UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA MARCIA SANDRINI CASCAES PEREIRA OLIVEIRA O MANEJO QUE PROFISSIONAIS DA SAÚDE REALIZAM PARA PREVENIR O SUICÍDIO EM CASOS QUE ENVOLVEM RISCO DE SUICÍDIO Palhoça 2008 2 MARCIA SANDRINI CASCAES PEREIRA OLIVEIRA O MANEJO QUE PROFISSIONAIS DA SAÚDE REALIZAM PARA PREVENIR O SUICÍDIO EM CASOS QUE ENVOLVEM RISCO DE SUICÍDIO Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de graduação em Psicologia da Universidade do Sul de Santa Catarina – UNISUL como pré-requisito parcial para obtenção de título de Psicólogo. Orientadora: Profª Nádia Kienen, Drª. Palhoça 2008 3 MARCIA SANDRINI CASCAES PEREIRA OLIVEIRA O MANEJO QUE PROFISSIONAIS DA SAÚDE REALIZAM PARA PREVENIR O SUICÍDIO EM CASOS QUE ENVOLVEM RISCO DE SUICÍDIO Este Trabalho de Conclusão de Curso foi julgado adequado à obtenção do título de Psicólogo e aprovado pelo Curso de Psicologia da Universidade do Sul de Santa Catarina. Palhoça, 20 de novembro de 2008. ______________________________________ Prof. Orientadora Nádia Kienen, Dr. Universidade do Sul de Santa Catarina ______________________________________ Prof. Maria do Rosário Stotz, Dr. Universidade do Sul de Santa Catarina ______________________________________ Prof. Maria Ângela Giordani Machado, Msc. Universidade do Sul de Santa Catarina 4 AGRADECIMENTOS Ao meu marido Guilherme, que sempre foi um grande incentivador e o fornecedor do melhor suporte emocional para que eu não arrefecesse diante das dificuldades do recomeço e realizasse o desejo de cursar psicologia. Aos meus “paitrocinadores” em todos os sentidos. Por me incentivarem e oportunizarem a concretização de mais esse desejo. Pela dedicação que sempre empreenderam buscando o bem estar de nossa família. Por me encherem de orgulho por serem pessoas tão maravilhosas. A meu sobrinho e afilhado Lorenzo, meu melhor sujeito de pesquisa. Nasceu justamente quando iniciava as disciplinas sobre as teorias de desenvolvimento psicológico. Foi submetido a diversas provas piagetianas... e é responsável pelos meus maiores momentos de alegria! À Professora Nádia que, apesar de nossa distinta atração pela temática escolhida, acreditou na proposta e não poupou esforços durante o processo de orientação. Meus agradecimentos pela dedicação extremada. À Professora Maria do Rosário e à Professora Maria Ângela, pelo aceite do convite para participarem da banca examinadora deste trabalho, pelas contribuições indicadas na qualificação, por tudo que pude aprender sobre a psicanálise. Meu respeito e admiração pelo conhecimento e rigor acadêmico que demonstram na atividade profissional. Às minhas amigas e colegas de orientação Ana Paula, Estefânia, Giana e Sílvia, pelo companheirismo e parceria. Aos meus irmãos e demais familiares, aos meus amigos, colegas de curso, professores e todas as pessoas que de uma forma ou outra tornaram este trabalho possível, meu muito obrigada! 5 O que assusta é pensar que, quem sabe, o desejo de morrer também more, encolhido, dentro da gente. Não tenho medo de andar de avião. Pelo contrário, sinto-me possuído de uma grande tranqüilidade ao olhar para a terra, lá das alturas. Mas meus sentimentos são diferentes quando me debruço sobre a sacada de um apartamento do 18° andar... Estranho, não? Pois não é muito mais seguro o edifício? Por que o medo? Onde a diferença? Não está na altura. Está no fato de que no avião estou protegido contra o meu desejo. Não posso saltar, ainda que queira. Mas, na sacada do edifício, sinto que há apenas o meu desejo a me separar da morte. É muito fácil... (Rubem A. Alves) 6 RESUMO Manejar o comportamento suicida parece ser preocupação, não apenas de profissionais da área da saúde, mas dos próprios órgãos federais e mundiais envolvidos com essa questão. Os Manuais de Prevenção do Suicídio foram criados com base nessa preocupação e fazem parte de um conjunto de estratégias da Organização Mundial de Saúde e do Ministério da Saúde do Brasil. O objetivo desta pesquisa é caracterizar o manejo que profissionais da saúde realizam para prevenir o suicídio em casos que envolvem risco de suicídio. Para alcançar este objetivo, num primeiro momento realizou-se uma pesquisa documental, a partir da qual se extraiu dos Manuais de prevenção do suicídio dirigidos aos profissionais da saúde do Ministério da Saúde do Brasil e da Organização Mundial da Saúde, os critérios relacionados com as situações de risco de suicídio e as características do manejo do comportamento suicida preconizado por esses documentos. Num segundo momento, aplicou-se um questionário junto a 12 profissionais que atuam em diferentes níveis de atenção à saúde (Centro de saúde, Programa de Saúde Mental, Hospital Geral e Hospital Psiquiátrico). O questionário foi elaborado a partir de categorias a priori, selecionadas com base na pesquisa documental, quais sejam: Motivos que levam uma pessoa a tentar suicídio; Fontes de informação sobre como abordar um paciente em risco de suicídio e em como intervir em casos que envolvem risco de suicídio para prevenir o suicídio; Identificação dos fatores de risco de suicídio; Intervenção realizada ante a situação de ideação suicida; Freqüência com que se deparam com casos que envolvem risco de suicídio na prática profissional; Manejo e possibilidade de Prevenção do suicídio e Sentimentos ao atender paciente que tentou suicídio. Os dados foram apresentados em tabelas e sua análise se constituiu pela ocorrência das respostas e por meio de análise comparativa das informações extraídas dos manuais de prevenção do suicídio da OMS e do MSB com as informações prestadas pelos profissionais da saúde. Dos resultados alcançados, foi possível observar que os profissionais da saúde pesquisados demonstraram desconhecer fatores de risco de suicídio psicológicos, ligados à condição médica e sócio-demográficos apresentados nos manuais de prevenção do suicídio, associando o comportamento suicida à presença de transtornos mentais, principalmente ao transtorno depressivo. Os profissionais com formação em saúde mental foram os que apresentaram conhecimento mais aproximado do que é preconizado pelos Manuais de Prevenção acerca do fenômeno do suicídio e do manejo dos casos que envolvem tal risco. Palavras-chave: Manejo. Suicídio. Prevenção. 7 LISTA DE TABELAS Tabela 1 - Perfil dos Sujeitos Pesquisados _______________________________________ 51 Tabela 2 – Fatores psiquiátricos de risco de suicídio. ______________________________ 58 Tabela 3 – Fatores sociodemográficos de risco de suicídio. _________________________ 59 Tabela 4 – Fatores ambientais de risco de suicídio. ________________________________ 60 Tabela 5 – Fatores psicológicos de risco de suicídio._______________________________ 62 Tabela 6 – Fatores de risco de suicídio relacionados a condições médicas. _____________ 63 Tabela 7 – Mitos sobre o Suicídio. _____________________________________________ 66 Tabela 8 – Primeiro contato e a comunicação com o paciente que está em risco de suicídio. 69 Tabela 9 – Avaliação dos Indicadores de Riscos de Suicídio. ________________________ 71 Tabela 10 – Gradação dos riscos de suicídio: identificação, avaliação e plano de ação do Manual de Prevenção do Suicídio dirigido a Médicos Clínicos Gerais, da OMS._________ 74 Tabela 11- Gradação dos riscos de suicídio: identificação e plano de ação para baixo risco de suicídio do Manual de Prevenção do Suicídio dirigido aos Profissionais das Equipes de Saúde Mental, do MSB e do Manual de Prevenção do Suicídio dirigido Profissionais da Saúde em Atenção Primária, da OMS. __________________________________________________ 75 Tabela 12- Gradação dos riscos de suicídio: identificação e manejo para médio risco de suicídio do Manual de Prevenção do Suicídio dirigido aos Profissionais das Equipes de Saúde Mental, do MSB e do Manual de Prevenção do Suicídio dirigido Profissionais da Saúde em Atenção Primária, da OMS. __________________________________________________ 76 Tabela 13- Gradação dos riscos de suicídio: identificação e manejo para alto risco de suicídio do Manual de Prevenção do Suicídio dirigido aos Profissionais das Equipes de Saúde Mental, do MSB e do Manual de Prevenção do Suicídio dirigido Profissionais da Saúde em Atenção Primária, da OMS. _________________________________________________________ 78 Tabela 14 - Fontes de informação sobre como abordar um paciente em risco de suicídio __ 83 Tabela 15- Fontes de informação sobre como intervir em casos que envolvem risco de suicídio para prevenir o suicídio. ______________________________________________ 85 8 Tabela 16 – Motivos que levam uma pessoa a tentar suicídio. _______________________ 86 Tabela 18 - Identificação de fatores de risco do suicídio ____________________________ 96 Tabela 19- Já se deparou com casos que envolvem risco de suicídio na prática profissional. 98 Tabela 20- Freqüência com que se depara com casos que envolvem risco de suicídio na prática profissional _________________________________________________________ 99 Tabela 21- Intervenção realizada ante a situação de ideação suicida__________________ 100 Tabela 22- Manejo e possibilidade de Prevenção do Suicídio. ______________________ 108 Tabela 23- Mitos sobre o suicídio ____________________________________________ 113 Tabela 24 - Sentimentos ao atender paciente em risco de suicídio ___________________ 117 9 LISTA DE SIGLAS CAPS – Centro de Atenção Psicossocial MSB – Ministério da Saúde do Brasil OMS – Organização Mundial de Saúde PSM – Programa de Saúde Mental PSF – Programa de Saúde da Família SUS – Sistema Único de Saúde UNISUL – Universidade do Sul de Santa Catarina 10 SUMÁRIO RESUMO_________________________________________________________________ 6 LISTA DE TABELAS ______________________________________________________ 7 LISTA DE SIGLAS ________________________________________________________ 9 1 INTRODUÇÃO _________________________________________________________ 12 1.1 PROBLEMÁTICA E PROBLEMA DE PESQUISA ___________________________ 13 1.2 JUSTIFICATIVA _______________________________________________________ 17 1.3 OBJETIVOS___________________________________________________________ 25 1.3.1 Objetivo Geral _______________________________________________________ 25 1.3.2 Objetivos específicos __________________________________________________ 25 2 MARCO TEÓRICO _____________________________________________________ 26 2.1 PROFISSIONAIS E SERVIÇOS DE SAÚDE QUE ATENDEM PESSOAS COM RISCO DE SUICÍDIO ____________________________________________________________ 26 2.2 SUICÍDIO E COMPORTAMENTO SUICIDA________________________________ 29 2.3 O SUICÍDIO SOB DIFERENTES PERSPECTIVAS ___________________________ 35 2.4 O MANEJO DE CASOS QUE ENVOLVEM RISCO DE SUICÍDIO ______________ 45 3 MÉTODO ______________________________________________________________ 48 3.1 CARACTERIZAÇÃO DA PESQUISA______________________________________ 48 3.3 SUJEITOS DA PESQUISA _______________________________________________ 50 3.5 PROCEDIMENTO DE CONSTRUÇÃO E DE TESTE DO QUESTIONÁRIO ______ 52 3.6 SITUAÇÃO E AMBIENTE_______________________________________________ 53 3.7 PROCEDIMENTO DE COLETA DE DADOS________________________________ 54 3.8 ORGANIZAÇÃO, TRATAMENTO E ANÁLISE DE DADOS___________________ 55 4 APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS _______________________________ 57 4.1 APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS RELATIVOS AOS MANUAIS DE PREVENÇÃO DO SUICÍDIO DO MSB E DA OMS______________________________ 57 4.1.1 Indicadores de risco do suicídio _________________________________________ 57 4.1.2 Mitos sobre o suicídio _________________________________________________ 65 4.1.3 Manejo _____________________________________________________________ 68 11 4.2 APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DADOS RELATIVOS AO QUESTIONÁRIO APLICADO JUNTO AOS PROFISSIONAIS DA SAÚDE _________________________ 82 4.2.1 Formação Profissional_________________________________________________ 83 4.2.2 Dos motivos que levam uma pessoa a tentar suicídio________________________ 86 4.2.3 Identificação dos fatores de risco de suicídio ______________________________ 90 4.2.4 Manejo e Intervenções realizadas nos casos que envolvem risco de suicídio ____ 97 4.2.5 Mitos sobre o suicídio ________________________________________________ 113 4.2.6 Sentimentos despertados no profissional_________________________________ 116 CONSIDERAÇÕES FINAIS_______________________________________________ 122 REFERÊNCIAS _________________________________________________________ 129 APÊNDICES ____________________________________________________________ 134 APÊNDICE A - TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO ________ 135 APÊNDICE B - PROTOCOLO DE REGISTRO PARA ANÁLISE DOCUMENTAL ___ 136 APÊNDICE C - Questionário para coleta de dados _______________________________ 137 12 1 INTRODUÇÃO Trata-se de pesquisa realizada como requisito da disciplina Trabalho de Conclusão de Curso II, articulada com as disciplinas Trabalho de Conclusão de Curso I, Núcleo Orientado em Psicologia da Saúde I, II e III, Estágio Específico em Psicologia da Saúde I e II. Tal articulação entre pesquisa e campo de estágio se refere à diretriz do Curso de Psicologia da Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL) em designar que o fenômeno de estudo a ser pesquisado como tema do trabalho realizado nas disciplinas de Trabalho de Conclusão de Curso I e II seja escolhido a partir do que o acadêmico observar e se interessar como manifesto na prática do estágio específico. No caso do presente trabalho, o Estágio Específico em Psicologia da Saúde está sendo realizado no Programa de Saúde Mental (PSM) do Município de São José, o qual conta com a parceria do Projeto de Extensão Time da Mente, do Curso de Psicologia da UNISUL campo de estágio ofertado pelo curso em referência. Este Programa, que funciona junto ao Centro de Saúde Bela Vista do Município de São José, constitui um serviço de referência em saúde mental para todo o município de São José, no qual são atendidos pacientes com transtornos mentais, encaminhados pelas equipes do Programa da Saúde da Família (PSF), vinculadas aos Centros de Saúde do município em questão. Para atender esses pacientes, o Programa de Saúde Mental (PSM) conta com a seguinte equipe de saúde: dois psiquiatras, duas enfermeiras, uma técnica em enfermagem, estagiários do curso de Psicologia da Universidade do Vale do Itajaí e estagiários de psicologia e alunos de extensão do Projeto Time da Mente, do Curso de Psicologia da UNISUL, implantado em agosto de 2006. O Projeto Time da Mente é dividido em subprojetos, de acordo com o objetivo e modalidade das atividades desenvolvidas por cada um deles, que resumidamente podem ser descritas em: atendimento individual, atendimento em grupo operativo, oficinas terapêuticas, realização de grupo temático relacionado às questões de alimentação, atividade física e autoestima, visitas domiciliares e grupo de orientação aos familiares dos pacientes atendidos pelo PSM. Portanto, os pacientes contam, para além do tratamento medicamentoso, com os atendimentos da psicologia, nas atividades desenvolvidas pelos estagiários e alunos de extensão do Projeto Time da Mente, de acordo com as necessidades apresentadas em processo de triagem, realizado também pelos estagiários do Projeto em questão. 13 Foi então, nas triagens e atendimentos realizados neste campo de estágio que se pôde observar que muitos dos pacientes atendidos pelo Programa de Saúde Mental apresentavam algum tipo de comportamento suicida1 (ideação suicida, histórico de tentativas de suicídio), percebendo-se, então, a necessidade de conhecimento do manejo adequado para prevenir o suicídio. Por este motivo é que se apresenta como tema central do presente trabalho o manejo que os profissionais da saúde empreendem para prevenir o suicídio em casos que envolvem tal risco. Seguidamente, desenvolver-se-á o tema proposto e a pesquisa que sobre ele se realizou nos tópicos: problemática e problema de pesquisa, justificativa, objetivo geral e específicos, marco teórico, método, apresentação e análise dos dados, referências bibliográficas e apêndice. 1.1 PROBLEMÁTICA E PROBLEMA DE PESQUISA A amplificação da concepção de saúde para além da ausência de doença é demarcada historicamente. Em 1945, após a Segunda Guerra Mundial, foi criada a Organização das Nações Unidas (ONU) com o objetivo de enfrentar os problemas decorrentes da Guerra, dentre os quais figuravam os relacionados à saúde. Por conseguinte, em 1947, a Organização Mundial da Saúde (OMS) é instituída para zelar pelas questões da saúde, que não se restringiam à dimensão biológica do corpo humano. É então, em 1948, que a OMS propõe uma nova concepção para o fenômeno saúde, rompendo com o modelo organicista que dominava naquele momento, passando a considerar saúde como o completo bem-estar físico, mental e social.2 Sobre essa perspectiva de saúde, Kahhale (2003) adverte, no entanto, que não há como se falar em saúde no sentido de uma plenitude, mas sim como a busca por um equilíbrio entre as diversas situações de mal e bem-estar constituintes da vida humana. Em suas palavras: “a saúde é um reflexo das capacidades de tolerância, compensação e adaptação de cada indivíduo, dos grupos e da sociedade em geral frente às condições ambientais, sociais, políticas e culturais nas quais estão inseridos”.(p.166) 1 O conceito de comportamento suicida é abordado posteriormente no capítulo do marco teórico. KAHHALE, Edna M. Peters. Psicologia na saúde: em busca de uma leitura crítica e uma atuação compromissada. In: BOCK, Ana Maria Mercês Bahia (org.). A perspectiva sócio-histórica na formação em Psicologia. Petrópolis: Vozes, 2003, p.162-165. 2 14 É sob essa nova visão integral de saúde, que busca atender as diversas dimensões do sujeito para além da dimensão biológica, que é instituído no Brasil o Sistema Único de Saúde (SUS). Conforme Kujawa e outros (2003, p.26) a integralidade deve ser compreendida sob dois aspectos. O primeiro, conforme os autores, é que “o ser humano é entendido como um todo não-fragmentado, integrado a uma comunidade e vivendo em um contexto específico”. Segundo, é que a integralidade diz respeito ao sistema que vai atender esse sujeito. De maneira que, se o ser humano deve ser compreendido em todos os aspectos que constituem a sua existência (orgânicos, psíquicos, sociais, econômicos, etc.), ele deve também ser atendido por um sistema de saúde que vise essa integralidade, de modo a absorver todas as esferas de atenção necessárias para que se dê conta dessa totalidade.3 Consoante à Constituição Federal, em seu art. 198 , II, as ações e serviços públicos em saúde contam com “atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais”.4 Como se pode depreender do dispositivo constitucional, a prevenção e promoção de saúde se apresentam como medida prioritária no que é relativo ao campo da saúde pública. E nesse aspecto é que a psicologia deve empreender no campo da saúde um papel desafiador, que é o de atuar em todos os níveis de atenção à saúde: promoção, prevenção, recuperação e reabilitação. Isto quer dizer, que a atuação do psicólogo em todos esses níveis, objetivando o alcance da integralidade, depende de se transcender a concepção clínico-psicológica para uma ação que vise à coletividade, numa atitude de pesquisador.5 Pesquisar fenômenos-problema em saúde, objetivando o conhecimento da realidade para intervir rumo à prevenção parece medida condizente com o preconizado pelo sistema de saúde atual, campo no qual a Psicologia necessita ingressar com esta perspectiva. E, é sob este aspecto que este trabalho pretende enfocar o fenômeno do suicídio, já que, muito embora a literatura descreva o suicídio como um fenômeno existente na humanidade desde os tempos mais antigos, nem sempre foi considerado como questão de saúde a merecer atenção e prevenção. Isto porque, segundo os autores que tratam do tema, o suicídio apresenta conotações diversas, dependendo do momento histórico e da cultura nos quais se dá sua 3 KUJAWA, Henrique; BOTH, Valdevir; BRUTSCHER, Volmir. Direito à saúde com controle social. Passo Fundo: Fórum Sul de Saúde (PR SC RS), Centro de Assessoramento Popular de Passo Fundo (CEAP), 2003, p. 26. 4 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 05 de outubro de 1988. 28 ed. Atlas S/A: São Paulo, 2007. 5 KAHHALE, 2003, p.174. 15 ocorrência6. Segundo Meleiro e Wang (1995), o suicídio pode ser considerado um ato heróico, como no caso dos kamikazes japoneses durante a Segunda Guerra Mundial. Conforme Dias (1991) apud Carvalho (1996), os jovens japoneses continuam a cometer o suicídio para defender a sua honra, seja em razão de uma nota baixa ou por serem reprovados no colégio.7 Na antiguidade e na Idade Média, o suicídio era visto como um ato criminoso ou mesmo como um atentado contra o Estado. A resposta dada a tal ato poderia ser desde a privação dos ritos fúnebres, da sepultura, maltrato ao cadáver, arrastando-o pelas ruas e o queimando publicamente até o confisco dos bens do suicida. Foi a partir do Renascimento, com o início da separação entre Igreja e Estado, conferindo-se uma maior autonomia da vida pessoal é que se passou a aliviar a criminalização em relação ao ato suicida.8 Foi então somente após alguns estudos sistematizados sobre o suicídio, a partir do final do século XIX, que se passou a pesquisar os fatores relacionados com a sua ocorrência para posteriormente tais fatores serem utilizados como indicadores de risco de suicídio. Segundo Meleiro e Wang (1995) destacam-se: em 1892, O Suicídio, de Emile Durkheim, que estudou o fenômeno a partir da sociologia, descobrindo a influência das forças coletivas sobre o irrompimento do ato suicida; em 1895, os estudos de Kraepelin, que identificou ocorrência do ato suicida como a evolução desfavorável de alguns Transtornos Psiquiátricos; em 1914, o artigo Luto e Melancolia, de Freud, no qual o autor apresenta a teoria de que o suicida “direciona primitivamente a hostilidade contra o objeto de amor perdido e, secundariamente, dirige contra si mesmo”9; em 1952, os estudos apresentados por Stengel, que demonstravam as diferentes características sociodemográficas das pessoas que tentavam o suicídio das daquelas que consumavam o ato; em 1960, o programa de prevenção do suicídio implementado nos Estados Unidos, no qual foi iniciada a utilização da técnica de autópsia psicológica, que tem por fim a reconstrução das características clínicas, psicológicas e sociais de quem cometeu suicídio.10 Parece que foi a partir dos resultados desses estudos que efetivamente estabeleceu-se a compreensão do suicídio como um fenômeno passível de prevenção. 6 MELEIRO, Alexandrina Maria Augusta da Silva; WANG, Yuan-Pang. Suicídio e tentativa de suicídio. In: LOUZà NETO, Mário Rodrigues et. al. Psiquiatria Básica. Porto alegre: Artes Médicas, 1995, p. 376-396, p. 377. 7 CARVALHO, Maria Margarida M. J. de. Suicídio: a morte de si próprio. In: BROMBERG, Maria Helena Pereira Franco; KOVÁCS, Maria Júlia; CARVALHO, Maria Margarida M. J. de; CARVALHO, Vicente A. de Carvalho. Vida e Morte: laços da existência. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1996, p. 87. 8 KALINA, Eduardo; KOVALDLOFF, Santiago. As Cerimônias da Destruição. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1983, p. 44-54. 9 MELEIRO; WANG, 1995, p. 377. 10 MELEIRO; WANG, 1995, p. 377. 16 Com efeito, atualmente, o suicídio está sendo considerado um problema de saúde pública e sua prevenção é medida que o Ministério da Saúde no Brasil, ante a política Internacional de Prevenção do Suicídio, implementada pela OMS, julgou necessária.11 E para que a população seja atendida da maneira preconizada pelo SUS já destacada, os profissionais de saúde necessitam estar preparados para identificar, abordar e manejar os riscos de ocorrência do suicídio.12 Daí é que surgem algumas questões relacionadas ao tema em referência que provocam a reflexão sobre: o que um profissional da saúde precisa saber para identificar o risco de suicídio e como abordar e manejar o possível suicida para prevenir a ocorrência do suicídio? São estes questionamentos que impulsionaram a presente pesquisa, que busca investigar a temática proposta, a partir do seguinte problema de pesquisa: Quais as características do manejo realizado por profissionais da saúde para prevenir o suicídio em casos que envolvem risco de suicídio? É fato que a Organização Mundial da Saúde está implementando uma política mundial de prevenção ao suicídio, compreendendo este fenômeno como um sério problema de saúde pública. Seguindo os passos da OMS, o Ministério da Saúde brasileiro em dezembro de 2005, baixa a portaria de n° 2.542/GM, que versa sobre a formação de um grupo de trabalho composto por representantes do governo, de organizações da sociedade civil e das universidades, com o objetivo de se estabelecer um Plano Nacional de Prevenção ao Suicídio. Na data de 14 de agosto de 2006, foi publicada pelo Ministério da Saúde a portaria de n° 1.876/GM, indicando as diretrizes que nortearão o plano de prevenção do suicídio. É realizado, em Porto Alegre/RS, nos dias 17 e 18 de agosto de 2006, o I Seminário Nacional de Prevenção ao Suicídio e no dia 30 do mesmo mês é lançado no Rio de Janeiro o Projeto ComViver, que tem como finalidade o acompanhamento para familiares de pessoas que cometeram suicídio. Em comemoração ao Dia Mundial da Saúde Mental, no dia 10 de outubro de 2006, é apresentado o Manual do Suicídio para Profissionais das Equipes de Saúde Mental e, por conseguinte, dá-se o lançamento da publicação: Referências Bibliográficas Comentadas sobre Suicídio, Sobreviventes e Família.13 Diante de todo esse, ainda, recente movimento voltado à prevenção do suicídio é que aparecem alguns questionamentos referentes ao que realmente tem acontecido neste 11 BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Estratégia Nacional de Prevenção do Suicídio. Portarias do Ministério da Saúde de nº 2.542/GM de 22 de dezembro de 2005 e de n° 1.876/GM de 14 de agosto de 2006. Disponível em <http://portal.saude.gov.br/portal/saude/cidadao/visualizar_texto.cfm?idtxt=25605> Acesso em: 31. mar. 2008. 12 ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. Prevenção do Suicídio: um manual para profissionais da saúde em atenção primária. Genebra, 2000, p.4. 13 BRASIL. MINISTÉRO DA SAUDE. Disponível em <http://portal.saude.gov.br/portal/saude/cidadao /visualizar_texto.cfm?idtxt=25605> Acesso em 31. mar 2008. 17 sentido na realidade. Os profissionais da saúde estão recebendo essas informações? Estão construindo uma prática voltada à prevenção preconizada pelas políticas atuais? Como estão sendo manejados os casos que envolvem o risco de suicídio? São as respostas a estas perguntas que se propôs buscar com a presente pesquisa. 1.2 JUSTIFICATIVA O manejo adequado do comportamento suicida é a essência da construção do trabalho de prevenção que objetiva beneficiar a população em termos mundiais e nacionais através dos planos e estratégias desenvolvidos para tanto. Estudiosos do tema em questão costumam referenciar pesquisas que revelam que a metade14 dos suicidas procurou um médico um mês antes de se matarem, ou até mesmo 60% a 70%15 revelaram abertamente que desejavam cometer o suicídio. Esses autores alertam para que todo comentário ou sinal de suicídio expresso pelo paciente deve ser tomado a sério, caso contrário, “ignorar um pedido de ajuda pode convencer adicionalmente o indivíduo da desesperança da situação”.16 Neste sentido, Kapczinski e outros (2001) alertam para que tanto a tentativa de suicídio bem como a ideação suicida não devem ser consideradas como “apenas para chamar a atenção”, mas se caracterizam como um tipo de atividade suicida, a qual denominam de “apelativa”, explicando que mesmo quando “alguém ‘manipula’ com sua própria vida na intenção de solucionar problemas ou ‘chamar atenção’, isso em si já é grave e merece uma avaliação cuidadosa, visto que existem outras formas de manipulação.”17. Mostra-se alarmante um estudo (RUDESTAM, 1971), citado por Holmes (1997) no qual é revelado que em torno da metade das pessoas que escutaram as ameaças suicidas, nada fizeram a respeito, negando o que haviam ouvido e em alguns casos passaram a evitar indivíduos com risco suicida18. 14 STERN et.al. (2004) apud MELEIRO, Alexandrina; TENG, Chei Tung. Fatores de Risco do Suicídio. In MELEIRO, Alexandrina; TENG, Chei Tung; WANG, Yan Pang. Suicídio: estudos fundamentais. São Paulo: Segmento Farma, 2004. p. 108-131, p.127. 15 Farberow & Simon, (1975) e Rudestam, (1971) apud HOLMES, David S. Psicologia dos Transtornos Mentais. 2 ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997, 566p, p.201. 16 HOLMES, David S. Psicologia dos Transtornos Mentais. 2 ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997, 566p. 17 KAPCZINSKI , Flávio; CHACHAMOVICH, Ricardo; SCHMITT, Eduardo. Risco de suicídio: avaliação e manejo. In KAPCZINSKI, Flávio; QUEVEDO, João; CHACHAMOVICH, Ricardo; SCHMITT, Eduardo. Emergências Psiquiátricas. Porto alegra: Artmed. 2001. p. 149-165, p. 161. 18 HOLMES, 1997, p. 201 18 Se por um lado, alguns dos autores destacados descrevem que o profissional da saúde deve estar extremamente atento para esse “pedido de socorro” do paciente que se encontra em risco de suicídio e que procura o serviço de saúde, por outro lado, alguns desses autores destacam um certo despreparo desses profissionais para lidar com a questão do suicídio. Neste sentido, é inevitável que se questione: como está no presente momento o preparo dos profissionais da saúde para lidar com a questão do suicídio e manejar os casos que envolvem esse tipo de risco? Dentre as diversas reações dos profissionais da saúde frente a pacientes em risco de suicídio, Pfützenreuter (2006, p.37) reflete sobre as dificuldades da equipe médica, a partir do que Alves (1992) expõe a respeito: Lidar com um paciente suicida não é fácil, ainda mais para a equipe médica, que trabalha em prol da saúde, e não compreende por que uma pessoa quer se matar. A equipe médica costuma reagir muito mal aos pacientes suicidas e na maioria das vezes os agridem perguntando-lhes por que não procuraram métodos mais eficazes para alcançar o objetivo do suicídio. Alguns chegam a sugerir maneiras mais adequadas de morrer, como por exemplo: “Pule embaixo de um trem”, “Salte do décimo andar” ou “Não tome apenas cinco comprimidos, mas sim umas duas caixas de sedativos”. Pfützenreuter (2006), objetivando realizar um mapeamento do suicídio na Grande Florianópolis, pesquisou em documentos institucionais (prontuários, laudos) de pessoas que haviam cometido ou tentado suicídio, dentro de um período de 6 meses (de setembro de 2005 a março de 2006), os principais dados registrados sobre o fato ocorrido. Além da citada pesquisa documental, a pesquisadora realizou entrevistas com profissionais da saúde que atendiam casos que envolviam suicídio ou risco de suicídio. Dentre as diversas constatações da pesquisadora, destaca-se: que os profissionais da saúde entrevistados comentaram sentir falta de uma capacitação a fim de compreender melhor o suicídio e a fim de saber como lidar com esse tipo de paciente. Contudo, de acordo com a pesquisadora, a preocupação desses profissionais sobre os casos de pacientes em risco de suicídio voltava-se mais sobre a responsabilidade profissional e da instituição pela possível ocorrência do suicídio, do que sobre o sofrimento e a saúde do sujeito com comportamento suicida. Segundo Pfützenreuter (2006), um dos profissionais, na entrevista, contou sentir raiva dos pacientes que tentam tirar a própria vida, enquanto outros lutam para viver (p.71). Por conseguinte, mostra-se de fundamental importância que os profissionais da saúde estejam conscientes da gravidade dos casos que envolvem risco de suicídio e do sofrimento que leva ao comportamento suicida, bem como que estejam preparados para o reconhecimento dos fatores de risco da possível 19 ocorrência de suicídio para a prática interventiva no momento em que se defrontarem com o fenômeno em questão. Meleiro, Fensterseifer e Werlang enfatizam que “durante o exercício da profissão, quase metade dos psiquiatras e aproximadamente 20% dos psicólogos perdem algum paciente, em tratamento, por suicídio”19 e que “abordagens inadequadas podem aumentar potencialmente o risco de comportamento suicida em indivíduos vulneráveis, particularmente em jovens”20. Tais dados demonstram que os benefícios sociais dos resultados de uma pesquisa acerca do manejo dos casos que envolvem risco de suicídio alcançam toda a população atendida, bem como os profissionais que têm de lidar com o comportamento suicida na sua intervenção. Gabbard (2006) cita um estudo (Chemtob e outros, 1988) que denuncia os altíssimos níveis de estresse que psiquiatras experenciaram após perderem um paciente que cometeu suicídio, chegando ao nível equivalente ao estresse vivenciado no pósmorte de um familiar.21 Deste modo, pesquisar as características desse tipo de intervenção pode contribuir para a sistematização das intervenções dos profissionais da saúde em relação a como manejar os riscos de suicídio e, ainda, pode-se contribuir com uma possível avaliação desse manejo com base no conhecimento dessas intervenções. Outrossim, pode-se considerar que pesquisar sobre o manejo dos casos que envolvem risco de suicídio parece se apresentar como uma medida de segurança tanto para a população atendida como para os profissionais de saúde que atendem essa população. Em termos de números oficiais, publicados pela OMS, são muitas as estatísticas que fundamentam as políticas de prevenção do suicídio e que por ora demonstram a relevância social da presente pesquisa, à medida que revelam a quantidade de pessoas que podem ser beneficiadas com estudos voltados à prevenção do suicídio. Em termos mundiais, nos últimos 45 anos, a mortalidade por suicídio aumentou 60% e somente no ano de 2003 o número de mortes por suicídio foi de aproximadamente 900 mil pessoas, o que representa uma morte a cada 35 segundos. Em relação ao número de tentativas de suicídio, estima-se que estas ultrapassem o número de suicídios em pelo menos 10 vezes. Na faixa etária entre 15 e 35 anos, o suicídio está entre as três maiores causas de morte, de maneira que a taxa de mortalidade global por suicídio vem mudando progressivamente do grupo dos mais idosos 19 MELEIRO, Alexandrina M. A. S.; FENSTERSEIFER, Liza; WERLANG, Blanca Guevara. Esforços para prevenção. In: WERLANG, Blanca Guevara; BOTEGA, Neury José. Comportamento Suicida. Porto alegre: Artmed, 2004, p. 141-152, p. 142. 20 WASSERMAN (2001) apud MELEIRO, Alexandrina M. A. S.; FENSTERSEIFER, Liza; WERLANG, Blanca Guevara. Esforços para prevenção. In: WERLANG, Blanca Guevara; BOTEGA, Neury José. Comportamento Suicida. Porto alegre: Artmed, 2004, p. 141-152, p. 150. 21 GABBARD, G.O. Psiquiatria Psicodinâmica. 4.ed. Porto Alegre: Artmed, 2006, p. 168. 20 para o grupo dos mais jovens.22 Em relação ao grupo jovem, Souza e cols. (2002)23 realizaram uma pesquisa em nove capitais brasileiras que revelou que os jovens estão morrendo mais por causas violentas do que por causas biológicas, tendo sido observado um aumento de 27,6% no índice de mortalidade por causas externas entre os indivíduos de 15 a 24 anos, no período entre 1979 e 1998. Dentre elas, o suicídio aparece como a sexta causa. Outro aspecto importante a ser levantado sobre a relevância em pesquisar o manejo como possibilidade de prevenção do comportamento suicida é relativo ao sofrimento das pessoas que perdem alguém por suicídio. Segundo a OMS, para cada suicídio há em média, 5 ou 6 pessoas próximas ao falecido que sofrem conseqüências emocionais, sociais e econômicas.24 Ou seja, o manejo adequado dos casos que envolvem comportamento suicida pode prevenir, também, o impacto que uma morte por suicídio causa na vida das pessoas com relação próxima ao suicida. Além de alcançar os profissionais que atendem os casos que envolvem risco de suicídio, a população que precisa desse tipo de atendimento profissional, os familiares que sofrem com a situação e possivelmente contribuir para a sistematização do conhecimento relativo ao tema do suicídio, o manejo como possibilidade de prevenção do suicídio pode alcançar ainda questões relativas à economia e ao sistema produtivo. Segundo os dados da OMS, as tentativas de suicídio configuram-se como a sexta causa de incapacitação de indivíduos entre 15 e 44 anos e no ano de 2002 foram responsáveis por 1,4% do ônus global ocasionado por doenças e estima-se que em 2020 chegará a 2,4%.25 Será que os profissionais da saúde não deveriam estar preparados para atender esses casos e manejar os riscos de suicídio, inclusive como forma de contribuir para o desenvolvimento do país? No Brasil, muito embora as taxas nacionais sejam consideradas pela OMS como relativamente baixas (de 3,9 a 4,5 suicídios por 100.000 habitantes ao longo de um ano), são diversos os aspectos ocultos por essa estatística geral, que ao se revelarem, tornam o suicídio no Brasil um fenômeno de preocupação, que merece ser estudado e prevenido. O primeiro desses aspectos é que, sendo o Brasil um país populoso, o número total de suicídios ocorridos coloca-o entre os 10 países com maiores números absolutos (7.987 suicídios no ano de 2004). Um segundo aspecto se refere à proporção em que os números vêm crescendo: em 20 anos 22 BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Prevenção do Suicídio: manual dirigido a profissionais das equipes de saúde mental. Estratégia Nacional de Prevenção do Suicídio. