúde em Atenção Primária, da OMS e o
dirigido aos Profissionais das Equipes de Saúde Mental, do MSB já recomendam o
encaminhamento aos profissionais da saúde mental. Portanto, de acordo com os manuais de
prevenção do suicídio em destaque, a ideação suicida deve ser avaliada conjuntamente com
outros fatores para estabelecer a necessidade ou não de encaminhamento ao profissional da
saúde mental. Como afirmam Kapczinski, Chachamovich e Schmitt (2001) “a presença de
uma ideação suicida constitui um risco de suicídio que deve ser obrigatoriamente avaliado e
quantificado, levando-se em consideração os comemorativos da situação: presença de um
plano, tipo de plano, co-morbidades, tentativas prévias, tentativa atual, etc” (p.150). Contudo
não se especificou no questionário para os sujeitos pesquisados qualquer tipo de associação,
106
tratando-se simplesmente de “ideação suicida”. Ainda assim, pode-se perceber algumas
intervenções que foram assinaladas que denotam um certa inadequação para situação de
ideação suicida, como por exemplo “por medida de precaução, internar”, assinalada por um
enfermeiro e um técnico de enfermagem do hospital psiquiátrico.
Outro aspecto pode ser considerado em relação ao encaminhamento ou não do
sujeito com ideação suicida aos profissionais da saúde mental, é que estes últimos revelaram
ter um conhecimento acerca do fenômeno do suicídio e do manejo dos casos que envolvem tal
risco mais próximo do preconizado pelos manuais de prevenção e pela literatura destacada. E
neste sentido, talvez o encaminhamento ao profissional ou à instituição de saúde mental pode
realmente se apresentar como medida que ofereça maior garantia de melhores condições de
atendimento ao paciente que apresenta ideação suicida ou outras modalidades de
comportamento suicida. Ainda mais, num momento em que ainda se está no início do
desenvolvimento de uma política de prevenção do suicídio e do próprio sistema de saúde –
SUS - como um sistema voltado para a resolução das questões da saúde na atenção básica,
com a proposta de matriciamento. Então, é possível pensar que, diante da realidade de que
muitos municípios ainda não possuem CAPS instituído ou equipes de matriciamento em
saúde mental para as equipes de PSF e em que não há educação e aperfeiçoamento continuado
aos profissionais da saúde, conforme preconizado pelas diretrizes do Ministério da Saúde do
Brasil, talvez uma das alternativas seja realmente o encaminhamento aos profissionais
especializados em saúde mental, enquanto os profissionais dos outros níveis de atenção à
saúde não estiverem preparados para manejar casos que envolvam risco de suicídio, de
maneira que, o manejo por parte desses profissionais implicará capacitações específicas para
tal.
É importante ainda referir da Tabela 21, sobre possíveis intervenções realizada
ante a situação de ideação suicida, o assinalamento da questão “discutir o risco de suicídio
com outros profissionais que trabalham comigo, para que possa dividir a responsabilidade e
aumentar a possibilidade de cuidado ao paciente” por 7 dos 12 sujeitos pesquisados. Trabalhar
em equipe vai ao encontro não somente do que dispõem os manuais investigados acerca da
possibilidade de cuidado ao paciente e do alívio da possível sobrecarga e insegurança do
profissional de saúde, mas fundamentalmente da política de saúde que preconiza a
interdisciplinaridade como método de trabalho. Neste sentido, se os profissionais tivessem
levado em consideração a política de saúde preconizada pelo SUS, provavelmente todos os
sujeitos teriam assinalado esta alternativa.
107
Outro ponto a ser observado, que aparece na tabela 21 é o fato de apenas S6
(psiquiatra do programa de saúde mental) ter assinalado as alternativas “perguntar se o
paciente já sabe quando e como pretende cometer o suicídio” e “fazer um pacto com o
paciente, no qual ele se comprometa em não cometer o suicídio sem antes entrar em contato
com o profissional”. Tais alternativas são recomendações enfatizadas pelos manuais de
prevenção do suicídio da OMS e do MSB, sendo considerada a primeira como necessária para
avaliação do grau de risco de suicídio e, a segunda, como possibilidade de intervenção na
situação de ideação suicida com o objetivo de se ganhar tempo até conseguir ajuda
especializada ou até que as medidas tomadas comecem a dar resultado. Quanto à alternativa
“perguntar
se o paciente já sabe quando e como pretende cometer o suicídio”, segundo
Meleiro, Scalco e Mello-Santos (2004), trata-se de um dos aspectos fundamentais a serem
investigados no sentido de realizar uma estimativa criteriosa do risco do suicídio, necessária
para escolha do tipo de tratamento e cuidados a serem seguidos. Segundo os autores, na
entrevista de avaliação do risco deve-se perguntar ao paciente “sobre a presença de ideação
suicida, avaliar se tem um plano definido e investigar se possui os meios (método) e verificar
se há uma data para cometer o suicídio”146. A partir desses questionamentos, de acordo com
os autores destacados, o profissional poderá avaliar o grau de risco de suicídio, por meio da
apreciação do grau de letalidade e acessibilidade ao método, grau de impulsividade e de
detalhamento do planejamento e grau da iminência de ocorrência do ato suicida (se há uma
data pré-definida).
Em que pese a importância de questionar ao paciente que manifesta a ideação
suicida sobre o plano suicida, conforme recomendado pela literatura destacada e pelos
manuais de prevenção analisados, quase que a totalidade dos profissionais investigados
demonstraram não conhecer a necessidade deste tipo de investigação para avaliação do risco
do suicídio e conseqüente conduta a ser tomada. Como decorrência do desconhecimento deste
tipo de avaliação por parte dos profissionais da saúde, é possível pensar numa apreciação
equivocada do grau de risco de suicídio, bem como na conseqüente escolha inadequada da
conduta terapêutica a ser efetivada, inviabilizando-se, possivelmente, o manejo eficaz para
prevenção do suicídio.
146
MELEIRO, Alexandrina; MELLO-SANTOS, Carolina de; SCALCO, Andréia Z. Abordagem Médica da
tentativa de suicídio. In MELEIRO, Alexandrina; TENG, Chei Tung; WANG, Yan Pang. Suicídio: estudos
fundamentais. São Paulo: Segmento Farma, 2004. p. 157-174, p. 165.
108
Tabela 22- Manejo e possibilidade de Prevenção do Suicídio.
Categoria
Subcategoria
A prevenção é
possível, porque
quem tenta se
matar, possui ao
mesmo tempo
vontade de morrer
e de viver
Quando o paciente
já tem plano de
como vai se
suicidar, para
avaliar o risco,
deve-se perguntar
quando ele
pretende fazer isso
Sempre
encaminhar o
paciente que
apresenta risco de
suicídio para
avaliação
Manejo e
psiquiátrica
possibilidade
Sempre é possível
de
prevenir o suicídio
Prevenção
do suicídio
Não deixar o
paciente que
apresenta risco
sozinho e orientar
familiares neste
sentido
Estimular o
paciente que
manifesta a
vontade de se
matar a falar sobre
isso
Orientar a família
para discretamente
remover meios de
acesso (cordas,
facas, armas,
medicamentos),
sem que o paciente
perceba
Outro
Fonte: elaboração da autora, 2008.
S1
x
S2
S3
S4
S5
S6
S7
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
S8
S9
S10
S11
x
S12
Ocor.
x
8
2
x
x
x
x
x
x
x
11
x
4
x
11
x
5
x
x
8
-
Sobre a categoria “manejo e possibilidade de prevenção”, destaque-se que os
sujeitos pesquisados apontaram, em primeiro lugar (11 dos 12 respondentes) as alternativas
“sempre encaminhar o paciente que apresenta risco de suicídio para avaliação psiquiátrica” e
“não deixar o paciente que apresenta risco sozinho e orientar familiares neste sentido”. E, em
segundo lugar (8 dos 12 respondentes), as alternativas “a prevenção é possível, porque quem
109
tenta se matar possui ao mesmo tempo vontade de morrer e de viver” e “orientar a família
para discretamente remover meios de acesso (cordas, facas, armas, medicamentos)”.
É possível referir que os 11 dos 12 sujeitos investigados, ao assinalarem a
alternativa que “sempre se deve encaminhar o paciente que apresenta risco de suicídio para
avaliação psiquiátrica”, podem estar demonstrando determinada coerência, já que relacionam
o risco de suicídio à presença de transtorno mental (Tabelas 16, 17, 18) e procedem o
encaminhamento ao médico psiquiatra, apesar do encaminhamento ao psiquiatra não ser
recomendado pelos Manuais de Prevenção da OMS e do MSB em todos os casos que
envolvem risco de suicídio, principalmente naqueles em que seja identificado baixo risco, sem
a presença de transtorno mental. Contudo, vale destacar que os sujeitos da pesquisa que
trabalham no nível básico de atenção à saúde parecem apresentar dificuldades em perceber o
suicídio como uma condição de sofrimento (Tabela 16) e, além disso, identificam apenas
alguns dos importantes fatores de risco (tabelas 17 e 18), o que parece estar relacionado a uma
provável dificuldade em manejar casos de risco de suicídio, apesar das considerações dos
manuais na manutenção do atendimento dos casos que envolvem baixo risco de suicídio na
atenção básica.