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Área Técnica de Saúde Mental. 2006, p.07. 23 Souza e cols. (2002) apud WANG, Yuan Pang; MELLO-SANTOS, Carolina de; BERTOLOTE, José Manoel. Epidemiologia do Suicídio. In MELEIRO, Alexandrina; TENG, Chei Tung; WANG, Yan Pang. Suicídio: estudos fundamentais. São Paulo: Segmento Farma, 2004. p. 97-108, p.105. 24 BRASIL, 2006, p.07. 25 BRASIL, 2006, p.07. 21 (de 1994 a 2004) o aumento proporcional das taxas foi de 16,4% para os homens e de 24,7% para as mulheres. Outro aspecto de extrema relevância é que as taxas no Brasil variam desproporcionalmente entre os Estados, ficando a região Sul com as mais altas taxas de suicídio no Brasil, comparáveis com as taxas de outros países, consideradas médias e elevadas pela OMS.26 Um estudo internacional sobre o comportamento suicida nos continentes estimou que nas próximas décadas, os países em desenvolvimento presenciarão um devastador aumento das taxas de suicídio, explicado por fatores socioeconômicos e comportamentais que incitarão o comportamento autodestrutivo, como, por exemplo, aumento de divórcios, desemprego e diminuição da religiosidade. 27 A constatação desse estudo reforça ainda mais a necessidade de os profissionais da saúde estarem preparados para manejar os riscos de suicídio como possibilidade de prevenção do suicídio em atendimento à futura demanda estimada. Voltando-se para o Sul do país, região na qual se realizou a presente pesquisa, a preocupação se torna ainda maior. De acordo com os dados apresentados pelo SIM (Sistema de Informação de Mortalidade do Ministério da Saúde)28, o estado de Santa Catarina apresenta a segunda maior taxa de mortalidade por suicídio em homens dentre os estados brasileiros, sendo superado apenas pelo estado do Rio Grande do Sul e, entre as taxas de mortalidade por suicídio em mulheres, Santa Catarina fica na quinta posição e o estado do Rio Grande do Sul, na quarta. Essas informações demonstram a relevância em se pesquisar como estão sendo manejados os casos que envolvam o risco de suicídio nesta localidade. Contudo, ainda que, as estatísticas, como apresentadas, já suficientemente demonstrem a gravidade do suicídio e a necessidade em se efetivar um plano de intervenção para prevenção dos casos que envolvam tal risco, infere-se que tais estatísticas que descrevem a epidemiologia do suicídio se apresentam em números inferiores ao que realmente acontece na realidade. Os estudiosos do fenômeno em referência enfatizam a questão da relativização dos dados29, em razão da subnotificação e da dificuldade dos registros desse tipo de morte, por diversas razões: o estigma e preconceito em relação ao suicídio, que leva muitas vezes a família ou as autoridades a evitar a notificação por suicídio; dificuldade em identificar a real 26 BRASIL, 2006, p. 09-10. DEKSTRA; GUILBINAT (1993) apud WANG, Yuan Pang; MELLO-SANTOS, Carolina de; BERTOLOTE, José Manoel. Epidemiologia do Suicídio. In MELEIRO, Alexandrina; TENG, Chei Tung; WANG, Yan Pang. Suicídio: estudos fundamentais. São Paulo: Segmento Farma, 2004. p. 97-108, p.104 28 BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Secretaria de Vigilância em Saúde. Sistema de Informação de Mortalidade. Perfil epidemiológico dos Suicídios. Brasil e Regiões, 1996 a 2002 Tentativa suicídio Brasil 2003. Disponível em < http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/Suicidios.pdf>. Acesso em: 16 abr. 2008. 29 HOLMES, 1997, p.199; WERLANG, BOTEGA e cols., 2004, p 46; MELEIRO, TUNG TENG E WANG, 2004, p. 101; CASSORLA, 1991, p.42. 27 22 causa do óbito (acidente ou suicídio; homicídio ou suicídio) e no caso das tentativas, que dificilmente são registradas nos prontuários. Em relação às tentativas de suicídio, há um estudo realizado no Brasil que não pode deixar de ser abordado. É o estudo multicêntrico de intervenção no comportamento suicida – Supre-Miss, fomentado pela Organização Mundial da Saúde. Tal estudo faz parte do programa Supre- Miss, da OMS, o qual é difundido em 13 países e tem como objetivos a avaliação de estratégias de tratamento para o suicídio, um inquérito populacional relativo à ideação, ao comportamento suicida e uma descrição de índices socioculturais da comunidade pesquisada.30 No Brasil, o estudo (inquérito populacional) foi realizado em 2003, na região urbana de Campinas/SP, em parceria com a UNICAMP, chegando-se aos seguintes resultados: de cada 100 habitantes, ao longo da vida, 17 pensam em se matar, 5 tem um plano para tanto, 3 tentam o suicídio e dessas três que tentaram, apenas uma delas buscou atendimento médico em decorrência da tentativa de suicídio.31 Deste modo, podemos inferir que realmente as estatísticas não dão conta da dimensão do fenômeno, pois de 17 pessoas com comportamento suicida, apenas uma delas chega ao serviço de saúde em decorrência da tentativa. Pfützenreuter (2006) pôde observar essa subnotificação através do já comentado estudo que realizou. A pesquisadora observou “que as instituições não costumam notificar os casos de tentativa de suicídio” (p.77) e em relação aos documentos nos quais deveriam constar as informações acerca do comportamento ou ato suicida, ela adverte que há [...] falta de precisão nas informações sobre os sujeitos e sobre o ato suicida, o que mostra que os dados nem sempre podem ser confiáveis. E esse é um problema, de acordo com a teoria, enfrentado em todas as pesquisas sobre o suicídio, e torna os estudos sobre a prevalência e a incidência deste ato um tanto quanto inexatas. Os hospitais muitas vezes não registram a tentativa de suicídio nos prontuários, além de não notificarem a polícia. E os documentos de óbito nem sempre têm como causa da morte o suicídio, seja pelo fato da dificuldade de determiná-la ou pelo fato da família pedir que não a indiquem. (p. 77) Há outro aspecto que justifica a consecução da presente pesquisa e está relacionado com o campo de estágio, com o qual se encontra articulada. Explica-se: no Programa de Saúde Mental do município de São José é que se empreende as ações do Projeto de Extensão Time da Mente do curso de psicologia da UNISUL, que é o campo de estágio ao qual o presente trabalho encontra-se articulado e no qual foi identificado o fenômeno objeto da presente pesquisa, uma vez que, muitos dos pacientes do referido programa, atendidos 30 BOTEGA, José N.; MAURO, Maria Lúcia F.; CAIS, Carlos F. da S. Estudo Multicêntrico de Intervenção no comportamento suicida – Supre-Miss - Organização Mundial da Saúde. In WERLANG, Blanca Guevara; BOTEGA, Neury José. Comportamento Suicida. Porto alegre: Artmed, 2004, p. 175-182, p. 180. 31 BRASIL, 2006, p.11. 23 pelos estagiários e pelos alunos de extensão do Projeto Time da Mente, apresentavam história de tentativa de suicídio ou ideação suicida, fato que preocupava estes estagiários e alunos em relação ao manejo com esses pacientes. Além disso, a literatura consultada32 dispõe que são dois os principais fatores de risco de suicídio: história de tentativas de suicídio e a incidência de transtornos mental, dentre estes, os que mais apresentam ocorrência de tentativas de suicídio ou suicídio são os transtornos de humor e os transtornos mentais e de comportamento decorrentes do uso de substâncias psicoativas, principalmente o alcoolismo. Neste sentido, é interessante ressaltar que do estudo epidemiológico realizado pelo Projeto de Extensão Time da Mente no ano de 200633, que foi efetivado como diagnóstico institucional do citado Programa de Saúde Mental do município de São José para planejamento das ações a serem desenvolvidas pela equipe de psicologia, colhe-se que os transtornos mentais com maior incidência são justamente os transtornos de humor (35,89%) e o transtorno devido ao uso de substâncias psicoativas (22,39%), principalmente o alcoolismo. Desta forma, estes dados revelam que a maior parte dos pacientes do Programa de Saúde Mental do município de São José apresenta os transtornos mentais mais relacionados com o risco de suicídio, e que são considerados como um dentre os dois principais fatores de risco de suicídio pela literatura destacada, e que por outro lado também fundamenta o fato da equipe do Projeto Time da Mente (estagiários e alunos de extensão) deparar-se com o fenômeno em questão. No mapeamento realizado por Pfützenreuter (2006), “os transtornos depressivos apareceram em grande parte dos casos, indo ao encontro do que a literatura diz” (p.77). Desta forma, há mais um ponto relevante que justifica a realização da presente pesquisa, cujo objetivo é de caracterizar o manejo dos profissionais da saúde em casos que envolvem risco de suicídio, que é o de fornecer subsídios que possam contribuir para realização de futuros estudos, pesquisas e planejamento de intervenções do Projeto de Extensão referido. Por fim, merecem destaque alguns aspectos referentes à relevância científica desta pesquisa, no que diz respeito à fragilidade da literatura nacional, principalmente em relação à psicologia. A literatura brasileira se mostra um tanto reticente em relação ao tema do suicídio. Do levantamento bibliográfico realizado, encontrou-se a psicologia como uma ciência bastante tímida na produção de conhecimento relativo às questões do suicídio e principalmente em relação ao manejo dos casos que envolvem o risco de suicídio. Do que foi encontrado, a psiquiatria é que mais tem produzido e publicado sobre o tema proposto. 32 BRASIL, 2006, p. 17; MELEIRO et al., 2004, p. 117; WERLANG e BOTEGA, 2004, p. 41; HOLMES, 1997, p. 204; KAPCZINSKI, 2001, p. 155-156; GABBARD, 2006, p.161. 33 STOTZ, Maria do Rosário et al. Mapeamento da população atendida pelo Programa de Saúde Mental. In Projeto de Extensão Time da Mente. Curso de Psicologia. UNISUL, Palhoça, 2006. 24 Segundo Gattaz34 (2004) muito embora seja inconteste a relevância em estudar o suicídio para a prática profissional do psiquiatra, é surpreendente a carência de trabalhos brasileiros sobre o tema. O autor cita que de 35 mil publicações indexadas no Medline (base de dados de literatura internacional em ciências da saúde), somente cerca de 60 delas são provenientes do Brasil. Não é diferente o que foi constatado no estudo descritivo realizado por Seminotti, Paranhos e Thiers (2006), cujo objetivo foi de realizar um levantamento bibliográfico dos estudos indexados que versassem sobre intervenção em crise e suicídio, a partir da consulta nas bases de dados Scielo, Proquest e PsycINFO. As autoras utilizaram como um dos critérios de análise dessas publicações os tipos de intervenções empregadas nos casos de crise em suicídio e descobriram que: a) não existem trabalhos brasileiros indexados sobre a intervenção a ser realizada nos casos de crise em suicídio nas bases de dados pesquisadas; b) que mesmo nos estudos internacionais foram encontrados pouquíssimos trabalhos empíricos que descrevem a intervenção para as crises em suicídio e c) que dos trabalhos encontrados que descrevem possíveis intervenções a serem realizadas nos casos de crise em suicídio, estes apresentam alguns passos a serem seguidos, mas que não há um padrão de intervenção entre os trabalhos analisados.35 Deste modo, é possível perceber que a escassez de publicações referentes à intervenção a ser realizada nos casos que envolvem o risco de suicídio é apontada por alguns estudiosos da área da saúde, que sentem a necessidade de uma sistematização do conhecimento acerca de como intervir nesses casos, como possibilidade para prevenção do suicídio. Pensa-se que esta também seja uma necessidade que se apresenta para os profissionais da psicologia, muito embora pareça que o tema não tem merecido a devida atenção por esta área do conhecimento. A reflexão que se faz é que o psicólogo é um profissional que inevitavelmente tem de lidar com o comportamento suicida e que pela natureza de sua profissão, é competente para perceber esse fenômeno como um estado de extremo sofrimento para o sujeito. Quais serão então os motivos da falta de publicações de trabalhos pela ciência psicológica? Será que os psicólogos utilizam técnicas e metodologias para intervir nos casos que envolvem risco de suicídio? E se têm realizado intervenções nesses casos, não estão comunicando à comunidade científica os resultados de sua prática? Ou será que as intervenções dos psicólogos nesses casos estão baseadas no conhecimento 34 GATTAZ, Wagner Farid. Prefácio. In MELEIRO, Alexandrina; TENG, Chei Tung; WANG, Yan Pang. Suicídio: estudos fundamentais. São Paulo: Segmento Farma, 2004. p. 11-12, p.11. 35 SEMINOTTI, Elisa Pinto; PARANHOS, Mariana Esteves; THIERS, Valéria de Oliveira. Intervenção em crise e suicídio: análise de artigos indexados. Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, 2006. Disponível em: < http://www.psicologia.com.pt/artigos/ver_artigo.php ?codigo=A0297 &area =d5&subarea=>. Acesso em: 20 abr. 2008. 25 produzido por outras áreas da ciência, como a psiquiatria? Portanto, colocar o tema do suicídio em questão e pesquisar como os profissionais da saúde estão manejando os casos que envolvem risco de suicídio parece uma forma de contribuir para a sistematização do conhecimento sobre o fenômeno do suicídio, demonstrando-se a relevância científica da presente pesquisa. 1.3 OBJETIVOS 1.3.1 Objetivo Geral Caracterizar o manejo que profissionais da saúde realizam para prevenir o suicídio em casos que envolvem risco de suicídio. 1.3.2 Objetivos específicos a) Identificar os critérios relacionados com as situações de risco de suicídio indicados nos Manuais de prevenção do suicídio (Ministério da Saúde do Brasil e Organização Mundial da Saúde). b) Caracterizar o manejo dos casos que envolvem risco de suicídio preconizado pelos manuais de prevenção do suicídio (Ministério da Saúde do Brasil e Organização Mundial da Saúde). c) Identificar os critérios que profissionais da saúde utilizam para reconhecer situação de risco de suicídio. d) Caracterizar os procedimentos que os profissionais da saúde utilizam para prevenir o suicídio nos casos em que identificam o risco de suicídio. e) Comparar o manejo empreendido pelos profissionais da saúde para prevenção de suicídio em casos que envolvem risco de suicídio com o que é preconizado pelas organizações responsáveis pela elaboração de programas e estratégias de prevenção do suicídio (Ministério da Saúde do Brasil e Organização Mundial da Saúde). 26 2 MARCO TEÓRICO 2.1 PROFISSIONAIS E SERVIÇOS DE SAÚDE QUE ATENDEM PESSOAS COM RISCO DE SUICÍDIO Para caracterizar o manejo que os profissionais da saúde realizam para prevenir o suicídio em casos que envolvem risco de suicídio, torna-se oportuno, num primeiro momento, delinear quais são os profissionais de saúde e, em que serviços de saúde estão esses profissionais, que se deparam com casos que envolvem risco de suicídio na sua prática profissional. Por conseguinte, ao suscitar quais serviços e profissionais de saúde se deparam com o fenômeno em comento, cabe retomar alguns aspectos da estrutura do Sistema de Saúde vigente no Brasil, o SUS. Em atendimento ao princípio da integralidade do SUS e por intermédio da diretriz da hierarquização dos serviços do SUS, a atenção à saúde é dividida em três níveis: atenção básica, atenção de média complexidade e atenção de alta complexidade, isto é, da promoção e prevenção da saúde até as atividades terapêuticas e de reabilitações, que funcionam em estruturas como: centros ou postos de Saúde (controle e prevenção, com o apoio das equipes de PSF), policlínicas e hospitais (atividades de apoio diagnóstico e terapêutico) e hospitais gerais e especializados (serviços que demandam profissionais e estrutura tecnológica com alta capacidade resolutiva).36 A atenção em Saúde Mental está dentre as ações do SUS e segue, portanto, seus princípios e diretrizes: tratamento ambulatorial em Postos ou Centros de Saúde, por intermédio das equipes de PSF, supervisionadas pelas equipes matriciais de saúde mental (atenção básica); atendimentos especializados nos CAPS I, CAPS II, CAPS álcool e drogas e CAPS Infância e adolescência (média complexidade); CAPS III e hospitais gerais e especializados (alta complexidade).37 Com efeito, são os profissionais da saúde que atuam em todos esses níveis de atenção à saúde que podem se deparar com o fenômeno do comportamento suicida, além, ainda, dos profissionais de saúde que exercem sua atividade em estabelecimentos particulares. 36 KUJAWA, et al., 2003, p. 26-29 e 46-47. BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Secretaria de Atenção à Saúde. DAPE. Coordenação Geral de Saúde Mental. Reforma psiquiátrica e política de saúde mental no Brasil. Documento apresentado à Conferência Regional de Reforma dos Serviços de Saúde Mental : 15 anos depois de Caracas. OPAS. Brasília, novembro de 2005, p.24-25. Disponível em: < http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/Relatorio15%20 anos%20 Caracas.pdf>. Acesso em: 28 jun. 2008. 37 27 Portanto, faz sentido que também os Manuais de Prevenção do Suicídio produzidos para profissionais da saúde sejam elaborados com base nessa distribuição em níveis de atenção, quais sejam: Manual para profissionais da saúde em Atenção Primária38, Manual para Médicos Clínicos Gerais39, Manual dirigido a profissionais das equipes de saúde mental40, de forma que estes documentos são destinados desde aos agentes comunitários de saúde, técnicos em enfermagem, médicos generalistas e enfermeiros de equipes de PSF da atenção básica, até aos profissionais das mais diversas áreas que atuam no campo da saúde, em média e alta complexidade, sejam médicos generalistas, psicólogos, fisioterapeutas, farmacêuticos, terapeutas ocupacionais, fonoaudiólogos, assistentes sociais, enfermeiros, médicos psiquiatras, médicos neurologistas e de outras especialidades, dentre outros. Pfützenreuter (2006) refletiu sobre o atendimento de pessoas com comportamento suicida, cogitando os locais e profissionais que recebem essas pessoas para atendimento, observando que: O Mapa do Suicídio na Grande Florianópolis toma como base um possível caminho que o sujeito suicida trilha até chegar ao êxito de sua ação. Após a tentativa, ele pode parar num hospital geral. Após várias tentativas o sujeito pode acabar sendo encaminhado para uma internação num hospital psiquiátrico. Ao sair dessa internação, pode ter um acompanhamento no CAPS. E se ele conseguir cometer o ato suicida e alcançar o óbito, a polícia é chamada e o corpo é encaminhado ao IML. Apesar do sujeito ter supostamente passado por tantas instituições, ele conseguiu efetivamente morrer. Fica então visível que essas instituições não formam uma rede de assistência ao sujeito suicida, pois não são interligadas entre si e nem conhecem tal população. (p.76-77) Vale lembrar que a pesquisa de Pfützenreuter (2006) tinha como objetivo mapear os principais registros sobre suicídio e tentativas de suicídio na Grande Florianópolis, recorte de modalidades de comportamento suicida que dirigiram à coleta de dados da citada pesquisa em instituições de níveis de atenção à saúde de média e alta complexidade. Contudo, o comportamento suicida abarca muitas outras modalidades que se apresentam de maneira mais sutil e não de forma tão manifesta como no caso da tentativa de suicídio. Então, o manejo desses casos que envolvem o risco de suicídio não tão evidente como possibilidade de prevenção pode, muitas vezes, depender da atividade profissional de qualquer um dos níveis de atenção do sistema de saúde. Entende-se, portanto, que qualquer dos profissionais da 38 ORGANIZAÇAO MUNDIAL DA SAUDE. Prevenção do Suicídio: Um Manual para Profissionais da Saúde em Atenção Primária. Departamento de Saúde Mental: Genebra, 2000. 39 ORGANIZAÇAO MUNDIAL DA SAUDE. Prevenção do Suicídio: Um Manual para Médicos Clínicos Gerais. Departamento de Saúde Mental: Genebra, 2000. 40 BRASIL, 2006. 28 saúde, de quaisquer níveis de atenção à saúde, pode se deparar com uma pessoa em risco de suicídio, em suas mais diversas manifestações. Reflete-se que deve ser por este motivo que dentre as diretrizes brasileiras para um Plano Nacional de Prevenção do Suicídio, do Ministério da Saúde do Brasil, esteja a de “promover a educação permanente dos profissionais de saúde das unidades de atenção básica, inclusive do Programa Saúde da Família, dos serviços de saúde mental, das unidades de urgência e emergência, de acordo com os princípios da integralidade e da humanização41.” Dentre as ações promovidas com objetivo de transmitir o conhecimento do fenômeno em questão e de como preveni-lo estão os já citados manuais, que por ora serão utilizados como fontes da investigação das características do manejo que os profissionais da saúde realizam em casos que envolvem o comportamento suicida. No Manual de Prevenção de Suicídio para Profissionais da Saúde em Atenção Primária, da OMS, é justificada a sua elaboração com enfoque na equipe deste nível básico de atenção à saúde, por meio das seguintes razões: • A equipe de atenção primária tem um longo e próximo contato com a comunidade e são bem aceitos pela população local. • A equipe provê um elo vital entre a comunidade e o sistema de saúde. • Em muitos países em desenvolvimento, onde os serviços de saúde mental não estão bem estruturados, o profissional de atenção primária é freqüentemente o primeiro recurso de atenção à saúde. • O seu conhecimento da comunidade permite-lhe reunir o apoio dos familiares, amigos e organizações. • Esse profissional está em posição de oferecer cuidado continuado. • É também a porta de entrada aos serviços de saúde para os que deles necessitarem. (p. 05) O Manual de Prevenção ao Suicídio destinado aos Profissionais da Saúde Mental, do Ministério da Saúde do Brasil, enfoca o manejo que os profissionais das equipes de saúde mental devem realizar em casos que envolvam o comportamento suicida, principalmente no que se refere aos profissionais que atuam nos CAPS, com o fundamento de que “uma vez que várias doenças mentais se associam ao suicídio, a detecção precoce e o tratamento apropriado dessas condições são importantes na sua prevenção”42, sendo o principal objetivo do citado material a “transmissão de informações básicas que possam orientar a detecção precoce de 41 BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Portaria Nº 1.876/GM de 14 de agosto de 2006. Diretrizes da Estratégia Nacional de Prevenção do Suicídio. Disponível em <http://portal.saude.gov.br/portal/saude/ cidadao/visualizar_texto.cfm?idtxt=25605>. Acesso em 31 mar. 2008. 42 TEMPORÃO, José Gomes. In BRASIL. Ministério da Saúde. Prevenção do Suicídio: Manual dirigido aos profissionais das equipes de saúde mental, 2006, p. 05. 29 certas condições mentais associadas ao comportamento suicida, bem como o manejo inicial de pessoas que se encontrem sob risco suicida e medidas de prevenção”43. Em relação ao Manual destinado aos Médicos Clínicos Gerais, da OMS, ressaltese que o objetivo de sua elaboração em “destacar os principais transtornos e outros fatores associados com o suicídio e prover informações referentes à identificação e ao manejo de pacientes suicidas”44 aos médicos clínicos gerais, tomou por base a dificuldade enfrentada por estes profissionais quando se deparam com o suicídio, descrevendo o citado documento que “as reações comumente vivenciadas pelos médicos que passaram por este evento são descrença, perda de confiança, raiva e vergonha (...) sentimentos de inadequação profissional, dúvidas sobre a própria competência e medo de perder a reputação.45” Portanto, ante aos mais diversos objetivos dos citados manuais, independentemente da formação profissional de seus destinatários, considera-se que a investigação do manejo dos casos que envolvem risco de suicídio como possibilidade de prevenção engloba os profissionais da saúde em geral, tendose em vista os diferentes graus de manifestação do comportamento suicida e também que este potencial suicida pode buscar auxílio profissional em serviços de quaisquer dos níveis de atenção à saúde. Passa-se então a reflexão do que alguns estudiosos do tema compreendem por comportamento suicida e como entendem que este se apresenta em diferentes dimensões. 2.2 SUICÍDIO E COMPORTAMENTO SUICIDA Suicídio, etimologicamente significa “a morte de si mesmo” (do latim sui = si mesmo e caedes = ação de matar).46 Muito embora possa parecer, à primeira vista, que a definição de suicídio possa ser descrita de forma tão simples, tal conceito está longe de alcançar todos os aspectos abarcados pelo comportamento suicida, como sugerem alguns estudiosos do fenômeno em questão47. Cassorla (2004), ao refletir sobre o conceito etimológico do suicídio, “até as últimas conseqüências”, conclui que “todas as mortes são ‘de 43 TEMPORÃO, 2006, p. 05. ORGANIZAÇAO MUNDIAL DA SAUDE. Prevenção do Suicídio: Um Manual para Médicos Clínicos Gerais. Departamento de Saúde Mental: Genebra, 2000, p.03. 45 ORGANIZAÇAO MUNDIAL DA SAUDE, 2000, p.03. 46 MELEIRO, A. e BAHLS, S. O Comportamento Suicida. In MELEIRO, Alexandrina; TENG, Chei Tung; WANG, Yan Pang. Suicídio: estudos fundamentais. São Paulo: Segmento Farma, 2004. p.13-36. p. 14. 47 DURKHEIM, 2000, p.09; CASSORLA, 2004, p. 20.; MELEIRO e BAHLS, 2004, p. 14. 44 30 si mesmo’, já que parece claro que estamos geneticamente programados para morrer.”48 Durkheim (2000) assinala que “as palavras da língua usual, tal como os conceitos que elas exprimem, são sempre ambíguas, e o cientista que as empregasse tal qual as recebe do uso e sem submeter a maior elaboração estaria exposto às mais graves confusões”.49 Neste sentido, observando o cuidado recomendado pelos citados autores, passa-se à reflexão de qual conceito embasa o conhecimento necessário acerca do fenômeno do suicídio para fins da caracterização do manejo dos casos que envolvem risco de suicídio, como possibilidade de prevenção. Na verdade, o ato de auto-eliminar-se, tenha ele como resultado a eficácia letal ou não, é alvo das mais diversas divergências entre os estudiosos do suicídio. Tais divergências estão relacionadas a questões referentes à consciência, à motivação, à intencionalidade e à letalidade do ato suicida. Isto é, a concepção de suicídio pode partir de um sentido mais estrito, qual seja, “as mortes em que o indivíduo, voluntária e conscientemente, executa um ato ou adota um comportamento que ele acreditava que determinaria a sua morte”50 até um sentido mais amplo, a partir do qual se incluiria todos os comportamentos auto-destrutivos, tais como o abuso de drogas, dirigir imprudentemente, a desobediência de prescrições médicas, trabalho excessivo, dentre outros, considerados, pela literatura como os suicidas crônicos51 ou, ainda, casos demarcados por aspectos inconscientes, como os suicídios praticados por “indivíduos com perturbação mental (delirantes, alucinados) e de crianças, as quais não têm consciência da irreversibilidade da morte”52. É no percurso transcorrido entre o sentido mais estrito ao sentido mais amplo que são travadas as discussões acerca de quais dos aspectos e graus desses aspectos (consciência, motivação, intencionalidade e letalidade do ato suicida) devem ser destacados e considerados para demarcar o fenômeno em referência. Pensa-se que todos esses aspectos devam ser considerados. E para tanto, encontra-se a solução para abarcar todos esses aspectos que compõem o ato autodestrutivo, na concepção acolhida pela OMS de comportamento suicida, também adotada por Werlang e Botega (2004), a saber: [...] todo ato pelo qual um indivíduo causa lesão a si mesmo, qualquer que seja o grau de intenção letal e de conhecimento do verdadeiro motivo desse ato. Essa noção possibilita conceber o comportamento suicida ao longo de um continuum: a partir de 48 CASSORLA, R. M. S. Suicídio e autodestruição humana In WERLANG, Blanca G. e BOTEGA, Neury J. Comportamento Suicida. Porto alegre: Artmed, 2004. p. 21-33, p.21. 49 DURKHEIM, Émile. O suicídio: estudos de sociologia. São Paulo: Martins Fontes, 2000. p.09. 50 MELEIRO; BAHLS, 2004, p. 15. 51 MENNINGER (1970) apud MELEIRO, A. e BAHLS, S. O In MELEIRO, Alexandrina; TENG, Chei Tung; WANG, Yan Pang. Suicídio: estudos fundamentais. São Paulo: Segmento Farma, 2004, p.13-36, p. 18. 52 MELEIRO; BAHLS, 2004, p. 18. 31 pensamentos de autodestruição, passando por ameaças, gestos, tentativas de suicídio, e finalmente, suicídio 53 Partindo-se dessa concepção de comportamento suicida, é possível decompô-la em diversos tipos de comportamento apresentados ao longo do continnum destacado, classificando-se e diferenciando esses diversos tipos de comportamento suicida, por intermédio da avaliação dos graus dos aspectos anteriormente destacados: consciência, motivação, intencionalidade e letalidade do ato suicida. Para apresentação da graduação exposta por Meleiro e Bahls (2004), confeccionou-se a representação gráfica abaixo, com intuito de facilitar a visualização da caracterização de cada modalidade de comportamento suicida. Representação Gráfica 1 – Comportamento suicida Fonte: Elaboração da autora (2008). 53 WERLANG, Blanca G. e BOTEGA, Neury J. Comportamento Suicida. Porto alegre: Artmed, 2004, p. 15. 32 De forma que, para Meleiro e Bahls (2004): 1. Idéias de morte →“Pensar que a morte seria um alívio, sem, no entanto, cogitar realizá-la por si mesmo”, exemplos dos autores: dizer que gostaria de dormir e não acordar mais, ou pensar em ter uma doença fatal. 2. Idéias suicidas → Idéias esparsas que invadem o pensamento do indivíduo, que as reconhece como absurdas e intrusivas, não manifestando propósitos de auto-agressividade, podem se tornar mais freqüentes, de maneira que não seja possível evitá-las. 3. Desejo de suicídio → A idéia não é mais absurda, é acompanhada pelo desejo do suicídio como solução ou fim de algo admitido como insolúvel (desesperança), mas não há planejamento nem ação. 4. Intenção de suicídio → Ameaça de dar cabo à própria vida é expressa, sem no entanto se realizar alguma ação concreta, pode anteceder ou ocorrer concomitantemente ao plano de suicídio. 5. Plano de suicídio → Com a decisão tomada, o indivíduo passa a planejar método, local, horário e outros detalhes da própria morte, tais como um bilhete de despedida ou mensagem de adeus. 6. Tentativas de suicídio → Atos auto-agressivos não-fatais. Não há necessariamente o desejo de morrer. Outras motivações podem incitar o ato. Exemplo dos autores: desejo de vingar-se de alguém, provocar culpa, chamar atenção de familiares 7. Atos impulsivos→ Atos auto-agressivos, sem planejamento suicida. Métodos repetitivos e estereotipados. Exemplo dos autores: uso de medicamentos, jogar-se na frente de outros. Comum em personalidades não tolerantes à frustração (epilepsia, deficientes mentais, personalidade borderline). Graus variáveis – desde gestos e simulações, desejo consciente de morrer até as tentativas propriamente ditas. A intervenção de terceiros ou a utilização de métodos não eficazes é o que geralmente afastam o êxito letal. 8. Suicídio → O desfecho é a morte. Caracteriza-se pelo planejamento cuidadoso e utilização de métodos altamente letais ou por forte componente impulsivo. Diferentemente da ordem de graduação da classificação apresentada por Meleiro e Bahls (2004), Cassorla (2004) entende que o comportamento suicida se inicia pela manifestação verbal: 33 1) o primeiro grau de intencionalidade seria o “falar em suicídio”, a veleidade suicida, que se trataria de algo em estado potencial, ainda no plano verbal; 2) a idéia ou pensamento suicida, em que o ato existe virtualmente; 3) a ameaça suicida, em que o indivíduo anuncia seu ato; 4) o gesto suicida; 5) a tentativa de suicídio ambivalente; 6) a tentativa de suicídio deliberada; 7) o suicídio propriamente dito, que costuma ser chamado de exitoso ou completo. O termo “gesto” utiliza-se para os atos em que o propósito manipulativo e comunicativo parece proeminente e a intencionalidade suicida praticamente inexiste. A tentativa de suicídio ambivalente descreve situações em que a pessoa está consciente de sua indecisão e aparentemente não pode escolher entre a vida e morte. Na tentativa de suicídio deliberada, a intenção seria realmente morrer. (p.22) Contudo, Cassorla (2004) enfatiza que, mesmo que em graus diferenciados, a ambivalência e a confusão estão sempre presentes nos comportamentos suicidas e que muito embora o conceito de “manipulação” implique numa questão moral, esta deve ser considerada como uma questão emocional que precisa ser investigada cientificamente e não simplesmente condenada. É importante observar a diferenciação entre os dois modelos de decomposição do comportamento suicida apresentados por Cassorla (2004) e Meleiro e Bahls (2004), relativa às seguintes modalidades de comportamento suicida: gestos suicidas, atos impulsivos e tentativas de suicídio. Para Cassorla (2004) o “gesto” suicida não apresenta ainda um grau de intencionalidade importante, destacando o autor o caráter manipulativo e comunicativo desta modalidade de comportamento, seguida, conforme a graduação sugerida por ele, pelas tentativas de suicídio ambivalentes (o sujeito está consciente de sua indecisão) e tentativas de suicídio deliberadas (a intenção seria de realmente morrer). Já, Meleiro e Bahls (2004) entendem como tentativa de suicídio os atos auto-agressivos não fatais, seguidos, conforme a graduação por eles apresentada, pelos atos impulsivos, que englobariam desde aqueles comportamentos de gestos e simulações, os que apresentam o desejo consciente de morrer, até as tentativas propriamente ditas, de maneira que tais comportamentos somente não logram o êxito letal, em razão da utilização de métodos não eficazes ou da intervenção de terceiros. Deste modo, parece-nos que Cassorla (2004) leva mais em conta a intenção e o desejo do sujeito que pratica o ato autodestrutivo e Meleiro e Bahls (2004) o aspecto da letalidade do ato. Por isso que para estes últimos, a tentativa propriamente dita está graduada em conjunto com os gestos suicidas, comuns em personalidades impulsivas e não tolerantes à frustração, que, num impulso, podem utilizar um método tão letal quanto aquele que deseja, planeja e escolhe um modo eficaz para morrer e, no entanto, é impedido por um terceiro, no momento em que está pondo em ato sua intenção suicida. Muito embora considere-se a distinção de Cassorla (2004) entre tentativa de suicídio ambivalente e tentativa de suicídio deliberada didaticamente mais adequada, parece- 34 nos que a perspectiva apresentada por Meleiro e Bahls (2004), além de englobar todas as modalidades apresentadas por Cassorla (2004), confere uma maior amplitude ao comportamento suicida, já que parte do pressuposto de que este pode ser considerado a partir de pensamentos e idéias de que a morte representa um alívio para o indivíduo. Deste modo, pensa-se que a partir de tal concepção, é possível realizar uma ação preventiva de forma mais precoce, ampliando-se os meios de intervenção neste sentido. Além disso, a concepção de Meleiro e Bahls (2004) é a que mais se aproxima da utilizada nos três Manuais de Prevenção do Suicídio, tomados como fonte de referência de manejo do comportamento suicida. Contudo, nestes manuais, aparece um agrupamento dos tipos de comportamento suicida em níveis de risco. No Manual para profissionais da saúde em Atenção Primária, da OMS e no Manual dirigido aos profissionais das equipes de saúde mental, do MSB, os tipos de comportamentos suicidas são classificados e agrupados em baixo, médio e alto risco (baixo risco –pensamentos suicidas, mas sem plano de execução do ato; médio risco - pensamentos e planos, mas sem a intenção de cometer o suicídio imediatamente; alto risco - a pessoa tem um plano definido, tem os meios para fazê-lo, e planeja fazê-lo imediatamente). No Manual para Médicos Clínicos Gerais, da OMS, os tipos de comportamento suicida recebem uma classificação numérica de 1 a 6, representando o menor ao maior grau de risco de suicídio, sucessivamente (1 – Com problemas emocionais; 2Idéias vagas de morte; 3-Ideação suicida vaga; 4-Idéias suicidas sem transtornos psiquiátricos; 5- Idéias suicidas e transtornos psiquiátricos ou fatores estressores graves; 6-Idéias suicidas e transtornos psiquiátricos ou fatores estressores graves ou agitação e tentativas prévias). Tais graduações apresentadas nos manuais contribuem para aumentar as possibilidades de os profissionais da saúde identificarem riscos de suicídio precocemente e avaliarem a intervenção mais adequada para cada caso, de acordo com o tipo de comportamento suicida apresentado pelo paciente. Contudo, é importante refletir sobre a função da classificação dos comportamentos suicidas. Avalia-se que esse tipo de discriminação das graduações dos comportamentos suicidas é de utilidade didático-teórica, que pode funcionar como um instrumento facilitador a ser utilizado na avaliação de casos clínicos pelo profissional da saúde. Entretanto, parece importante enfatizar que, em se tratando de seres humanos, não se pode deixar de levar em consideração que cada pessoa tem uma história e uma forma particular de lidar com o sofrimento. Por isso, a condução da entrevista clínica e a escuta especializada do profissional podem revelar aspectos para além do que uma classificação pode dar conta. Neste sentido, recomenda o Manual para Médicos Clínicos Gerais, da OMS: 35 Existem várias escalas que avaliam o risco de suicídio em pesquisas de campo, mas elas são menos úteis que uma boa entrevista clínica na identificação dos indivíduos que está [sic] em risco imediato de cometer suicídio. O médico pode ser confrontado com uma variedade de condições e situações associadas com o comportamento suicida. Um idoso do sexo masculino, viúvo há pouco tempo, em tratamento para depressão, que mora sozinho, com história de tentativas de suicídio anteriores, e uma jovem com alguns arranhões no antebraço, que foi abandonada pelo namorado recentemente, são dois exemplos contrastantes. Na realidade, a maioria dos pacientes encontra-se entre estes dois exemplos extremos e podem flutuar de uma categoria para outra. (p.12) Outro importante aspecto a ser aventado é que o comportamento suicida é considerado um fenômeno complexo. Segundo Meleiro e Bahls (2004) “caracterizar este comportamento em poucos elementos conduz a um reducionismo que de modo algum reflete a complexidade multidimensional do ato de tirar a própria vida”54. Por esta razão, que “o comportamento suicida tem sido estudado como resultado da interação de fatores biológicos, sociológicos, epidemiológicos, filosóficos, psicológicos e culturais tanto intrapsíquico como interpessoais” 55 .Ante à complexidade e multideterminação que envolve o fenômeno em estudo, que se aventará, a seguir, estudos e teorias de diferentes perspectivas disciplinares e que podem auxiliar na compreensão do comportamento suicida e na possibilidade de seu manejo pelos profissionais da saúde, como forma de prevenção do suicídio. 2.3 O SUICÍDIO SOB DIFERENTES PERSPECTIVAS Não há como falar em estudos sobre o suicídio, sem levar em consideração a produção de Émile Durkheim. A maior parte da literatura consultada, apresenta o estudo de Durkheim como um marco na história da pesquisa e teorização das causas que impulsionam o ato suicida. 56 Beato (2004) alude que Durkheim, já antes da realização de sua pesquisa sobre o suicídio, entendia que o indivíduo está submetido à supremacia da autoridade moral da sociedade de modo que a condição de coesão social estaria relacionada à anuência dos sujeitos aos valores morais comuns ao núcleo social, de maneira que tal condição passa a ser inviabilizada no mundo moderno, a partir do sistema de divisão social do trabalho. Para Beato 54 MELEIRO, A. e BAHLS, S. O Comportamento Suicida. In MELEIRO, Alexandrina; TENG, Chei Tung; WANG, Yan Pang. Suicídio: estudos fundamentais. São Paulo: Segmento Farma, 2004. p.13-36, p. 27. 55 MELEIRO; BAHLS, 2004, p. 27. 56 MELEIRO e WANG, 1995, p. 377; NUNES, 2004, p. 93; BEATO, 2004, p. 61. 36 (2004), Durkheim percebia no “mundo moderno um desenvolvimento negativo: é um mundo em que não vigoram as condições necessárias à realização da solidariedade moral.”57 E é com esta perspectiva sociológica que Durkheim (2000) procurou fazer a relação entre as diferentes formas de vida social e as taxas de suicídio. Para ele “cada sociedade se predispõe a fornecer um contingente determinado de mortes voluntárias”.58 Levando em conta alguns fatores que implicariam na condição social (religião, política, composição familiar, estado civil, grupos profissionais) e excluindo os fatores extrasociais (clima, temperatura, hereditariedade, raça, loucura) e as questões individuais59, Durkheim analisou e interpretou, do ponto de vista da sociologia, as estatísticas de suicídio de um determinado período em seis países europeus e publicou, em 1897, na obra “O Suicídio”, que o ato de tirar a própria vida “varia na razão inversa do grau de integração dos grupos sociais de que o indivíduo faz parte.” 60 Então, a partir do pressuposto de que o suicídio estaria diretamente ligado à condição de integração dos indivíduos em sociedade, Durkheim teorizou os três tipos sociais de suicídio: a) Suicídio Egoísta, o qual se desenvolve a partir do enfraquecimento das regras sociais, de maneira que o indivíduo passa cada vez menos a depender do seu grupo social, levando-o a conduzir seus atos tão somente em relação a seus interesses particulares e não em razão do interesse coletivo, afastando-se e desintegrando-se da sociedade. O suicídio egoísta é o tipo que Durkheim considera como resultante “de uma individuação descomedida”61; b) Suicídio Altruísta, em oposição ao egoísta, se refere àquele indivíduo que depende demais da integração social, de maneira que esta passa a exercer extrema pressão sobre o indivíduo, coagindo-o à autodestruição. Nesses casos, segundo Durkheim, “é preciso que a personalidade individual, então, tenha muito pouca importância”.62 Como exemplos do suicídio altruísta, cita o autor: “homens que chegam ao limiar da velhice ou são afetados por doenças, mulheres por ocasião da morte dos maridos, clientes ou servidores por ocasião da morte de seus chefes” 63 , ou seja, a perda de uma obrigação e de um dever social leva o indivíduo à autodestruição pelo sentimento de desonra em relação às regras sociais; c) Suicídio Anômico, relativo à ausência de regras sociais ou o conflito delas, carecendo ao 57 BEATO, Cláudio Chaves. Suicídio e a teoria social. In: MELEIRO, Alexandrina; TENG, Chei Tung; WANG, Yan Pang. Suicídio: estudos fundamentais. São Paulo: Segmento Farma,2004, p. 61-62. 58 DURKHEIM, Émile. O suicídio: estudos de sociologia. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p.24. 59 NUNES, Everardo Duarte. Perspectiva Sociológica. In WERLANG, Blanca G. e BOTEGA, Neury J. Comportamento Suicida. Porto alegre: Artmed, 2004.p. 93-106, p. 96. 60 DURKHEIM, 2000, p. 258. 61 DURKHEIM, 2000, p. 259. 62 DURKHEIM, 2000, p. 274. 63 DURKHEIM, 2000, p. 272. 37 indivíduo a indicação de uma determinada conduta moral a ser seguida, de maneira que a ele sejam impostas novas condições que exijam um ajustamento que para ele seja extremamente penoso. Como exemplos, Durkheim cita as crises relacionadas ao crescimento econômico, aumento brusco de poder, de riqueza, ou de pobreza, estado de viuvez (anomia doméstica) e a questão do divórcio (anomia conjugal)64. É necessário atentar-se para o fato de que Durkheim contribuiu para a compreensão do fenômeno em questão sob o ponto de vista sociológico. E isso Durkheim deixa claro, quando afirma que vai “encará-lo” como fenômeno coletivo, estudando-o por meio de dados estatísticos, “deixando de lado o indivíduo, enquanto indivíduo”, partindo do todo (coletivo) para só depois relacioná-lo com a parte (indivíduo)65. Por outro lado, outras importantes teorias se destacam por terem buscado compreender o suicídio do ponto de vista intrapsíquico. Ou seja, a forma como os mecanismos individuais se organizam no sujeito para que se deflagre um comportamento suicida. E é neste ponto que os estudos de Freud também são considerados um marco na compreensão do fenômeno do suicídio. No texto “Luto e Melancolia”, publicado em 1917, Freud compara o processo de instauração da melancolia ao processo de luto, correlacionandoos a partir da causa que os origina, qual seja, a perda do objeto amado. Os dois processos, um de ordem natural (luto) e outro de ordem patológica (melancolia), diferenciam-se, segundo o autor, porque no luto, a perda se refere a um objeto real e, na melancolia, a perda diz respeito ao objeto idealizado. No primeiro caso, o processo se dá de forma consciente, o sujeito, submetido ao teste da realidade, é forçado a perceber que o objeto não existe mais de maneira que, para ele, o mundo se torna pobre e vazio sem o objeto amado e o investimento libidinal recolhido pelo sujeito, com o tempo, vai sendo investido em outros objetos substitutivos. Na melancolia, o processo se dá de forma inconsciente, porque mesmo que o sujeito saiba quem ele perdeu, não reconhece o que do objeto foi perdido, então, a libido que era dirigida ao objeto perdido retorna ao ego e, nesse caso, não é o mundo que fica vazio e pobre, mas o ego do sujeito. Nesse caso, Freud se refere ao paciente que “descreve seu Eu como não tendo valor, como sendo incapaz e moralmente reprovável. Ele faz autocensuras e insulta a si mesmo e espera ser rejeitado e punido” (p.105). Segundo Freud, o fato desse sujeito se sentir tão desprezível, que aparece, muitas vezes, por meio de auto-recriminações, deve-se a uma identificação com algo percebido como ruim do ego do objeto perdido, isto é, o sujeito 64 DURKHEIM, 2000. p. 303-353. NUNES, Everardo Duarte. Perspectiva Sociológica. In WERLANG, Blanca G. e BOTEGA, Neury J. Comportamento Suicida. Porto alegre: Artmed, 2004.p. 93-106, 2004, p. 96. 65 38 realizou uma escolha objetal e passou a investir libido no objeto de amor escolhido. Esse objeto, em determinada circunstância, desagrada o sujeito, e em vez do sujeito deslocar o investimento libidinal para outro objeto, recolhe-o para si, de modo que, nas palavras de Freud, “a sombra do objeto caiu sobre o Eu” (p. 108). Isto é, o que era de ruim do objeto agora faz parte do ego do sujeito, e este passa a se autocriticar. 66 Para Freud, está mais suscetível ao acometimento da melancolia o sujeito cuja escolha objetal foi realizada pelo modo narcísico. Refere-se, neste caso, àqueles sujeitos que escolhem o objeto de amor porque o percebem como igual, ou como ideal de eu (como ele gostaria de ser) ou porque pensa que o objeto vai lhe oferecer a perfeição, a completude. Contudo, diante da frustração em relação ao objeto, algumas vezes o sujeito não encontra outra saída, não pode renunciar ao objeto de amor e, então, constitui-se uma condição ambivalente: amor e ódio são dirigidos ao objeto e, na perda do “ideal” do objeto, ocorre o retorno libidinal juntamente com os traços identificatórios que são introjetados no Eu, resultando na autotortura contumaz na melancolia, que se apresenta como um modo de vingar-se do objeto amado (regressão ao sadismo), que sofre por ver o sujeito adoecido.67 É neste ponto de regressão ao sadismo, que Freud referencia o suicídio: A partir da análise da melancolia, agora se tornou claro que o Eu somente pode matar a si mesmo se conseguir, através do retorno do investimento objetal, tratar a si próprio como um objeto, isto é, se puder dirigir contra si a hostilidade originalmente destinada a um objeto, hostilidade esta que, em verdade, está no lugar da reação original do Eu contra objetos do mundo externo. Desta forma, embora o objeto da escolha narcísica objetal tivesse suprimido quando houve a regressão, ao final ele mostrou-se mais poderoso que o próprio eu.68 Deste modo, pode-se pensar que na concepção freudiana a ação suicida é, em resumo, o retorno ao próprio sujeito de um sentimento hostil que originariamente havia sido dirigido ao outro. Ou, mais além, o retorno de um desejo de agredir o outro. Freud (1930), no texto “O Mal Estar na Civilização” também refere, nos casos em que é inibida a satisfação desses desejos, que “qualquer restrição dessa agressividade dirigida para fora estaria fadada a aumentar a autodestruição”69, de forma que a agressividade inibida, é, então 66 FREUD, Sigmund. Luto e Melancolia. In FREUD, Sigmund. Escritos sobre a Psicologia do Inconsciente. Vol. 2: 1915-1920. Rio de Janeiro: Imago, 2006. p. 99-122. 67 FREUD, [1915-1920], 2006, p. 99-122. 68 FREUD, [1915-1920], 2006, p. 111. 69FREUD, Sigmund. O Mal Estar na Civilização. In FREUD, Sigmund. Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Vol. XXI: 1856-1939. Rio de Janeiro: Imago, 1987. p. 73-148, p. 123. 39 introjetada, internalizada; ela é, na realidade, enviada de volta para o lugar de onde proveio, isto é, dirigida no sentido de seu próprio ego. Aí, é assumida por uma parte do ego, que se coloca contra o resto do ego, como superego, e que então, sob a forma de `consciência', está pronta para pôr em ação contra o ego a mesma agressividade rude que o ego teria gostado de satisfazer sobre outros indivíduos, a ele estranhos. A tensão entre o severo superego e o ego, que a ele se acha sujeito, é por nós chamada de sentimento de culpa; expressa-se como uma necessidade de punição70 Pode-se dizer que o entendimento de Freud respalda o que Dias (1991) analisou e interpretou a respeito dos bilhetes, cartas e fitas de áudio, deixados por suicidas. A autora observou, a partir do conteúdo desses documentos, que o indivíduo que se suicida, assim o faz para alguém. Segundo a autora, essas últimas palavras deixadas pelos suicidas revelaram a questão do narcisismo, no que diz respeito à recusa de um mundo que não lhe serve, numa atitude de imputação de culpa aos outros ou à sociedade. Contudo, a autora enfatiza que a hostilidade contra os outros ou contra a sociedade aparece nessas mensagens de adeus sob ambivalências e contradições, conforme os exemplos de mensagens apresentados pela autora: “você não tem culpa não” e “infelizmente eu estou me vingando de você”71. Os aspectos da ambivalência e contradição, como característicos do comportamento suicida, já haviam sido descritos por Freud. A questão da ambivalência também é referida pelos três Manuais de Prevenção do Suicídio, que apresentam essa característica como comum às pessoas que apresentam comportamento suicida. Não obstante, fica a reflexão se realmente todos os sujeitos que cometem suicídio tem esse desejo de deixar um outro com sentimento de culpa ou de remorso ou se existem várias outras motivações que levam um sujeito a se suicidar e são justamente aqueles que deixam alguma mensagem que possuem essa intenção vingativa, ainda que ambivalente. Devendo-se ter cautela nesse tipo de generalização. Na verdade, Freud refere a questão da ambivalência não somente como um aspecto intrínseco do comportamento suicida, mas como uma condição da qualidade humana. São os conceitos de pulsão de morte e pulsão de vida72 apresentados no texto “Além do Princípio do Prazer”, publicado em 1920, que também podem fundamentar o aspecto da ambivalência do comportamento suicida, apresentado pelos três manuais de prevenção do 70 FREUD, [1856-1939], 1987, p.127. DIAS, Maria Luiza. O Suicida e suas mensagens de Adeus. In CASSORLA, R. M. S. Do suicídio. São Paulo: Papirus, 1991. p. 89-106, p. 104-105. 72 Em psicanálise, entende-se por pulsão o “processo dinâmico que consiste numa pressão ou força (carga energética, fator de motricidade) que faz o organismo tender para um objetivo. Segundo Freud, uma pulsão tem a sua fonte numa excitação corporal (estado de tensão); seu objetivo ou meta é suprimir o estado de tensão que reina na fonte pulsional; é no objetivo ou graças a ele que a pulsão pode atingir a sua meta.” In LAPLANCHE, J. Vocabulário de Psicanálise. 4 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001, p. 394. 71 40 suicídio em menção como a “atitude interna característica das pessoas que pensam em ou que tentam o suicídio. Quase sempre querem ao mesmo tempo alcançar a morte, mas também viver. O predomínio do desejo de vida sobre o desejo de morte é o fator que possibilita a prevenção do suicídio.”73 Na concepção freudiana, a pulsão de vida diz respeito “ao atamento dos laços, por intermédio da libido, entre nosso psiquismo, nosso corpo, os seres e as coisas. As pulsões de vida tendem a investir tudo libidinalmente e a manter a coesão das partes da substância viva”. Em compensação, a pulsão de morte se propõe “ao desligamento, ao desprendimento da libido dos objetos e ao retorno inelutável do ser vivo à tensão zero, ao estado inorgânico [...] as pulsões de morte representam a tendência do ser vivo a encontrar a calma da morte, do repouso e do silêncio.” 74 E assim, as pulsões de vida se apresentam como perturbadoras da tranqüilidade, trazendo contínuas tensões, cujo alívio é sentido como prazer, enquanto as pulsões de morte parecem realizar seu trabalho de uma maneira bem mais discreta. O princípio do prazer parece, de fato, estar a serviço das pulsões de morte. 75 Neste sentido, se o princípio do prazer que rege o aparelho psíquico, tem por fim a busca pelo prazer e afastamento do desprazer, rumo à diminuição da tensão psíquica, em seu percalço estão, por um lado, as pulsões de vida, procurando a autoconservação, mesmo que para isso seja necessário suportar um certo desprazer, com intuito de que o inevitável encontro do sujeito com a morte ocorra da forma mais natural possível. Por outro lado, estão as pulsões de morte que impelem ao sujeito à busca pelo prazer, pela satisfação total, garantindo, pela descarga pulsional, um nível mínimo de excitação num estado de repouso absoluto.76 Não é diferente o que Meleiro e Bahls (2004) reportam como “senso de alívio” do “terrível sentimento de ansiedade ou pressão interna” que pacientes relatam após terem realizado uma tentativa de suicídio.77 É possível que esses sujeitos reportem, inclusive, o sentimento de alívio, por terem satisfeito o desejo de agressividade uma vez dirigido ao objeto e recolhido ao sujeito, que ansiava pela descarga pulsional. Daí a ambivalência, para a teoria freudiana, presente em todos os seres humanos: pulsões de vida e pulsões de morte. A partir desta teoria, pode-se refletir que o potencial para 73 BRASIL, 2006, p.51. NASIO, J. D. Introdução às obras de Freud, Ferenczi, Groddeck, Klein, Winnicott, Dolto, Lacan. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1995, p.44. 75 FREUD, Sigmund. Além do Princípio do Prazer. In FREUD, Sigmund. Escritos sobre a Psicologia do Inconsciente. Vol. 2: 1915-1920. Rio de Janeiro: Imago, 2006. p. 123-198, p. 181. 76 CHEMAMA, R. (org). Dicionário de Psicanálise Larousse. Porto Alegre: Artes Médicas. 1995, p. 181. 77 MELEIRO; BAHLS, 2004, p.29. 74 41 tender a satisfazer uma ou outra intenção pulsional é comum a todos os seres humanos. No entanto, pensa-se que, de algum modo, as pulsões de morte devem se mostrar em prevalência na dinâmica de funcionamento das pessoas que apresentam o comportamento suicida. O mistério se funda justamente nos motivos pelos quais a pulsão de morte pode estar em superioridade. É possível supor que somente a complexidade de significados das experiências constituintes da história do sujeito pode referir os fatores que levam a essa prevalência ou à própria melancolia como fator predisponente. Os estudos que dizem respeito aos principais fatores que podem estar envolvidos na ocorrência do comportamento suicida serão discutidos posteriormente. Entretanto, ainda existem outras compreensões sobre o fenômeno do suicídio a serem observadas. Dias (1991) também interpretou as mensagens de adeus a partir da influência do meio social. A autora observou que a visão dominante sobre a morte na cultura ocidental e o tabu que a circunda estavam presentes nessas últimas palavras, de maneira que, esses sujeitos que se suicidaram podiam falar, comunicar e expressar, por meio da morte, o que normalmente não se pode falar em vida. Nesta perspectiva social, a explicação de Dias (1991) relativa a um afastamento social e individualismo, presentes na sociedade ocidental moderna, vão ao encontro com o que anteriormente foi mencionado sobre a teoria social de Durkheim (2000): Na cultura ocidental contemporânea, podem-se observar traços coletivos – como o temor intenso da velhice e da morte, a deterioração de laços de intimidade ou compromisso entre homens e mulheres, o descompromisso emocional com o outro, a tendência a preferir atitudes competitivas a atitudes cooperativas, a busca de autosuficiência. [...] O tabu da morte desempenha um papel significativo, uma vez que tais experiências precisaram ser vividas no isolamento. Falar sobre a morte, sofrimento, vontade de morrer só se fez possível quando o indivíduo já não estava vivo.Talvez daí advenha a surpresa da família e dos amigos quando alguém se mata (‘ninguém percebeu’)78 Desta forma, a questão cultural é um fator a ser levado em consideração na complexidade do comportamento suicida. Meleiros e Bahls (2004) entendem o aspecto cultural como diretamente relacionado com o sofrimento do sujeito. Para os autores, a prescrição cultural de que se deve ter uma aparência sempre boa, com a oferta de uma tecnologia voltada para proporcionar a estampa de bem-estar e de inexistência de sofrimento, impõe ao indivíduo que se encontra em sofrimento, a impossibilidade de assumir e sentir a sua dor. Deste modo, não há espaço para o sofrimento e a aceitação e tolerância a ele é muito baixa, o sujeito se sente fraco e acredita que está sendo injustiçado, vivenciando esse episódio 78 DIAS, 1991, p. 102-103. 42 como uma falta de controle sobre a própria vida. Para esses autores, a percepção de falta de controle (relacionada à depressão, que na psicanálise é denominada melancolia) seria a questão central da crise suicida e a crise suicida um método aprendido para solução de problemas, modelado por recompensa maximizada ou punição minimizada (que encorajam mais o comportamento) e por reforço (evento que ocorre antes ou depois do comportamento, tais como: diminuição de ansiedade, provocar raiva nos outros, esquiva do ambiente, restabelecimento de relacionamento rompido, dentre outros). A “fórmula básica” de crise suicida apresentada pelos autores é nomeada “três is”, descrita como um modo de funcionamento cognitivo, que se apresenta da seguinte forma: Quando a pessoa acredita que não é forte o suficiente para resolver o problema, torna-se incapaz. Quando não há expectativa de que a situação mudará se ele próprio de maneira nenhuma resolver, o problema tornar-se-á interminável. Quando o indivíduo não pode tolerar a dor emocional que a situação está produzindo, o problema é intolerável. 79 (grifo nosso) Para os autores, “a pessoa suicida acredita verdadeiramente que todas as outras razões para resolver o problema têm sido tentadas e falhadas” (p. 29). De maneira que matar a si mesmo possui a função instrumental de solucionar a enorme dor emocional (“quando alguém é morto, não há sentimento”). Já, no caso da tentativa, a função é expressiva, isto é, a função é comunicar, solicitar ajuda, acionar um suporte social. Neste sentido, aconselham os autores sobre o cuidado em sempre considerar o sofrimento do sujeito e não recair no entendimento de que se trata de simples manipulação e, nem no de tentar persuadir o paciente de que o suicídio é inapropriado, de maneira que só a experiência direta pode mostrar-lhe isso. Do mesmo modo, já havia aconselhado Freud (2006), que destaca no texto “Luto e Melancolia” que “seria infrutífero, tanto do ponto de vista terapêutico quanto científico, querer contradizer as acusações desses doentes contra o seu próprio Eu”.80 Neste ponto, podese remeter a outro aspecto, considerado pelos três Manuais de Prevenção do Suicídio em comento, como característico do estado cognitivo do sujeito com comportamento suicida, que se refere à condição de rigidez ou constrição: A consciência da pessoa passa a funcionar de forma dicotômica: tudo ou nada. Os pensamentos, os sentimentos e as ações estão constritos, quer dizer, constantemente pensam sobre suicídio como única solução e não são capazes de perceber outras maneiras de sair do problema. Pensam de forma rígida e drástica: “O único caminho é a morte”; “Não há mais nada o que fazer”; “A única coisa que poderia 79 80 MELEIRO; BAHLS, 2004, p.31. FREUD, [1915-1920], 2006, p. 106. 43 fazer era me matar”. Análoga a esta condição é a “visão em túnel”, que representa o estreitamento das opções disponíveis de muitos indivíduos em vias de se matar.81 Entende-se que contradizer o sujeito possa deixar com que ele se sinta incompreendido na sua auto-avaliação, desamparado e desrespeitado no seu sofrimento, o que talvez mostre que, mais uma vez, a solução seja dar fim à vida. Além da questão da ambivalência do desejo do sujeito com comportamento suicida, da rigidez ou constrição cognitivas presentes nesses casos, o terceiro aspecto psicológico comumente encontrado nos casos que envolvem risco de suicídio referido nos manuais de prevenção de suicídio em alusão diz respeito à impulsividade, isto é, “como qualquer outro impulso, o impulso de cometer suicídio pode ser transitório e durar alguns minutos ou horas. Normalmente, é desencadeado por eventos negativos do dia-a-dia. Acalmando tal crise e ganhando tempo, o profissional da saúde pode ajudar a diminuir o risco suicida.”82 É possível que nestes casos o comportamento suicida já esteja constituído num dos graus mais relacionados com a questão da ideação de suicídio e diante da frustração ou da crença na impossibilidade de resolução de problemas, uma personalidade com característica impulsiva pode realizar o ato diretamente, sem planejamento prévio. Por isso, a importância da identificação precoce do comportamento suicida para garantia da prevenção do ato autodestrutivo. Muito embora sem a intenção de analisá-lo com profundidade, um outro aspecto a ser suscitado como componente da complexidade do comportamento suicida se refere à questão neurobiológica. Tung Teng e Demétrio (2004) referem alguns estudos em diferentes países que associam disfunções serotoninérgicas e noradrenérgicas com o comportamento suicida. Esses autores citam a teoria estresse-diátese ou estresse-vulnerabilidade como a mais aceita neste campo atualmente. Essa teoria defende que a associação de fatores ambientais, vistos como estressores (sociais, culturais, dietéticos, história de vida pessoal) e de fatores biológicos (predisposição estrutural genética ou adquirida), aumentam o risco de desenvolvimento do comportamento suicida. Os autores citam como exemplo dessa associação: Um indivíduo que possuísse elementos de história pessoal como traumas cerebrais, violência e nutrição inadequada na infância (ambiental) ou história familiar de doenças mentais e suicídio, teria um risco aumentado, podendo o comportamento suicida ser desencadeado por eventos de vida circunstanciais estressores (desemprego, problemas interpessoais), que levariam a alterações neurobiológicas, como na fisiologia dos neurotransmissores (e. g. serotonina), facilitando o início ou 81 82 BRASIL,2006, p.52. BRASIL,2006, p.52. 44 a piora de um quadro psiquiátrico ao qual o indivíduo já seria predisposto geneticamente.83 Essa compreensão neurobiológica, segundo os autores, contribui no sentido de propiciar a indicação de “caminhos para novas abordagens médico-sanitárias para prevenção do suicídio, incluindo tratamentos psicofarmacológicos emergentes como o lítio e a clozapina”. 84 Diante de tantas explicações, pode-se perceber a diversidade da base epistemológica que justifica a complexidade do fenômeno em análise, de maneira que as teorias não invalidam umas as outras, mas complementam-se, auxiliando a compreensão do comportamento suicida. E desta forma, os profissionais da saúde, além de necessitarem compreender o comportamento suicida como ocorrência ligada a um estado de extremo sofrimento do sujeito e a uma séria questão de saúde, necessitam também desenvolver a capacidade de avaliar o comportamento suicida a fim de que a prevenção de suicídio seja possível. Como já foi explicitado, o fenômeno do suicídio é multideterminado, isto é, sua ocorrência é complexa e se dá em razão da associação de inúmeros fatores que podem ser de ordem biológica, psicológica, sócio-econômica, cultural, ambiental. Entende-se, por conseguinte, que a identificação desses fatores, como indicadores do risco de suicídio, seria o primeiro passo para efetivar uma intervenção adequada no fenômeno. Segundo Meleiro e Tung Teng (2004), muito embora não se tenha uma etiologia definida para o suicídio, são os estudos dos fatores de risco que embasam “caminhos possíveis de intervenção para tentar alterar a ocorrência desse comportamento” (p. 109). Esses mesmos autores lembram que um fator de risco é um conceito estatístico e diz respeito a características do indivíduo, grupo ou ambiente que indicam um aumento da probabilidade de ocorrência de um determinado resultado e que “os fatores de risco associados ao suicídio podem ser diferentes para cada localidade ou subpopulação específica” (p.110-112), modificam-se de acordo com a época e lugar, de maneira que é necessário que os estudos em relação aos fatores de risco sejam realizados e revisados periodicamente, devendo-se questionar sobre a generalização de dados de diferentes localidades. 83 DEMETRIO, Frederico N. e TUNG TENG, Chei. Neurobiologia do Suicídio. In MELEIRO, Alexandrina; TENG, Chei Tung; WANG, Yan Pang. Suicídio: estudos fundamentais. São Paulo: Segmento Farma, 2004. p.133-155, p. 134. 84 DEMETRIO, 2004, p. 150. 45 2.4 O MANEJO DE CASOS QUE ENVOLVEM RISCO DE SUICÍDIO Com efeito, é necessário que o profissional de saúde seja capaz de reconhecer o comportamento suicida como uma questão de saúde, motivado por um estado de intenso sofrimento do sujeito, que é passível de prevenção e de identificar e avaliar os riscos que se apresentam para realizar o manejo adequado nesses casos. Para Gabbard (2006) o manejo do paciente em risco de suicídio se distingue do tratamento. Segundo o autor, o manejo se refere ao conjunto de providências utilizadas para “impedir que o paciente aja de acordo com os seus desejos suicidas”, tais como “observação contínua, restrição física e remoção de objetos afiados do ambiente”, no entanto o tratamento diz respeito à medicação e abordagem psicoterapêutica do paciente. Gabbard (2006) afirma que o manejo pode ser útil para prevenir a ocorrência do suicídio imediata, mas não dá conta de modificar o desejo de morte do sujeito.85 Deste modo, pode-se pensar em que nível de prevenção o manejo realizado por profissionais de saúde sem formação profissional para medicar ou para realizar tratamento psicoterápico pode ser eficaz. Reinecke (2004) concorda com Gabbard (2006) em relação ao objetivo do manejo, que é o de preservar a vida do paciente. Porém, a autora fornece subsídios para se pensar numa intervenção pontual num momento de crise suicida, incluindo outras intervenções para além das relacionadas aos riscos ambientais, afirmando que “isso se consegue devolvendo a esperança ao paciente, criando impedimentos efetivos, aliviando estressores e oferecendo apoio”.86 Já, Meleiro, Botega e Prates (2004) consideram que o manejo do paciente em risco de suicídio engloba uma ação amplificada. Para esses autores, são atividades de manejo dos casos que envolvem risco de suicídio a “combinação de psicofármacos, psicoterapia individual, contato com familiares ou amigos, chegando, em alguns casos mais graves, à hospitalização e à eletroconvulsoterapia”.87 Contudo, em que pesem as divergências das concepções expostas acerca dos procedimentos que são englobados pela terminologia “manejo”, este termo foi escolhido para ser utilizado neste estudo, tendo-se em vista que é o termo empregado pela literatura 85 GABBARD, 2006, p. 184. REINECKE, Mark A. Suicídio e depressão. In DATTILIO, Frank M., FREEMAN, Arthur e cols. Estratégias Cognitivo-compotamentais de Intervenção em Situações de Crise. 2 ed. Porto Alegre: Artmed, 2004, p. 82113., p. 95. 87 MELEIRO, A M.A. da S., BOTEGA, N.J., PRATES, J.G. Manejo das situações ligadas ao suicídio. In MELEIRO, Alexandrina; TENG, Chei Tung; WANG, Yan Pang. Suicídio: estudos fundamentais. São Paulo: Segmento Farma, 2004, p. 175-192, p. 176. 86 46 consultada e pelos manuais de prevenção de suicídio investigados, sendo possível por meio dele referir-se ao conjunto de procedimentos, recomendações, abordagem, postura profissional e técnicas empreendidas no atendimento de pacientes em risco de suicídio para prevenir o suicídio. Deste modo, é importante localizar o nível de prevenção de suicídio, quando se pensa em manejo de casos que envolvem riscos de suicídio. Em termos de possibilidades de prevenção do suicídio, Serrano (2008) adota o modelo de Leavell e Clarck, apresentado em três níveis interligados, a saber: O nível primário, teoricamente, se realiza [sic] antes que o risco aconteça, evitando-o ou reduzindo-o. O secundário acontece durante a experiência do comportamento de risco: é a intervenção precoce, capaz de evitar seqüelas e sofrimentos maiores, feita antes ou durante a crise que gerou a tentativa. O terciário intervém sobre o risco já estabelecido. Foca as pessoas que já foram afetadas por um comportamento suicida: sobreviventes, pacientes em risco de repetir tentativas, familiares afetados, pessoas vinculadas que possam imitar o ato, profissionais traumatizados por experiências negativas.88 Neste sentido, pode-se observar que muito embora se considere a relevância de todas as esferas de prevenção do suicídio, desde aquelas que se referem ao controle de armas e substâncias que podem ser utilizadas como meios de realização do suicídio ou o cuidado a ser tomado na veiculação apropriada de notícias de suicídios na mídia (medidas que visam evitar o aparecimento do risco) até o aconselhamento do luto de familiares e profissionais (medidas que procuram amenizar o impacto da ocorrência de um suicídio), caracterizar o manejo de profissionais de saúde em casos que envolvem risco de suicídio diz respeito ao que Serrano (2008) considera como nível de atenção secundário de prevenção do suicídio e uma fração do nível terciário (especificamente em relação aos casos de pacientes que chegam ao serviço de saúde com o risco de tentar novamente o suicídio). Em relação às intervenções a serem realizadas nos níveis secundário e terciário de prevenção do suicídio, Serrano (2008) aponta, assim como Gabbard (2006), o tratamento psiquiátrico e psicológico como as intervenções mais importantes para viabilizar a prevenção do suicídio. O autor enfatiza as dificuldades de profissionais de saúde da atenção básica no manejo dos casos que envolvem risco de suicídio e a relaciona com as limitações técnicas destes profissionais para detectar, acompanhar e manejar os fatores de risco de suicídio, referindo ainda o quanto é difícil engajar a equipe de saúde para intervir nesses casos, uma vez que apresentam uma prevalência baixa na atenção básica, se comparados a outras 88 SERRANO, Alan Índio. Chaves do Óbito Autoprovocado: sua prevenção, assistência e gestão em saúde pública. Florianópolis: Insular, 2008. p. 75. 47 questões de saúde vivenciadas diariamente pela equipe de saúde deste nível de atenção. Contudo, o autor destaca a necessidade de que esses profissionais de saúde conheçam teoricamente como fazer a abordagem do paciente em risco de suicídio para que consigam se sentir confortáveis para perguntar sobre os atos e pensamentos suicidas, numa postura empática, que é essencial, segundo o autor, como medida de prevenção de ocorrência do suicídio, neste primeiro momento de acolhimento e escuta do sujeito em risco que chega ao profissional da saúde.89 No mesmo sentido, Reinecke (2004) enfatiza que o “tratamento efetivo da tendência suicida, como em outros problemas clínicos, começa com o estabelecimento de uma colaboração terapêutica de confiança”. A autora cita a recomendação de Beck, Rush e cols (1979) de que, após o reconhecimento do risco de suicídio, a primeira ação a ser tomada pelo profissional é a de “entrar no seu mundo e enxergá-lo com as lentes do paciente”, isto é, para Reinecke (2004) a atitude empática do profissional, admitindo como legítimas as razões que estão levando o sujeito a desejar pôr fim à própria vida é a forma que pode fazê-lo sentir-se, nas palavras da autora: “compreendido e aceito”.90 Vão à mesma direção as recomendações dos manuais de prevenção do suicídio em estudo, a saber: “escutar com empatia é, em si, o passo mais importante na redução do nível do desespero suicida”9192 e “uma abordagem calma, aberta, de aceitação e de não-julgamento é fundamental para facilitar a comunicação. Ouça com cordialidade. Trate com respeito. Empatia com as emoções. Cuidado com o sigilo.”93 É a partir desta perspectiva que os Manuais de Prevenção do Suicídio da OMS e o do Ministério da Saúde do Brasil descrevem como devem ser realizadas as intervenções pelos profissionais da saúde em casos que envolvem risco de suicídio rumo à prevenção. Portanto, pretendeu-se caracterizar o manejo dos casos que envolvem o risco de suicídio preconizado por esses manuais de prevenção e verificar se estas informações estão disponíveis e acessíveis e sendo apropriadas pelos profissionais da saúde que se deparam com o fenômeno do comportamento suicida na sua prática profissional e, se estes profissionais têm efetivado tal conduta no exercício da sua atividade. 