Portanto, a recomendação do manual na manutenção do atendimento dos casos
que envolvem baixo risco de suicídio na atenção básica mostra-se questionável, já que, dos
profissionais investigados, somente as psiquiatras - S6 e S10 (profissionais pesquisados com
formação na área da saúde mental e que atuam em média e alta complexidade)- parecem
conhecer o suicídio em conformidade com o preconizado pelos manuais de prevenção do
suicídio da OMS e do MSB, já que associam o suicídio à questão do sofrimento (tabela 16) ,
procuram se aperfeiçoar por meio de outras fontes de informação para além do curso de
formação profissional (tabelas 14 e 15), reconhecem mais fatores de risco que os outros
profissionais investigados (Tabela 17 e 18), não assinalam nenhum dos mitos sobre o suicídio
(Tabela 23) e, apesar de S10 não assinalar todas as alternativas relativas às intervenções que
devem ser realizadas em conformidade com os manuais de prevenção do suicídio, S6 e S10
não assinalam nenhuma das alternativas que está em desacordo com estes manuais (Tabela
21, 22). Outrossim, mostra-se apropriado relacionar o que Silva e Boemer (2006),
encontraram a respeito do preparo dos profissionais da saúde para atuar em casos que
envolvem risco de suicídio, na pesquisa intitulada “O suicídio em seu mostrar-se a
profissionais de saúde”. As pesquisadoras entrevistaram profissionais médicos residentes de
Psiquiatria e do Programa de Saúde da Família, enfermeiros sem especialização na área e
110
auxiliares de enfermagem que trabalham na Clínica Psiquiátrica de uma Unidade de
Emergência e referem que
Da análise dos depoimentos, pudemos compreender que o estudo abre perspectivas
para introduzir, na área de saúde mental, profissionais especializados. É visível a
diferença do significado atribuído ao suicídio por médicos (especializados e em
especialização) e por enfermeiros e auxiliares que não apresentam especialização
psiquiátrica. A especialização possibilita aos profissionais lidar melhor com os
preconceitos e dificuldades, abrindo, assim, perspectivas para um melhor cuidado às
pessoas que não vêem sentido na própria vida.147
Isto é, as citadas pesquisadoras constataram que, dentre os profissionais da saúde
que foram investigados, aqueles com formação na área da saúde mental, apresentam uma
visão diferenciada do suicídio, e com maiores condições para atuar nesses casos.
Ainda, com relação ao manejo dos casos que envolvem risco de suicídio, no que
diz respeito ao acionamento da rede e suporte familiar do sujeito, em concordância com o
preconizado nos manuais investigados, 11 dos 12 sujeitos assinalaram “não deixar o paciente
que apresenta risco sozinho e orientar familiares neste sentido”. No entanto, há um outro
ponto referido pela literatura consultada que deve ser lembrado sobre a orientação aos
familiares. Refere-se à avaliação se a família está ou não em condições de oferecer um
suporte para o sujeito que está em risco de suicídio. Muitas vezes a própria família está em
sofrimento pelas mesmas condições que podem estar contribuindo para o paciente estar em
risco de suicídio (condições de miséria, luto, violência, etc), ou, ainda, a família pode ser parte
do que constitui o processo de sofrimento do paciente. Aponte (1984) apud Meleiro, Botega e
Prates (2004), refere que a família suicidogênica seria aquela que promoveria, consciente ou
inconscientemente, desde o oferecimento de meios para consumação (motocicleta, pistola,
álcool, remédios) até situações de tensão, culpa e desvalorização para deflagração do ato
suicida por aquele membro da família “intruso e perturbador”. O autor refere que esses
sujeitos simbolizam através do ato suicida, a negação do amor nunca vivenciado,
possivelmente por experiências infantis tais como perda, luto, separação, violência, que
gerariam muito cedo no sujeito sentimentos de rejeição, culpa, dor, tristeza, impotência e
raiva. Nesses casos, segundo os autores destacados, a família não poderia oferecer proteção ao
sujeito em risco de suicídio. 148.
147
SILVA, Viviane Picinato da; BOEMER, Magali Roseira. O suicídio em seu mostrar-se a profissionais de
saúde. Revista Eletrônica de Enfermagem, Goiânia, v. 06, n. 22, dez. 2006. Disponível em:
<http://revistas.ufg.br/index.php/fen/article/view/822/952> . Acesso em: 27 out. 2008, p.149.
148
MELEIRO; BOTEGA; PRATES, 2004, p. 180.
111
Contudo, em relação ao envolvimento dos familiares, entretanto quando a situação
é favorável ao paciente, isto é, a família apresenta condições de oferecer apoio emocional ao
sujeito que está em risco de suicídio, esta pode em muito contribuir com o manejo da crise
suicida, auxiliando na administração da medicação, na remoção de meios de acesso ao
suicídio do lar, vigilância do paciente, demonstrando ao paciente interesse e contribuição no
tratamento.149
A partir de tais considerações, pensa-se que antes de orientar a família sobre os
cuidados que devem ser oferecidos ao paciente, mostra-se necessário investigar se esta possui
condições para tanto. Segundo Meleiro, Botega e Prates (2004), nos casos em que a família
não apresenta condições de proteção ao potencial suicida, há que se buscar outras
possibilidades em termos de rede social ou de tratamento, como por exemplo, citam os
autores, o auxílio de acompanhante terapêutico, hospitalização do paciente e encaminhamento
da família para acompanhamento psicológico. Contudo, fica a questão sobre quais destas
sugestões dos autores se tem disponível no serviço público de saúde. Isto é, se existem
psicólogos e profissionais especializados para realizar acompanhamento terapêutico,
atendimento aos familiares, bem como hospitais com profissionais e estrutura que possam
oferecer atendimento adequado para o paciente em risco de suicídio.
Ainda, sobre o aspecto referente à orientação familiar, só que em desacordo com o
preconizado nos manuais investigados no que se refere ao sigilo e a informação ao paciente
das medidas que serão tomadas em relação ao seu atendimento, 8 dos 12 sujeitos pesquisados
assinalaram “orientar a família para discretamente remover meios de acesso (cordas, facas,
armas, medicamentos), sem que o paciente perceba”. Ou seja, os profissionais pesquisados
que assinalarem esta alternativa (S1- enfermeira e S2- técnica em enfermagem do posto de
saúde; S4 e S5 - enfermeiras do PSM; S7 e S8 - enfermeiros do hospital geral; S11 e S12 enfermeiro e auxiliar de enfermagem do hospital psiquiátrico) afirmam abandonar a
informação e o pedido de permissão ao paciente, o que talvez possa romper com o vínculo
terapêutico, por meio da desconsideração do sigilo. Neste sentido, Botega e Werlang (2004)
lembram que “o respeito ao princípio do sigilo garante que o profissional de saúde não
divulgará, sem o consentimento do paciente, informações a ele reveladas ou por ele
suspeitadas, quando de seu contato com o paciente.150” Pensa-se que os profissionais que
assinalaram estas alternativas que vão de encontro à quebra do sigilo, demonstram
149
150
MELEIRO; BOTEGA; PRATES, 2004, p. 181.
WERLANG, B.G.; BOTEGA, N. J. Avaliação e manejo do paciente. In WERLANG, B.G.; BOTEGA, N. J.
Comportamento suicida. Porto Alegre: Artmed, Editora, 2004, p. 123-152, p. 128.
112
contradição. Estes profissionais investigados apontam, por um lado, a comunicação indicada
pelos manuais de prevenção do suicídio da OMS e do MSB, para o estabelecimento de
confiança e de promoção de escuta livre, numa postura empática (Tabela 21) e, por outro, a
quebra do sigilo sem a autorização do paciente. E ao suscitar possíveis decorrências dessa
quebra de confiança com o paciente, pode-se inclusive avaliar que a frustração e o sentimento
de traição por parte do paciente podem inclusive conduzi-lo ao ato suicida. Já que, “o
sentimento de raiva pode ser precipitado quando o paciente se sente traído ou abalado por
alguém que era tido como um amigo ou suporte”.151 Neste sentido, recomendam os manuais
de prevenção do suicídio: “cuidado com o sigilo”152 e “negocie com sinceridade, explique e
peça o aval do paciente para todas as medidas que devem ser tomadas”153.