89 SERRANO, 2008. p. 78-85. REINECKE, 2004, p. 94. 91 ORGANIZAÇAO MUNDIAL DA SAUDE. Prevenção do Suicídio: Um Manual para Médicos Clínicos Gerais. Departamento de Saúde Mental: Genebra, 2000. p.12. 92 ORGANIZAÇAO MUNDIAL DA SAUDE. Prevenção do Suicídio: Um Manual para Profissionais da Saúde em Atenção Primária. Departamento de Saúde Mental: Genebra, 2000. p.14. 93 ORGANIZAÇAO MUNDIAL DA SAUDE, 2000; BRASIL, 2006, p. 56. 90 48 3 MÉTODO 3.1 CARACTERIZAÇÃO DA PESQUISA Para caracterizar o manejo que profissionais da saúde realizam como possibilidade de prevenção em casos que envolvem risco de suicídio contou-se com duas modalidades de delineamento de pesquisa. Segundo Gil (2002), o delineamento se refere ao planejamento da pesquisa, a partir dos critérios de ambiente em que serão coletados os dados e forma de controle das variáveis, considerando o autor que “o elemento mais importante para identificação de um delineamento é o procedimento adotado para a coleta de dados” (p. 43). Desta forma, numa primeira etapa, a pesquisa pode ser delineada como documental, uma vez que se coletaram as informações que pudessem responder o problema de pesquisa em manuais de prevenção do suicídio, da OMS e do MSB. Num segundo momento, como foi realizada a coleta de informações que também pudessem responder ao problema de pesquisa, por meio de aplicação de questionários junto a profissionais da saúde, passa-se a se referir também a um outro tipo de delineamento. Gil (2002) delineia a pesquisa que utiliza a “interrogação direta das pessoas cujo comportamento se deseja conhecer” (p.51) como um levantamento, que, segundo ele, é o delineamento apropriado para as pesquisas descritivas, com as quais se pretende conhecer opiniões e atitudes de um determinado grupo. Entretanto, o delineamento do tipo levantamento, segundo o autor, para garantir a generalização dos dados ao grupo pesquisado, pressupõe a realização de censo (todas as pessoas do universo pesquisado, que no presente caso seriam todos os profissionais da saúde ou todos os profissionais da saúde de uma determinada localidade ou de uma determinada instituição) ou amostragem (parte da população pesquisada que represente todo o universo, por meio de cálculo probabilístico), o que não foi passível de realização, pelo tempo que se tinha para realização e conclusão de um Trabalho de Conclusão de Curso. Uma alternativa para o delineamento da pesquisa é o de estudo de campo, que, para Gil (2002) admite maior flexibilidade, tem maior alcance e maior profundidade e não necessariamente tem por objetivo a generalização dos dados pesquisados ao grupo selecionado. Contudo, o autor afirma que muito embora o delineamento do tipo levantamento e do tipo estudo de campo se assemelhem, o que se busca no primeiro é “identificar as 49 características dos componentes do universo pesquisado”, sendo o instrumento mais utilizado para isso o questionário. Enquanto no segundo, “estuda-se um único grupo ou comunidade em termos de estrutura social, ou seja, ressaltando a interação entre seus componentes”, e que para este propósito a coleta de dados se dá por meio de observação direta, exigindo-se “do pesquisador que permaneça o maior tempo possível na comunidade, pois somente com essa imersão na realidade é que se podem entender as regras, os costumes e as convenções que regem o grupo estudado”. 94 Portanto, como o objetivo não diz respeito tão somente ao “aprimoramento de idéias ou descoberta de intuições”95 - pesquisa exploratória e, sim, de caracterizar o manejo de profissionais da saúde em casos que envolvem o risco de suicídio – pesquisa descritiva, mas não é possível se realizar um censo ou amostra probabilística, apesar de ter sido utilizado o questionário, principalmente, por uma questão de garantia da verossimilhança dos dados, a classificação da pesquisa se entremeia entre as modalidades de levantamento e estudo de campo, quanto aos procedimentos técnicos utilizados. Deste modo, pensa-se que ainda que os resultados alcançados não possam ser considerados representativos da população, já que não serão constituídos por amostra probabilística, de uma certa forma, conferirão um grau de generalidade, pelo menos em relação a profissionais e instituições com características muito semelhantes àquelas dos sujeitos que foram pesquisados. A partir da escolha do caminho que foi percorrido rumo ao esclarecimento da pergunta de pesquisa, pode-se dizer que, quanto ao objetivo, trata-se de pesquisa exploratória, vez que se buscou uma aproximação e conhecimento deste tipo de intervenção, investigandose o conhecimento e a intervenção dos profissionais da saúde em relação à utilização ou não das informações referentes aos fatores de risco, metodologia e manejo preconizadas pelos manuais de prevenção do suicídio. De acordo com Gil (2002): Estas pesquisas têm como objetivo proporcionar maior familiaridade com o problema, com vistas a torná-lo mais explícito ou a construir hipóteses. Pode-se dizer que estas pesquisas têm como objetivo principal o aprimoramento de idéias ou a descoberta de intuições. Seu planejamento é, portanto, bastante flexível, de modo que possibilite a consideração dos mais variados aspectos relativos ao fato estudado. Na maioria dos casos, essas pesquisas envolvem: (a) levantamento bibliográfico; (b) entrevistas com pessoas que tiveram experiências práticas com o problema pesquisado, e (c) análise de exemplos que “estimulem a compreensão”.96 94 GIL, Antônio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 4 ed. São Paulo: Atlas, 2002, p. 52-53. GIL, 2002, p. 41. 96 SELLTIZ et al. apud GIL, Antônio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 4 ed. São Paulo: Atlas, 2002, p. 41. 95 50 E neste sentido que se pretendeu, com a análise dos dados coletados, comparar o que profissionais da saúde apresentaram como experiência e conhecimento em relação ao manejo que realizam nos casos que envolvem risco de suicídio para prevenir tal risco com o que os Manuais preconizam para alcançar-se a prevenção do suicídio. De forma que, em relação à análise dos dados, a pesquisa pode ser caracterizada pela análise a partir da ocorrência das categorias a priori constantes dos manuais e das respostas fornecidas pelos profissionais da saúde no questionário e análise comparativa entre as informações apresentadas por estas duas fontes de pesquisa. 3.2 FONTES DE INFORMAÇÃO Para caracterizar o manejo que profissionais da saúde realizam como possibilidade de prevenção em casos que envolvem risco de suicídio contou-se com dois tipos de fontes de informação. Para pesquisa documental os três Manuais de Prevenção do Suicídio dirigido a profissionais da saúde: Manual para profissionais da saúde em Atenção Primária, Manual para Médicos Clínicos Gerais, ambos produzidos pela a Organização Mundial da Saúde (2000) e o Manual dirigido a profissionais das equipes de saúde mental, do Ministério da Saúde do Brasil (2006). 3.3 SUJEITOS DA PESQUISA Entende-se que qualquer profissional da saúde, em todo e qualquer local e tipo de assistência à saúde, seja este de baixa, média ou alta complexidade pode se deparar com o sujeito que apresenta risco de suicídio. Por este motivo, coletaram-se os dados que respondam ao problema de pesquisa junto a profissionais da saúde que exercem sua atividade em serviços de saúde que correspondam aos três níveis de atenção destacados. As instituições de saúde nas quais se realizou a aplicação dos questionários foram escolhidas a partir do critério de indicação dos manuais da OMS e do MSB, já que estes são dirigidos aos profissionais dos três níveis de atenção à saúde (atenção básica, média complexidade e alta complexidade) e a profissionais especializados em saúde mental. Foram 51 selecionadas as instituições que realizavam atendimento em saúde mental em um município, as quais se referem a: programa de saúde mental (média complexidade em saúde mental), hospital psiquiátrico (alta complexidade em saúde mental), bem como um posto de saúde (atenção básica) e a emergência de um hospital geral (alta complexidade), todas instituições situadas num mesmo município. Foram sujeitos desta pesquisa três profissionais de cada um desses níveis de atenção à saúde, totalizando 12 profissionais, distribuídos de acordo com a tabela a seguir. Tabela 1 - Perfil dos Sujeitos Pesquisados Local Sujeito Profissão Sexo Experiência/ especialização em Saúde Mental Sim Posto Saúde PSM H. Geral 2° grau Técnico Superior Tempo experiência no local atual 11 anos 7 anos 8 anos 6 anos Enfermeira F x S2 Técnica Enfermagem F x S3 Médico M x x 3 anos 2 anos S4 Enfermeira F x x* 22 anos 3 meses S5 Enfermeira F x x 7 anos 1 ano S6 Psiquiatra F x x 8 anos 5 anos S7 Enfermeira F x 10 anos 3 anos x 27 anos 21 anos 1 ano e 3 meses 3 anos e meio 1 ano e 3 meses S8 Técnico Gesso Técnico Enfermagem M x Tempo de experiência na área da saúde S1 S9 H. Psiquiátrico Não Nível Escolaridade x x x x M x x S10 Psiquiatra F x x S11 Enfermeiro M x x S12 Auxiliar Enfermagem F x Fonte: Elaboração da autora, 2008. * S4 - cursando pós graduação x 4 meses 7 anos 2 anos e 9 meses 32 anos 10 anos 52 Diante do quadro “Perfil dos Sujeitos Pesquisados” pode-se depreender que responderam o questionário doze profissionais da saúde, distribuídos da seguinte forma e com as seguintes profissões: no Posto de Saúde (atenção básica) uma enfermeira, uma técnica em enfermagem e um médico clínico geral da equipe de PSF; no Programa de Saúde Mental (média complexidade) duas enfermeiras e uma psiquiatra; na emergência do Hospital Geral (alta complexidade) uma enfermeira, um enfermeiro- atualmente na atividade de técnico de gesso- e um técnico em enfermagem e, no Hospital Psiquiátrico (alta complexidade em saúde mental), uma psiquiatra, um enfermeiro e uma auxiliar de enfermagem. A maior parte dos respondentes com ensino superior, do sexo feminino e com experiência na área da saúde por mais de sete anos. Seis dos doze respondentes apresentam experiência ou especialização na área de saúde mental. 3.4 EQUIPAMENTO E MATERIAL Para a realização desta pesquisa foram utilizadas folhas de papel A4, canetas esferográficas, computador, impressoras, livros de acervo próprio e através de empréstimo na Biblioteca da Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL), bem como artigos e documentos (manuais de prevenção do Suicídio, da OMS e do MSB ) obtidos via Internet . Foi também utilizado um protocolo de registro para os dados obtidos a partir dos manuais de prevenção do suicídio e um questionário contendo 11 questões para obtenção de dados fornecidos pelos profissionais da saúde. 3.5 PROCEDIMENTO DE CONSTRUÇÃO E DE TESTE DO QUESTIONÁRIO Foi após a organização e tratamento das informações encontradas nos manuais de prevenção do suicídio da OMS e do MSB, que se confeccionou o questionário, cujas questões foram elaboradas com base nestes dados encontrados por meio da pesquisa documental. O conteúdo das alternativas apresentadas aos sujeitos de pesquisa como possíveis respostas a cada questionamento apresentado no questionário foi selecionado a partir das informações e recomendações dos manuais de prevenção pesquisados sobre fatores de risco de suicídio e 53 procedimentos de manejo do comportamento suicida, bem como os mitos sobre suicídio apontados por esses documentos e, ainda, incluiu-se informações, escolhidas aleatoriamente e que não fossem contempladas como fatores de risco na literatura ou manuais pesquisados para que fosse possível apresentar aos respondentes alternativas condizentes e não condizentes com o que é preconizado pelos manuais de prevenção do suicídio. Além disso, fizeram parte do instrumento, questionamentos necessários para caracterização dos sujeitos de pesquisa (nível de escolaridade, profissão, tempo de experiência da área da saúde e no local de trabalho atual), bem como algumas perguntas relativas à freqüência de atendimento de casos que envolvem risco de suicídio e de como os profissionais se sentem ao atuarem nesses casos. Para cada questão foram apresentadas múltiplas alternativas, sem limite de assinalamento. Muito embora se trate de questionário fechado, foi ainda, em todas as questões, deixado espaço para que o sujeito de pesquisa pudesse indicar alguma resposta não contemplada nas alternativas apresentadas. A escolha por questionário fechado se justifica em razão de já contar com categorias a priori, do pouco tempo que se tinha para realizar a pesquisa de campo e, também, em razão de estar se investigando uma competência profissional (o manejo em relação a uma situação de risco, cujos profissionais de saúde normalmente apresentam certa resistência), de maneira que, com o questionário, os sujeitos de pesquisa puderam “ter maior confiança em seu anonimato e se sentirem mais livres para exprimir opiniões que temem ser desaprovadas ou que poderiam colocá-los em dificuldades”.97 O questionário foi submetido à aplicação piloto, com quatro profissionais da saúde: duas agentes comunitárias, uma psicóloga e uma terapeuta ocupacional. Os profissionais que se submeteram à aplicação piloto apontaram como dúvidas questões referentes ao enunciado das questões, ao número de alternativas que poderiam ser marcadas e relataram não ter sentido qualquer desconforto em responder o questionário. Após a aplicação piloto, foram realizados alguns ajustes no instrumento, relativos aos apontamentos dos profissionais que o responderam. 3.6 SITUAÇÃO E AMBIENTE 97 LUNA, Iúri Novaes. Técnicas de coletas de dados na pesquisa social. Florianópolis: UFSC, 1996, p.9. 54 A coleta de dados foi realizada nas próprias instituições de atuação dos profissionais de saúde, no horário e ambiente de trabalho. A identificação do município e locais nos quais foi realizada a coleta de dados ficará resguardada, pela questão ética em se cumprir com o estabelecido no termo de compromisso livre e esclarecido, no que diz respeito ao sigilo da identidade dos sujeitos de pesquisa. Isto porque entende-se que a indicação do município pode conduzir à identificação dos profissionais que atuam nas instituições, nas quais se realizou a coleta de dados. 3.7 PROCEDIMENTO DE COLETA DE DADOS Para extrair as informações dos Manuais de Prevenção do Suicídio, elaborou-se um protocolo de registro (apêndice XXXX), o qual foi preenchido com informações referentes a: indicadores de risco de suicídio, classificação dos diferentes graus de risco de suicídio e respectiva intervenção e abordagem ao paciente a ser realizada pelo profissional da saúde que se depara com casos que envolvem tal risco, bem como dos mitos sobre suicídio. As informações foram extraídas do texto dos manuais de prevenção do suicídio, que puderam ser encontrados disponíveis em versão digitalizada no site do Ministério da Saúde, por meio dos instrumentos “recortar” e adicionadas no protocolo por meio da ferramenta “colar” do programa Microsoft Word. O procedimento de escolha dos sujeitos para a coleta de dados junto aos profissionais da saúde foi realizado aleatoriamente (amostra acidental), tendo o questionário sido aplicado da seguinte forma: num primeiro momento, para cada uma das instituições escolhidas, contatou-se via telefone o responsável pelo setor, que mediante a aprovação da realização da pesquisa, por meio do parecer de Comitê de ética em pesquisa98 indicou uma determinada data para realização da coleta. Na data e hora marcada, juntamente com o profissional responsável por receber a pesquisadora na instituição, eram abordados os profissionais de saúde que lá se encontravam naquele momento. Para cada um dos sujeitos pesquisados foi realizado o esclarecimento da natureza, objetivos e justificativa da pesquisa, que concordaram em participar após a leitura, aceite e assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido. 98 Muito embora o projeto de pesquisa tenha sido submetido ao Conselho de Ética e Pesquisa da Unisul e por ele aprovado, foi exigido pelo Hospital Psiquiátrico, bem como pelo Hospital Geral, que o projeto fosse também submetido pelo CEP dessas instituições. 55 Para garantia e segurança da veracidade das respostas dos sujeitos de pesquisa e da devolução imediata do instrumento respondido, o questionário foi preenchido na presença da pesquisadora e entregue seguidamente, assegurando-se que os respondentes não consultassem bibliografia, os manuais de prevenção do suicídio ou colegas de trabalho. Os respondentes levaram em torno de 15 a 20 minutos para responderem o questionário. Pensou-se então que o aspecto do anonimato era uma questão relevante para garantia da obtenção fidedigna das respostas e, por isso, teve-se o cuidado para que os sujeitos da pesquisa ficassem convencidos disso. Para tanto, contou-se com algumas estratégias, tais como: preenchimento do termo livre e esclarecido e respectivo acondicionamento em separado do questionário, o qual era depositado pelo próprio sujeito, depois de respondido, numa pasta fechada. 3.8 ORGANIZAÇÃO, TRATAMENTO E ANÁLISE DE DADOS Em relação à pesquisa documental, as informações encontradas nos Manuais de Prevenção de Suicídio foram organizadas em tabelas por categorias, de maneira que fosse possível analisar e comparar as informações entre os manuais. Tal maneira de organizar os dados teve por objetivo a visualização das semelhanças e diferenças entre as informações encontradas nos três manuais em referência, indicando-se aquelas mais encontradas ou destacadas como mais relevantes, facilitando a discussão dos dados encontrados. A respeito da análise dos dados obtidos por meio do questionário aplicado junto aos profissionais da saúde, esta foi realizada a partir da ocorrência das respostas apresentadas referente a cada questionamento. Para a apresentação desses dados, foram elaboradas tabelas, cuja categoria indica o tema de cada uma das questões, ao passo que as subcategorias indicam as possíveis respostas que poderiam ser assinaladas. As tabelas com os dados relativos ao questionário têm as linhas das subcategorias, cujas informações estão de acordo com o estabelecido pelos manuais de prevenção do suicídio da OMS e do MSB pesquisados, destacadas em cinza. Estes dados foram desta forma organizados, com a finalidade de facilitar a análise comparativa das respostas dos profissionais da saúde pesquisados com o que foi encontrado como recomendado pelos Manuais de Prevenção do Suicídio no levantamento que foi realizado desses documentos. Abaixo de cada tabela é então feita a discussão dos dados apresentados, a partir do destaque 56 das subcategorias cuja ocorrência ou não ocorrência se mostram significativas diante do que foi encontrado nos manuais de prevenção do suicídio pesquisados, bem como na literatura revisada. 57 4 APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS Este capítulo de apresentação e análise dos dados está dividido em dois subcapítulos. O primeiro diz respeito à apresentação e discussão dos dados encontrados a partir da análise documental realizada dos três Manuais de Prevenção do Suicídio da OMS e do MSB. O segundo subcapítulo se refere à apresentação e discussão dos dados obtidos por meio da aplicação do questionário junto aos profissionais da saúde pesquisados. 4.1 APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS RELATIVOS AOS MANUAIS DE PREVENÇÃO DO SUICÍDIO DO MSB E DA OMS Passa-se a apresentar os dados referentes à análise documental dos Manuais de Prevenção do Suicídio da OMS e do MSB dirigidos à profissionais da Saúde. Os aspectos analisados são apresentados nas subseqüentes seções: Indicadores de risco do suicídio, Mitos sobre o suicídio e Manejo. 4.1.1 Indicadores de risco do suicídio Pode-se perceber na literatura consultada, bem como nos manuais de prevenção do suicídio, certa similaridade em relação aos fatores de risco de suicídio apresentados. Com intuito de organizar e sistematizar o que os Manuais de Prevenção do Suicídio, elaborados pela OMS e pelo Ministério da Saúde do Brasil, apresentam como indicadores de risco de suicídio, confeccionaram-se as seguintes tabelas que se encontram divididas em grupos de fatores: psiquiátricos, sociodemográficos, ambientais, psicológicos e condições médicas, de acordo com o que foi encontrado nos citados manuais. cfCada grupo de fator de risco de suicídio se divide em indicadores e especificadores dos indicadores que foram encontrados nos manuais destacados. Cada fator encontrado em cada um dos manuais é assinalado com um “X” na respectiva coluna. 58 Tabela 2 – Fatores psiquiátricos de risco de suicídio. Fatores de Risco organizados por eixos temáticos Indicador Transtorno de Humor P S I Q U I Á T R I C O S Transtorno devido ao uso de substâncias psicoativas Transtorno de Personalidade Especificadores dos indicadores Manual dirigido aos Profissionais das Equipes de Saúde Mental (MSB) Manual para Profissionais da Saúde em Atenção Primária (OMS) Manual para Médicos Clínicos Gerais (OMS) Enfoque no T. Depressivo X X X Todos os subtipos X Enfoque no alcoolismo X Outras substâncias, no caso dos adolescentes Borderline Anti-Social Narcisista Histriônico Com traços de impulsividade, agressividade e freqüentes alterações de humor Esquizofrenia Transtornos de Ansiedade Transtorno Mental Orgânico Comorbidades X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X Enfoque na depressão + alcoolismo Transtorno mental + história de tentativas de Principais suicídio fatores de risco Transtorno para suicídio mental + alta recente do hospital Fonte: Elaboração da autora, 2008. X X X X X X Como é possível perceber, em relação aos Transtornos Psiquiátricos, o enfoque do risco de suicídio, de acordo com os manuais, é com relação à depressão, à dependência do álcool e à esquizofrenia. No caso dos Transtornos de Personalidade, o risco de suicídio é aumentado naqueles transtornos cujo quadro apresenta as características de impulsividade, humor lábil, agressividade e intolerância à frustração. A associação de transtorno mental com a existência de histórico de tentativas de suicídio é ressaltada nos manuais de prevenção do suicídio como um dos mais importantes fatores de risco. 59 Tabela 3 – Fatores sociodemográficos de risco de suicídio. Fatores de Risco organizados por eixos temáticos Indicador S O C I O D E M O G R Á F I C O S Sexo masculino consuma o suicídio Sexo feminino tenta mais o suicídio Faixas etárias entre 15 e 35 anos e acima de 75 anos Estratos econômicos extremos Residentes em áreas urbanas Desempregados (principalmente perda recente do emprego) Aposentados Isolamento social (viver sozinho) Solteiros ou separados Viúvos Migrantes Especificadores dos indicadores X X Manual para Médicos Clínicos Gerais (OMS) X X X X X* * acima de 65 anos X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X Farmacêuticos Dentistas Químicos X X X Agricultores X Médicos Veterinários Profissão Manual para Manual dirigido Profissionais da aos Profissionais Saúde em das Equipes de Atenção Saúde Mental Primária (MSB) (OMS) X X* *fazendeiros Fonte: Elaboração da autora, 2008. Como pode ser observado na tabela, em relação aos fatores de risco sociodemográficos, os manuais de prevenção ao suicídio apresentam relevância em relação ao sexo masculino, pessoas jovens e idosas, sem atividade laboral (desempregados, 60 aposentados), e que não apresentam vínculos familiares ou afetivos importantes, vivendo de forma mais isolada ou solitária. Tabela 4 – Fatores ambientais de risco de suicídio. Fatores de Risco organizados por eixos temáticos A M B I E N T A I S Indicador Especificadores dos indicadores Estressores da Vida Problemas interpessoais Rejeição Eventos de perda Problemas financeiros e no trabalho Mudanças na sociedade Sentimentos de vergonha, ameaça e Culpa Manual dirigido aos Profissionais das Equipes de Saúde Mental (MSB) Manual para Profissionais da Saúde em Atenção Primária (OMS) Manual para Médicos Clínicos Gerais (OMS) X X X X X X X X X X X X Facilidade de Acesso Métodos para cometer suicídio X Exposição ao Suicídio No próprio contexto de vida ou por meio da mídia X Fonte: Elaboração da autora, 2008. Os fatores de risco que aparecem na tabela acima são nomeados como “ambientais” porque assim são designados no Manual para Profissionais da Saúde em Atenção Primária, da OMS. Na verdade, a maior parte deles aparece com a designação de “fatores de risco psicológico” no Manual dirigido aos Profissionais das Equipes de Saúde Mental do MSB e, como “características próprias do estado das mentes suicidas” no Manual para Médicos Clínicos Gerais da OMS. Pensa-se que, com exceção do fator referente à facilidade de acesso aos meios para cometer o suicídio (que realmente é um fator ambiental), todos os outros que aparecem na tabela 4 podem ser considerados de ordem psicológica, vez que implicam em relações subjetivas com o trabalho, família, meio social, eventos de perda, 61 sentimentos de culpa, vergonha, rejeição, isto é, questões que envolvem um significado relacionado com a história do sujeito e que o leva a ter dificuldades nesses aspectos da vida. Ressalte-se desta tabela, além da acessibilidade aos meios e métodos para cometer o suicídio (armas, drogas e substâncias químicas), o que se refere ao aumento do risco de suicídio nos sujeitos que são expostos ao suicídio no próprio contexto de vida (familiares, amigos, pessoas próximas) ou por meio da mídia. Meleiro, Fensterseifer e Werlang (2004) referem que “a divulgação inadequada pela mídia, assim como o estilo de vida de uma comunidade, podem criar uma cultura de suicídio” (p.147). São os denominados “suicídios por imitação ou por contágio” relacionados com a imitação de suicídios publicados pela mídia, realizados principalmente por adolescentes e mais comumente referentes a personalidades famosas. Os autores destacados apontam os estudos que confirmam tal influência (Phillips, 1974; Phillips, Lesyna e Paight, 1992; Rich, Young e Foweler, 1986; Brent et al., 1991; Taiminen, 1992) e citam como exemplo o suicídio de muitos adolescentes que imitaram o astro de rock Kurt Cobain, do grupo Nirvana.99 Diante do preocupante impacto e possíveis conseqüências que podem suceder a divulgação de um caso de suicídio, a Organização Mundial da Saúde elaborou um manual de prevenção ao suicídio destinado aos profissionais da mídia, recomendando as precauções a serem tomadas ao noticiar o suicídio. E além deste Manual da OMS, Dapieve (2007) refere o Manual de redação e texto jornalístico de O Dia, o Manual da Redação da Folha de São Paulo e o Manual de redação e estilo de O Globo, que recomendam a não publicação de notícias de suicídio, com exceção daqueles cometidos por pessoas notoriamente públicas, cujos motivos que levaram ao suicídio sejam de interesse da população. Nestes casos, os citados manuais dispõem algumas regras para publicação, como por exemplo, não revelar detalhes do método ou do local onde ocorreu o fato, como medidas de prevenção de ocorrência de suicídios por contágio.100 99 MELEIRO, A M.A. da S., FENSTERSEIFER, L., WERLANG, B. Esforços para Prevenção. In: WERLANG, Blanca G. e BOTEGA, Neury J. Comportamento Suicida. Porto alegre: Artmed, 2004. p. 141-152, p. 147. 100 DAPIEVE, Arthur. Morreu na Contramão - o suicídio como noticia. Rio de Janeiro Jorge Zahar, 2007, p. 75-76, 106 e 167-168. 62 Tabela 5 – Fatores psicológicos de risco de suicídio. Fatores de Risco organizados por eixos temáticos Indicador Especificadores dos indicadores Ambivalência Impulsividade Rigidez/Constrição P S I C O L Ó G I C O S Sentimentos de depressão, desesperança, desamparo e desespero (regra dos 4D) Frases de alerta: “Eu preferia estar morto”; “Eu não posso fazer nada”; “Eu não agüento mais”; “Eu sou um perdedor e um peso pros outros”. “Os outros vão ser mais felizes sem mim” Manual dirigido aos Profissionais das Equipes de Saúde Mental (MSB) Manual para Profissionais da Saúde em Atenção Primária (OMS) Manual para Médicos Clínicos Gerais (OMS) X X X X X X X X X X X 101 Sentimentos de autodesvalorização Perdas recentes Perdas de figuras parentais na infância Dinâmica familiar conturbada Datas importantes Reações de aniversário Personalidade com traços significativos de impulsividade, agressividade, humor lábil Fonte: Elaboração da autora, 2008. X X X X X X X X Em relação aos aspectos psicológicos, alguns também contemplados na Tabela 4, pode-se observar que os que mais se destacam nos manuais em comento são a ambivalência, impulsividade, rigidez ou constrição, como características psicológicas apresentadas pelos 101 BRASIL, 2006, p. 53. 63 potenciais suicidas. Os sentimentos de desamparo e desesperança também são enfatizados. E, ainda, a situação de perda parental na infância. Tabela 6 – Fatores de risco de suicídio relacionados a condições médicas. Fatores de Risco organizados por eixos temáticos Indicador Especificadores dos indicadores Sem especificador C O N D I Ç Õ E S M É D I C A S Doenças orgânicas incapacitantes Dor crônica Lesões desfigurantes perenes Epilepsia Trauma medular Acidente Vascular Cerebral Neoplasias malignas (câncer) HIV e AIDS Fonte: Elaboração da autora, 2008. Manual dirigido aos Profissionais das Equipes de Saúde Mental (MSB) Manual para Profissionais da Saúde em Atenção Primária (OMS) Manual para Médicos Clínicos Gerais (OMS) X Diabetes X Esclerose múltipla X Condições crônicas renais, hepáticas ou gastrointestinais Doenças nos ossos ou articulações, com dor crônica Doenças cerebrovasculares ou neurovasculares X X X X X Doenças sexuais X Aqueles que têm dificuldade em andar, ver ou ouvir X X X X X X X X X X X X X X X X X X X Em relação às condições médicas, são consideradas, como fatores de risco de suicídio, a presença de doenças que manifestam as decorrências de limitações, incapacitações, dores crônicas, e aquelas de ruim prognóstico ou alvo de estigmas (HIV e AIDS, Câncer). Ainda, foram encontrados outros fatores de risco não contemplados nos manuais da OMS e do Ministério da Saúde do Brasil, destacando-se a questão da etnia (pessoas de cor 64 branca cometem mais suicídio) e a questão da orientação sexual (pessoas de orientação homossexual ou bissexual apresentam maior prevalência de comportamento suicida). Em relação aos transtornos mentais, também é apresentado o risco de suicídio relacionado aos transtornos alimentares. Referem-se ainda fatores de risco de suicídio relacionados à história familiar, havendo maior risco de suicídio dentre as pessoas que possuem história familiar de suicídio, doença psiquiátrica, abuso emocional, físico ou sexual na infância e de violência no ambiente familiar.102 Pfützenreuter (2006) pesquisou, em dois Hospitais Gerais e um CAPS, os principais dados constantes em prontuários de pacientes que haviam tentado suicídio e, no IML, os principais dados existentes no documento de óbito de pessoas que haviam cometido o suicídio. Esses dados se referem aos seguintes aspectos: sexo, idade, estado civil, naturalidade, cidade de procedência, profissão, tipo de suicídio ou de tentativa, instrumento utilizado, data da ocorrência, patologias associadas, aspectos psicológicos relacionados ao suicídio, tentativas prévias, registro nos documentos e notificação dos casos (p.42). Então, entende-se como apropriada a verificação da compatibilidade ou não das características encontradas por Pfützenreuter (2006) com os fatores de risco apresentados nas tabelas acima. Dos resultados apresentados pela pesquisadora, encontram compatibilidade com o preconizado pelos manuais de prevenção do suicídio, os seguintes fatores de risco de suicídio: a) sexo, as mulheres são a maioria no que diz respeito às tentativas de suicídio e, em relação ao suicídio exitoso, os homens aparecem em maior número; b) faixa etária, a mais prevalente foi a faixa entre 20 e 29 anos de idade; c) patologias associadas às pessoas que tentaram suicídio (exceto no IML - tal dado não constava no documento de óbito de pessoas que se suicidaram), a mais prevalente foi a Depressão, seguida pelo Transtorno Afetivo Bipolar, esquizofrenia e hipertensão arterial sistêmica; d) histórico de tentativas de suicídio anteriores, das instituições que realizavam esse tipo de registro, mais de 50% das pessoas que tentaram suicídio, já o tinha feito antes. Dos resultados da pesquisa de Pfützenreuter (2006), não apresentaram (ou apresentaram em parte) compatibilidade com os fatores de risco considerados pelos manuais de prevenção do suicídio os seguintes aspectos: a) estado civil, as pessoas que cometeram suicídio ou o tentaram, na região pesquisada, na maior parte são casadas, seguidas pelas solteiras e, por fim, as separadas (os manuais apresentam como mais tendente ao risco de suicídio as pessoas separadas, solteiras, viúvas ou as pessoas que moram sozinhas e vivem isoladamente); b) profissão, foi encontrado como prevalente nas pessoas que 102 MELEIRO, A. e TENG, Chei., 2004. p. 108-131. 65 tentaram ou cometeram suicídio, as de estudante, aposentado e do lar (sendo somente a aposentadoria considerada como fator de risco pelos manuais de prevenção do suicídio). Ainda que a pesquisa não tenha sido realizada na totalidade das instituições que recebem pessoas que tentaram o suicídio e se refira ao período de somente 6 meses (de setembro de 2005 a março de 2006) é importante perceber a concordância da maior parte dos fatores de risco encontrados por Pfützenreuter (2006) com o que é apresentado nos manuais de prevenção do suicídio. A partir disso, é possível pensar na credibilidade desses aspectos num momento de avaliação do risco de suicídio. Seguindo-se, portanto, a avaliação de casos que envolvem o risco de suicídio, passa-se a uma questão relevante apontada pelos manuais de prevenção do suicídio e pela literatura referente ao tema que remete os profissionais de saúde a uma “revisão de atitudes e temores em relação ao comportamento suicida”.103 4.1.2 Mitos sobre o suicídio Os Manuais de Prevenção do Suicídio e a literatura104 que tratam do manejo dos casos que envolvem risco de suicídio por profissionais da saúde apresentam uma preocupação em desvelar os “mitos” acerca do comportamento suicida. Esses mitos apresentam-se, na realidade, como idéias equivocadas sobre o comportamento suicida, disseminadas no senso comum, que se consideradas como verdades pela equipe de saúde, possibilitam a ocorrência de imobilismo terapêutico ou descuido no manejo dos pacientes em risco ou ainda o julgamento subjetivo do profissional em relação ao potencial suicida, isto é, condutas profissionais que vão de encontro com a prevenção do suicídio.105 Daí a importância em revelar e esclarecer essas falsas idéias do comportamento suicida entre os profissionais de saúde. O Manual dirigido aos Profissionais das Equipes de Saúde Mental, do MSB se refere a tais concepções como “idéias que levam ao erro”. O Manual para Profissionais da 103 MELEIRO; BOTEGA; PRATES, 2004, p. 176. A importância em desvelar os mitos ou ficções sobre o comportamento suicida é destacada por Meleiro, Scalco e Mello-Santos In Suicídio: Estudos Fundamentais (2004, p.160); Werlang e Botega (2004, p.124); Holmes (1997, p. 203); Kapczinski et al (2001, p.158); Cassorla (1991, p.159). 105 WERLANG, Blanca G. e BOTEGA, Neury J. Avaliação e manejo do paciente. In WERLANG, Blanca G. e BOTEGA, Neury J. Comportamento Suicida. Porto alegre: Artmed, 2004. p.123-140, p.124. 104 66 Saúde em Atenção Primária, da OMS apresenta tais crenças e respectivas oposições com as designações de “Ficção” e “Fato”. O Manual para Médicos Clínicos Gerais, da OMS utilizase da nomenclatura de “Mitos” e “Realidade”. Abaixo foi confeccionada uma tabela com o disposto nesses três manuais, de maneira que a marcação com “X” se refere ao mito e respectivo fato que estão descritos no manual correspondente à coluna marcada. Quando não há “X”, significa que o manual não descreve tal mito e fato correspondente. Tabela 7 – Mitos sobre o Suicídio. (continua) Mitos, Ficção e Idéias que levam ao erro sobre o comportamento suicida Os pacientes que falam em suicídio raramente o cometem ou pessoas que ficam ameaçando suicídio não se matam. A ameaça é apenas para manipular. Suicídios ocorrem sem avisos. Perguntar sobre suicídio, pode induzir o paciente a isso. Realidade, Fato Os pacientes que cometem suicídio normalmente dão alguma pista ou aviso antecipadamente. Pelo menos dois terços das pessoas que tentam ou que se matam haviam comunicado de alguma maneira sua intenção para amigos, familiares ou conhecidos. As ameaças devem ser levadas a sério. A maioria das pessoas que se mataram deram avisos de sua intenção. Chegar a esse tipo de recurso indica que a pessoa está sofrendo e necessita de ajuda. Perguntar sobre suicídio freqüentemente reduzirá a ansiedade a respeito deste tema; O paciente pode sentir-se aliviado e melhor compreendido. Sente-se acolhido por um profissional cuidadoso, que se interessa pela extensão de seu sofrimento. Manual dirigido aos Profissionais das Equipes de Saúde Mental (MSB) Manual para Profissionais da Saúde em Atenção Primária (OMS) Manual para Médicos Clínicos Gerais (OMS) X X X X X X 67 (conclusão) A maioria dos que pensam em se matar, têm sentimentos ambivalentes. Essa idéia pode Quem quer se matar, se conduzir ao imobilismo mata mesmo. terapêutico, ou ao descuido no manejo das pessoas sob risco. Não se trata de evitar todos os suicídios, mas sim os que podem ser evitados. Muitos suicídios ocorrem num período de melhora, quando a Melhora após a crise pessoa tem a energia e a vontade significa que o risco de de transformar pensamentos suicídio acabou. desesperados em ação autodestrutiva. Nem todos os suicídios Verdade, mas a maioria pode-se podem ser prevenidos. prevenir. Pensamentos suicidas podem retornar, mas eles não são Uma vez suicida, sempre permanentes e em algumas suicida. pessoas eles podem nunca mais retornar. O que dirige a ação autoO suicídio é um ato de inflingida é uma dor psíquica covardia ou de coragem. insuportável e não uma atitude de covardia ou coragem. Há sempre o risco de o profissional identificar-se profundamente com aspectos de desamparo, depressão e No lugar dele, eu desesperança de seus pacientes, também me mataria. sentindo-se impotente para a tarefa assistencial. Há também o perigo de se valer de um julgamento pessoal para decidir as ações que fará ou deixará de fazer. Fonte: Elaboração da autora, 2008. X X X X X X X X Observando a tabela, pode-se perceber que tais idéias enganosas sobre o comportamento suicida se referem à incompreensão do suicídio como um sofrimento, um problema de saúde, passível de prevenção e desconhecimento das intervenções possíveis para viabilizá-la. É possível, portanto, compreender o propósito de desmistificação dessas crenças como um aspecto importante ressaltado nos manuais de prevenção do suicídio. A literatura consultada enfatiza a importância em desvelar os mitos sobre o suicídio entre os profissionais 68 da saúde como um modo de evitar o imobilismo terapêutico e viabilizar um bom contato interpessoal entre o profissional e o potencial suicida.106 4.1.3 Manejo Muito embora os objetivos e as intervenções recomendadas em relação ao manejo do paciente em risco de suicídio sigam a mesma linha de conduta nos três manuais destacados, a classificação do risco de suicídio e a descrição das respectivas intervenções são apresentadas da mesma forma no Manual para Profissionais da Saúde em Atenção Primária, da OMS e no dirigido aos Profissionais das Equipes de Saúde Mental, do MSB e diferentemente destes no Manual para Médicos Clínicos Gerais, da OMS. Ainda, ressalta-se que no Manual dirigido aos Profissionais das Equipes de Saúde Mental, do MSB, além de todas as informações referentes à epidemiologia do suicídio, fatores de risco, características do comportamento suicida, classificação do risco de suicídio em baixo, médio e alto risco e respectivas intervenções, o manejo de pacientes em risco de suicídio é relacionado ao diagnóstico psiquiátrico, isto é, ao tipo de transtorno mental apresentado pelo sujeito (este manual especifica diferentes manejos para os casos de Esquizofrenia, Transtornos de Humor, Dependência por álcool e Transtornos de Personalidade). Isso, porque, segundo o disposto no citado manual “estudos em diferentes regiões do mundo têm demonstrado que, na quase totalidade dos suicídios, os indivíduos estavam padecendo de um transtorno mental”.107 No caso do manual do MSB, além do manejo clínico indicado para cada tipo de diagnóstico psiquiátrico, é, sobretudo, explicitada a indicação da prescrição de psicofármacos, conforme ação e efeitos destes medicamentos. Em relação ao Manual para Profissionais da Saúde em Atenção Primária, da OMS e ao Manual dirigido aos Profissionais das Equipes de Saúde Mental, do MSB, a metodologia de abordagem do paciente em risco de suicídio é sistematizada por meio de ações que, num primeiro momento, são relacionadas em uma série de passos a serem seguidos para organizar um espaço apropriado para realizar uma comunicação tranqüila e eficaz em prevenção. 106 WERLANG E BOTEGA, 2004, p.124 e HOLMES, 1997, p. 203. Em que pese a importância da diferença do manejo para cada um dos grupos de transtornos mentais indicado no Manual dirigido aos Profissionais das Equipes de Saúde Mental, do MSB, este estudo tem por foco o manejo inicial dos casos que envolvem risco de suicídio realizado por profissionais de saúde em geral. Por esse motivo que se absteve de indicar as especificidades do manejo realizado para diferentes transtornos atribuído aos profissionais especializados em saúde mental. 107 69 Posteriormente, apresentam as descrições das intervenções que devem ser realizadas em termos de comunicação, expostas em recomendações de como o profissional deve ou não se comunicar. O conteúdo deste primeiro método, que se refere a como deve se dar a comunicação no primeiro contato entre o profissional de saúde e o potencial suicida, é apresentado nos dois manuais mencionados, conforme a tabela a seguir. Tabela 8 – Primeiro contato e a comunicação com o paciente que está em risco de suicídio. Descrição da Intervenção “Quando as pessoas dizem ‘Eu estou cansado da vida’ ou ‘Não há mais razão para eu viver’, elas geralmente são rejeitadas, ou, então são obrigadas a ouvir sobre outras pessoas que estiveram em dificuldades piores. Nenhuma dessas atitudes ajuda a pessoa com risco de suicídio. O contanto inicial com o suicida é muito importante. Freqüentemente o contato ocorre numa clínica, casa ou espaço público, onde pode ser difícil ter uma conversa particular. “1. O primeiro passo é achar um lugar adequado onde uma conversa tranqüila possa ser mantida com privacidade razoável.” “2. O próximo passo é reservar o tempo necessário. Pessoas com ideação suicida usualmente necessitam de mais tempo para deixarem de se achar um fardo e precisase estar preparado mentalmente para lhes dar atenção.” “3. A tarefa mais importante é ouvi-las efetivamente. ‘Conseguir esse contato e ouvir é por si só o maior passo para reduzir o nível de desespero suicida. ’” Como se comunicar Como não se comunicar Ouvir atentamente, ficar Interromper muito calmo. freqüentemente. Entender os sentimentos Ficar chocado ou muito da pessoa (empatia). emocionado. Dar mensagens nãoverbais de aceitação e Dizer que você está ocupado. respeito. Expressar respeito pelas Tratar o paciente de maneira opiniões e valores da que o coloque numa posição de pessoa inferioridade. Conversar honestamente Fazer comentários invasivos e e com autenticidade. pouco claros. Mostrar sua preocupação, cuidado e Fazer perguntas indiscretas. afeição. Focalizar nos sentimentos da pessoa. Fonte: Elaboração da autora, 2008. Manual dirigido aos Profissionais das Equipes de Saúde Mental (MSB) Manual para Profissionais da Saúde em Atenção Primária (OMS) X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X Manual para Médicos Clínicos Gerais (OMS) 70 Observando-se a tabela, é possível depreender, das descrições das intervenções recomendadas para o primeiro contato com o paciente em risco de suicídio, as noções referentes à empatia, demonstração de interesse e de disponibilidade necessárias para o estabelecimento de uma relação de confiança, como destacado pelos autores Reinecke (2004) e Serrano (2008). Botega e Werlang (2004) lembram que nem sempre o paciente em risco de suicídio está disposto a colaborar. Nas palavras dos autores, ele pode se encontrar “enfraquecido” e “hostil”, ainda assim, “respeitar a condição emocional do paciente e a situação de vida que o levou à tentativa de suicídio é fundamental em uma atitude de acolhimento, sem julgamento moral” (p.123).108 No mesmo sentido, Meleiro, Botega e Prates (2004) anunciam a postura profissional na abordagem do paciente em risco de suicídio: “1. A necessidade de o profissional colocar-se no lugar do paciente, com respeito, compreendendo-o (empatia), sem julgá-lo moralmente; 2. O esforço para construção de um vínculo (aliança terapêutica); 3. O ‘empréstimo’ de alguma dose de confiança e esperança (alterego) que possa garantir ao paciente uma possibilidade de superação do desespero e falta de perspectiva.” (p.190) E é neste ponto que se pensa que os conhecimentos da psicologia têm papel fundamental. Além da possibilidade de a psicologia, por meio de suas técnicas de entrevistas iniciais e de estabelecimento de rapport, instrumentar os profissionais de saúde, oferecendo os subsídios teóricos para o estabelecimento de uma relação de confiança, realçada como essencial pelos manuais de prevenção do suicídio e literatura destacados, pode, mais do que isso, auxiliar esses profissionais a compreender o sofrimento de um sujeito que tenta suicídio, como forma de facilitar que este evite ao máximo julgar essa tentativa, podendo-se, inclusive, auxiliar este profissional de saúde a utilizar a contratransferência109 como instrumento de identificação do comportamento suicida. Sobre a utilização da contratransferência como instrumento de trabalho do profissional de saúde em casos que envolvem risco de suicídio, Cassorla (1991) assinala que: 108 109 WERLANG; BOTEGA, 2004. p.124. “Contratransferência - Conjunto das reações inconscientes do analista à pessoa do analisando e, mais particularmente, à transferência deste” In Laplanche e Pontails. Vocabulário de Psicanálise. São Paulo: Martins Fontes, 2001, p.102. 71 O médico pode conscientizar-se de sentimentos de menosprezo agressivo perante pacientes com risco ou com tentativas de suicídio e a possibilidade de que esses aspectos contratransfernciais prejudiquem sua visão do caso e sua conduta. A percepção de seus próprios sentimentos, pelo médico, mobilizados por identificação com aspectos de seus pacientes, é uma arma diagnóstica de grande valia, usada naturalmente por muitos médicos e desenvolvida com sua experiência. Acredito que os clínicos possam ser treinados a desenvolver essa capacidade através de grupos Balint, por exemplo, ou, em situações em que conflitos próprios do médico tendem a se misturar com as projeções do paciente de uma forma muito intensa, a ponto de tornarem a atividade médica não um prazer, mas um sofrimento [...]110 Neste sentido, pode-se pensar que a intervenção do psicólogo, em termos de prevenção do suicídio, está para além do manejo do paciente. Se hoje é apregoada a intervenção interdisciplinar, é essencial que a equipe de profissionais da saúde esteja preparada para lidar com a contratransferência despertada nos casos que envolvem risco de suicídio e aproveitá-la como instrumento de trabalho. Talvez os profissionais da psicologia poderiam contribuir com seus conhecimentos para realizar tal capacitação. A partir do conhecimento de como abordar e se comunicar com o paciente em risco de suicídio, o próximo passo, segundo os manuais de prevenção do suicídio em apreciação, seria a avaliação dos riscos para então planejar a intervenção adequada para o caso. Conforme já fora enunciado, o comportamento suicida é multideterminado, e, por conseguinte, os indicadores de risco de suicídio são igualmente de naturezas diversas. Os fatores de risco já foram apresentados, conforme descritos e divididos nos manuais de prevenção do suicídio em riscos psiquiátricos, sociodemográficos, psicológicos, ambientais e referentes à condição médica. Os manuais referem que no momento da avaliação de uma pessoa que apresenta risco de suicídio devem ser considerados principalmente os seguintes indicadores de risco. Tabela 9 – Avaliação dos Indicadores de Riscos de Suicídio. Riscos a serem identificados 1. 2. 3. 110 Comportamento retraído, inabilidade para se relacionar com a família e amigos. Pouca rede social Doença psiquiátrica. Manual dirigido aos Profissionais das Equipes de Saúde Mental (MSB) Manual para Profissionais da Saúde da Atenção Primária (OMS) X X X X X (continua) Manual para Médicos Clínicos Gerais (OMS) X CASSORLA, R. M. S. O Impacto dos Atos Suicidas no Medico e na Equipe de Saúde. In CASSORLA, R. M. S. Do Suicídio. São Paulo: Papirus, 1991. p. 149-165, p. 162-163. 72 4. Alcoolismo. 5. Ansiedade ou pânico. X 6. Depressão X 7. Transtornos de personalidade X 8. Mudança na personalidade, irritabilidade, pessimismo, depressão ou apatia. Mudança no hábito alimentar e de sono. 9. 10. Tentativa de suicídio anterior. 11. Odiar-se, sentimento de culpa, de se sentir sem valor ou com vergonha. 12. Uma perda recente importante – morte, divórcio, separação, etc. 13. História familiar de suicídio. X X (conclusão) X X X X X X X X X X X X X X X X X 14. História familiar de alcoolismo ou outros transtornos psiquiátricos X 15. Luto na infância. X 16. Desejo súbito de concluir os afazeres pessoais, organizar documentos, escrever um testamento, etc. 17. Sentimentos de solidão, impotência, desesperança. X X X X 18. Cartas de despedida X X 19. Doença física crônica, limitante ou dolorosa. X X X 20. AIDS 21. Menção repetida de morte ou suicídio. 22. Estado marital solteiro, viúvo ou separado 23. Viver sozinho (isolamento social). X X X X X 24. Desemprego ou aposentadoria X 25. No caso de paciente psiquiátrico, alta recente do hospital. X 26. Separação marital recente. X 27. Problemas familiares recentes X 28. Alterações recentes no status ocupacional ou financeiro. 29. Rejeição de uma pessoa significativa. Fonte: Elaboração da autora, 2008. X X 73 Desta tabela, pode-se perceber que além daqueles fatores de riscos apresentados num primeiro momento pelos manuais de prevenção do suicídio, e que já foram anteriormente descritos, quando os manuais passam a recomendar os riscos a serem avaliados na intervenção propriamente dita, são incluídas outros aspectos, a saber: a) desejo súbito de concluir os afazeres pessoais, organizar documentos, escrever um testamento e b) Cartas de despedida. Vale ainda lembrar como as frases de alerta e, a regra “dos 4Ds”, destacadas pelo Manual dirigido aos Profissionais das Equipes de Saúde Mental, do MSB e, o Manual para Profissionais da Saúde em Atenção Primária, da OMS, podem também ajudar os profissionais da saúde na identificação do risco referente ao comportamento suicida que não se apresenta tão evidente quanto os casos que se caracterizam por tentativas anteriores, ideação suicida ou planos de suicídio. São as frases: “Eu preferia estar morto”; “Eu não posso fazer nada”; “Eu não agüento mais”; “Eu sou um perdedor e um peso pros outros”; “Os outros vão ser mais felizes sem mim”. E a regra dos 4D se refere aos quatro sentimentos comuns nas pessoas com comportamento suicida: depressão, desesperança, desamparo e desespero. Conjuntamente a essa avaliação da presença de indicadores de risco de suicídio se dá a apreciação dos graus de comportamento suicida, que aparecem classificados em baixo, médio e alto risco de suicídio no Manual dirigido aos Profissionais das Equipes de Saúde Mental, do MSB e no Manual para Profissionais da Saúde em Atenção Primária, da OMS e, qualificados em ordem numérica de 0 a 6, no Manual para Médicos Clínicos Gerais, da OMS. A avaliação do grau de risco de suicídio de acordo com o comportamento suicida apresentado é realizada a partir dos seguintes critérios adotados nos três manuais em alusão: a) estado mental atual e pensamentos sobre morte e suicídio (se o sujeito parece estar sob efeito de alguma substância, se seu discurso é coerente ou apresenta pensamentos sobre morte e suicídio); b) plano suicida atual – quão preparada a pessoa está, e quão cedo o ato está para ser realizado e c) sistema de apoio social da pessoa (família, amigos, rede de apoio, etc.). A partir da caracterização do grau de risco de suicídio, por intermédio dos critérios destacados, são empreendidas as ações adequadas ao caso, como se pode observar na tabela a seguir. 74 Tabela 10 – Gradação dos riscos de suicídio: identificação, avaliação e plano de ação do Manual de Prevenção do Suicídio dirigido a Médicos Clínicos Gerais, da OMS. Risco de suicídio Sintoma Avaliação Ação 0 Nenhum - - 1 Com problemas emocionais Perguntar sobre pensamentos suicidas 2 Idéias vagas de morte Perguntar sobre pensamentos suicidas 3 4 5 Ideação suicida vaga Idéias suicidas SEM transtornos psiquiátricos Idéias suicidas e transtornos psiquiátricos ou fatores estressores graves Avaliar a intencionalidade (plano e método) Avaliar a intencionalidade (plano e método) Avaliar a intencionalidade (plano e método) Escutar com empatia Escutar com empatia Explorar as possibilidades Identificar apoio Explorar as possibilidades Identificar suporte Encaminhar para um psiquiatra Estabelecer um contrato 6 Idéias suicidas e transtornos psiquiátricos ou fatores estressores graves ou agitação e tentativas prévias Ficar com o paciente (para prevenir o acesso aos meios letais) Hospitalizar Fonte: Manual para Médicos Clínicos Gerais da OMS, Genebra, 2000. Ao Observar esta tabela de identificação, manejo e plano de ação proposta no Manual de Prevenção do Suicídio dirigido a Médicos Clínicos Gerais, da OMS, pode-se perceber que a equipe de profissionais não especializados em saúde mental assume o caso que envolve risco de suicídio até o momento em que não há o diagnóstico de transtorno mental. A partir da constatação de Transtorno Mental, segundo as recomendações proposta neste manual, o paciente deve ser encaminhado para um médico psiquiatra. Como o Manual de Prevenção do Suicídio dirigido aos Profissionais das Equipes de Saúde Mental, do MSB e o Manual de Prevenção do Suicídio dirigido Profissionais da Saúde em Atenção Primária, da OMS não apresentam uma tabela pronta, elaborou-se as três 75 próximas tabelas a seguir com o proposto por esses dois manuais em relação à classificação do risco de suicídio e respectiva intervenção a ser realizada. As três seguintes tabelas foram dividas por grau de risco de suicídio, conforme a classificação apresentada por esses dois manuais: baixo, médio e alto risco. Tabela 11- Gradação dos riscos de suicídio: identificação e plano de ação para baixo risco de suicídio do Manual de Prevenção do Suicídio dirigido aos Profissionais das Equipes de Saúde Mental, do MSB e do Manual de Prevenção do Suicídio dirigido Profissionais da Saúde em Atenção Primária, da OMS. Risco de suicídio: BAIXO RISCO Manejo X *O ideal seria ter alguém na equipe treinado para orientar o indivíduo a falar sobre as circunstâncias pessoais e sociais emergentes que o colocam sob risco. X 2. Trabalhar sobre os sentimentos suicidas. Quanto mais abertamente a pessoa fala sobre perda, isolamento e desvalorização, menos turbulentas suas emoções se tornam. Quando a confusão emocional cede, a pessoa pode se tornar reflexiva. Este processo de reflexão é crucial, ninguém senão o indivíduo pode revogar a decisão de morrer e tomar a decisão de viver. X X 3. Focalize na força positiva da pessoa, fazendo-a falar como problemas anteriores foram resolvidos sem recorrer ao suicídio. X *É uma forma de motivá-la e ao mesmo tempo recuperar a confiança em si mesma. X X *Se você não conseguir identificar uma condição tratável e/ou a pessoa não demonstrar melhora, não conseguir refletir sobre sua condição, encaminhe-a para um profissional de saúde mental X 1. Oferecer apoio emocional. A pessoa teve alguns pensamentos suicidas, como: “Eu não consigo continuar” “Eu gostaria de estar morto”, mas não fez nenhum plano. Manual dirigido aos Profissionais das Equipes de Saúde Mental (MSB) *especificações encontradas somente neste manual (continua) Manual para Profissionais da Saúde em Atenção Primária (OMS) 4. Encaminhe a pessoa para um profissional de saúde mental ou a um médico. 76 (conclusão) 5. Encontre-a em intervalos regulares e mantenha contato externo. X *Pelo menos até que ela receba tratamento adequado, encontre-a em intervalos regulares e mantenha contato externo 6. Nem todos os pacientes com pensamentos suicidas serão encaminhados aos serviços especializados, portanto esses pacientes com baixo risco não deverão ser a maioria nesses serviços. X X Fonte: Elaboração da autora, 2008. Ao observar esta tabela de identificação e manejo em casos que são classificados como baixo risco de suicídio pelo Manual de Prevenção do Suicídio dirigido aos Profissionais das Equipes de Saúde Mental, do MSB e o Manual de Prevenção do Suicídio dirigido Profissionais da Saúde em Atenção Primária, da OMS, pode-se perceber que o encaminhamento ao profissional de saúde mental (não se restringe somente ao psiquiatra) não depende do diagnóstico de Transtorno Mental, mas do resultado das intervenções referentes à escuta empática, reforço da autoconfiança na resolução de problemas, por meio do acompanhamento e avaliação regular da rigidez cognitiva do paciente. Neste caso, a persistência da ideação suicida indica a intervenção de um profissional da saúde mental. Tabela 12- Gradação dos riscos de suicídio: identificação e manejo para médio risco de suicídio do Manual de Prevenção do Suicídio dirigido aos Profissionais das Equipes de Saúde Mental, do MSB e do Manual de Prevenção do Suicídio dirigido Profissionais da Saúde em Atenção Primária, da OMS. (continua) Risco de suicídio: Médio Risco Manejo Manual dirigido aos Profissionais das Equipes de Saúde Mental (MSB) A pessoa tem pensamentos e planos, mas não tem planos de cometer suicídio imediatamente. 1. Ofereça apoio emocional, trabalhe com os sentimentos suicidas da pessoa e focalize nos aspectos positivos (já descritos anteriormente). Em adição, continue com os passos seguintes. X Manual para Profissionais da Saúde em Atenção Primária (OMS) X 77 (conclusão) A pessoa tem pensamentos e planos, mas não tem planos de cometer suicídio imediatamente. 2. Focalize os sentimentos de ambivalência. O profissional da saúde deve focalizar na ambivalência sentida pelo indivíduo em risco de suicídio entre viver e morrer, até que gradualmente o desejo de viver se fortaleça. 3. Explore alternativas ao suicídio. O profissional da saúde deve tentar explorar as várias alternativas ao suicídio, até aquelas que podem não ser soluções ideais, na esperança de que a pessoa vá considerar ao menos uma delas. 4. Faça um contrato, negocie, aqui é o momento para usar a força do vínculo existente entre você e o paciente. Extraia uma promessa sincera do indivíduo de que ele ou ela não vai cometer suicídio: 1. Sem que se comunique com a equipe de saúde; 2. por um período específico. O objetivo é ganhar tempo até conseguir ajuda especializada ou até que as medidas tomadas comecem a dar resultado. 5. Encaminhe a pessoa ao psiquiatra da equipe ou agende uma consulta o mais breve possível dentro do período em que foi feito o contrato. 6. Entre em contato com a família, os amigos e/ou colegas e reforce seu apoio. Antes de fazer esse contato, peça autorização ao paciente, para deixá-lo ciente sobre quais informações serão dadas, preservando seu direito ao sigilo. Oriente sobre medidas de prevenção ao suicídio que poderão ser realizadas pelos familiares/amigos/colegas, Como: impedir o acesso aos meios para cometer suicídio. Exemplos: esconder armas, facas, cordas, deixar medicamentos em local que a pessoa não tenha acesso, de preferência trancados, e com alguém responsável em administrá-los. Tudo isso também deve ser esclarecido ao paciente, solicitando sua autorização. Explicar que essas medidas são temporárias, até que ele/ela melhore o suficiente para reassumir o controle. 7. Negocie com sinceridade, explique e peça o aval do paciente para todas as medidas a serem tomadas. Fonte: Elaboração da autora, 2008. X X X X X X X X X X X X 78 Desta tabela de identificação e manejo em casos que são classificados como médio risco de suicídio pelo Manual de Prevenção do Suicídio dirigido aos Profissionais das Equipes de Saúde Mental, do MSB e o Manual de Prevenção do Suicídio dirigido Profissionais da Saúde em Atenção Primária, da OMS, pode-se depreender a importância da consideração do sigilo, objetivando-se a conservação da confiança estabelecida entre profissional e paciente, de maneira que o aval do paciente é requerido pelo profissional em qualquer intervenção que requeira a comunicação com outras pessoas. Nesta recomendação de manejo para médio risco surgem além do encaminhamento para o psiquiatra, as intervenções referentes ao acionamento de suporte e rede social, a realização do “contrato anti-suicídio” e orientação referente à remoção e controle dos meios de acesso para cometer o suicídio. Tabela 13- Gradação dos riscos de suicídio: identificação e manejo para alto risco de suicídio do Manual de Prevenção do Suicídio dirigido aos Profissionais das Equipes de Saúde Mental, do MSB e do Manual de Prevenção do Suicídio dirigido Profissionais da Saúde em Atenção Primária, da OMS. (continua) Risco de suicídio: ALTO RISCO A pessoa tem um plano definido, tem os meios para fazê-lo e planeja fazê-lo prontamente. * Muitas vezes já tomou algumas providências prévias e parece estar se despedindo Manejo Manual dirigido aos Profissionais das Equipes de Saúde Mental (MSB) *especificações encontradas somente neste manual Manual para Profissionais da Saúde em Atenção Primária (OMS) 1. Estar junto da pessoa. Nunca deixá-la sozinha. X X 2. Gentilmente falar com a pessoa e remover pílulas, faca, arma, venenos, etc. (distância dos meios de cometer suicídio). 3. Fazer um contrato X *Explicar que você está ali para ajudá-la, protegê-la e que no momento ela parece estar com muita dificuldade para comandar a própria vida. X *Como descrito anteriormente e tentar ganhar tempo. X X 79 (conclusão) A pessoa tem um plano definido, tem os meios para fazê-lo e planeja fazê-lo prontamente. * Muitas vezes já tomou algumas providências prévias e parece estar se despedindo 4. Informar a família e reafirmar seu apoio, já descritos. 5. Se no local em que você trabalha pode ser feita a avaliação psiquiátrica ou existe hospitalidade diurna e noturna, um acolhimento pode ser feito, seguido de investigação inicial e posterior tratamento. Tente convencer a pessoa a permanecer no serviço para receber ajuda e os cuidados necessários. Mesmo em um ambiente protegido, ela deverá ficar sob maior observação, pois ainda existe o risco de ela tentar o suicídio utilizando os meios que estiverem ao seu alcance. X X X 6. Entre em contato com um * Se onde você trabalha o profissional psiquiatra não está acessível ou da saúde mental ou do não tem hospitalidade diurna e serviço de emergência mais noturna, esta é uma situação de próximo. Providencie uma emergência. ambulância e encaminhe a Explique o motivo do pessoa ao pronto-socorro encaminhamento para transmitir psiquiátrico, de preferência. as informações importantes que você já conseguiu sobre o caso. 7. Se você esgotou todas as tentativas de convencimento do paciente para uma internação voluntária e percebe um risco de suicídio iminente, peça ajuda da família, pois uma internação involuntária poderá ser necessária. Fonte: Elaboração da autora, 2008. X X X X Ao observar esta tabela de identificação e manejo em casos que são classificados como alto risco de suicídio pelo Manual de Prevenção do Suicídio dirigido aos Profissionais das Equipes de Saúde Mental, do MSB e o Manual de Prevenção do Suicídio dirigido a Profissionais da Saúde em Atenção Primária, da OMS, pode-se perceber, que igualmente ao que é indicado quanto ao manejo dos casos que são identificados como médio risco, são indicados: o acionamento de suporte e rede social, a realização do “contrato anti-suicídio” e a orientação referente à remoção e controle dos meios de acesso para cometer o suicídio. As 80 ações que emergem para os casos classificados como de alto risco são: encaminhamento a um serviço de saúde mental para avaliação psiquiátrica (neste caso a avaliação do médico psiquiatra é indicada como necessária); internação voluntária; e somente se esta não for possível, internação involuntária. Além do manejo indicado para cada grau de risco de suicídio, os Manuais em destaque ainda apresentam a descrição da pergunta a ser feita e a forma como deve ser conduzida a entrevista com a pessoa em avaliação. Em relação a como perguntar e quando perguntar sobre a ideação suicida, a recomendação dos três manuais de prevenção do suicídio em alusão é que a entrevista seja realizada de forma gradual, observando-se os cuidados já mencionados anteriormente referentes ao estabelecimento de uma relação de confiança, com cautela para não fazer julgamento moral do que a pessoa está relatando, acolhendo o sujeito e compreendendo seu sofrimento (atitude empática). Então, quando o profissional começar a perceber que a pessoa passa a apresentar o sentimento de estar sendo compreendida, mostrando-se confortável em falar sobre seus sentimentos, descrevendo sentimentos negativos como solidão e desamparo, é o momento em que o profissional pode iniciar, de forma gradativa, com perguntas como “Você se sente triste?”; “Você sente que ninguém se preocupa com você?”; “Você sente que a vida não vale mais a pena ser vivida?”; “Já pensou que seria melhor estar morto ou tem vontade de morrer?” E conforme o sujeito for revelando sua intenção, para avaliar se existe um plano para cometer o suicídio, o profissional pode passar a perguntar “Você fez algum plano para acabar com sua vida?”; “Você tem uma idéia de como vai fazê-lo?”, seguindo-se com perguntas que auxiliam a descobrir se o sujeito em avaliação já tem os meios para se matar, tais como: “Você tem pílulas, uma arma, veneno ou outros meios?”; “Os meios são facilmente disponíveis para você?” e, ainda, para descobrir se a pessoa fixou uma data para realização do ato suicida, o profissional pode perguntar ao sujeito “Você decidiu quando planeja acabar com sua vida?” e “Quando você está planejando fazê-lo?”. Essas perguntas são descritas nos manuais em referência como eficazes para realizar a avaliação e classificação do risco de suicídio para planejamento do manejo a ser realizado.111 Neste ponto, as seguintes precauções são recomendadas no Manual de Prevenção do Suicídio dirigido a Médicos Clínicos Gerais, da OMS: a) “melhora falsa ou enganosa quando um paciente agitado de repente fica calmo, ele pode ter tomado a decisão de cometer 111 BRASIL, 2006, igualmente encontradas no texto do Manual de Prevenção do Suicídio para Profissionais da Saúde em Atenção Primária, da OMS e com conteúdo similar no Manual de Prevenção do Suicídio dirigido a Médicos Clínicos Gerais, da OMS. 81 suicídio, daí a calma após a decisão” e b) “negação- pacientes que tem intenções muito sérias de suicidar-se podem deliberadamente negar a ideação suicida”.112 Por esses motivos, pensase que a discussão e avaliação do caso com outros profissionais da equipe de saúde pode ser mais eficaz na detecção do risco e da real condição do paciente, além do compartilhamento da responsabilidade desses casos que tanto afligem o profissional de saúde, aliviando a sobrecarga que esse tipo de caso costuma significar para esses profissionais. Em relação aos recursos de rede a serem acionados, principalmente nos casos de médio e alto risco de suicídio nos quais são indicados a vigilância do sujeito e remoção e controle do acesso aos meios para cometer o suicídio, os manuais descrevem como possibilidades de fontes de apoio: a família, companheiros/namorados, amigos, colegas, clérigo, profissionais de saúde, grupos de apoio, ex.: Centro de Valorização da Vida (CVV) www.cvv.com.br. Contudo, as recomendações referentes ao acionamento dos recursos de rede da comunidade descritos nos manuais em comento, enfatizam que é importante que sempre seja pedida a permissão ao paciente para recrutar quem possa ajudá-lo, em geral alguém de sua confiança, para somente depois entrar em contato com essas pessoas e, se esta permissão não for conferida pelo paciente, ainda assim, é fundamental que numa situação de risco importante, localize-se alguém que seja compreensivo com o paciente, procurando, dentro do possível, preservar o sigilo do paciente. Deve-se ainda, segundo os manuais de prevenção do suicídio em referência, explicar ao paciente que algumas vezes é mais fácil falar com um estranho do que com uma pessoa amada, para que este não se sinta negligenciado, de modo que o profissional deve assegurar-lhe e reforçar seu apoio na consecução do tratamento. E, quando for realizado o contato com as pessoas de suporte, o profissional deve procurar empreender toda cautela para que estas não se sintam acusadas ou culpadas, atentando-se inclusive para as necessidades dessas pessoas que se propuseram a ajudar. Deste modo, sinteticamente, as ações recomendadas no manejo do paciente em risco de suicídio pelos três referenciados manuais de prevenção do suicídio norteiam o profissional da saúde para uma conduta de aceitação, acolhimento do sofrimento do sujeito, numa postura empática, prestando apoio, disponibilidade, proporcionando um espaço de escuta para que o sujeito possa falar sobre seus sentimentos e que o profissional possa perguntar de forma gradual sobre eles, viabilizando a avaliação e classificação dos riscos. Ainda, são recomendadas as ações referentes ao encaminhamento a ser realizado, ao 112 ORGANIZAÇAO MUNDIAL DA SAUDE,Genebra, 2000. 82 acionamento da rede e suporte social, realização do “contrato anti-suicídio” e orientação referente à remoção e controle dos meios de acesso para cometer o suicídio. Contudo, muito embora as recomendações sejam norteadoras para os profissionais da saúde no manejo desses casos, principalmente daqueles que não são da área de saúde mental e que talvez não tenham desenvolvido as habilidades profissionais requeridas para esse tipo de intervenção, pensa-se que algumas das propostas de manejo do paciente dispostas pelos manuais não são tão simples de empreender como indicadas. Ações descritas como: “focalizar na força positiva da pessoa, fazendo-a falar como problemas anteriores foram resolvidos sem recorrer ao suicídio” (tabela 11); “Focalize os sentimentos de ambivalência. O profissional da saúde deve focalizar na ambivalência sentida pelo indivíduo em risco de suicídio entre viver e morrer, até que gradualmente o desejo de viver se fortaleça” (tabela 12); “Trabalhe com os sentimentos suicidas da pessoa e focalize nos aspectos positivos” (tabela 12); “Explore alternativas ao suicídio. O profissional da saúde deve tentar explorar as várias alternativas ao suicídio, até aquelas que podem não ser soluções ideais, na esperança de que a pessoa vá considerar ao menos uma delas” (tabela 12) revelam-se um tanto genéricas, suscetíveis a diversas interpretações e podem implicar em condutas que, dependendo do despreparo profissional, venham possibilitar a inversão da prevenção pretendida, facilitando o risco de suicídio. Neste sentido, pensa-se que algumas intervenções são inerentes a determinadas competências profissionais. Portanto, a possibilidade dos profissionais da saúde conseguirem identificar o risco de suicídio, realizando o acolhimento desses pacientes numa postura empática e, posteriormente, encaminharem esses pacientes às equipes de saúde mental, cujos profissionais, possivelmente, estarão habilitados para realizar as intervenções que necessitem um conhecimento específico desse campo de atuação - já se apresenta como de grande valia para prevenção do suicídio. 4.2 APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DADOS RELATIVOS AO QUESTIONÁRIO APLICADO JUNTO AOS PROFISSIONAIS DA SAÚDE A seguir passa-se a apresentar os resultados alcançados a partir dos dados obtidos por meio do questionário, instrumento de coleta de dados, respondido pelos profissionais da saúde investigados, cujos perfis estão organizados na Tabela 1, p.53 . 83 As tabelas a seguir expostas foram organizadas da seguinte forma: as colunas intituladas por “categorias” se referem às temáticas das perguntas elaboradas para o instrumento de coleta de dados, criadas com base em categorias a priori. As subcategorias se referem às possíveis respostas que foram apresentadas aos respondentes no questionário. As linhas destacadas em cinza dizem respeito às subcategorias que condizem com o que está disposto nos Manuais de Prevenção do Suicídio. 