Em relação à possibilidade de prevenção, 8 dos 12 respondentes consideraram que
“a prevenção é possível, porque quem tenta se matar, possui ao mesmo tempo vontade de
morrer e de viver”. Tal percepção vai ao encontro das teorias que enfatizam a ambivalência
do comportamento suicida e da teoria freudiana acerca da pulsão de vida e pulsão de morte.
Conforme Kapczinski, Chachamovich e Schmitt (2001), “a questão da ambivalência deve ser
cuidadosamente avaliada no paciente suicida. Podemos dizer que, como regra geral, todo
paciente com ideação suicida é ambivalente com relação à concretização do seu ato. Se assim
não fosse, ou ele não pensaria nisso, ou já o teria concretizado. Neste sentido, estão
envolvidos, quase que sobrepostos, os sentimentos de desejo, de ajuda, vontade de morrer e
agressividade.”154 E a partir das considerações desses autores, pode-se pensar que tal
informação pode servir para os profissionais da saúde melhor compreenderem a complexidade
do fenômeno e a dinâmica de funcionamento do sujeito que apresenta comportamento suicida,
em termos de sofrimento, de maneira que esse entendimento por parte dos profissionais da
saúde pode facilitar sua postura empática no atendimento dos casos que envolvem risco de
suicídio.
No que se refere à avaliação do risco de suicídio, S6 (psiquiatra do PSM) e S7
(enfermeira do hospital geral) selecionam a alternativa que refere o questionamento ao
paciente em quando pretende cometer o suicídio para avaliar o risco quando o sujeito já
apresenta um planejamento de como vai fazê-lo. Vale ressaltar que S6 já havia apontado
151
152
MELEIRO; BAHLS, 2004, p.28.
BRASIL,2006, p. 55
153
BRASIL,2006, p. 65
154
KAPCZINSKI, et al., 2001, p. 160.
113
como intervenção, ante a ideação suicida, perguntar ao paciente se ele já sabe quando e como
pretende cometer o suicídio (tabela 21). Isto mostra um possível desconhecimento por parte
dos demais profissionais investigados em como proceder na avaliação do risco de suicídio, na
forma como é preconizada pelos manuais de prevenção do suicídio da OMS e do MSB e
literatura correlata.
4.2.5 Mitos sobre o suicídio
Considerando a idéia de que “uma revisão de atitudes e temores em relação ao
comportamento suicida” é de fundamental importância para o profissional realizar um
atendimento adequado nos casos que envolvem risco de suicídio, passa-se a apresentar o que
os profissionais da saúde investigados referiram acerca dos mitos sobre o suicídio, destacados
pelos manuais de prevenção pesquisados.
Tabela 23- Mitos sobre o suicídio
(continua)
Categoria
Mitos sobre
o suicídio
Subcategoria
Quem quer se
matar é egoísta e
não se preocupa
com o
sentimento da
própria família
Quem já tentou
suicídio e não
conseguiu, nunca
mais tenta
A maioria que
tenta se matar,
quer na verdade
só chamar a
atenção
Quem realmente
quer se matar,
mata-se mesmo.
S1
S2
S3
S4
S5
S6
S7
S8
S9
S10
S11
S12
x
1
x
x
x
Ocor
x
x
x
x
1
3
x
x
5
114
(conclusão)
Não perguntar
sobre suicídio ao
paciente
deprimido que
não fala nada
sobre isso para
não oferecer
idéia pra ele.
Pacientes que
falam sobre
suicídio
raramente o
cometem. A
maioria de
suicídios ocorre
sem avisos.
x
x
1
x
x
x
4
Fonte: elaboração da autora, 2008.
Dentre os “mitos sobre o suicídio” o mais assinalado foi “quem realmente quer se
matar, mata-se mesmo”. E os Manuais de Prevenção do Suicídio da OMS e do MSB, bem
como a literatura consultada, rebatem o mito mais assinalado pelos profissionais investigados
com o seguinte argumento: “a maioria dos que pensam em se matar, têm sentimentos
ambivalentes. Essa idéia pode conduzir ao imobilismo terapêutico, ou ao descuido no manejo
das pessoas sob risco. Não se trata de evitar todos os suicídios, mas sim os que podem ser
evitados”.155
Em relação ao segundo mito mais indicado pelos profissionais investigados, qual
seja, “pacientes que falam sobre suicídio raramente o cometem. A maioria de suicídios ocorre
sem avisos”, os manuais destacados e a literatura consultada referem que
[...] os pacientes que cometem suicídio normalmente dão alguma pista ou aviso
antecipadamente. Pelo menos dois terços das pessoas que tentam ou que se matam
haviam comunicado de alguma maneira sua intenção para amigos, familiares ou
conhecidos. As ameaças devem ser levadas a sério. A maioria das pessoas que se
mataram deram avisos de sua intenção. Chegar a esse tipo de recurso indica que a
pessoa está sofrendo e necessita de ajuda156
Neste sentido, vale reforçar que muito embora o suicídio possa ser um ato
impulsivo, cerca de 80% das pessoas avisam sua intenção, 50 % falam sobre essa intenção
abertamente e em torno de 40 % dos suicidas procuram cuidados médicos na semana que
155
BOTEGA, Neuri José; WERLANG, Blanca Guevara. Avaliação e manejo do paciente. In BOTEGA, Neuri
José; WERLANG, Blanca Guevara. Comportamento suicida. Porto Alegre: Artmed, 2004. p. 123-140, p.124.
156
BOTEGA; WERLANG, 2004, p.124
115
antecedeu o suicídio.157 Tais estatísticas vão ao encontro de um outro aspecto ressaltado pelos
manuais: nem todos os suicídios podem ser evitados, porque existem aqueles sujeitos que não
procuram ajuda e partem direto para o ato. Contudo, as estatísticas apresentadas demonstram
que estes casos são a minoria, de maneira que todas as tentativas de suicídio ou mesmo as
tentativas de manipulação por meio da ameaça de suicídio devem ser tomadas a sério.
Conforme Botega e Werlang (2004), “o termo ‘manipulação’, por ser um rótulo que
geralmente leva a condutas clínicas estereotipadas, não deveria constar do vocabulário de
quem trabalha com pacientes potencialmente suicidas”.158 Neste ponto, vale relembrar da
função expressiva das tentativas de suicídio, de maneira que, o fato de algumas pessoas
realizarem tentativas com métodos de pouco teor letal pode ser justificado pela própria
condição da ambivalência, característica do comportamento suicida. Isto é, poder-se-ia
pensar na idéia de que “quem quer se matar, mata-se mesmo” com a seguinte ressalva quem quer somente se matar, mata-se mesmo. Ou seja, se quem tenta se matar, na maior parte
das vezes, quer morrer e viver ao mesmo tempo e, essa condição de também desejar viver é o
que possibilita a prevenção, mostra-se a necessidade do cuidado com este tipo de
generalização, uma vez que “o indivíduo com risco de cometer suicídio deve ser examinado
como uma pessoa única, inserida numa sociedade, vivendo numa circunstância particular de
vida e carregando a sua própria história psicobiológica”159, e para se realizar um manejo
adequado, há que se considerar todos esses aspectos que se refletem de maneira peculiar em
cada sujeito.
Vale ainda salientar que não assinalaram nenhum dos mitos sobre o suicídio os
seguintes profissionais: enfermeira e médico da atenção básica; os três profissionais (2
enfermeiras e 1 psiquiatra) do programa de saúde mental e a psiquiatra do hospital
psiquiátrico. Há outros mitos, tais como “quem quer se matar é egoísta e não se preocupa com
o sentimento da própria família”, “quem já tentou suicídio e não conseguiu, nunca mais
tenta”, “a maioria que tenta se matar, quer na verdade só chamar a atenção” e “não se
pergunta sobre suicídio ao paciente deprimido que não fala nada sobre isso para não oferecer
idéia pra ele” também assinalados por alguns dos sujeitos pesquisados. Os três profissionais
da emergência do hospital geral (2 enfermeiros e um técnico em enfermagem) assinalaram
alguns dos mitos sobre o suicídio, bem como o enfermeiro e a técnica em enfermagem do
hospital psiquiátrico. Dentre os profissionais pesquisados, aquele que considerou quase todos
157
158
KAPCZINSKI, et al., 2001, p. 158.
BOTEGA; WERLANG, 2004, p.123.
159
MELEIRO; BOTEGA; PRATES, 2004, p. 177.
116
os mitos (exceto o “quem já tentou suicídio e não conseguiu, nunca mais tenta”) foi a técnica
de enfermagem do Posto de saúde, que também afirmou nunca ter tido nenhum tipo de
informação em como abordar o paciente e intervir em casos que envolvem risco de suicídio
(tabelas 14 e 15), o que possibilita pensarmos na coerência da falta de informação com o fato
desta profissional reconhecer os mitos como verdades sobre o suicídio. Daí pode-se salientar
a relevância em desmistificá-los entre os profissionais do campo da saúde, como possibilidade
de “desobstruir o caminho para um bom contato interpessoal com o paciente e o
estabelecimento de vínculo terapêutico”.160 Neste sentido, Meleiro, Scalco e Mello-Santos
(2004, p.160); Werlang e Botega (2004, p.124); Holmes (1997, p. 203); Kapczinski et al.
(2001, p.158) e Cassorla (1991, p.159) ressaltam a importância em desvelar os mitos ou
ficções sobre o comportamento suicida como uma forma de evitar a ocorrência de julgamento
subjetivo do profissional em relação ao potencial suicida e de imobilismo terapêutico ou
descuido no manejo dos pacientes em risco de suicídio.
4.2.6 Sentimentos despertados no profissional ao atender paciente em risco de suicídio
A partir da proposição destacada por Meleiro, Botega e Prates (2004) de que as
possíveis diversas respostas emocionais despertadas no profissional de saúde que atende
pessoas com comportamento suicida podem “prejudicar a eficiência no trabalho e também
intervir na vida familiar e pessoal”161 do profissional, é que se buscou inquirir o que os
profissionais pesquisados referem sentir ao atender este tipo de caso. A seguir as respostas
indicadas pelos profissionais da saúde investigados.
160
161
BOTEGA; WERLANG, 2004, p.123.
MELEIRO; BOTEGA; PRATES, 2004, p. 186.
117
Tabela 24 - Sentimentos ao atender paciente em risco de suicídio
Categoria
Subcategoria
Nervoso, por não saber
o que fazer
Preocupado, porque
mesmo sabendo o que
fazer, a
responsabilidade é
muito grande
Com pena, a pessoa
está sofrendo
Raiva, com tantas
pessoas lutando para
viver e alguém
querendo se matar!
Seguro, afinal sinto-me
preparado para atender
Sentimentos
esse tipo de caso
ao atender
Seguro, estou
paciente em acostumado, atendo
risco de
esse tipo de caso com
suicídio
freqüência.
Inseguro, não me sinto
capaz de atender casos
de pacientes que
envolvam risco de
suicídio
Angustiado, procuro
fugir deste tipo de caso.
Fico muito envolvido
emocionalmente, depois
não consigo parar de
pensar na pessoa
Não sei, nunca me
deparei com esse tipo de
caso
Outro
Fonte: elaboração da autora, 2008.
S1
S2
S3
S4
S5
S6
S7
S8
S9 S10 S11
S12
x
Ocor
1
x
x
x
x
x
x
x
x
6
x
3
-
x
x
x
x
3
x
x
2
1
-
-
x
1
-
Sobre como o profissional se sente ao atender pacientes que tentaram o suicídio, o
alternativa mais assinalada foi: “preocupação, porque mesmo sabendo o que fazer, a
responsabilidade é muito grande” (seis dos doze respondentes assinalaram esta alternativa e
são eles: médico clínico geral do posto de saúde; 2 enfermeiras do PSM e psiquiatra,
enfermeiro e auxiliar de enfermagem do hospital psiquiátrico). Não é diferente o sentimento
118
relatado pelos profissionais investigados por Silva e Boemer (2006), na pesquisa intitulada “O
suicídio em seu mostrar-se a profissionais de saúde”. As pesquisadoras puderam constatar que
“muitos dos profissionais percebem as dificuldades de trabalhar com o suicida e,
conseqüentemente, com o suicídio. Há certa preocupação em dar um acompanhamento aos
pacientes realizando assim, um trabalho mais amplo. Surgem, então, sentimentos de culpa,
impotência, frustração, fragilidade e desespero perante o ato autodestrutivo.”162 Das falas de
dois profissionais da pesquisa de Silva e Boemer (2006), quais sejam “o problema daqui é que
mesmo que a gente cuide de um paciente que tentou o suicídio, não sabemos o que vai
acontecer com ele depois que for embora” e “às vezes, eu me sinto mal por não conseguir
ajudar um paciente da maneira que ele precisa”163, juntamente com a resposta assinalada pelos
seis profissionais investigados “preocupação, porque mesmo sabendo o que fazer, a
responsabilidade é muito grande” fica possível relacionar a dificuldade que alguns
profissionais podem apresentar em distinguir a responsabilidade que lhes cabe e a
responsabilidade que é do paciente e de seus familiares, isto é, o limite do que é possível
realizar enquanto profissional, em conformidade com o que já foi apresentado que
Carvalho(1996) e Gabbard (2006) expõem a respeito da distinção e limites do papel do
profissional e do paciente (Tabela 21) .
Por um lado, entende-se que talvez um certo grau de preocupação possa até ser
produtivo, no sentido de os profissionais se mobilizarem em busca de informação e
atualização para atuar nesses casos. E, talvez seja necessário que os profissionais
compreendam que possivelmente essa preocupação não possa ser totalmente aliviada, pela
própria natureza do trabalho em saúde, ainda mais nos casos que envolvem risco de morte do
paciente. E que, além disso, esse sentimento de preocupação possa funcionar como base para
promover a postura empática do profissional. Já que, de acordo com os manuais investigados
“é preciso também estar disponível emocionalmente para lhes dar atenção”164. Neste sentido,
para estar emocionalmente disponível para manejar os casos que envolvem risco de suicídio,
é possível aproveitar os conhecimentos da função da contratransferência e de sua utilização
como possibilidade de instrumento de trabalho do profissional da saúde no atendimento
desses casos:
162
SILVA; BOEMER, 2006, p.149.
SILVA; BOEMER, 2006, p.149.
164
BRASIL, 2006, p. 55.
163
119
o sentimento contratransferencial pode adquirir uma dimensão patogênica, com o
analista perdido e envolvido na situação ou pode ser uma excelente bússola
empática. É importante que o analista possa conviver com naturalidade com os seus
sentimentos contratransferenciais dificílimos (por exemplo, de medo, tédio,
paralisia, impotência, erotização, raiva, etc.) sem sentir vergonha e culpas, de modo
a poder assumir e refletir sobre o que eles representam no vínculo 165 (grifos no
original)
Na mesma direção, já se mencionou Cassorla (1991), que enfatiza a importância
de se capacitar e treinar os profissionais da saúde para lidar com o sofrimento decorrente dos
sentimentos despertados no atendimento desses casos, bem como para aprender a utilizar o
reconhecimento desses sentimentos contratransferenciais como arma diagnóstica166. Neste
ponto, vale referir a importância do profissional da psicologia em se valer de seu
conhecimento para fomentar esse tipo de capacitação e treinamento, supervisão psicológica
ou até mesmo identificação e encaminhamento do profissional para atendimento
psicoterápico.
Contudo, ainda em relação ao sentimento de preocupação assinalado por seis dos
sujeitos investigados, há a necessidade, por outro lado, em se atentar para a saúde destes
profissionais, que podem se sentirem sobrecarregados quando afirmam que “a
responsabilidade é muito grande”. Neste sentido, imagina-se que algumas outras medidas
poderiam ser tomadas, para além da conscientização dos limites de sua responsabilidade e do
treino da utilização da contratransferência já destacados, como forma de oportunizar maior
segurança na conduta profissional e como forma de se promover a saúde desses profissionais.
Pensa-se que a informação e capacitação dos profissionais é inquestionável, como já se
discutiu na Tabela 14. E a discussão e compartilhamento dos casos pela equipe de saúde, bem
como a promoção de espaços de discussão dos sentimentos gerados por esses atendimentos
são medidas que vão ao encontro do preparo técnico destes profissionais. E este aspecto diz
respeito à efetivação da questão da interdisciplinaridade. Pensa-se que é preciso que os
profissionais compreendam que compartilhar os casos atendidos com a equipe de saúde, além
de possivelmente proporcionar uma ampliação do cuidado ao paciente (já que o caso passa a
ser discutido e analisado por diversos profissionais, de diferentes áreas do conhecimento),
também os alivia desta sobrecarga. De acordo com os manuais investigados,
“necessariamente, você também não terá de ‘carregar’o problema da pessoa caso não se sinta
165
166
ZIMERMAN D.E. Vocabulário Contemporânea de Psicanálise. Porto Alegre: Artmed, 2001, p. 87.
CASSORLA, R. M. S. O Impacto dos Atos Suicidas no Medico e na Equipe de Saúde. In CASSORLA, R. M.
S. Do Suicídio. São Paulo: Papirus, 1991. p. 149-165, p. 162-163.
120
momentaneamente capaz: poderá pedir ajuda para outros profissionais da equipe de saúde.”167
No entanto, desta disposição destacada, vale referir que talvez a questão não seja somente de
não se sentir ‘momentaneamente’ capaz. Afinal, a discussão dos casos atendidos em equipe
parece ser algo possível de ser compartilhado mesmo que a questão não seja de capacitação
para manejar os casos de risco de suicídio.