4.2.1 Formação Profissional O preparo técnico do profissional da saúde se revela essencial para condução do manejo dos casos que envolvem risco de suicídio como possibilidade de prevenção. Dentre as estratégias do Plano Nacional de Prevenção do Suicídio do MSB estão a educação continuada dos profissionais da saúde e a transmissão de informações essenciais para realização do manejo adequado para atendimento desses casos por meio dos Manuais de Prevenção. Passase então a apresentar o que os profissionais investigados indicaram como fontes de informação que os capacitaram para abordar o paciente em risco de suicídio e para intervir nesses casos. Tabela 14 - Fontes de informação sobre como abordar um paciente em risco de suicídio Categoria Fontes de informação sobre como abordar um paciente em risco de suicídio Subcategoria No próprio curso de formação profissional (técnico ou superior) Cursos de capacitação Treinamento Palestras Literatura Nunca tive acesso a essas informações Outro S1 S2 x S3 S4 S5 S6 S7 S8 S9 S10 S11 x x x x x x x x x x x x x S12 Ocor. 10 x 1 x x 4 4 x x x 1 * ** 2 Fonte: elaboração da autora, 2008. * S4 acrescentou: por conviver com colegas de trabalho que tentaram e filhos de amigos e praticarão (sic) o ato. ** S12 : no próprio local de trabalho. 84 Em relação ao questionamento de como os profissionais da saúde obtiveram informações sobre a maneira de abordar um paciente em risco de suicídio, a maioria assinalou que foi no próprio curso de formação profissional. Quatro assinalaram, como fonte de informação, palestras e quatro informantes assinalaram literatura. Nenhum dos informantes indicou que teve algum tipo de treinamento específico e apenas um dos informantes revelou ter tido um curso de capacitação para saber como abordar um paciente que apresente risco de suicídio. Também apenas um dos respondentes revelou nunca ter tido acesso a esse tipo de informação. Diante da carência de aperfeiçoamento, seja por meio de cursos de capacitação ou treinamentos, indicada pela maior parte dos sujeitos de pesquisa, vale ressaltar que a necessidade de preparo dos profissionais da saúde para realização do manejo dos casos que envolvem risco de suicídio é medida preconizada dentre as diretrizes brasileiras para um Plano Nacional de Prevenção do Suicídio. Tal medida foi instituída por intermédio da Portaria n° 1.876/GM , do Ministério da Saúde do Brasil, com o seguinte texto “promover a educação permanente dos profissionais de saúde das unidades de atenção básica, inclusive do Programa Saúde da Família, dos serviços de saúde mental, das unidades de urgência e emergência, de acordo com os princípios da integralidade e da humanização.”113 Contudo, há que se considerar que esta portaria foi publicada recentemente (14 de agosto de 2006), e espera seja posta em efetividade. Ainda é válido referir que foram poucos os sujeitos investigados que indicam consultar a literatura (apenas quatro dos 12 sujeitos pesquisados), que provavelmente denota que eles não têm acesso aos manuais, já que a maioria parece não consultar fontes de informações para se aperfeiçoarem. Além disso, vale questionar a principal fonte de informação para abordar o paciente que apresenta risco de suicídio referenciada pelos sujeitos investigados, qual seja, o conhecimento adquirido por meio do curso de formação profissional. Neste sentido, apresenta-se a necessidade de estudar mais o que significa essa preparação indicada pelos sujeitos, já que os cursos de formação são generalistas, o que produz certa desconfiança em relação à capacidade de os profissionais atuarem para manejar situações de risco de suicídio a partir do que possivelmente aprenderam nos cursos que fizeram. Ainda cabe comentar que S4 apontou as experiências de vida pessoal, tais como amigos e filhos de amigos que tentaram ou consumaram o ato suicida, como fonte de 113 BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Portaria Nº 1.876/GM de 14 de agosto de 2006. Diretrizes da Estratégia Nacional de Prevenção do Suicídio. Disponível em <http://portal.saude.gov.br/portal/saude/ cidadao/ visualizar_texto.cfm?idtxt=25605>. Acesso em 31 mar. 2008. 85 informação em como abordar um paciente que apresenta tal risco. Já S12 aponta a experiência no próprio local de trabalho (Hospital Psiquiátrico) como fonte de informação dessa natureza. Neste sentido, é possível pensar que S4 e S12 acreditam que ao observarem ou vivenciarem situações que envolvem o fenômeno do comportamento suicida, seja nas experiências pessoais ou no local de trabalho, adquirem um conhecimento que pode fundamentar a abordagem do paciente que apresenta risco de suicídio? Isto se torna questionável ao partirmos do pressuposto que uma intervenção em determinado campo de atuação profissional necessita se basear em teorias e metodologias amparadas pela ciência. Na seqüência, vê-se que as mesmas hipóteses levantadas em relação às fontes de informações que os profissionais da saúde questionados detêm em relação a como abordar um paciente em risco de suicídio podem ser estendidas aos dados relativos às fontes de informação sobre como intervir em casos que envolvem risco de suicídio. Tabela 15- Fontes de informação sobre como intervir em casos que envolvem risco de suicídio para prevenir o suicídio. Categoria Fontes de informaçã o sobre como intervir em casos que envolvem risco de suicídio para prevenir o suicídio Subcategoria No próprio curso de formação profissional (técnico ou superior) Cursos de capacitação Treinamento Palestras Literatura Nunca tive acesso a essas informações Outro S1 S2 x S3 S4 S5 S6 S7 x x x x x x x x S8 x x S9 S10 S11 x x x x x S12 Ocor. 8 x 1 x 1 4 5 x x 1 ** 1 Fonte: elaboração da autora, 2008. * S12 :“conversar (sic). Tentar elevar á (sic) auto estima.” Relativamente a como os profissionais da saúde obtiveram informações sobre como intervir em casos que envolvem risco de suicídio para prevenir o suicídio, a maioria também assinalou que foi no próprio curso de formação profissional. Quatro assinalaram, como fonte de informação, palestras e cinco assinalaram literatura. Apenas um dos informantes indicou que teve algum tipo de treinamento ou curso de capacitação para intervir em casos que envolvessem risco de suicídio. Também apenas um dos respondentes revelou 86 nunca ter tido acesso a esse tipo de informação. Deste modo, pode-se observar os mesmos questionamentos destacados em relação aos dados anteriores, quais sejam: a hipótese de desconhecimento dos Manuais da OMS e do MSB em destaque pela maior parte dos profissionais respondentes e o grau de suficiência do que eles aprendem nos cursos de formação para manejar casos que envolvem risco de suicídio. 4.2.2 Dos motivos que levam uma pessoa a tentar suicídio Diante da complexidade da rede de fatores que envolvem o comportamento suicida, Cassorla (2004) afirma que não há como se referir a possíveis‘causas’ que levam o sujeito a desfechar o ato suicida. Nas palavras do o autor, “o que se apresenta ao observador como motivações do ato são apenas desencadeantes, constituídos por fatos que, aparentemente, estimularam o desenlace.”114 Nesta seção, apresenta-se o que os profissionais investigados referiram acerca dos possíveis motivos deflagradores da ação autodestrutiva. Tabela 16 – Motivos que levam uma pessoa a tentar suicídio. Categoria Subcategoria S1 S2 S3 S4 S5 Se vingar de alguém Acabar com o sofrimento Por não dar valor à vida Por estar mentalmente doente Motivos que Por ser covarde e não levam uma pessoa querer encarar os a tentar suicídio problemas Porque foi vítima de alguma desgraça. Para chamar a atenção Falta de religiosidade Outro Fonte: elaboração da autora, 2008. 114 S6 S7 S8 x x S9 S10 S11 x x x x x x x x x x x Ocor. 2 x x x x S12 x 2 x 12 x x x x x x 4 x x 3 x 2 1 x x 7 x x x x 2 * * S5 acrescentou: desespero, fraqueza CASSORLA, R. M. S. Suicídio e autodestruição humana In WERLANG, Blanca G. e BOTEGA, Neury J. Comportamento Suicida. Porto alegre: Artmed, 2004. p. 21-33, p.27. 87 Da tabela “Motivos que levam uma pessoa a tentar suicídio”, pode-se salientar que todos os sujeitos pesquisados consideram o sujeito que tenta se matar como “mentalmente doente”. Ao passo que sete dos doze respondentes consideram a tentativa de suicídio como ação que o sujeito empreende motivado por “acabar com o sofrimento”. Muito embora os manuais de prevenção do suicídio, bem como a literatura destacada, apontem a presença de transtorno mental como fator de risco associado a maior parte dos casos de ocorrência de comportamento suicida, elevam em máxima a consideração de que o sujeito com comportamento suicida assim o faz como única forma por ele encontrada para pôr fim ao insuportável sofrimento que a realidade está lhe impondo. Cassorla (2004) refere o reducionismo da complexidade de fatores genéticos, biológicos, psicológicos, sociais, históricos e culturais que estão envolvidos na constituição do comportamento suicida, ao atribuir-lhe como “causa” um determinado transtorno mental.115 Daí a necessidade do profissional da saúde, para ter condições de realizar uma boa intervenção, conseguir vislumbrar o comportamento suicida, em suas diversas graduações, como fenômeno multicausal e, fundamentalmente, como um comportamento motivado por um sofrimento. Neste sentido, Meleiro, Botega e Prates (2004) recomendam que: O profissional de saúde deve ser capaz de perceber por que o paciente sente o impulso de se matar e vivenciar, em algum grau, o desespero e sofrimento do paciente. Este entendimento e empatia não apenas capacitam o profissional a adaptar suas estratégias de ajuda às necessidades específicas do paciente, mas também comunicam a este que é compreendido. O profissional deve ser capaz de lidar com a noção de que os desejos suicidas não são “loucos” – mas decorrentes de uma dedução lógica a partir de premissas errôneas do paciente. 116 A partir da recomendação dos autores em desvencilhar a percepção do desejo suicida da questão da “loucura”, é interessante observar que a própria “doença mental”, assinalada por todos os respondentes não é, por todos eles, associada a um sofrimento, vez que apenas sete deles marcaram este item. E sobre as possíveis decorrências em os profissionais da saúde não conceberem o comportamento suicida como algo ligado ao sofrimento, mas apenas a uma doença, possivelmente está a limitação das intervenções que serão empreendidas a partir deste olhar sobre o fenômeno. No caso, pode-se pensar, na restrição à intervenção farmacológica, dispensando-se outras possíveis intervenções que visam o atendimento integral ao sujeito e que viabilizam o manejo preconizado pelos manuais 115 CASSORLA, R. M. S. Suicídio e autodestruição humana In WERLANG, Blanca G. e BOTEGA, Neury J. Comportamento Suicida. Porto alegre: Artmed, 2004. p. 21-33, p.27. 116 MELEIRO, BOTEGA, PRATES, 2004, p. 178. 88 investigados. Neste sentido, SOUZA (2006) realizou uma pesquisa com quatorze famílias que perderam alguém por suicídio e obteve como um dos resultados, a verificação de que “o discurso médico vincula o suicídio à existência de transtornos mentais e encobre outros discursos”117, e sobre as decorrências disto, o pesquisador reflete que Não obstante, o discurso médico adquire relevo, fazendo com que os demais fatores passem para segundo plano ou sejam efetivamente desconsiderados. Neste sentido é correto falar em um predomínio deste discurso. Em parte, esta situação ocorre porque atribuir o suicídio à depressão, por exemplo, é uma forma de lidar com o problema, é uma maneira de atribuir-lhe um significado. Mas também é uma forma dos familiares como um todo se isentarem de qualquer parcela de responsabilidade no processo. Não que exista necessariamente alguma parcela de responsabilidade, mas fica difícil para o familiar avaliar sua implicação devido ao sofrimento e à culpa presentes na situação. Há uma precipitação geral – dos familiares, vizinhos, amigos e profissionais médicos e não-médicos – em atribuir a causa do suicídio ao transtorno mental, o que restringe qualquer possibilidade de compreensão mais aprofundada do problema.118 Desta forma, pode-se pensar que, para o manejo dos casos que envolvem risco de suicídio, o predomínio do discurso médico pode facilitar a pouca compreensão do suicídio como fenômeno multicausal e de promover o descompromisso dos familiares como aventado por Souza (2006) e também, possivelmente, a desatenção dos profissionais da saúde que não são da área psiquiátrica. Outro aspecto que pode ser observado na tabela 16, ainda quanto aos motivos que levam uma pessoa a tentar se suicidar, diz respeito às múltiplas alternativas assinaladas por S6, S8, S9 e S12. Nos manuais investigados e na literatura correlata119 há ênfase na necessidade de compreender que são inúmeros os motivos que podem levar uma pessoa a tentar dar cabo à própria vida, não sendo possível determinar uma única causa para tanto, ou seja, o “suicídio é um problema complexo para o qual não existe uma única causa ou uma única razão”120. Será então, que os quatro sujeitos que assinalaram múltiplas alternativas, assim responderam por realmente compreenderem como múltiplas as possibilidades que levam um sujeito a tentar se matar? S6 (psiquiatra) assinalou várias alternativas, contudo, nenhuma das assinaladas se refere a um juízo de valor ou crença religiosa, quais sejam “se vingar de alguém”, “acabar com o sofrimento”, “por estar mentalmente doente”;“porque foi 117 SOUZA, Nei Ricardo de. Sobrevivendo ao Suicídio: estudo sociológico com famílias de suicidas em Curitiba. 2006. 169 f. Dissertação (Mestrado em Sociologia) – Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2005, p.155. 118 SOUZA, 2006, p.155. 119 “O comportamento suicida tem sido estudado como resultado da interação de fatores biológicos, sociológicos, epidemológicos, filosóficos, psicológicos e culturais, tanto intrapsíquico como interpessoais.” (MELEIRO e BAHLS 2004, p.27). No mesmo sentido: CASSORLA, 1991, p.66; WERLANG E BOTEGA, 2004, p. 18. 120 ORGANIZAÇAO MUNDIAL DA SAUDE, 2000, p.04. 89 vítima de alguma desgraça”, “para chamar a atenção”. Já, S9 e S12 (técnico e auxiliar em enfermagem) e S8 (enfermeiro e técnico de gesso) incluíram em sua resposta alternativas como: “por não dar valor à vida”, “por ser covarde e não querer encarar os problemas”, “falta de religiosidade”, que denotam aspectos que envolvem juízo de valor ou crença religiosa. Talvez a diferença apontada entre as alternativas assinaladas por S6 e por S8, S9 e S12 esteja relacionada com a diferença da formação profissional destes quatro sujeitos investigados. A partir disso é possível pensar que as respostas assinaladas por S6 (psiquiatra) foram, possivelmente, motivos que pacientes apresentaram-lhe, no decorrer de sua prática profissional ou, ainda, que esta profissional, pela própria formação em psiquiatria, conhece o fenômeno em questão por meio da literatura científica, não o vislumbrando a partir de préconceitos. Já em relação S8, S9 e S12 pode-se pensar que assinalaram essas possibilidades a partir de um conhecimento intuitivo, “atravessado” pelo senso comum. Meleiro, Botega e Prates (2004), apontam que algumas crenças da equipe de saúde sobre o comportamento autodestrutivo inevitavelmente influenciarão no manejo desses casos. 121 Sobre esse aspecto, Werlang e Botega (2004) alertam que há o perigo de o profissional se valer de um julgamento pessoal subjetivo para decidir as ações que fará ou deixará de fazer122 e quanto a isto, ressaltese a recomendação do Manual dirigido a profissionais das equipes de saúde mental, do MSB: “respeite a condição emocional e a situação de vida que o levou a pensar sobre suicídio, sem julgamento moral, em uma atitude de acolhimento (p. 58)”. Em face dessas percepções acerca do comportamento suicida, apresentadas pelos sujeitos de pesquisa, convém lembrar que segundo Meleiro e Bahls (2004) o comportamento suicida se apresenta para o sujeito com a função instrumental de solução de um problema: “matar a si mesmo é um instrumento de solução incalculável de dor emocional. Quando alguém está morto não há sentimento. Ser morto é um instrumento de solução para o problema do mau sentimento” 123 . E, para esses autores, no caso da tentativa de suicídio, a função é expressiva, isto é, a função, neste caso, é a de comunicação e solicitação de compreensão, ajuda e suporte social. E neste sentido, os referidos autores alertam que um erro no entendimento dessas funções possibilita, em suas palavras “marcar um rótulo negativo para o paciente suicida” e, que “sem essa espécie de apreciação, é muito provável que o profissional de ajuda e/ou paciente possam proceder em diferentes sintonias” 121 124 . Ou seja, em MELEIRO, BOTEGA, PRATES, 2004, p. 178. WERLANG, B.G.; BOTEGA, N. J. Avaliação e manejo do paciente. In WERLANG, B.G.; BOTEGA, N. J. Comportamento suicida. Porto Alegre: Artmed,Editora, 2004, p. 123-152, p. 124. 123 MELEIRO; BAHLS, 2004, p.30. 124 MELEIRO; BAHLS, 2004 p.30-31. 122 90 última análise, conhecer as funções do comportamento suicida possivelmente apresentaria como decorrência melhor fundamentação dos profissionais da saúde, que tenderiam a compreender melhor o sofrimento do paciente, de forma que tal visão sobre o fenômeno representaria o primeiro passo em direção à realização do manejo de casos que envolvem risco de suicídio, condizente com o preconizado pelos manuais de prevenção da OMS e do MSB, já que estes documentos apresentam a compreensão do suicídio como única solução para os problemas na visão do sujeito que o intenciona e apontam a desesperança, depressão, desamparo e desespero, como os sentimentos que motivam o comportamento suicida125. 4.2.3 Identificação dos fatores de risco de suicídio O estudo dos fatores de risco de suicídio, segundo Meleiro e Tung Teng (2004) “constitui atualmente a base das principais condutas clínicas preconizadas para se abordar o comportamento suicida”126, indicando os possíveis caminhos para intervenção para modificar a ocorrência de tal comportamento. Passa-se a apresentar o que os profissionais da saúde investigados indicaram como fatores de risco do comportamento suicida. Anteriormente à apresentação e discussão dos dados desta seção, é válido esclarecer que se tratam de duas tabelas sobre identificação dos fatores de risco do suicídio porque o tema referente aos fatores de risco do suicídio foi abordado de forma distinta, em duas questões no instrumento de coleta de dados (questão 05 e questão 09, Apêndice C). A tabela 17 se refere à questão 05 – assinalar os aspectos que auxiliam avaliar o risco e, a tabela 18 diz respeito à questão 09- frases que concorda e não concorda sobre fatores de risco de suicídio. 125 126 BRASIL, 2006, p.52 MELEIRO; TENG, 2004. p.109. 91 Tabela 17- Identificação de fatores de risco de suicídio Categoria Identificação dos fatores de risco de suicídio Subcategoria Portador de AIDS ou Câncer Ser casado Estar em situação de desemprego Ser idoso Ser analfabeto Ter perdido alguém próximo Ser jovem Ter dependência por álcool Ter personalidade agressiva Ter filhos Ter T. depressivo Ter personalidade impulsiva Ter uma vida solitária Estar aposentado Ser expresidiário Ter tentado suicídio anteriormente Gostar de chamar atenção Não me sinto capaz de avaliar o risco de suicídio Outro S1 S2 S3 S4 S5 S6 S7 S8 S9 x x x S10 S11 x x S12 Ocor. x 3 x 1 x 4 x 1 - x x x x x 2 x 1 x 4 x 1 - x x x x x x x x x x x x x x x x x x x 11 4 x x 6 - x x x x x x x x * Fonte: elaboração da autora, 2008. *S4 acrescentou: eu acredito que o paciente para se alto (sic) agredir tem que estar muito fora de si. x 1 x 8 x 1 1 1 92 Sobre a identificação dos fatores de risco de suicídio com indicação mais significativa, os sujeitos investigados apontaram, em primeiro lugar o “Transtorno depressivo” (11 dos 12 respondentes assinalaram esta alternativa), em segundo lugar “ter tentado suicídio anteriormente” (8 dos 12 respondentes assinalaram esta alternativa). O reconhecimento do Transtorno Depressivo como fator de risco de suicídio por quase todos os sujeitos investigados se mostra bastante relevante, já que os Manuais de Prevenção do Suicídio da OMS e do MSB, bem como a literatura revisada, destacam essa prevalência e indicam a necessidade de tratamento do transtorno como medida de prevenção - o risco médio de suicídio nos pacientes com diagnóstico de transtorno depressivo maior e distimia é de, respectivamente, 20 e 12 vezes maior que o esperado na população em geral127. Por outro lado, a idéia é compreender o sujeito e, conseqüentemente, seu sofrimento, para além de um transtorno ou doença, que se mostra como uma maneira organicista de compreendê-lo. Contudo, os profissionais investigados reconhecerem o transtorno depressivo como fator de risco e a maior parte deles não reconhecerem a associação de outros importantes fatores de risco de diferentes naturezas (fatores de risco psicológicos, sócio-demográficos, ligados à condição médica), presentes nesta tabela 17 (“ser portador de AIDS ou Câncer”, “estar em situação de desemprego”, “ser idoso”, “ter perdido alguém próximo”, “ser jovem”, “ter personalidade agressiva”, “ter personalidade impulsiva”, “ter uma vida solitária”, “estar aposentado”), o que faz novamente aparecer a relação, quase exclusiva, que os profissionais investigados fazem do risco de suicídio com a presença de transtorno mental. Isso porque “a simples presença de transtorno mental não é suficiente para realização do ato suicida, pois, em sua maioria, as pessoas com transtornos mentais não se suicidam. Então, em termos práticos, um transtorno psiquiátrico grave seria necessário para o suicídio, mas outros fatores devem pesar para esse desfecho, porque o transtorno mental, por si só, não é suficiente para levar a um suicídio”128. E é neste sentido que se entende a necessidade de os profissionais da saúde compreenderem o suicídio para além da patologia psiquiátrica, relacionando-o com os aspectos sociais e psicológicos do sujeito para realização do manejo desses casos como possibilidade de prevenção. Neste sentido é que Kapczinski, Chachamovich, Schmitt (2001) enfatizam o primeiro ponto importante a ser considerado na 127 HARRIS E BARRACLOUGH (1997) e HENRIKSSON et al. (1993) apud MELEIRO, Alexandrina; MELLO-SANTOS, Carolina de; SCALCO, Andréia Z. Abordagem Médica da tentativa de suicídio. In MELEIRO, Alexandrina; TENG, Chei Tung; WANG, Yan Pang. Suicídio: estudos fundamentais. São Paulo: Segmento Farma, 2004. p. 157-174, p. 168. 128BOTEGA, Neury José; RAPELI, Benedito Claudemir; FREITAS, Gislaine Vaz Scavacini. Perspectiva Psiquiátrica. In WERLANG, B.G.; BOTEGA, N. J. Comportamento suicida. Porto Alegre: Artmed,Editora, 2004 p. 107-121. p. 107. 93 entrevista de avaliação dos riscos de suicídio: “procurar entender o que está acontecendo na vida do indivíduo para levá-lo a pensar ou tentar se matar. Por isso é necessária uma boa revisão dos fatores de risco(...)”129. Caso contrário, é possível imaginar que a detecção do transtorno mental e a administração dos respectivos psicofármacos, por si só, bastariam para a prevenção do ato letal. Portanto, a avaliação dos riscos a partir de um olhar integral do sujeito parece ter por finalidade abranger todas as possíveis intervenções a serem realizadas para que o manejo do caso aproxime-se ao máximo da possibilidade de prevenção. Prevenir riscos de suicídio a partir de uma visão integral do sujeito, compreendendo o suicídio como um fenômeno multideterminado faz pensar na importância da contribuição do profissional da psicologia, cuja avaliação do fenômeno por uma ótica psicológica e intervenção a partir de tal olhar pode cooperar com o tratamento do paciente em risco de suicídio. Nesta orientação, sugere o Manual de prevenção do Suicídio, do MSB “o ideal seria ter alguém na equipe treinado para orientar o indivíduo a falar sobre as circunstâncias pessoais e sociais emergentes que o colocam sob risco”130 e, ainda, a respeito do manejo nos casos associados à transtorno de personalidade, este Manual recomenda : Por último, a regra que consideramos a mais importante: se, num primeiro momento, optamos por apoio, técnicas cognitivas, fármacos, não devemos perder de vista que, se não todos, pelo menos a grande maioria desses pacientes necessita de importante reestruturação psicodinâmica a longo prazo, ou seja, em um segundo tempo técnicas que privilegiem insight são bem-vindas. A percepção de quando transitar o tratamento do primeiro para o segundo tempo e a maneira de conduzi-la é, a nosso ver, um dos principais aprendizados necessários ao clínico que atende pacientes em risco de suicídio.131 Em relação ao segundo fator de risco mais apontado pelos profissionais investigados - tentativas de suicídio anteriores- que é salientado como um dos mais importantes fatores de risco pelos manuais de prevenção em referência, estatísticas da OMS e literatura consultada, vale referir que dos 8 dentre os 12 respondentes que selecionaram esta alternativa, seis são profissionais atuantes no campo da saúde mental. Os estudos132 demonstram que 15 a 25 % das pessoas que tentaram o suicídio irão fazê-lo novamente no período de 1 ano e que 50 a 66% das pessoas que cometeram suicídio já o haviam tentado 129 KAPCZINSKI, Flávio; CHACHAMOVICH, Ricardo; SCHMITT, Eduardo. Risco de suicídio: avaliação e manejo. In KAPCZINSKI, Flávio; QUEVEDO, João; CHACHAMOVICH, Ricardo; SCHMITT, Eduardo. Emergências Psiquiátricas. Porto alegra: Artmed. 2001. p. 149-165, p. 160. 130 BRASIL, 2006, p.63. 131 BRASIL, 2006, p. 50. 132 RICH, YOUNG E FOWLER (1986) e MORGAN E OWEN (1990) apud BOTEGA, Neury José; RAPELI, Benedito Claudemir; FREITAS, Gislaine Vaz Scavacini. Perspectiva Psiquiátrica. In WERLANG, B.G.; BOTEGA, N. J. Comportamento suicida. Porto Alegre: Artmed,Editora, 2004 p. 107-121. p. 112. 94 anteriormente. As tentativas pregressas, mostram-se, portanto, um forte fator preditor. E, dentre as possíveis decorrências do conhecimento deste importante fator de risco no manejo dos casos que envolvem risco de suicídio, vale destacar que muito embora “não se disponha de dados que indiquem que o paciente costume repetir o método ou usar outros mais ou menos letais, a informação de como foi tentado o suicídio em outra ocasião é valiosa para se traçar um perfil do comportamento suicida do indivíduo”133. Neste sentido, Botega, Rapeli e Freitas (2004) recomendam que as tentativas de suicídio precisam ser encaradas com seriedade, procurando-se percebê-las como manifestação da atuação de fenômenos psicossociais complexos. Isto porque, segundo esses autores, as tentativas de suicídio estão muitas vezes mais relacionadas com evento recente que funcionou como desencadeante do comportamento auto-agressivo, do que com a possível ocorrência de transtorno mental. Os autores citam como situações desencadeantes mais ocorrentes nos casos de tentativa de suicídio a história de perdas reais, imaginadas ou temidas de parentes próximos, de companheiros, namorados e situações de gravidez indesejada ou de abortos recentes.134 Esses motivos parecem estar relacionados com que Freud (1917) afirma acerca do processo de luto patológico e da melancolia, instaurados a partir de perdas sofridas pelo sujeito, de maneira que a libido que antes se destinava ao objeto de amor perdido, retorna para o próprio sujeito, possibilitando o desencadeamento de auto-recriminação e do comportamento suicida135. A compreensão da dinâmica psicológica das situações de perda para o sujeito parece ter importância na avaliação, diagnóstico e prognóstico dos casos que envolvem risco de suicídio, de forma que o conhecimento dessas situações que podem aparecer como propulsoras das tentativas de suicídio merecem atenção dos profissionais da saúde no momento de manejo desses casos, como medida de prevenção. Concernente a outros importantes fatores que indicam risco de suicídio, apontados nos manuais de prevenção do suicídio da OMS e MSB, tais como: ser portador de AIDS ou Câncer; estar em situação de desemprego; ser idoso ou jovem; ter dependência por álcool; ter personalidade agressiva; ter personalidade impulsiva; ter perdido alguém próximo; ter uma vida solitária e ser aposentado, foram poucos os profissionais da saúde pesquisados que assinalaram essas alternativas. Contudo, é importante referir que somente um deles (S9) assinalou não se sentir capaz de avaliar os riscos (Tabela 17). Por conseguinte, pode-se pensar qual a possibilidade de se intervir numa situação, a qual não é detectada? Para 133 134 KAPCZINSKI, et al., 2001, p. 162. BOTEGA et al., 2004, p. 107. 135 FREUD, [1915-1920], 2006. p. 99-122. 95 Kapczinski, Chachamovich, Schmitt (2001), o conhecimento dos fatores de risco, associado ao conhecimento dos mitos sobre o suicídio e da clínica do suicídio, mostra-se essencial para se tomar a conduta mais adequada para o caso136. Ainda com relação aos fatores de risco de suicídio pouco assinalados pelos sujeitos investigados, merece destaque a questão do alcoolismo (4 dos 12 sujeitos investigados marcaram esta alternativa), já que dentre os Transtornos Mentais associados ao risco de suicídio, o transtorno relacionado ao uso de álcool é apontado como o segundo transtorno mais relacionado com mortes por suicídio, estabelecendo-se uma relação de 50 % dos casos de suicídio em diversos países, inclusive no Brasil.137 É comum estar associado a transtornos de humor e de personalidade e mesmo assim o abuso de álcool é considerado por si só um importante fator preditor de suicídio, pois “muitos suicídios dão-se na vigência da embriaguez, a qual prejudica o julgamento e controle da impulsividade.”138 Segundo Meleiro e Tung Teng (2004), no caso da bebida alcoólica, “como o padrão de uso é muito influenciado pela cultura e religião vigentes em diversos países, esse fator de risco é um candidato importante para abordagens incisivas nos programas de prevenção do suicídio”139. Diante das considerações mencionadas, está a importância de os profissionais da saúde que atendem casos que envolvem risco de suicídio reconhecerem o alcoolismo como importante fator de risco, ainda mais que este pode passar despercebido em razão da aceitação cultural do uso da bebida alcoólica, conforme enfatizam os autores destacados. Uma decorrência da provável carência de conhecimento, pela maior parte dos profissionais da saúde investigados, em torno de fatores de risco ligados a condições médicas, fatores psicológicos e sócio-demográficos de risco do suicídio, apresentados pelos manuais de prevenção do suicídio da OMS e do MSB, talvez seja o despercebimento dos riscos de suicídio e conseqüente inviabilidade da realização do manejo precoce como possibilidade de prevenção. 136 KAPCZINSKI, et al., 2001, p. 159. MELEIRO; TENG, 2004, p. 119. 138 BOTEGA et al, 2004, p. 115. 139 MELEIRO; TENG, 2004, p. 120. 137 96 Tabela 18 - Identificação de fatores de risco do suicídio Categoria Identificação de fatores de risco do suicídio Subcategoria Homens cometem mais suicídio que mulheres Pessoas que vivem sozinhas dificilmente cometem suicídio Entre os casos de dependência química, o alcoólatra é quem apresenta maior risco Muitos suicídios são cometidos por pessoas idosas A depressão está ligada ao risco de suicídio Esquizofrenia indica risco de suicídio Sempre observar risco de suicídio em casos de Transtorno de Personalidade S1 S2 S3 S4 S5 S6 S7 x x S8 S9 S10 S11 S12 Ocor x x 4 x 2 x x x 2 - x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x 11 x 7 x 7 Fonte: elaboração da autora, 2008 Desta outra tabela sobre fatores de risco de suicídio, pode-se mais uma vez perceber o reconhecimento do risco de suicídio ligado à condição da presença de Transtornos Mentais. Como respostas mais assinaladas novamente aparece o transtorno depressivo em quase totalidade das respostas dos sujeitos pesquisados, e, seguidamente a esquizofrenia e os transtornos de personalidade, marcados por 7 dentre os 12 respondentes. Nenhum profissional marcou como fator de risco a condição de ser idoso e poucos reconhecerem o fato de homens cometerem mais suicídios que mulheres. Contudo, vale mais uma vez ressaltar o fato de, muito embora os profissionais assinalarem diferentes transtornos psiquiátricos como fatores de risco de suicídio, não reconhecem a dependência química por álcool como fator de risco, não obstante seja referenciado como importante fator preditor. Da tabela em referência, pode-se observar que nem mesmo as psiquiatras referendam o disposto sobre o alcoolismo nos 97 manuais de prevenção em menção e, de acordo com a tabela 17, apenas uma delas assinala a alternativa referente ao alcoolismo como fator de risco. Sobre a não indicação de importantes fatores de risco de suicídio por muitos dos profissionais investigados é possível avaliar a implicação desta limitação do conhecimento acerca dos fatores de risco modificáveis e dos fatores de risco não modificáveis no manejo realizado nos casos que envolvem risco de suicídio como possibilidade de prevenção. Meleiro e Tung-Teng (2004) afirmam que “a chance de suicídio aumenta proporcionalmente, isto é, quanto mais fatores de risco estiverem presentes, maior a possibilidade dando indícios de uma maior gravidade e uma necessidade de maiores cuidados” (p.111). No entanto, há uma classificação para os fatores de risco de suicídio em fatores modificáveis e fatores nãomodificáveis. Para essas autoras, alguns fatores de risco de suicídio, como os fatores sóciodemográficos, tais como idade (maior risco para jovens ou idosos) e sexo (homens cometem mais suicídio e mulheres tentam mais e consumam menos o ato) não são passíveis de modificação ou outros tais como a história pregressa, dificuldades financeiras e desemprego são muitas vezes fatores de difícil modificação, pelo menos em curto prazo. Contudo, se associados a outros fatores, podem indicar uma maior gravidade do caso, daí a importância em reconhecê-los. Já fatores de risco modificáveis, como presença de meios de acesso para o cometimento do suicídio, como arma de fogo, corda, veneno no domicílio ou a ocorrência de transtorno mental são fatores, passíveis de intervenções que podem produzir alteração em curto prazo, minimizando-se o risco da possibilidade de ocorrências de suicídio. Portanto, como muitos dos sujeitos investigados deixaram de assinalar fatores de risco modificáveis e fatores de risco não modificáveis, é possível pensar numa provável limitação da intervenção profissional a partir da pouca identificação de tais fatores de risco de suicídio. 4.2.4 Manejo e Intervenções realizadas nos casos que envolvem risco de suicídio A partir da compreensão de que muito embora, “nem todos os casos de suicídio poderão ser prevenidos, mas a habilidade em lidar com ele faz a diferença, pois milhares de vidas poderão ser salvas todos os anos se todas as pessoas que tentaram suicídio forem adequadamente abordadas e tratadas” 140 140 é que se passa a apresentar as ações e intervenções, MELEIRO, SCALCO E MELLO - SANTOS, 2004, P. 172. 98 que constituem o manejo realizado como medida de prevenção do suicídio, apontadas pelos profissionais da saúde investigados. Esta seção inicia-se com apresentação das informações dos profissionais da saúde investigados referentes à presença e freqüência deste tipo de fenômeno no cotidiano profissional e, após, a apresentação dos dados relativos às condutas, procedimentos e intervenções que os sujeitos de pesquisa afirmam realizarem ao se depararem com os casos que envolvem risco de suicídio. Tabela 19- Já se deparou com casos que envolvem risco de suicídio na prática profissional. Categoria Já se deparou com casos que envolvem risco de suicídio na prática profissional Subcategoria S1 Sim Não S2 S3 S4 S5 S6 S7 S8 S9 S10 S11 S12 Ocor X X X X X X X X X X X 11 X 1 Fonte: elaboração da autora, 2008. Como é possível perceber, o suicídio é um fenômeno presente em quaisquer dos níveis de atenção à saúde, de maneira que independentemente do local, cargo ou formação profissional, somente um dos respondentes revelou não ter se deparado com algum caso que envolvia risco de suicídio na sua trajetória profissional. Tal constatação vai ao encontro da justificativa de proposição dos três Manuais de Prevenção do Suicídio investigados, com vistas para atingir tanto os profissionais do nível básico, média complexidade e alta complexidade de atenção à saúde. Contudo, como destacado por Pfützenreuter (2006, p.76-77), o sujeito que apresenta comportamento suicida é atendido por diversos profissionais da saúde, em diferentes instituições e níveis de atenção à saúde e ainda assim consegue morrer. A pesquisadora aventa o fato de tais instituições não formarem uma rede de assistência ao sujeito suicida, por não serem interligadas entre si e nem conhecerem tal população. Contemplando-se as observações de Pfützenreuter (2006) e levando-se em conta o fato de 11 dos 12 profissionais da saúde pesquisados revelarem já ter se deparado com casos que envolvem risco de suicídio é que se ressalta a necessidade desses profissionais da saúde estarem capacitados para intervir, de maneira que possam oferecer um atendimento adequado ao paciente em risco de suicídio. 