Outro ponto que é importante comentar em relação às respostas assinaladas sobre
como “se sente ao atender pacientes que tentaram o suicídio”, é que os profissionais S8
(enfermeiro do hospital geral, atualmente atuando na emergência hospitalar como técnico de
gesso) e S12 (auxiliar de enfermagem do hospital psiquiátrico) afirmam sentirem-se seguros
no atendimento a pacientes que tentaram suicídio, assinalando, os dois profissionais, as
seguintes alternativas: “Seguro, afinal sinto-me preparado para atender esse tipo de caso” e
“Seguro, estou acostumado, atendo esse tipo de caso com freqüência” (S8 assinala somente
essas duas, S12 assinala também “Preocupado, porque mesmo sabendo o que fazer, a
responsabilidade é muito grande” e “Com pena, a pessoa está sofrendo”). Contudo, há que se
atentar para os outros assinalamentos de S8 e S12 nas demais categorias apresentadas.
Vejamos: S8 e S12 assinalam questões que parecem denotar juízo de valor e crença religiosa
na compreensão dos motivos que levam uma pessoa a se matar (tabela 16); não assinalam
importantes fatores de risco de suicídio (tabela 17 e 18) e S12 é a única profissional, dentre os
investigados, que assinala como fatores de risco (em desacordo ou não encontrados nos
manuais investigados e literatura consultada): “ser casado”, “ser ex-presidiário” e “gostar de
chamar atenção” (tabela 17). Esses sujeitos apresentam, ainda, contradições acerca das
intervenções realizadas diante do risco de suicídio (indicam estabelecimento de conduta
empática com o paciente, ao passo que indicam quebra de sigilo sem aval do paciente (tabela
19 e 22); assinalam concordar com alguns dos mitos sobre o suicídio (Tabela 23) e,
descrevem se deparar com o fenômeno com freqüência (Tabela 20). Há que se refletir que
justamente os profissionais que apresentam respostas com maior discordância em relação às
informações preconizadas pelos manuais de prevenção do suicídio investigados, são aqueles
que indicam sentirem-se seguros, preparados e acostumados a atender esse tipo de caso.
No mais, em última análise, sobre os principais aspectos que os profissionais da
saúde pesquisados apontaram acerca do comportamento suicida e seu manejo, destaca-se,
sinteticamente que, demonstraram conhecer o comportamento suicida como fenômeno
decorrente do acometimento de Transtorno mental, desconsiderando diversos outros fatores
167
BRASIL, 2006, p. 58.
121
de risco de suicídio apresentados pelos manuais investigados e indicaram como intervenções
realizadas nesses casos, o encaminhamento ao psiquiatra ou profissional de saúde mental,
bem como à orientação aos familiares para vigilância do paciente em risco de suicídio e
remoção de meios de acesso ao suicídio. Muitos dos profissionais da saúde investigados
referiram contradições entre as respostas, de maneira que os profissionais com formação em
psiquiatria foram os que apresentaram o conhecimento para realização do manejo dos casos
que envolvem risco de suicídio com um grau maior de compatibilidade com os Manuais de
Prevenção do Suicídio da OMS e MSB.
122
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Para alcançar o objetivo geral desta pesquisa, qual seja - caracterizar o manejo que
profissionais da saúde realizam em casos que envolvem risco de suicídio para prevenir o
suicídio - este estudo se dividiu em duas etapas. A primeira delas diz respeito à pesquisa
documental que se realizou para extrair as características do manejo de casos que envolvem
risco de suicídio preconizado pelos Manuais de Prevenção do Suicídio dirigidos aos
profissionais de saúde, da OMS e do MSB. A segunda etapa se refere à aplicação de um
questionário, elaborado com base em categorias a priori, produzidas a partir das
características encontradas do manejo preconizado pelos manuais de Prevenção de suicídio
investigados, junto a 12 profissionais de diferentes níveis de atenção à saúde, que assinalaram
os procedimentos que, em tese, realizam ou que potencialmente realizariam diante de uma
situação de atendimento ao paciente que envolva risco de suicídio .
Em relação ao primeiro objetivo específico - identificar os critérios relacionados
com as situações de risco de suicídio indicados nos Manuais de prevenção do suicídio (MSB e
OMS)- a partir dos dados analisados, pode-se dizer que este objetivo foi alcançado, eis que se
identificou os critérios relacionados com as situações de risco do suicídio, dispostas pelos
manuais investigados em fatores de risco psiquiátricos (depressão, alcoolismo esquizofrenia,
transtorno de personalidade caracterizados por impulsividade, agressividade e freqüentes
alterações de humor; tentativas de suicídio anteriores); sociodemográficos (sexo masculino,
pessoas jovens e idosas, vida solitária, sem atividade laboral); ambientais (meios de acesso ao
suicídio e exposição ao suicídio); psicológicos (ambivalência, impulsividade, rigidez ou
constrição do pensamento, desamparo, desesperança, vergonha, perda parental na infância,
perdas recentes); condições médicas (limitações, incapacitações, dores crônicas,doenças de
ruim prognóstico ou alvo de estigmas - HIV e AIDS, Câncer).
Quanto ao segundo objetivo específico - caracterizar o manejo dos casos que
envolvem risco de suicídio preconizado pelos manuais de prevenção do suicídio (MSB e
OMS)- este se concretizou, uma vez que se identificou que o manejo preconizado pelos
manuais de prevenção investigados se caracteriza por meio da conduta profissional de
aceitação do comportamento suicida como sofrimento, acolhimento, postura empática, apoio,
disponibilidade, escuta livre, perguntar de forma gradual respeitando o processo de
estabelecimento de confiança, avaliação e classificação dos riscos, encaminhamento a ser
123
realizado, acionamento da rede e suporte social, realização de “contrato anti-suicídio”,
orientação referente à remoção e controle dos meios de acesso para cometer o suicídio.
No que se refere ao terceiro objetivo específico - identificar os critérios que
profissionais da saúde utilizam para reconhecer situação de risco de suicídio – este foi obtido,
já que foi possível verificar que a maior parte dos profissionais investigados relacionam o
risco de suicídio à presença de fatores psiquiátricos, principalmente em relação à depressão. E
a maioria dos profissionais investigados não levam em conta fatores de risco de suicídio
sociodemográficos, ambientais, psicológicos e os ligados à condição médica.
Quanto ao quarto objetivo específico - caracterizar os procedimentos que os
profissionais da saúde utilizam para prevenir o suicídio nos casos em que identificam o risco
de suicídio – este foi alcançado, uma vez que foi possível identificar que os profissionais
investigados descrevem o encaminhamento ao psiquiatra ou ao profissional de saúde mental e
a maior parte deles descreve a escuta livre de julgamentos, atitude empática, disponibilidade e
orientação familiar para vigilância do paciente em risco de suicídio e orientação familiar para
remoção dos meios de acesso ao suicídio, sem que o paciente a perceba como procedimentos
realizados. Contudo, foi possível verificar que alguns dos profissionais investigados mostramse contraditórios em suas respostas, principalmente no que diz respeito ao estabelecimento de
vínculo e à quebra de sigilo ou quebra de confiança do paciente. Isto porque alguns dos
profissionais investigados apontam, por um lado, a comunicação indicada pelos manuais de
prevenção do suicídio da OMS e do MSB, para o estabelecimento de confiança e de
promoção de escuta livre, numa postura empática e, por outro, afirmam quebrar o sigilo sem a
autorização do paciente ao assinalarem as alternativas “orientar a família para discretamente
remover meios de acesso (cordas, facas, armas, medicamentos), sem que o paciente perceba”
e “avisar a família, sem o paciente saber”.
Em relação ao quinto e último objetivo específico - comparar o manejo
empreendido pelos profissionais da saúde para prevenção de suicídio em casos que envolvem
risco de suicídio com o que é preconizado pelas organizações responsáveis pela elaboração de
programas e estratégias de prevenção do suicídio (MSB e OMS) – este foi concretizado, à
medida em que se analisou as ocorrências das subcategorias condizentes e as não condizentes
com o que é preconizado pelos Manuais de Prevenção do suicídio do MSB e OMS. Desta
comparação foi possível perceber que dentre os profissionais investigados, os que
demonstraram realizar o manejo em casos que envolvem risco em acordo com o disposto nos
Manuais de Prevenção do suicídio investigados foram, principalmente, os profissionais com
formação em psiquiatria.
124
Portanto, a partir da efetivação dos objetivos específicos, pode-se sinteticamente
referir que o objetivo geral, qual seja, - caracterizar o manejo que profissionais da saúde
realizam em casos que envolvem risco de suicídio para prevenir o suicídio – foi alcançado,
possibilitando-se referir que o manejo preconizado pelos manuais de prevenção do suicídio
investigados se caracteriza pela identificação dos fatores de risco de suicídio e avaliação do
grau de risco e pelos procedimentos que envolvem conduta de aceitação, acolhimento do
sofrimento do sujeito, numa postura empática, prestando apoio, disponibilidade,
proporcionando um espaço de escuta para que o sujeito possa falar sobre seus sentimentos e
que o profissional possa perguntar de forma gradual sobre eles, além do encaminhamento a
ser realizado para cada um dos graus de risco de suicídio, acionamento da rede e suporte
social, realização do “contrato anti-suicídio” e orientação referente à remoção e controle dos
meios de acesso para cometer o suicídio. Já, em relação aos profissionais da saúde
investigados, pode-se dizer que as características do manejo que estes profissionais descrevem
realizar, referem-se à identificação do risco de suicídio ligada à presença de transtorno mental,
com conseqüente encaminhamento aos profissionais especializados nesta área, bem como a
escuta livre de julgamentos, orientação familiar para vigilância do paciente em risco, remoção
dos meios de acesso ao suicídio. Vale ressaltar que dos profissionais investigados, a maior
parte parece não reconhecer muitos dos fatores de risco de suicídio, além de provavelmente
não perguntarem acerca do planejamento suicida para avaliação do grau de risco e, ainda,
muitos deles se mostram contraditórios no que se refere à questão do estabelecimento de
confiança e postura empática que afirmam empreender no atendimento de sujeitos em risco de
suicídio.
E, em considerações finais, a partir do estudo realizado, pensa-se que:
a) No que se refere aos Manuais de Prevenção do Suicídio investigados, muito
embora estes se apresentem como material veiculador de informações fundamentais para
compreensão do comportamento suicida como fenômeno multicausal e forneçam informações
norteadoras para o atendimento do sujeito em risco de suicídio, desconfia-se das possíveis
interpretações que podem ser produzidas a partir de algumas das informações que constam
nesses documentos, especialmente no que diz respeito a procedimentos de manejo. Neste
sentido, entende-se que recomendações como: “focalize os sentimentos de ambivalência. O
profissional da saúde deve focalizar na ambivalência sentida pelo indivíduo em risco de
suicídio entre viver e morrer, até que gradualmente o desejo de viver se fortaleça” ou
“trabalhe com os sentimentos suicidas da pessoa e focalize nos aspectos positivos” talvez não
sejam tão simples de compreender e pôr em execução, quanto se mostram descritas. Mostra-se
125
preocupante o efeito que esse tipo de “instrução” pode produzir com relação à compreensão
dos profissionais que as lêem. Ainda, sobre as recomendações em relação ao manejo
preconizado pelos manuais investigados, é possível pensar como que a simples leitura de um
manual pode ensinar um profissional a ter empatia pelo paciente? É possível que um conjunto
de regras do que perguntar para o paciente talvez não seja suficiente como forma de
capacitação dos profissionais para manejo de casos que envolvem risco de suicídio. E o
quanto será que os profissionais da saúde percebem que a capacitação para o manejo não é tão
direta e tão simples assim? Por isto, sugerem-se outras pesquisas que objetivem investigar as
contribuições e possíveis limitações dos manuais como fonte de fundamentação e de
capacitação de profissionais da saúde para manejar casos de risco de suicídio.
b) É possível considerar que a recomendação sobre a manutenção dos casos que
envolvem baixo risco na atenção básica esteja, ainda, no plano idealista. Já se destacou o que
Serrano (2008) enfatiza sobre a dificuldade e limitação dos profissionais do nível básico de
atenção para detectar, acompanhar e manejar os casos que envolvem risco de suicídio. A
consideração do autor corrobora o que foi encontrado nesta pesquisa em relação à limitação
deste conhecimento pelos profissionais investigados do nível básico de atenção. E não só em
relação a estes. Mas também alguns dos profissionais investigados dos níveis de média e alta
complexidade se mostraram contraditórios e confusos em relação ao conhecimento necessário
para manejar os casos que envolvem risco de suicídio. De forma que apresentaram maior grau
de conhecimento do fenômeno estudado os profissionais da área da psiquiatria. Por isto,
considera-se que se estes casos de baixo risco forem atendidos por profissionais
especializados, talvez possa haver maior garantia de um manejo adequado dos casos para
prevenir uma possível evolução para os graus de médio ou alto risco de suicídio. Ainda,
considera-se que há a possibilidade da manutenção do atendimento e manejo dos casos
considerados como baixo risco na atenção básica, com maior grau de garantia de prevenção,
se houver efetivamente o serviço de matriciamento por equipes de profissionais
especializados em saúde mental.
c) Além disso, destaca-se a necessidade da efetivação da diretriz de capacitação e
educação continuada sobre a temática do comportamento suicida e seu manejo para os
profissionais de todos os níveis de atenção à saúde. Ainda que o encaminhamento dos casos
que envolvem risco de suicídio seja realizado para os profissionais especializados em saúde
mental, entende-se que qualquer profissional da saúde deve estar preparado para o primeiro
contato com um potencial suicida. Para isso, estes profissionais precisam estar capacitados
para compreender o sofrimento do sujeito e identificar o risco para realizar o encaminhamento
126
corretamente e, principalmente, abordar o paciente numa atitude empática, para que seja
possível produzir uma relação de confiança, necessária para o sujeito acreditar que o
tratamento possa ser realmente uma alternativa ao suicídio. Com efeito, a rede de atenção
precisa funcionar em sintonia, pois não parece possível oferecer um atendimento integral e
eficaz, com cada profissional atuando apenas a partir do que aprendeu no curso de formação
profissional. Ainda mais, com o enfoque da literatura no que diz respeito à modificação do
fenômeno do suicídio no decorrer dos tempos com a modificação dos valores, das condições
sócio-econômicas, da cultura, modificando-se, também, fatores de risco. Parece-nos, portanto,
que a educação continuada é um ponto importante a ser levado em consideração.
d) E para a equipe de saúde funcionar em sintonia, há ainda que se falar nas
questões da interdisciplinaridade e integralidade. Isto é, a comunicação e discussão entre os
membros da equipe são de fundamental importância para o paciente e para o profissional. Os
profissionais podem dividir a responsabilidade, prevenindo o estresse decorrente da
preocupação no atendimento desses casos. Ao passo que se pode ampliar a possibilidade de
cuidado ao paciente, primeiramente, pela condição da equipe funcionar seguindo o mesmo
planejamento terapêutico e, em segundo lugar, porque quando o paciente sentir necessidade
de procurar o serviço de saúde, pode encontrar uma equipe profissional disponível. Caso
contrário, se estiver sendo atendido por apenas um profissional, pode não encontrá-lo
disponível em todos os dias e horários no serviço em que está realizando tratamento.
e) Ainda sobre a questão da integralidade, vale referir que muitos dos fatores
considerados de difícil modificação pela literatura destacada podem ser passíveis de outras
intervenções, que transcendem as realizadas pela equipe de saúde. Contudo, é possível que
determinadas intervenções sejam, pela equipe de saúde, suscitadas como complementares
para o tratamento, visando-se utilizar a rede de apoio presente na comunidade e as estratégias
que esta dispõe, que podem servir como medidas de prevenção e minimização de fatores de
risco. Como por exemplo, é possível que a equipe esteja articulada com outros recursos de
rede e encaminhe o paciente em risco de suicídio em isolamento social, ou em situação de
aposentadoria para grupos de apoio ou oficinas, ou ainda, acione a secretaria de
desenvolvimento social para o paciente em situação de desemprego e com dificuldades
financeiras. Esse tipo de medida parece ir ao encontro de uma proposta de atenção
biopsicossocial ao sujeito, a partir da concepção integral de saúde. Mas, para tanto, os
profissionais da saúde precisariam reconhecer o fenômeno do suicídio com maior amplitude e
para além dos fatores de riscos psiquiátricos - realidade apresentada pelos profissionais
pesquisados - para aí sim reconhecer a importância de outras intervenções que ultrapassam as
127
de cunho biológico. E neste sentido, há a possibilidade de contribuição do profissional da
psicologia, que pode viabilizar esse tipo de intervenção no campo da saúde, desde que
ingresse no serviço de saúde com essa perspectiva biopsicossocial, promovendo
essencialmente a realização de intervenções psicoterapêuticas, mas também a ampliação da
clínica em saúde.