99 Tabela 20- Freqüência com que se depara com casos que envolvem risco de suicídio na prática profissional Categoria Subcategoria S1 S2 S3 S4 S5 S6 S7 Diariamente Freqüência com que se depara com casos que envolvem risco de suicídio na prática profissional S9 S10 S11 S12 x 1 a 3 casos por semana 1 a 3 casos por mês x x Ocor 1 x x x 1 caso por mês 1 caso a cada dois ou três meses 1 caso a cada seis meses Foram raras as vezes com que me deparei Nunca me deparei S8 x 4 x 3 - x x x x Outros 2 1 x 2 * 1 Fonte: elaboração da autora, 2008. * S4 esclareceu: “profissionalmente não, só na vida” Sobre a freqüência com que os profissionais da saúde pesquisados descreveram deparar-se com casos que envolvem risco de suicídio na prática profissional, é possível observar que os profissionais do nível de atenção básica à saúde revelaram menor freqüência de atendimentos de pacientes com esse tipo de risco (“1 caso a cada seis meses”, “raras as vezes com que me deparei” e “nunca me deparei”) . Já os que exercem atividade em nível de atenção à saúde de média e alta complexidade revelaram se deparar com casos que envolvem risco de suicídio com freqüência elevada (“diariamente”; “1 a 3 casos por semana” e “1 a 3 casos por mês). Somente uma enfermeira do Hospital Geral (alta complexidade) revelou se deparar com casos que envolvem risco de suicídio em torno de uma vez a cada seis meses e uma enfermeira do Programa de Saúde Mental (média complexidade) revelou nunca ter se deparado com esse tipo de caso. Contudo vale referir que esta última está exercendo atividade no citado Programa de Saúde Mental há apenas 3 meses e o fenômeno foi apontado com maior ocorrência por suas colegas de local de trabalho. Há ainda que referir que, dentre as alternativas elencadas, as de média freqüência (“1 caso por mês” e “1 caso a cada dois ou três meses”) não foram assinaladas. 100 Deste modo, pode-se observar a necessidade dos profissionais de média e alta complexidade estarem capacitados para realização do manejo dos casos que envolvem risco de suicídio, ante a considerável freqüência com que revelaram se deparar com esse tipo de caso. O que não quer dizer que os profissionais da saúde de atenção básica não tenham que se preparar para tanto, em razão da baixa freqüência por eles revelada, uma vez que existe a possibilidade desses casos não estarem sendo reconhecidos por estes profissionais do nível básico de atenção à saúde, possivelmente por sua atuação ser mais generalista e por estes profissionais pesquisados terem revelado o reconhecimento do fenômeno do suicídio à questão da doença mental. Seja porque referiram, basicamente, como motivos que levam uma pessoa a tentar se matar “estar mentalmente doente” (Tabela 16) ou, em relação aos fatores de risco, o fato do suicídio ligado ao estado depressivo (Tabela 17 e 18), revelando, ainda, como intervenção “sempre encaminhar o paciente que apresenta risco de suicídio para avaliação psiquiátrica” (Tabela 24). E as decorrências da percepção dos profissionais de atenção básica à saúde investigados para o manejo dos casos que envolvem risco de suicídio pode ir além da não detecção precoce do comportamento suicida. O despreparo da equipe de atenção básica para acompanhar mais proximamente o paciente que fora atendido em média e alta complexidade, e que retorna para o acompanhamento pela equipe de atenção básica em saúde, como recomendado pelo Sistema de Saúde vigente, é um dos exemplos desse tipo de decorrência. Tabela 21- Intervenção realizada ante a situação de ideação suicida (continua) Categoria Intervenção realizada ante a situação de ideação suicida Subcategoria Internar Encaminhar para profissional da saúde mental Tirar essa idéia da cabeça do paciente, mostrandolhe que esse não é o melhor caminho para resolver seus problemas S1 S2 x x S3 S4 x x S5 S6 S7 S8 S9 x x x x x x x x S10 S11 x S12 x Ocor 2 x x 8 x 7 101 (conclusão) Intervenção realizada ante a situação de ideação suicida Não dar confiança para não estimular esse tipo de comportamento Avisar a família, sem o paciente saber Desviar o assunto, porque falar sobre suicídio pode aumentar o risco de o paciente pensar em se matar Escutar o paciente, sem julgar suas atitudes Antes de tomar qualquer atitude, sempre informar o paciente sobre o que se pensa que deve ser feito e pedir permissão a ele Procurar estimular o paciente para que ele fale sobre o que está acontecendo com ele, demonstrando estar disponível para ouvi-lo Não tomar nenhuma atitude em relação ao paciente, mas anotar no prontuário, para o profissional responsável fazer o que deve ser feito Fazer um pacto com o paciente, no qual ele se comprometa em não cometer o suicídio sem antes entrar em contato comigo Na verdade, não me sinto capacitado para tomar qualquer atitude em relação a esse paciente Discutir o risco de suicídio com outros profissionais que trabalham comigo, para que possa dividir a responsabilidade e aumentar a possibilidade de cuidado ao paciente. x x x x x x x x x x x x x x x x x x 1 x x x 4 x x x x x x 9 x 7 x 8 x x 1 1 - x x x Outro Fonte: elaboração da autora, 2008. * S8 acrescentou: procuro passar para o cliente o carisma, amor e atenção x * x x x 7 1 102 Sobre a categoria “Intervenção realizada ante a situação de ideação suicida”, é importante, primeiramente, salientar que essa categoria diz respeito às intervenções que devem ser realizadas de forma condizente com o grau de risco relativo à ideação suicida, que se constitui na “alteração no conteúdo do pensamento que se caracteriza por apresentar, basicamente, idéias recorrentes e/ou permanentes de perda de vontade de viver, desejo de estar morto, desejo de acabar com a própria vida e desejo de autodestruição. Constitui-se na motivação intelectual para o suicídio. O chamado plano suicida (plano de execução do ato suicida) estabelece-se na evolução da ideação suicida”141. E sobre como intervir diante desta modalidade de comportamento suicida, a maior parte dos profissionais da saúde pesquisados assinalaram, em acordo com o que recomendam os Manuais de Prevenção do suicídio, em primeiro lugar “escutar o paciente, sem julgar suas atitudes” (9 dentre os 12 sujeitos pesquisados indicaram essa alternativa); em segundo lugar “procurar estimular o paciente para que ele fale sobre o que está acontecendo com ele, demonstrando estar disponível para ouvi-lo” (8 responderam, dentre os 12 sujeitos pesquisados); em terceiro lugar “antes de tomar qualquer atitude, sempre informar o paciente sobre o que se pensa que deve ser feito e pedir permissão a ele” e em quarto lugar “discutir o risco de suicídio com outros profissionais que trabalham comigo, para que possa dividir a responsabilidade e aumentar a possibilidade de cuidado ao paciente” (7 responderam estas duas alternativas, dentre os 12 sujeitos pesquisados). Os profissionais da saúde pesquisados que assinalaram estas alternativas parecem demonstrar concordância com o que Meleiro, Botega e Prates (2004), denominam por “executar a tarefa mais importante, a de escutar, ouvi-los com empatia, com reforços positivos e numa postura de não-julgamento, tentando preencher uma lacuna criada pela desconfiança”142. Contudo, há que se apontar uma incoerência apresentada por três dos sujeitos pesquisados em relação à comunicação e estabelecimento de confiança no atendimento do sujeito em risco de suicídio, preconizado pelos manuais de prevenção em referência e pela literatura apresentada. Como se pode observar em relação aos dados referentes à intervenção realizada ante a situação de ideação suicida (Tabela 21), S7 e S8 (enfermeiros de hospital geral) e S12 (técnica em enfermagem do hospital psiquiátrico) assinalaram as alternativas “antes de tomar qualquer atitude, sempre informar o paciente sobre o que se pensa que deve ser feito e pedir permissão a ele” ao passo que, também assinalaram a alternativa “avisar a família, sem o paciente saber”. Deste modo, S7, S8 e S12, primeiramente parecem acordar 141 142 KAPCZINSKI, et al., 2001, p. 149. MELEIRO; BOTEGA; PRATES, 2004, p. 176. 103 com o que os manuais investigados enfatizam sobre a importância de que sempre seja pedida a permissão ao paciente para recrutar quem possa ajudá-lo, procurando-se, dentro do possível, preservar o sigilo e, após, em contradição, afirmam abandonar tal preservação. É possível se pensar que a atitude de “avisar a família, sem o paciente saber” assinalada, por S7, S8 e S12, vai além da questão ética em relação ao sigilo, podendo implicar no prejuízo do manejo como possibilidade de prevenção. Pensa-se que diante da quebra de sigilo, é possível que o paciente se sinta desamparado e desrespeitado, e que disto decorra a quebra de confiança do paciente não somente com o profissional, mas com toda a expectativa deste para com o tratamento e serviço de saúde, o que talvez mostre, mais uma vez, que a solução seja dar fim à vida. Por isto, possivelmente, que os manuais pesquisados conferem destaque ao aspecto do sigilo. Além disso, sobre as alternativas marcadas pelos sujeitos pesquisados e que não condizem com o disposto pelos manuais de prevenção do suicídio da OMS e do MSB, a alternativa mais assinalada foi “tirar essa idéia da cabeça do paciente, mostrando-lhe que esse não é o melhor caminho para resolver seus problemas” (7 dos 12 sujeitos pesquisados marcaram esta alternativa). É possível pensar que este tipo de atitude do profissional em tentar “tirar essa idéia da cabeça do paciente” pode se mostrar em oposição ao recomendado pelos manuais de prevenção da OMS e do MSB e da literatura consultada, no que diz respeito à empatia. Essa alternativa assinalada pelos sujeitos da pesquisa pode significar a não compreensão do sentimento de desesperança, incutindo-se a desresponsabilização do sujeito sobre a condução da própria vida. Uma recomendação dos Manuais de prevenção do suicídio, neste caso é de poder ajudar o sujeito a lembrar e falar de como problemas anteriores foram resolvidos sem recorrer ao suicídio143, diferente de contradizê-lo. Neste sentido, Freud alerta, no texto Luto e Melancolia (1917), que contradizer os pacientes auto-agressivos não funciona terapeuticamente. Em suas palavras, esses pacientes estão “descrevendo algo que efetivamente corresponde ao que vêem” 144 . Ou seja, não adianta tentar convencer o paciente que o suicídio não é a melhor solução, pois seu pensamento está constrito, como o modelo de visão em túnel. Daí a necessidade da atitude empática do profissional, para que o paciente possa se sentir compreendido. Assim, o que se mostra possível em ser feito é oferecer alternativas ao suicídio, sendo o próprio tratamento uma possível oferta ao paciente . Carvalho (1996), com experiência de atendimento desses casos, afirma em artigo reflexivo, a importância de se verbalizar ao paciente que está em risco de suicídio a própria limitação do profissional em impedir a ocorrência do suicídio, responsabilizando-o pela 143 144 BRASIL, 2006, p. 64. FREUD, [1915-1920], 2006, p.106. 104 escolha, e ao mesmo tempo colocando-se disponível para ajudá-lo a superar essa condição. A citada autora compartilha sua experiência no sentido que esta lhe tem mostrado que contradizer os pacientes nesses casos é inútil, observando que a minoração ou não aceitação dos sentimentos destrutivos do paciente implica na acentuação destes, revelando como procura atuar nos casos em referência: Em algum momento do processo terapêutico eu verbalizo que é seu direito escolher entre a vida e a morte, que eu respeito a sua decisão de se matar se essa for a única solução. Eu digo que ele certamente sabe como fazê-lo, como todos nós sabemos, e que a vida é sua e que ele é responsável por ela. Mas que se ele quiser ajuda para viver melhor, encontrar alternativas, direcionar positiva e produtivamente sua agressividade, melhorar sua auto-estima, buscar novos relacionamentos ou outras possíveis saídas, eu estou à disposição. 145 Parece que a intervenção descrita por Carvalho (1996) apresenta uma postura empática (compreensão do sofrimento do paciente), disponibilidade do profissional e responsabilização do sujeito pela decisão sobre a própria vida. Contudo, pensa-se desnecessário expressar ao sujeito que respeita a decisão de se matar. Imagina-se que isto pode parecer ambíguo para o sujeito, já que os esforços do profissional são no sentido de que isso não aconteça. Ainda, vale salientar que a autora descreve sua intervenção a partir de uma experiência em psicologia clínica no atendimento de casos com risco de suicídio, e que para muitos profissionais da saúde a dificuldade pode residir na escolha ou detecção “do momento do processo terapêutico”, aludido pela autora. Sobre a distinção da responsabilidade do profissional e a do sujeito em risco de suicídio, Gabbard (2006) afirma que é fundamental que o terapeuta não se coloque no papel de salvador, aceitando as solicitações intermináveis dos pacientes que apresentam comportamento suicida, eximindo-os da responsabilidade sobre sua própria vida. Para o autor, os profissionais devem diferenciar a responsabilidade deles da do paciente. Dos pacientes deve ser a responsabilidade de decidir se irão cometer o suicídio ou se irão se engajar no tratamento para compreenderem seu desejo de morrer. Portanto, ao assinalarem a questão “tirar essa idéia da cabeça do paciente, mostrando-lhe que esse não é o melhor caminho para resolver seus problemas”, parece que esses profissionais investigados não estão cientes da distinção destas responsabilidades, o que pode dificultar o estabelecimento de uma relação de confiança, por meio da empatia, necessárias para realização do manejo dos casos que 145 CARVALHO, Maria Margarida M. J. de. Suicídio: a morte de si próprio. In: BROMBERG, Maria Helena Pereira Franco; KOVÁCS, Maria Júlia; CARVALHO, Maria Margarida M. J. de; CARVALHO, Vicente A. de Carvalho. Vida e Morte: laços da existência. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1996, p. 77-98, p. 92. 105 envolvem risco de suicídio. Além de poder produzir uma sensação de sobrecarga ao profissional, que pode se sentir responsável sobre as decisões tomadas pelo paciente. A alternativa “encaminhar para profissional da saúde mental”, assinalada por 8 dos 12 sujeitos pesquisados merece também algumas considerações. Em relação ao Manual de Prevenção do Suicídio dirigido a Médicos Clínicos Gerais, da OMS, as “Idéias suicidas” são classificadas de acordo com a gradação exposta neste manual, como Grau 5 de risco de suicídio e podem vir associadas a transtornos psiquiátricos ou fatores estressores graves. Quando aparecem com esta associação, segundo este manual, deve-se encaminhar o paciente para avaliação do psiquiatra. Caso contrário, se a ideação suicida não aparece associada a Transtorno psiquiátrico, o plano de ação fica na exploração de possibilidades e de identificação de suporte. Já os Manuais de Prevenção do Suicídio dirigido a Profissionais da Saúde em Atenção Primária, da OMS e o dirigido aos Profissionais das Equipes de Saúde Mental, do MSB classificam como baixo o risco apresentado pelo sujeito que refere ter alguns pensamentos suicidas, como: “Eu não consigo continuar”, “Eu gostaria de estar morto”, mas que não fez nenhum plano. Nestes casos, tais manuais recomendam o encaminhamento do paciente para um profissional de saúde mental ou a um médico somente se o profissional da saúde que o atendeu não conseguir identificar uma condição tratável e/ou o sujeito não demonstrar melhora; não conseguir refletir sobre sua condição. Ainda, o Manual de Prevenção do Suicídio dirigido aos Profissionais das Equipes de Saúde Mental, do MSB – apresenta a seguinte ressalva “Nem todos os pacientes com pensamentos suicidas serão encaminhados aos serviços especializados, portanto esses pacientes com baixo risco não deverão ser a maioria nesses serviços.” Em relação à classificação de médio risco de suicídio, no qual o sujeito apresenta pensamentos e planos, mas não tem planos de cometer suicídio imediatamente, os Manuais de Prevenção do Suicídio dirigido Profissionais da Saúde em Atenção Primária, da OMS e o dirigido aos Profissionais das Equipes de Saúde Mental, do MSB já recomendam o encaminhamento aos profissionais da saúde mental. Portanto, de acordo com os manuais de prevenção do suicídio em destaque, a ideação suicida deve ser avaliada conjuntamente com outros fatores para estabelecer a necessidade ou não de encaminhamento ao profissional da saúde mental. Como afirmam Kapczinski, Chachamovich e Schmitt (2001) “a presença de uma ideação suicida constitui um risco de suicídio que deve ser obrigatoriamente avaliado e quantificado, levando-se em consideração os comemorativos da situação: presença de um plano, tipo de plano, co-morbidades, tentativas prévias, tentativa atual, etc” (p.150). Contudo não se especificou no questionário para os sujeitos pesquisados qualquer tipo de associação, 106 tratando-se simplesmente de “ideação suicida”. Ainda assim, pode-se perceber algumas intervenções que foram assinaladas que denotam um certa inadequação para situação de ideação suicida, como por exemplo “por medida de precaução, internar”, assinalada por um enfermeiro e um técnico de enfermagem do hospital psiquiátrico. Outro aspecto pode ser considerado em relação ao encaminhamento ou não do sujeito com ideação suicida aos profissionais da saúde mental, é que estes últimos revelaram ter um conhecimento acerca do fenômeno do suicídio e do manejo dos casos que envolvem tal risco mais próximo do preconizado pelos manuais de prevenção e pela literatura destacada. E neste sentido, talvez o encaminhamento ao profissional ou à instituição de saúde mental pode realmente se apresentar como medida que ofereça maior garantia de melhores condições de atendimento ao paciente que apresenta ideação suicida ou outras modalidades de comportamento suicida. Ainda mais, num momento em que ainda se está no início do desenvolvimento de uma política de prevenção do suicídio e do próprio sistema de saúde – SUS - como um sistema voltado para a resolução das questões da saúde na atenção básica, com a proposta de matriciamento. Então, é possível pensar que, diante da realidade de que muitos municípios ainda não possuem CAPS instituído ou equipes de matriciamento em saúde mental para as equipes de PSF e em que não há educação e aperfeiçoamento continuado aos profissionais da saúde, conforme preconizado pelas diretrizes do Ministério da Saúde do Brasil, talvez uma das alternativas seja realmente o encaminhamento aos profissionais especializados em saúde mental, enquanto os profissionais dos outros níveis de atenção à saúde não estiverem preparados para manejar casos que envolvam risco de suicídio, de maneira que, o manejo por parte desses profissionais implicará capacitações específicas para tal. É importante ainda referir da Tabela 21, sobre possíveis intervenções realizada ante a situação de ideação suicida, o assinalamento da questão “discutir o risco de suicídio com outros profissionais que trabalham comigo, para que possa dividir a responsabilidade e aumentar a possibilidade de cuidado ao paciente” por 7 dos 12 sujeitos pesquisados. Trabalhar em equipe vai ao encontro não somente do que dispõem os manuais investigados acerca da possibilidade de cuidado ao paciente e do alívio da possível sobrecarga e insegurança do profissional de saúde, mas fundamentalmente da política de saúde que preconiza a interdisciplinaridade como método de trabalho. Neste sentido, se os profissionais tivessem levado em consideração a política de saúde preconizada pelo SUS, provavelmente todos os sujeitos teriam assinalado esta alternativa. 107 Outro ponto a ser observado, que aparece na tabela 21 é o fato de apenas S6 (psiquiatra do programa de saúde mental) ter assinalado as alternativas “perguntar se o paciente já sabe quando e como pretende cometer o suicídio” e “fazer um pacto com o paciente, no qual ele se comprometa em não cometer o suicídio sem antes entrar em contato com o profissional”. Tais alternativas são recomendações enfatizadas pelos manuais de prevenção do suicídio da OMS e do MSB, sendo considerada a primeira como necessária para avaliação do grau de risco de suicídio e, a segunda, como possibilidade de intervenção na situação de ideação suicida com o objetivo de se ganhar tempo até conseguir ajuda especializada ou até que as medidas tomadas comecem a dar resultado. Quanto à alternativa “perguntar se o paciente já sabe quando e como pretende cometer o suicídio”, segundo Meleiro, Scalco e Mello-Santos (2004), trata-se de um dos aspectos fundamentais a serem investigados no sentido de realizar uma estimativa criteriosa do risco do suicídio, necessária para escolha do tipo de tratamento e cuidados a serem seguidos. Segundo os autores, na entrevista de avaliação do risco deve-se perguntar ao paciente “sobre a presença de ideação suicida, avaliar se tem um plano definido e investigar se possui os meios (método) e verificar se há uma data para cometer o suicídio”146. A partir desses questionamentos, de acordo com os autores destacados, o profissional poderá avaliar o grau de risco de suicídio, por meio da apreciação do grau de letalidade e acessibilidade ao método, grau de impulsividade e de detalhamento do planejamento e grau da iminência de ocorrência do ato suicida (se há uma data pré-definida). Em que pese a importância de questionar ao paciente que manifesta a ideação suicida sobre o plano suicida, conforme recomendado pela literatura destacada e pelos manuais de prevenção analisados, quase que a totalidade dos profissionais investigados demonstraram não conhecer a necessidade deste tipo de investigação para avaliação do risco do suicídio e conseqüente conduta a ser tomada. Como decorrência do desconhecimento deste tipo de avaliação por parte dos profissionais da saúde, é possível pensar numa apreciação equivocada do grau de risco de suicídio, bem como na conseqüente escolha inadequada da conduta terapêutica a ser efetivada, inviabilizando-se, possivelmente, o manejo eficaz para prevenção do suicídio. 146 MELEIRO, Alexandrina; MELLO-SANTOS, Carolina de; SCALCO, Andréia Z. Abordagem Médica da tentativa de suicídio. In MELEIRO, Alexandrina; TENG, Chei Tung; WANG, Yan Pang. Suicídio: estudos fundamentais. São Paulo: Segmento Farma, 2004. p. 157-174, p. 165. 108 Tabela 22- Manejo e possibilidade de Prevenção do Suicídio. Categoria Subcategoria A prevenção é possível, porque quem tenta se matar, possui ao mesmo tempo vontade de morrer e de viver Quando o paciente já tem plano de como vai se suicidar, para avaliar o risco, deve-se perguntar quando ele pretende fazer isso Sempre encaminhar o paciente que apresenta risco de suicídio para avaliação Manejo e psiquiátrica possibilidade Sempre é possível de prevenir o suicídio Prevenção do suicídio Não deixar o paciente que apresenta risco sozinho e orientar familiares neste sentido Estimular o paciente que manifesta a vontade de se matar a falar sobre isso Orientar a família para discretamente remover meios de acesso (cordas, facas, armas, medicamentos), sem que o paciente perceba Outro Fonte: elaboração da autora, 2008. S1 x S2 S3 S4 S5 S6 S7 x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x S8 S9 S10 S11 x S12 Ocor. x 8 2 x x x x x x x 11 x 4 x 11 x 5 x x 8 - Sobre a categoria “manejo e possibilidade de prevenção”, destaque-se que os sujeitos pesquisados apontaram, em primeiro lugar (11 dos 12 respondentes) as alternativas “sempre encaminhar o paciente que apresenta risco de suicídio para avaliação psiquiátrica” e “não deixar o paciente que apresenta risco sozinho e orientar familiares neste sentido”. E, em segundo lugar (8 dos 12 respondentes), as alternativas “a prevenção é possível, porque quem 109 tenta se matar possui ao mesmo tempo vontade de morrer e de viver” e “orientar a família para discretamente remover meios de acesso (cordas, facas, armas, medicamentos)”. É possível referir que os 11 dos 12 sujeitos investigados, ao assinalarem a alternativa que “sempre se deve encaminhar o paciente que apresenta risco de suicídio para avaliação psiquiátrica”, podem estar demonstrando determinada coerência, já que relacionam o risco de suicídio à presença de transtorno mental (Tabelas 16, 17, 18) e procedem o encaminhamento ao médico psiquiatra, apesar do encaminhamento ao psiquiatra não ser recomendado pelos Manuais de Prevenção da OMS e do MSB em todos os casos que envolvem risco de suicídio, principalmente naqueles em que seja identificado baixo risco, sem a presença de transtorno mental. Contudo, vale destacar que os sujeitos da pesquisa que trabalham no nível básico de atenção à saúde parecem apresentar dificuldades em perceber o suicídio como uma condição de sofrimento (Tabela 16) e, além disso, identificam apenas alguns dos importantes fatores de risco (tabelas 17 e 18), o que parece estar relacionado a uma provável dificuldade em manejar casos de risco de suicídio, apesar das considerações dos manuais na manutenção do atendimento dos casos que envolvem baixo risco de suicídio na atenção básica. Portanto, a recomendação do manual na manutenção do atendimento dos casos que envolvem baixo risco de suicídio na atenção básica mostra-se questionável, já que, dos profissionais investigados, somente as psiquiatras - S6 e S10 (profissionais pesquisados com formação na área da saúde mental e que atuam em média e alta complexidade)- parecem conhecer o suicídio em conformidade com o preconizado pelos manuais de prevenção do suicídio da OMS e do MSB, já que associam o suicídio à questão do sofrimento (tabela 16) , procuram se aperfeiçoar por meio de outras fontes de informação para além do curso de formação profissional (tabelas 14 e 15), reconhecem mais fatores de risco que os outros profissionais investigados (Tabela 17 e 18), não assinalam nenhum dos mitos sobre o suicídio (Tabela 23) e, apesar de S10 não assinalar todas as alternativas relativas às intervenções que devem ser realizadas em conformidade com os manuais de prevenção do suicídio, S6 e S10 não assinalam nenhuma das alternativas que está em desacordo com estes manuais (Tabela 21, 22). Outrossim, mostra-se apropriado relacionar o que Silva e Boemer (2006), encontraram a respeito do preparo dos profissionais da saúde para atuar em casos que envolvem risco de suicídio, na pesquisa intitulada “O suicídio em seu mostrar-se a profissionais de saúde”. As pesquisadoras entrevistaram profissionais médicos residentes de Psiquiatria e do Programa de Saúde da Família, enfermeiros sem especialização na área e 110 auxiliares de enfermagem que trabalham na Clínica Psiquiátrica de uma Unidade de Emergência e referem que Da análise dos depoimentos, pudemos compreender que o estudo abre perspectivas para introduzir, na área de saúde mental, profissionais especializados. É visível a diferença do significado atribuído ao suicídio por médicos (especializados e em especialização) e por enfermeiros e auxiliares que não apresentam especialização psiquiátrica. A especialização possibilita aos profissionais lidar melhor com os preconceitos e dificuldades, abrindo, assim, perspectivas para um melhor cuidado às pessoas que não vêem sentido na própria vida.147 Isto é, as citadas pesquisadoras constataram que, dentre os profissionais da saúde que foram investigados, aqueles com formação na área da saúde mental, apresentam uma visão diferenciada do suicídio, e com maiores condições para atuar nesses casos. Ainda, com relação ao manejo dos casos que envolvem risco de suicídio, no que diz respeito ao acionamento da rede e suporte familiar do sujeito, em concordância com o preconizado nos manuais investigados, 11 dos 12 sujeitos assinalaram “não deixar o paciente que apresenta risco sozinho e orientar familiares neste sentido”. No entanto, há um outro ponto referido pela literatura consultada que deve ser lembrado sobre a orientação aos familiares. Refere-se à avaliação se a família está ou não em condições de oferecer um suporte para o sujeito que está em risco de suicídio. Muitas vezes a própria família está em sofrimento pelas mesmas condições que podem estar contribuindo para o paciente estar em risco de suicídio (condições de miséria, luto, violência, etc), ou, ainda, a família pode ser parte do que constitui o processo de sofrimento do paciente. Aponte (1984) apud Meleiro, Botega e Prates (2004), refere que a família suicidogênica seria aquela que promoveria, consciente ou inconscientemente, desde o oferecimento de meios para consumação (motocicleta, pistola, álcool, remédios) até situações de tensão, culpa e desvalorização para deflagração do ato suicida por aquele membro da família “intruso e perturbador”. O autor refere que esses sujeitos simbolizam através do ato suicida, a negação do amor nunca vivenciado, possivelmente por experiências infantis tais como perda, luto, separação, violência, que gerariam muito cedo no sujeito sentimentos de rejeição, culpa, dor, tristeza, impotência e raiva. Nesses casos, segundo os autores destacados, a família não poderia oferecer proteção ao sujeito em risco de suicídio. 148. 147 SILVA, Viviane Picinato da; BOEMER, Magali Roseira. O suicídio em seu mostrar-se a profissionais de saúde. Revista Eletrônica de Enfermagem, Goiânia, v. 06, n. 22, dez. 2006. Disponível em: <http://revistas.ufg.br/index.php/fen/article/view/822/952> . Acesso em: 27 out. 2008, p.149. 148 MELEIRO; BOTEGA; PRATES, 2004, p. 180. 111 Contudo, em relação ao envolvimento dos familiares, entretanto quando a situação é favorável ao paciente, isto é, a família apresenta condições de oferecer apoio emocional ao sujeito que está em risco de suicídio, esta pode em muito contribuir com o manejo da crise suicida, auxiliando na administração da medicação, na remoção de meios de acesso ao suicídio do lar, vigilância do paciente, demonstrando ao paciente interesse e contribuição no tratamento.149 A partir de tais considerações, pensa-se que antes de orientar a família sobre os cuidados que devem ser oferecidos ao paciente, mostra-se necessário investigar se esta possui condições para tanto. Segundo Meleiro, Botega e Prates (2004), nos casos em que a família não apresenta condições de proteção ao potencial suicida, há que se buscar outras possibilidades em termos de rede social ou de tratamento, como por exemplo, citam os autores, o auxílio de acompanhante terapêutico, hospitalização do paciente e encaminhamento da família para acompanhamento psicológico. Contudo, fica a questão sobre quais destas sugestões dos autores se tem disponível no serviço público de saúde. Isto é, se existem psicólogos e profissionais especializados para realizar acompanhamento terapêutico, atendimento aos familiares, bem como hospitais com profissionais e estrutura que possam oferecer atendimento adequado para o paciente em risco de suicídio. Ainda, sobre o aspecto referente à orientação familiar, só que em desacordo com o preconizado nos manuais investigados no que se refere ao sigilo e a informação ao paciente das medidas que serão tomadas em relação ao seu atendimento, 8 dos 12 sujeitos pesquisados assinalaram “orientar a família para discretamente remover meios de acesso (cordas, facas, armas, medicamentos), sem que o paciente perceba”. Ou seja, os profissionais pesquisados que assinalarem esta alternativa (S1- enfermeira e S2- técnica em enfermagem do posto de saúde; S4 e S5 - enfermeiras do PSM; S7 e S8 - enfermeiros do hospital geral; S11 e S12 enfermeiro e auxiliar de enfermagem do hospital psiquiátrico) afirmam abandonar a informação e o pedido de permissão ao paciente, o que talvez possa romper com o vínculo terapêutico, por meio da desconsideração do sigilo. Neste sentido, Botega e Werlang (2004) lembram que “o respeito ao princípio do sigilo garante que o profissional de saúde não divulgará, sem o consentimento do paciente, informações a ele reveladas ou por ele suspeitadas, quando de seu contato com o paciente.150” Pensa-se que os profissionais que assinalaram estas alternativas que vão de encontro à quebra do sigilo, demonstram 149 150 MELEIRO; BOTEGA; PRATES, 2004, p. 181. WERLANG, B.G.; BOTEGA, N. J. Avaliação e manejo do paciente. In WERLANG, B.G.; BOTEGA, N. J. Comportamento suicida. Porto Alegre: Artmed, Editora, 2004, p. 123-152, p. 128. 112 contradição. Estes profissionais investigados apontam, por um lado, a comunicação indicada pelos manuais de prevenção do suicídio da OMS e do MSB, para o estabelecimento de confiança e de promoção de escuta livre, numa postura empática (Tabela 21) e, por outro, a quebra do sigilo sem a autorização do paciente. E ao suscitar possíveis decorrências dessa quebra de confiança com o paciente, pode-se inclusive avaliar que a frustração e o sentimento de traição por parte do paciente podem inclusive conduzi-lo ao ato suicida. Já que, “o sentimento de raiva pode ser precipitado quando o paciente se sente traído ou abalado por alguém que era tido como um amigo ou suporte”.151 Neste sentido, recomendam os manuais de prevenção do suicídio: “cuidado com o sigilo”152 e “negocie com sinceridade, explique e peça o aval do paciente para todas as medidas que devem ser tomadas”153. Em relação à possibilidade de prevenção, 8 dos 12 respondentes consideraram que “a prevenção é possível, porque quem tenta se matar, possui ao mesmo tempo vontade de morrer e de viver”. Tal percepção vai ao encontro das teorias que enfatizam a ambivalência do comportamento suicida e da teoria freudiana acerca da pulsão de vida e pulsão de morte. Conforme Kapczinski, Chachamovich e Schmitt (2001), “a questão da ambivalência deve ser cuidadosamente avaliada no paciente suicida. Podemos dizer que, como regra geral, todo paciente com ideação suicida é ambivalente com relação à concretização do seu ato. Se assim não fosse, ou ele não pensaria nisso, ou já o teria concretizado. Neste sentido, estão envolvidos, quase que sobrepostos, os sentimentos de desejo, de ajuda, vontade de morrer e agressividade.”154 E a partir das considerações desses autores, pode-se pensar que tal informação pode servir para os profissionais da saúde melhor compreenderem a complexidade do fenômeno e a dinâmica de funcionamento do sujeito que apresenta comportamento suicida, em termos de sofrimento, de maneira que esse entendimento por parte dos profissionais da saúde pode facilitar sua postura empática no atendimento dos casos que envolvem risco de suicídio. No que se refere à avaliação do risco de suicídio, S6 (psiquiatra do PSM) e S7 (enfermeira do hospital geral) selecionam a alternativa que refere o questionamento ao paciente em quando pretende cometer o suicídio para avaliar o risco quando o sujeito já apresenta um planejamento de como vai fazê-lo. Vale ressaltar que S6 já havia apontado 151 152 MELEIRO; BAHLS, 2004, p.28. BRASIL,2006, p. 55 153 BRASIL,2006, p. 65 154 KAPCZINSKI, et al., 2001, p. 160. 113 como intervenção, ante a ideação suicida, perguntar ao paciente se ele já sabe quando e como pretende cometer o suicídio (tabela 21). Isto mostra um possível desconhecimento por parte dos demais profissionais investigados em como proceder na avaliação do risco de suicídio, na forma como é preconizada pelos manuais de prevenção do suicídio da OMS e do MSB e literatura correlata. 4.2.5 Mitos sobre o suicídio Considerando a idéia de que “uma revisão de atitudes e temores em relação ao comportamento suicida” é de fundamental importância para o profissional realizar um atendimento adequado nos casos que envolvem risco de suicídio, passa-se a apresentar o que os profissionais da saúde investigados referiram acerca dos mitos sobre o suicídio, destacados pelos manuais de prevenção pesquisados. Tabela 23- Mitos sobre o suicídio (continua) Categoria Mitos sobre o suicídio Subcategoria Quem quer se matar é egoísta e não se preocupa com o sentimento da própria família Quem já tentou suicídio e não conseguiu, nunca mais tenta A maioria que tenta se matar, quer na verdade só chamar a atenção Quem realmente quer se matar, mata-se mesmo. S1 S2 S3 S4 S5 S6 S7 S8 S9 S10 S11 S12 x 1 x x x Ocor x x x x 1 3 x x 5 114 (conclusão) Não perguntar sobre suicídio ao paciente deprimido que não fala nada sobre isso para não oferecer idéia pra ele. Pacientes que falam sobre suicídio raramente o cometem. A maioria de suicídios ocorre sem avisos. x x 1 x x x 4 Fonte: elaboração da autora, 2008. Dentre os “mitos sobre o suicídio” o mais assinalado foi “quem realmente quer se matar, mata-se mesmo”. E os Manuais de Prevenção do Suicídio da OMS e do MSB, bem como a literatura consultada, rebatem o mito mais assinalado pelos profissionais investigados com o seguinte argumento: “a maioria dos que pensam em se matar, têm sentimentos ambivalentes. Essa idéia pode conduzir ao imobilismo terapêutico, ou ao descuido no manejo das pessoas sob risco. Não se trata de evitar todos os suicídios, mas sim os que podem ser evitados”.155 Em relação ao segundo mito mais indicado pelos profissionais investigados, qual seja, “pacientes que falam sobre suicídio raramente o cometem. A maioria de suicídios ocorre sem avisos”, os manuais destacados e a literatura consultada referem que [...] os pacientes que cometem suicídio normalmente dão alguma pista ou aviso antecipadamente. Pelo menos dois terços das pessoas que tentam ou que se matam haviam comunicado de alguma maneira sua intenção para amigos, familiares ou conhecidos. As ameaças devem ser levadas a sério. A maioria das pessoas que se mataram deram avisos de sua intenção. Chegar a esse tipo de recurso indica que a pessoa está sofrendo e necessita de ajuda156 Neste sentido, vale reforçar que muito embora o suicídio possa ser um ato impulsivo, cerca de 80% das pessoas avisam sua intenção, 50 % falam sobre essa intenção abertamente e em torno de 40 % dos suicidas procuram cuidados médicos na semana que 155 BOTEGA, Neuri José; WERLANG, Blanca Guevara. Avaliação e manejo do paciente. In BOTEGA, Neuri José; WERLANG, Blanca Guevara. Comportamento suicida. Porto Alegre: Artmed, 2004. p. 123-140, p.124. 