f) Entende-se que a inclusão do profissional da psicologia no campo da saúde para
atuar no manejo dos casos que envolvem risco de suicídio é de fundamental importância. São
diversas as contribuições que o psicólogo pode oferecer como parte da equipe de saúde no
manejo de casos que envolvem risco de suicídio como forma de prevenção. Seja como
psicoterapeuta ou para auxiliar na identificação das situações de risco e contribuir na
elaboração do planejamento terapêutico destes pacientes. Ainda, como promotor de
intervenções que visem à sensibilização dos demais profissionais para entender o
comportamento suicida como um sofrimento e, além disso, capacitá-los para utilização da
contratransferência para ampliação do olhar do profissional sobre as próprias dificuldades em
trabalhar com os casos de suicídio, bem como utilizá-la como instrumento diagnóstico e
possível instrumento promotor da empatia necessária para atender estes casos. E, neste
sentido, a atuação do psicólogo e a função da psicoterapia nos casos que envolvem risco de
suicídio é ressaltada, tanto pelos Manuais de Prevenção do Suicídio investigados, bem como
pela literatura referida (SERRANO, 2008 e GABBARD , 2006). Por este motivo que se pensa
que poderia ter sido incluído questionamento acerca do encaminhamento à psicologia e a
importância da intervenção psicológica no instrumento de coleta de dados aplicado junto aos
profissionais da saúde. Do mesmo modo, pensa-se que seria de grande valia se tivesse sido
encontrado psicólogo disponível nas instituições de saúde, nas quais foram coletados os
dados, a fim de colher informações sobre o manejo realizado pelos profissionais da
psicologia. Parece-nos interessante realizar pesquisas que possam indicar qual a compreensão
do profissional da psicologia sobre o suicídio e sobre o manejo realizado por este profissional
nos casos que envolvam tal risco, a fim de descobrir possíveis contribuições da atuação do
psicólogo no manejo desses casos.
g) Ainda, a partir da pesquisa realizada, outros estudos podem ser sugeridos: o que
os cursos de formação na área da saúde estão incluindo no seu planejamento de ensino sobre o
manejo de casos que envolvem risco de suicídio? Já que dos profissionais investigados, a
maior parte deles afirma como fonte de informação em como abordar o paciente em risco de
suicídio e como intervir nos casos que envolvem tal risco, os cursos de formação profissional.
Um outro aspecto que merece ser estudado diz respeito à avaliação dos resultados obtidos a
128
partir das intervenções e do manejo realizados. Neste sentido pergunta-se: as instituições de
saúde realizam o levantamento desses casos (diagnóstico institucional)? Existem metas ou
objetivos em termos de prevenção? Parece que o registro dos casos que envolvem risco de
suicídio mostra-se emergente para que seja possível atualizar os estudos referentes aos fatores
de risco, preparação das intervenções e dos programas de prevenção, estabelecimento de
metas a curto e longo prazo, e conseqüentemente possibilitar a avaliação dos resultados dessas
intervenções e do manejo que vêm sendo preconizado pelo MSB e OMS.
h) Que muito embora, este estudo tenha tido por foco o nível secundário e
terciário de prevenção ao suicídio (quando o risco já existe), considera-se de fundamental
importância a prevenção anterior à instauração do risco – nível primário, tais como:
programas e campanhas para diminuição de abuso do álcool e outras drogas, prevenção de
gravidez na adolescência, tratamento e programas de intervenção de prevenção para pessoas
que se deparam com situações de luto, doenças crônicas, violência doméstica, preparação para
aposentadoria, divulgação adequada dos casos de suicídio pela mídia, dentre outros. Pesquisas
relacionadas a intervenções que objetivam prevenir risco de suicídio também poderiam ser
conduzidas no sentido de identificar os tipos de intervenções existentes, seu nível de eficácia,
o grau de adequação dessas intervenções a cada tipo de população, ou ainda as competências
que os profissionais necessitariam desenvolver para poderem intervir de forma preventiva.
i) Dentre as dificuldades encontradas para realização desta pesquisa, está o pouco
tempo que se teve para coleta, tratamento, análise e interpretação dos dados, já que duas das
instituições exigiram que o projeto de pesquisa fosse submetido aos seus Comitês de Ética em
Pesquisa e estes demoraram na entrega do parecer que libera a realização da coleta de dados.
j) Em relação à temática estudada, foi possível perceber a necessidade de estudá-la
para a formação em psicologia da saúde, principalmente pela necessidade de buscar tal
fundamento para atuar no campo de estágio, sugerindo-se que o manejo realizado nos casos
que envolvem risco de suicídio seja tema a ser estudado e discutido nas disciplinas dos cursos
de Psicologia.
129
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134
APÊNDICES
135
APÊNDICE A - TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Eu _______________________________________________________________, declaro
que estou de acordo em fornecer informações a Marcia Sandrini Cascaes Pereira Oliveira,
estudante da 10ª fase de Psicologia, para o desenvolvimento da pesquisa de Trabalho de
Conclusão de Curso II em Psicologia, intitulada: “O manejo que profissionais da saúde
realizam para prevenir o suicídio em casos que envolvem risco de suicídio”, sob orientação da
Prof. Dra. Nádia Kienen. Declaro ainda que tenho conhecimento de que a minha participação
nessa fase do projeto consiste em responder a um questionário, no qual não precisarei me
identificar, e que por se tratar de uma pesquisa de caráter científico, aceito participar
voluntariamente e não receberei qualquer remuneração financeira para tanto. Declaro que fui
informado (a) sobre todos os procedimentos da pesquisa e sobre e o conteúdo do questionário
que responderei, o qual trata de aspectos relacionados a: comportamento suicida, fatores de
risco de suicídio e intervenções realizadas diante do risco de suicídio, que serão abordados em
questões fechadas. Declaro que a mim foi esclarecido que não sou obrigado (a) a responder
todas as questões e que posso desistir do estudo em qualquer momento, inclusive se já tiver
respondido ao questionário. Declaro que recebi de forma clara e objetiva todas as explicações
pertinentes ao projeto e poderei solicitar informações durante qualquer fase da pesquisa,
inclusive após a publicação. Declaro que fui informado (a) que meus dados de identificação
serão mantidos em sigilo e que a divulgação dos resultados terá como objetivo mostrar os
possíveis benefícios advindos da pesquisa em questão, podendo ser utilizados em eventos e
obras científicas.
Estou ciente que este estudo não apresenta riscos, desconfortos ou constrangimentos, ficando
preservada minha integridade física e psicológica e que em qualquer momento posso ter
acesso aos dados da pesquisa através do contato com a pesquisadora e sua orientadora.
Nome por extenso_________________________________________________
RG_____________________________________________________________
Local e data______________________________________________________
Assinatura_______________________________________________________
Pesquisadora
Orientador
_________________________
_________________________
Marcia Sandrini Cascaes Pereira Oliveira
e-mail: [email protected]
Fone: (48) 99784088
Nádia Kienen
e-mail: [email protected]
Fone: (48) 32791084
Adaptado de: (1) South Sheffield Ethics Committee, Sheffield Health Authority, UK; (2) Comitê de Ética em esquisa - CEFID - Udesc,
Florianópolis, BR.
136
APÊNDICE B - PROTOCOLO DE REGISTRO PARA ANÁLISE DOCUMENTAL
PROTOCOLO DE REGISTRO PARA ANÁLISE DOCUMENTAL
Tipo de manual: ____________________________
Indicadores Classificação
dos Riscos de
de Risco
de Suicídio
Suicídio
Abordagem do
Paciente em Risco
de suicídio
Descrição das Intervenções
para prevenir o Suicídio
(Manejo)
Mitos sobre
o Suicídio
137
APÊNDICE C - QUESTIONÁRIO PARA COLETA DE DADOS
QUESTIONÁRIO
Prezado Profissional de Saúde,
Como Trabalho de Conclusão de Curso de Psicologia da UNISUL, está se
desenvolvendo a pesquisa “O manejo que profissionais da saúde realizam em casos que
envolvem risco de suicídio”. Este questionário tem o objetivo de conhecer as características
desta modalidade de intervenção profissional. Sua participação contribuirá em muito para se
alcançar o objetivo proposto. Contamos com a sua colaboração para responder as questões de
forma completa e sincera. Você não terá que se identificar.
Para tanto, basta que você assinale a (s) alternativa (s) que representa (am) a experiência
que você vivencia na sua prática profissional.
1. Dados profissionais:
1.1 Profissão:____________________________.
1.2 Profissional especializado ou com experiência na área de saúde mental?
a) ( ) Sim
b) ( ) Não
1.3 Escolaridade:
a) ( ) 2º grau b) ( ) nível técnico c) ( ) nível superior d) outros:_________________.
1.4 Local de Trabalho:
a) ( ) atenção básica - postos ou centros de saúde, equipes de PSF.
b) ( ) média complexidade - serviços especializados (CAPS, Programa de saúde mental,
policlínicas)
c) ( ) alta complexidade - hospital geral e hospital psiquiátrico
1.5 Tempo de experiência na área da saúde:________________________.
1.6 Tempo de experiência no local que está atualmente: _________________.
2. Qual (ais) motivos que você pensa que levam algumas pessoas a tentarem se matar?
a. ( ) para se vingar de alguém
b. ( ) para acabar com o sofrimento
c. ( ) por não dar valor à vida
d. ( ) por estar mentalmente doente
e. ( ) por ser covarde e não querer encarar os problemas
f. ( ) porque foi vítima de alguma desgraça
g. ( ) para chamar a atenção
h. ( ) falta de religiosidade
i. ( ) outro:_________________________________________________________________.
3. Você já teve acesso a algum tipo de informação sobre como abordar um paciente em
risco de suicídio?
138
a. (
b. (
c. (
d. (
e. (
f. (
g. (
) no próprio curso de formação rofissional (técnico ou superior)
) cursos de capacitação
) treinamento
) palestras
) literatura (ex: livros técnicos, Manuais do Ministério da Saúde, revistas científicas)
) nunca tive acesso a essas informações
) outro (s):______________________________________________________________.
4. Você já teve acesso a algum tipo de informação sobre como intervir nos casos que
envolvem risco de suicídio para prevenir o suicídio?
a. (
b. (
c. (
d. (
e. (
f. (
g. (
) no próprio curso de formação profissional (técnico ou superior)
) cursos de capacitação
) treinamento
) palestras
) literatura (ex: livros técnicos, Manuais do Ministério da Saúde, revistas científicas)
) nunca tive acesso a essas informações
) outro (s):______________________________________________________________.
5. Que aspectos, dentre os listados abaixo, você considera que lhe auxiliam a avaliar se
há risco de um indivíduo cometer suicídio?
a. ( ) ser portador de AIDS ou Câncer j. ( ) ter filhos
b. ( ) ser casado
l. ( ) depressão
c. ( ) situação de desemprego
m. ( ) personalidade impulsiva
d. ( ) ser idoso
n. ( ) ter uma vida solitária
e. ( ) analfabeto
o. ( ) situação de aposentadoria
f. ( ) perda de alguém próximo
p. ( ) ex-presidiário
g. ( ) ser jovem
q. ( ) tentativas de suicídio anteriores
h.( ) alcoolismo
r. ( ) gostar de chamar atenção
i. ( ) personalidade agressiva
s. ( ) não me sinto capaz de avaliar o risco de suicídio
i. Outro (s):___________________________________________________________________.
6. O que você faz quando se depara com um paciente que diz pensar em se matar?
(assinale qual (is) alternativa (s) que descreve (am) a sua prática profissional)
a. ( ) por medida de precaução, acho sempre bom mandar internar.
b. ( ) encaminho para atendimento por profissionais da saúde mental.
c. ( ) tento tirar essa idéia da cabeça do paciente, conversando com ele no sentido de lhe
mostrar que esse não é o melhor caminho para resolver seus problemas.
d. ( ) procuro não dar confiança para não estimular esse tipo de comportamento.
e. ( ) tento dar um jeito de avisar a família, sem que o paciente saiba.
f. ( ) tento desviar o assunto, porque falar sobre suicídio pode aumentar o risco de o
paciente pensar em se matar.
g. ( ) procuro escutá-lo, sem julgar suas atitudes.
h. ( ) antes de tomar qualquer atitude, sempre informo o paciente sobre o que penso que
deve ser feito e peço permissão a ele.
i. ( ) pergunto se ele já sabe quando e como pretende cometer o suicídio.
139
j. ( ) procuro estimular o paciente para que ele fale sobre o que está acontecendo com ele,
demonstrando estar disponível para ouvi-lo.
l. ( ) não tomo nenhuma atitude em relação ao paciente, mas anoto no prontuário, para o
profissional responsável fazer o que deve ser feito.
m. ( ) faço um pacto com o paciente, no qual ele se comprometa em não cometer o suicídio
sem antes entrar em contato comigo.
n. ( ) na verdade, não me sinto capacitado para tomar qualquer atitude em relação a esse
paciente
o. ( ) Discuto o risco de suicídio com outros profissionais que trabalham comigo, para que
possa dividir a responsabilidade e aumentar a possibilidade de cuidado ao paciente.
p. ( )outro (s): ____________________________________________________________.
7.Você já se deparou com casos que envolvem risco de suicídio na sua prática
profissional?
a) ( ) sim
b) ( ) não
8. Com que freqüência você se depara com casos que envolvem risco de suicídio na sua
prática profissional?
a) ( ) diariamente.
b) ( ) em torno de 01 (um) a 03 (três) casos por semana.
c) ( ) em torno de 01 (um) a 03 (três) casos por mês.
d) ( ) em torno de 01 (um) caso por mês.
e) ( ) em torno de 01 (um) caso a cada dois ou três meses.
f) ( ) em torno de 01 (um) caso a cada seis meses.
g) ( ) foram raras as vezes que me deparei com casos que envolvem risco de suicídio na
minha prática profissional.
h) ( ) nunca me deparei com casos que envolvem risco de suicídio na minha prática
profissional.
i) Outros. ____________________________
9. Quanto aos riscos de suicídio e a possibilidade de prevenção do suicídio, marque com
um “X” nos parênteses ao lado das frases, aquelas com que você concorda.
a. ( ) Homens cometem mais suicídio que mulheres.
b. ( ) Pessoas que vivem sozinhas dificilmente cometem suicídio.
c. ( ) A pessoa que quer se matar é um egoísta, que não se preocupa com o sofrimento da
própria família.
d. ( ) A pessoa que já tentou se matar e não conseguiu, nunca mais tenta.
e. ( ) Dentre os casos de dependência química, é o alcoólatra quem mais apresenta risco de
suicídio.
f. ( ) Muitos dos suicídios são cometidos por pessoas idosas.
g. ( ) A maioria das pessoas que tenta se matar, na verdade só quer chamar atenção.
h. ( ) A Depressão está diretamente ligada ao risco de suicídio.
i. ( ) Quem realmente quer se matar, se mata mesmo.
j. ( ) Pode-se avaliar o risco de suicídio perguntando-se ao paciente que disse que vai se
matar, se ele pensou em como vai fazer isso.
140
l. ( ) Quando o paciente está deprimido, mas não falou nada sobre suicídio, o melhor a fazer
é não perguntar sobre isso para não dar idéia para ele.
m. ( ) Na verdade, a prevenção do suicídio é possível porque a pessoa que tenta se matar,
tem vontade, ao mesmo tempo, de morrer e de viver.
n. ( ) Quando o sujeito já tem plano de como vai se matar, para avaliar o grau de risco de
suicídio é necessário perguntar quando ele pretende fazer isso.
o. ( ) Deve-se sempre encaminhar o paciente que apresenta risco de suicídio para avaliação
psiquiátrica .
p. ( ) Sempre é possível prevenir o suicídio nos casos que envolvem risco de suicídio.
q. ( ) Não se deve deixar o paciente que apresenta risco de suicídio sozinho, é necessário
orientar os familiares do paciente neste sentido.
r. ( ) Quando uma pessoa manifesta a intenção de se matar, o melhor é estimular que ela fale
sobre isso.
s. ( ) A esquizofrenia é um transtorno que indica risco de suicídio.
t. ( ) Nos casos que envolvem risco de suicídio é importante que se oriente a família para que
discretamente faça a remoção dos meios de acesso, tais como esconder armas, facas, cordas,
deixar medicamentos em local que a pessoa não tenha acesso, sem que o paciente perceba
esse movimento.
u. ( ) O risco de suicídio deve ser sempre observado nos casos em que o paciente tem
diagnóstico de transtornos de personalidade.
v. ( ) Nem sempre é possível prevenir o suicídio, porque os pacientes que falam sobre o
suicídio raramente o cometem e grande parte dos suicídios ocorre sem avisos.
x. ( ) outro (s):_____________________________________________________________.
10. Como você se sente quando tem de atender um paciente que tentou ou pretende se
matar? (assinale a (s) alternativa (s) que melhor descreva (am) seu (s) sentimento (s)
neste tipo de atendimento)
a. ( ) nervoso (a) por não saber o que fazer.
b. ( ) preocupado (a) porque mesmo sabendo o que fazer, a responsabilidade é muito grande.
c. ( ) com pena, a pessoa está sofrendo.
d. ( ) raiva, com tantas pessoas lutando para viver e alguém querendo se matar!
e. ( ) seguro (a), afinal sinto-me preparado (a) e capaz para atender esse tipo de caso.
f. ( ) seguro (a), estou acostumado. Atendo esse tipo de caso com freqüência.
g. ( ) inseguro, não me sinto capaz de atender casos de pacientes que envolvam o risco de
suicídio.
h. ( ) angustiado (a), procuro fugir desse tipo de caso.
i. ( ) fico muito envolvido emocionalmente, depois não consigo parar de pensar na pessoa.
j. ( ) não sei, nunca me deparei com esse tipo de caso.
l. outro (s) :___________________________________________________________.
11. Caso você queira fazer algum comentário sobre a temática relativa ao questionário
ou ao próprio questionário, você poderá utilizar as linhas abaixo:
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
Agradecemos sua disponibilidade e colaboração!
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