156 BOTEGA; WERLANG, 2004, p.124 115 antecedeu o suicídio.157 Tais estatísticas vão ao encontro de um outro aspecto ressaltado pelos manuais: nem todos os suicídios podem ser evitados, porque existem aqueles sujeitos que não procuram ajuda e partem direto para o ato. Contudo, as estatísticas apresentadas demonstram que estes casos são a minoria, de maneira que todas as tentativas de suicídio ou mesmo as tentativas de manipulação por meio da ameaça de suicídio devem ser tomadas a sério. Conforme Botega e Werlang (2004), “o termo ‘manipulação’, por ser um rótulo que geralmente leva a condutas clínicas estereotipadas, não deveria constar do vocabulário de quem trabalha com pacientes potencialmente suicidas”.158 Neste ponto, vale relembrar da função expressiva das tentativas de suicídio, de maneira que, o fato de algumas pessoas realizarem tentativas com métodos de pouco teor letal pode ser justificado pela própria condição da ambivalência, característica do comportamento suicida. Isto é, poder-se-ia pensar na idéia de que “quem quer se matar, mata-se mesmo” com a seguinte ressalva quem quer somente se matar, mata-se mesmo. Ou seja, se quem tenta se matar, na maior parte das vezes, quer morrer e viver ao mesmo tempo e, essa condição de também desejar viver é o que possibilita a prevenção, mostra-se a necessidade do cuidado com este tipo de generalização, uma vez que “o indivíduo com risco de cometer suicídio deve ser examinado como uma pessoa única, inserida numa sociedade, vivendo numa circunstância particular de vida e carregando a sua própria história psicobiológica”159, e para se realizar um manejo adequado, há que se considerar todos esses aspectos que se refletem de maneira peculiar em cada sujeito. Vale ainda salientar que não assinalaram nenhum dos mitos sobre o suicídio os seguintes profissionais: enfermeira e médico da atenção básica; os três profissionais (2 enfermeiras e 1 psiquiatra) do programa de saúde mental e a psiquiatra do hospital psiquiátrico. Há outros mitos, tais como “quem quer se matar é egoísta e não se preocupa com o sentimento da própria família”, “quem já tentou suicídio e não conseguiu, nunca mais tenta”, “a maioria que tenta se matar, quer na verdade só chamar a atenção” e “não se pergunta sobre suicídio ao paciente deprimido que não fala nada sobre isso para não oferecer idéia pra ele” também assinalados por alguns dos sujeitos pesquisados. Os três profissionais da emergência do hospital geral (2 enfermeiros e um técnico em enfermagem) assinalaram alguns dos mitos sobre o suicídio, bem como o enfermeiro e a técnica em enfermagem do hospital psiquiátrico. Dentre os profissionais pesquisados, aquele que considerou quase todos 157 158 KAPCZINSKI, et al., 2001, p. 158. BOTEGA; WERLANG, 2004, p.123. 159 MELEIRO; BOTEGA; PRATES, 2004, p. 177. 116 os mitos (exceto o “quem já tentou suicídio e não conseguiu, nunca mais tenta”) foi a técnica de enfermagem do Posto de saúde, que também afirmou nunca ter tido nenhum tipo de informação em como abordar o paciente e intervir em casos que envolvem risco de suicídio (tabelas 14 e 15), o que possibilita pensarmos na coerência da falta de informação com o fato desta profissional reconhecer os mitos como verdades sobre o suicídio. Daí pode-se salientar a relevância em desmistificá-los entre os profissionais do campo da saúde, como possibilidade de “desobstruir o caminho para um bom contato interpessoal com o paciente e o estabelecimento de vínculo terapêutico”.160 Neste sentido, Meleiro, Scalco e Mello-Santos (2004, p.160); Werlang e Botega (2004, p.124); Holmes (1997, p. 203); Kapczinski et al. (2001, p.158) e Cassorla (1991, p.159) ressaltam a importância em desvelar os mitos ou ficções sobre o comportamento suicida como uma forma de evitar a ocorrência de julgamento subjetivo do profissional em relação ao potencial suicida e de imobilismo terapêutico ou descuido no manejo dos pacientes em risco de suicídio. 4.2.6 Sentimentos despertados no profissional ao atender paciente em risco de suicídio A partir da proposição destacada por Meleiro, Botega e Prates (2004) de que as possíveis diversas respostas emocionais despertadas no profissional de saúde que atende pessoas com comportamento suicida podem “prejudicar a eficiência no trabalho e também intervir na vida familiar e pessoal”161 do profissional, é que se buscou inquirir o que os profissionais pesquisados referem sentir ao atender este tipo de caso. A seguir as respostas indicadas pelos profissionais da saúde investigados. 160 161 BOTEGA; WERLANG, 2004, p.123. MELEIRO; BOTEGA; PRATES, 2004, p. 186. 117 Tabela 24 - Sentimentos ao atender paciente em risco de suicídio Categoria Subcategoria Nervoso, por não saber o que fazer Preocupado, porque mesmo sabendo o que fazer, a responsabilidade é muito grande Com pena, a pessoa está sofrendo Raiva, com tantas pessoas lutando para viver e alguém querendo se matar! Seguro, afinal sinto-me preparado para atender Sentimentos esse tipo de caso ao atender Seguro, estou paciente em acostumado, atendo risco de esse tipo de caso com suicídio freqüência. Inseguro, não me sinto capaz de atender casos de pacientes que envolvam risco de suicídio Angustiado, procuro fugir deste tipo de caso. Fico muito envolvido emocionalmente, depois não consigo parar de pensar na pessoa Não sei, nunca me deparei com esse tipo de caso Outro Fonte: elaboração da autora, 2008. S1 S2 S3 S4 S5 S6 S7 S8 S9 S10 S11 S12 x Ocor 1 x x x x x x x x 6 x 3 - x x x x 3 x x 2 1 - - x 1 - Sobre como o profissional se sente ao atender pacientes que tentaram o suicídio, o alternativa mais assinalada foi: “preocupação, porque mesmo sabendo o que fazer, a responsabilidade é muito grande” (seis dos doze respondentes assinalaram esta alternativa e são eles: médico clínico geral do posto de saúde; 2 enfermeiras do PSM e psiquiatra, enfermeiro e auxiliar de enfermagem do hospital psiquiátrico). Não é diferente o sentimento 118 relatado pelos profissionais investigados por Silva e Boemer (2006), na pesquisa intitulada “O suicídio em seu mostrar-se a profissionais de saúde”. As pesquisadoras puderam constatar que “muitos dos profissionais percebem as dificuldades de trabalhar com o suicida e, conseqüentemente, com o suicídio. Há certa preocupação em dar um acompanhamento aos pacientes realizando assim, um trabalho mais amplo. Surgem, então, sentimentos de culpa, impotência, frustração, fragilidade e desespero perante o ato autodestrutivo.”162 Das falas de dois profissionais da pesquisa de Silva e Boemer (2006), quais sejam “o problema daqui é que mesmo que a gente cuide de um paciente que tentou o suicídio, não sabemos o que vai acontecer com ele depois que for embora” e “às vezes, eu me sinto mal por não conseguir ajudar um paciente da maneira que ele precisa”163, juntamente com a resposta assinalada pelos seis profissionais investigados “preocupação, porque mesmo sabendo o que fazer, a responsabilidade é muito grande” fica possível relacionar a dificuldade que alguns profissionais podem apresentar em distinguir a responsabilidade que lhes cabe e a responsabilidade que é do paciente e de seus familiares, isto é, o limite do que é possível realizar enquanto profissional, em conformidade com o que já foi apresentado que Carvalho(1996) e Gabbard (2006) expõem a respeito da distinção e limites do papel do profissional e do paciente (Tabela 21) . Por um lado, entende-se que talvez um certo grau de preocupação possa até ser produtivo, no sentido de os profissionais se mobilizarem em busca de informação e atualização para atuar nesses casos. E, talvez seja necessário que os profissionais compreendam que possivelmente essa preocupação não possa ser totalmente aliviada, pela própria natureza do trabalho em saúde, ainda mais nos casos que envolvem risco de morte do paciente. E que, além disso, esse sentimento de preocupação possa funcionar como base para promover a postura empática do profissional. Já que, de acordo com os manuais investigados “é preciso também estar disponível emocionalmente para lhes dar atenção”164. Neste sentido, para estar emocionalmente disponível para manejar os casos que envolvem risco de suicídio, é possível aproveitar os conhecimentos da função da contratransferência e de sua utilização como possibilidade de instrumento de trabalho do profissional da saúde no atendimento desses casos: 162 SILVA; BOEMER, 2006, p.149. SILVA; BOEMER, 2006, p.149. 164 BRASIL, 2006, p. 55. 163 119 o sentimento contratransferencial pode adquirir uma dimensão patogênica, com o analista perdido e envolvido na situação ou pode ser uma excelente bússola empática. É importante que o analista possa conviver com naturalidade com os seus sentimentos contratransferenciais dificílimos (por exemplo, de medo, tédio, paralisia, impotência, erotização, raiva, etc.) sem sentir vergonha e culpas, de modo a poder assumir e refletir sobre o que eles representam no vínculo 165 (grifos no original) Na mesma direção, já se mencionou Cassorla (1991), que enfatiza a importância de se capacitar e treinar os profissionais da saúde para lidar com o sofrimento decorrente dos sentimentos despertados no atendimento desses casos, bem como para aprender a utilizar o reconhecimento desses sentimentos contratransferenciais como arma diagnóstica166. Neste ponto, vale referir a importância do profissional da psicologia em se valer de seu conhecimento para fomentar esse tipo de capacitação e treinamento, supervisão psicológica ou até mesmo identificação e encaminhamento do profissional para atendimento psicoterápico. Contudo, ainda em relação ao sentimento de preocupação assinalado por seis dos sujeitos investigados, há a necessidade, por outro lado, em se atentar para a saúde destes profissionais, que podem se sentirem sobrecarregados quando afirmam que “a responsabilidade é muito grande”. Neste sentido, imagina-se que algumas outras medidas poderiam ser tomadas, para além da conscientização dos limites de sua responsabilidade e do treino da utilização da contratransferência já destacados, como forma de oportunizar maior segurança na conduta profissional e como forma de se promover a saúde desses profissionais. Pensa-se que a informação e capacitação dos profissionais é inquestionável, como já se discutiu na Tabela 14. E a discussão e compartilhamento dos casos pela equipe de saúde, bem como a promoção de espaços de discussão dos sentimentos gerados por esses atendimentos são medidas que vão ao encontro do preparo técnico destes profissionais. E este aspecto diz respeito à efetivação da questão da interdisciplinaridade. Pensa-se que é preciso que os profissionais compreendam que compartilhar os casos atendidos com a equipe de saúde, além de possivelmente proporcionar uma ampliação do cuidado ao paciente (já que o caso passa a ser discutido e analisado por diversos profissionais, de diferentes áreas do conhecimento), também os alivia desta sobrecarga. De acordo com os manuais investigados, “necessariamente, você também não terá de ‘carregar’o problema da pessoa caso não se sinta 165 166 ZIMERMAN D.E. Vocabulário Contemporânea de Psicanálise. Porto Alegre: Artmed, 2001, p. 87. CASSORLA, R. M. S. O Impacto dos Atos Suicidas no Medico e na Equipe de Saúde. In CASSORLA, R. M. S. Do Suicídio. São Paulo: Papirus, 1991. p. 149-165, p. 162-163. 120 momentaneamente capaz: poderá pedir ajuda para outros profissionais da equipe de saúde.”167 No entanto, desta disposição destacada, vale referir que talvez a questão não seja somente de não se sentir ‘momentaneamente’ capaz. Afinal, a discussão dos casos atendidos em equipe parece ser algo possível de ser compartilhado mesmo que a questão não seja de capacitação para manejar os casos de risco de suicídio. Outro ponto que é importante comentar em relação às respostas assinaladas sobre como “se sente ao atender pacientes que tentaram o suicídio”, é que os profissionais S8 (enfermeiro do hospital geral, atualmente atuando na emergência hospitalar como técnico de gesso) e S12 (auxiliar de enfermagem do hospital psiquiátrico) afirmam sentirem-se seguros no atendimento a pacientes que tentaram suicídio, assinalando, os dois profissionais, as seguintes alternativas: “Seguro, afinal sinto-me preparado para atender esse tipo de caso” e “Seguro, estou acostumado, atendo esse tipo de caso com freqüência” (S8 assinala somente essas duas, S12 assinala também “Preocupado, porque mesmo sabendo o que fazer, a responsabilidade é muito grande” e “Com pena, a pessoa está sofrendo”). Contudo, há que se atentar para os outros assinalamentos de S8 e S12 nas demais categorias apresentadas. Vejamos: S8 e S12 assinalam questões que parecem denotar juízo de valor e crença religiosa na compreensão dos motivos que levam uma pessoa a se matar (tabela 16); não assinalam importantes fatores de risco de suicídio (tabela 17 e 18) e S12 é a única profissional, dentre os investigados, que assinala como fatores de risco (em desacordo ou não encontrados nos manuais investigados e literatura consultada): “ser casado”, “ser ex-presidiário” e “gostar de chamar atenção” (tabela 17). Esses sujeitos apresentam, ainda, contradições acerca das intervenções realizadas diante do risco de suicídio (indicam estabelecimento de conduta empática com o paciente, ao passo que indicam quebra de sigilo sem aval do paciente (tabela 19 e 22); assinalam concordar com alguns dos mitos sobre o suicídio (Tabela 23) e, descrevem se deparar com o fenômeno com freqüência (Tabela 20). Há que se refletir que justamente os profissionais que apresentam respostas com maior discordância em relação às informações preconizadas pelos manuais de prevenção do suicídio investigados, são aqueles que indicam sentirem-se seguros, preparados e acostumados a atender esse tipo de caso. No mais, em última análise, sobre os principais aspectos que os profissionais da saúde pesquisados apontaram acerca do comportamento suicida e seu manejo, destaca-se, sinteticamente que, demonstraram conhecer o comportamento suicida como fenômeno decorrente do acometimento de Transtorno mental, desconsiderando diversos outros fatores 167 BRASIL, 2006, p. 58. 121 de risco de suicídio apresentados pelos manuais investigados e indicaram como intervenções realizadas nesses casos, o encaminhamento ao psiquiatra ou profissional de saúde mental, bem como à orientação aos familiares para vigilância do paciente em risco de suicídio e remoção de meios de acesso ao suicídio. Muitos dos profissionais da saúde investigados referiram contradições entre as respostas, de maneira que os profissionais com formação em psiquiatria foram os que apresentaram o conhecimento para realização do manejo dos casos que envolvem risco de suicídio com um grau maior de compatibilidade com os Manuais de Prevenção do Suicídio da OMS e MSB. 122 CONSIDERAÇÕES FINAIS Para alcançar o objetivo geral desta pesquisa, qual seja - caracterizar o manejo que profissionais da saúde realizam em casos que envolvem risco de suicídio para prevenir o suicídio - este estudo se dividiu em duas etapas. A primeira delas diz respeito à pesquisa documental que se realizou para extrair as características do manejo de casos que envolvem risco de suicídio preconizado pelos Manuais de Prevenção do Suicídio dirigidos aos profissionais de saúde, da OMS e do MSB. A segunda etapa se refere à aplicação de um questionário, elaborado com base em categorias a priori, produzidas a partir das características encontradas do manejo preconizado pelos manuais de Prevenção de suicídio investigados, junto a 12 profissionais de diferentes níveis de atenção à saúde, que assinalaram os procedimentos que, em tese, realizam ou que potencialmente realizariam diante de uma situação de atendimento ao paciente que envolva risco de suicídio . Em relação ao primeiro objetivo específico - identificar os critérios relacionados com as situações de risco de suicídio indicados nos Manuais de prevenção do suicídio (MSB e OMS)- a partir dos dados analisados, pode-se dizer que este objetivo foi alcançado, eis que se identificou os critérios relacionados com as situações de risco do suicídio, dispostas pelos manuais investigados em fatores de risco psiquiátricos (depressão, alcoolismo esquizofrenia, transtorno de personalidade caracterizados por impulsividade, agressividade e freqüentes alterações de humor; tentativas de suicídio anteriores); sociodemográficos (sexo masculino, pessoas jovens e idosas, vida solitária, sem atividade laboral); ambientais (meios de acesso ao suicídio e exposição ao suicídio); psicológicos (ambivalência, impulsividade, rigidez ou constrição do pensamento, desamparo, desesperança, vergonha, perda parental na infância, perdas recentes); condições médicas (limitações, incapacitações, dores crônicas,doenças de ruim prognóstico ou alvo de estigmas - HIV e AIDS, Câncer). Quanto ao segundo objetivo específico - caracterizar o manejo dos casos que envolvem risco de suicídio preconizado pelos manuais de prevenção do suicídio (MSB e OMS)- este se concretizou, uma vez que se identificou que o manejo preconizado pelos manuais de prevenção investigados se caracteriza por meio da conduta profissional de aceitação do comportamento suicida como sofrimento, acolhimento, postura empática, apoio, disponibilidade, escuta livre, perguntar de forma gradual respeitando o processo de estabelecimento de confiança, avaliação e classificação dos riscos, encaminhamento a ser 123 realizado, acionamento da rede e suporte social, realização de “contrato anti-suicídio”, orientação referente à remoção e controle dos meios de acesso para cometer o suicídio. No que se refere ao terceiro objetivo específico - identificar os critérios que profissionais da saúde utilizam para reconhecer situação de risco de suicídio – este foi obtido, já que foi possível verificar que a maior parte dos profissionais investigados relacionam o risco de suicídio à presença de fatores psiquiátricos, principalmente em relação à depressão. E a maioria dos profissionais investigados não levam em conta fatores de risco de suicídio sociodemográficos, ambientais, psicológicos e os ligados à condição médica. Quanto ao quarto objetivo específico - caracterizar os procedimentos que os profissionais da saúde utilizam para prevenir o suicídio nos casos em que identificam o risco de suicídio – este foi alcançado, uma vez que foi possível identificar que os profissionais investigados descrevem o encaminhamento ao psiquiatra ou ao profissional de saúde mental e a maior parte deles descreve a escuta livre de julgamentos, atitude empática, disponibilidade e orientação familiar para vigilância do paciente em risco de suicídio e orientação familiar para remoção dos meios de acesso ao suicídio, sem que o paciente a perceba como procedimentos realizados. Contudo, foi possível verificar que alguns dos profissionais investigados mostramse contraditórios em suas respostas, principalmente no que diz respeito ao estabelecimento de vínculo e à quebra de sigilo ou quebra de confiança do paciente. Isto porque alguns dos profissionais investigados apontam, por um lado, a comunicação indicada pelos manuais de prevenção do suicídio da OMS e do MSB, para o estabelecimento de confiança e de promoção de escuta livre, numa postura empática e, por outro, afirmam quebrar o sigilo sem a autorização do paciente ao assinalarem as alternativas “orientar a família para discretamente remover meios de acesso (cordas, facas, armas, medicamentos), sem que o paciente perceba” e “avisar a família, sem o paciente saber”. Em relação ao quinto e último objetivo específico - comparar o manejo empreendido pelos profissionais da saúde para prevenção de suicídio em casos que envolvem risco de suicídio com o que é preconizado pelas organizações responsáveis pela elaboração de programas e estratégias de prevenção do suicídio (MSB e OMS) – este foi concretizado, à medida em que se analisou as ocorrências das subcategorias condizentes e as não condizentes com o que é preconizado pelos Manuais de Prevenção do suicídio do MSB e OMS. Desta comparação foi possível perceber que dentre os profissionais investigados, os que demonstraram realizar o manejo em casos que envolvem risco em acordo com o disposto nos Manuais de Prevenção do suicídio investigados foram, principalmente, os profissionais com formação em psiquiatria. 124 Portanto, a partir da efetivação dos objetivos específicos, pode-se sinteticamente referir que o objetivo geral, qual seja, - caracterizar o manejo que profissionais da saúde realizam em casos que envolvem risco de suicídio para prevenir o suicídio – foi alcançado, possibilitando-se referir que o manejo preconizado pelos manuais de prevenção do suicídio investigados se caracteriza pela identificação dos fatores de risco de suicídio e avaliação do grau de risco e pelos procedimentos que envolvem conduta de aceitação, acolhimento do sofrimento do sujeito, numa postura empática, prestando apoio, disponibilidade, proporcionando um espaço de escuta para que o sujeito possa falar sobre seus sentimentos e que o profissional possa perguntar de forma gradual sobre eles, além do encaminhamento a ser realizado para cada um dos graus de risco de suicídio, acionamento da rede e suporte social, realização do “contrato anti-suicídio” e orientação referente à remoção e controle dos meios de acesso para cometer o suicídio. Já, em relação aos profissionais da saúde investigados, pode-se dizer que as características do manejo que estes profissionais descrevem realizar, referem-se à identificação do risco de suicídio ligada à presença de transtorno mental, com conseqüente encaminhamento aos profissionais especializados nesta área, bem como a escuta livre de julgamentos, orientação familiar para vigilância do paciente em risco, remoção dos meios de acesso ao suicídio. Vale ressaltar que dos profissionais investigados, a maior parte parece não reconhecer muitos dos fatores de risco de suicídio, além de provavelmente não perguntarem acerca do planejamento suicida para avaliação do grau de risco e, ainda, muitos deles se mostram contraditórios no que se refere à questão do estabelecimento de confiança e postura empática que afirmam empreender no atendimento de sujeitos em risco de suicídio. E, em considerações finais, a partir do estudo realizado, pensa-se que: a) No que se refere aos Manuais de Prevenção do Suicídio investigados, muito embora estes se apresentem como material veiculador de informações fundamentais para compreensão do comportamento suicida como fenômeno multicausal e forneçam informações norteadoras para o atendimento do sujeito em risco de suicídio, desconfia-se das possíveis interpretações que podem ser produzidas a partir de algumas das informações que constam nesses documentos, especialmente no que diz respeito a procedimentos de manejo. Neste sentido, entende-se que recomendações como: “focalize os sentimentos de ambivalência. O profissional da saúde deve focalizar na ambivalência sentida pelo indivíduo em risco de suicídio entre viver e morrer, até que gradualmente o desejo de viver se fortaleça” ou “trabalhe com os sentimentos suicidas da pessoa e focalize nos aspectos positivos” talvez não sejam tão simples de compreender e pôr em execução, quanto se mostram descritas. Mostra-se 125 preocupante o efeito que esse tipo de “instrução” pode produzir com relação à compreensão dos profissionais que as lêem. Ainda, sobre as recomendações em relação ao manejo preconizado pelos manuais investigados, é possível pensar como que a simples leitura de um manual pode ensinar um profissional a ter empatia pelo paciente? É possível que um conjunto de regras do que perguntar para o paciente talvez não seja suficiente como forma de capacitação dos profissionais para manejo de casos que envolvem risco de suicídio. E o quanto será que os profissionais da saúde percebem que a capacitação para o manejo não é tão direta e tão simples assim? Por isto, sugerem-se outras pesquisas que objetivem investigar as contribuições e possíveis limitações dos manuais como fonte de fundamentação e de capacitação de profissionais da saúde para manejar casos de risco de suicídio. b) É possível considerar que a recomendação sobre a manutenção dos casos que envolvem baixo risco na atenção básica esteja, ainda, no plano idealista. Já se destacou o que Serrano (2008) enfatiza sobre a dificuldade e limitação dos profissionais do nível básico de atenção para detectar, acompanhar e manejar os casos que envolvem risco de suicídio. A consideração do autor corrobora o que foi encontrado nesta pesquisa em relação à limitação deste conhecimento pelos profissionais investigados do nível básico de atenção. E não só em relação a estes. Mas também alguns dos profissionais investigados dos níveis de média e alta complexidade se mostraram contraditórios e confusos em relação ao conhecimento necessário para manejar os casos que envolvem risco de suicídio. De forma que apresentaram maior grau de conhecimento do fenômeno estudado os profissionais da área da psiquiatria. Por isto, considera-se que se estes casos de baixo risco forem atendidos por profissionais especializados, talvez possa haver maior garantia de um manejo adequado dos casos para prevenir uma possível evolução para os graus de médio ou alto risco de suicídio. Ainda, considera-se que há a possibilidade da manutenção do atendimento e manejo dos casos considerados como baixo risco na atenção básica, com maior grau de garantia de prevenção, se houver efetivamente o serviço de matriciamento por equipes de profissionais especializados em saúde mental. c) Além disso, destaca-se a necessidade da efetivação da diretriz de capacitação e educação continuada sobre a temática do comportamento suicida e seu manejo para os profissionais de todos os níveis de atenção à saúde. Ainda que o encaminhamento dos casos que envolvem risco de suicídio seja realizado para os profissionais especializados em saúde mental, entende-se que qualquer profissional da saúde deve estar preparado para o primeiro contato com um potencial suicida. Para isso, estes profissionais precisam estar capacitados para compreender o sofrimento do sujeito e identificar o risco para realizar o encaminhamento 126 corretamente e, principalmente, abordar o paciente numa atitude empática, para que seja possível produzir uma relação de confiança, necessária para o sujeito acreditar que o tratamento possa ser realmente uma alternativa ao suicídio. Com efeito, a rede de atenção precisa funcionar em sintonia, pois não parece possível oferecer um atendimento integral e eficaz, com cada profissional atuando apenas a partir do que aprendeu no curso de formação profissional. Ainda mais, com o enfoque da literatura no que diz respeito à modificação do fenômeno do suicídio no decorrer dos tempos com a modificação dos valores, das condições sócio-econômicas, da cultura, modificando-se, também, fatores de risco. Parece-nos, portanto, que a educação continuada é um ponto importante a ser levado em consideração. d) E para a equipe de saúde funcionar em sintonia, há ainda que se falar nas questões da interdisciplinaridade e integralidade. Isto é, a comunicação e discussão entre os membros da equipe são de fundamental importância para o paciente e para o profissional. Os profissionais podem dividir a responsabilidade, prevenindo o estresse decorrente da preocupação no atendimento desses casos. Ao passo que se pode ampliar a possibilidade de cuidado ao paciente, primeiramente, pela condição da equipe funcionar seguindo o mesmo planejamento terapêutico e, em segundo lugar, porque quando o paciente sentir necessidade de procurar o serviço de saúde, pode encontrar uma equipe profissional disponível. Caso contrário, se estiver sendo atendido por apenas um profissional, pode não encontrá-lo disponível em todos os dias e horários no serviço em que está realizando tratamento. e) Ainda sobre a questão da integralidade, vale referir que muitos dos fatores considerados de difícil modificação pela literatura destacada podem ser passíveis de outras intervenções, que transcendem as realizadas pela equipe de saúde. Contudo, é possível que determinadas intervenções sejam, pela equipe de saúde, suscitadas como complementares para o tratamento, visando-se utilizar a rede de apoio presente na comunidade e as estratégias que esta dispõe, que podem servir como medidas de prevenção e minimização de fatores de risco. Como por exemplo, é possível que a equipe esteja articulada com outros recursos de rede e encaminhe o paciente em risco de suicídio em isolamento social, ou em situação de aposentadoria para grupos de apoio ou oficinas, ou ainda, acione a secretaria de desenvolvimento social para o paciente em situação de desemprego e com dificuldades financeiras. Esse tipo de medida parece ir ao encontro de uma proposta de atenção biopsicossocial ao sujeito, a partir da concepção integral de saúde. Mas, para tanto, os profissionais da saúde precisariam reconhecer o fenômeno do suicídio com maior amplitude e para além dos fatores de riscos psiquiátricos - realidade apresentada pelos profissionais pesquisados - para aí sim reconhecer a importância de outras intervenções que ultrapassam as 127 de cunho biológico. E neste sentido, há a possibilidade de contribuição do profissional da psicologia, que pode viabilizar esse tipo de intervenção no campo da saúde, desde que ingresse no serviço de saúde com essa perspectiva biopsicossocial, promovendo essencialmente a realização de intervenções psicoterapêuticas, mas também a ampliação da clínica em saúde. f) Entende-se que a inclusão do profissional da psicologia no campo da saúde para atuar no manejo dos casos que envolvem risco de suicídio é de fundamental importância. São diversas as contribuições que o psicólogo pode oferecer como parte da equipe de saúde no manejo de casos que envolvem risco de suicídio como forma de prevenção. Seja como psicoterapeuta ou para auxiliar na identificação das situações de risco e contribuir na elaboração do planejamento terapêutico destes pacientes. Ainda, como promotor de intervenções que visem à sensibilização dos demais profissionais para entender o comportamento suicida como um sofrimento e, além disso, capacitá-los para utilização da contratransferência para ampliação do olhar do profissional sobre as próprias dificuldades em trabalhar com os casos de suicídio, bem como utilizá-la como instrumento diagnóstico e possível instrumento promotor da empatia necessária para atender estes casos. E, neste sentido, a atuação do psicólogo e a função da psicoterapia nos casos que envolvem risco de suicídio é ressaltada, tanto pelos Manuais de Prevenção do Suicídio investigados, bem como pela literatura referida (SERRANO, 2008 e GABBARD , 2006). Por este motivo que se pensa que poderia ter sido incluído questionamento acerca do encaminhamento à psicologia e a importância da intervenção psicológica no instrumento de coleta de dados aplicado junto aos profissionais da saúde. Do mesmo modo, pensa-se que seria de grande valia se tivesse sido encontrado psicólogo disponível nas instituições de saúde, nas quais foram coletados os dados, a fim de colher informações sobre o manejo realizado pelos profissionais da psicologia. Parece-nos interessante realizar pesquisas que possam indicar qual a compreensão do profissional da psicologia sobre o suicídio e sobre o manejo realizado por este profissional nos casos que envolvam tal risco, a fim de descobrir possíveis contribuições da atuação do psicólogo no manejo desses casos. g) Ainda, a partir da pesquisa realizada, outros estudos podem ser sugeridos: o que os cursos de formação na área da saúde estão incluindo no seu planejamento de ensino sobre o manejo de casos que envolvem risco de suicídio? Já que dos profissionais investigados, a maior parte deles afirma como fonte de informação em como abordar o paciente em risco de suicídio e como intervir nos casos que envolvem tal risco, os cursos de formação profissional. Um outro aspecto que merece ser estudado diz respeito à avaliação dos resultados obtidos a 128 partir das intervenções e do manejo realizados. Neste sentido pergunta-se: as instituições de saúde realizam o levantamento desses casos (diagnóstico institucional)? Existem metas ou objetivos em termos de prevenção? Parece que o registro dos casos que envolvem risco de suicídio mostra-se emergente para que seja possível atualizar os estudos referentes aos fatores de risco, preparação das intervenções e dos programas de prevenção, estabelecimento de metas a curto e longo prazo, e conseqüentemente possibilitar a avaliação dos resultados dessas intervenções e do manejo que vêm sendo preconizado pelo MSB e OMS. h) Que muito embora, este estudo tenha tido por foco o nível secundário e terciário de prevenção ao suicídio (quando o risco já existe), considera-se de fundamental importância a prevenção anterior à instauração do risco – nível primário, tais como: programas e campanhas para diminuição de abuso do álcool e outras drogas, prevenção de gravidez na adolescência, tratamento e programas de intervenção de prevenção para pessoas que se deparam com situações de luto, doenças crônicas, violência doméstica, preparação para aposentadoria, divulgação adequada dos casos de suicídio pela mídia, dentre outros. Pesquisas relacionadas a intervenções que objetivam prevenir risco de suicídio também poderiam ser conduzidas no sentido de identificar os tipos de intervenções existentes, seu nível de eficácia, o grau de adequação dessas intervenções a cada tipo de população, ou ainda as competências que os profissionais necessitariam desenvolver para poderem intervir de forma preventiva. i) Dentre as dificuldades encontradas para realização desta pesquisa, está o pouco tempo que se teve para coleta, tratamento, análise e interpretação dos dados, já que duas das instituições exigiram que o projeto de pesquisa fosse submetido aos seus Comitês de Ética em Pesquisa e estes demoraram na entrega do parecer que libera a realização da coleta de dados. j) Em relação à temática estudada, foi possível perceber a necessidade de estudá-la para a formação em psicologia da saúde, principalmente pela necessidade de buscar tal fundamento para atuar no campo de estágio, sugerindo-se que o manejo realizado nos casos que envolvem risco de suicídio seja tema a ser estudado e discutido nas disciplinas dos cursos de Psicologia. 129 REFERÊNCIAS BEATO, C.C. 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Porto Alegre: Artmed, 2001. 134 APÊNDICES 135 APÊNDICE A - TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO Eu _______________________________________________________________, declaro que estou de acordo em fornecer informações a Marcia Sandrini Cascaes Pereira Oliveira, estudante da 10ª fase de Psicologia, para o desenvolvimento da pesquisa de Trabalho de Conclusão de Curso II em Psicologia, intitulada: “O manejo que profissionais da saúde realizam para prevenir o suicídio em casos que envolvem risco de suicídio”, sob orientação da Prof. Dra. Nádia Kienen. Declaro ainda que tenho conhecimento de que a minha participação nessa fase do projeto consiste em responder a um questionário, no qual não precisarei me identificar, e que por se tratar de uma pesquisa de caráter científico, aceito participar voluntariamente e não receberei qualquer remuneração financeira para tanto. Declaro que fui informado (a) sobre todos os procedimentos da pesquisa e sobre e o conteúdo do questionário que responderei, o qual trata de aspectos relacionados a: comportamento suicida, fatores de risco de suicídio e intervenções realizadas diante do risco de suicídio, que serão abordados em questões fechadas. Declaro que a mim foi esclarecido que não sou obrigado (a) a responder todas as questões e que posso desistir do estudo em qualquer momento, inclusive se já tiver respondido ao questionário. Declaro que recebi de forma clara e objetiva todas as explicações pertinentes ao projeto e poderei solicitar informações durante qualquer fase da pesquisa, inclusive após a publicação. Declaro que fui informado (a) que meus dados de identificação serão mantidos em sigilo e que a divulgação dos resultados terá como objetivo mostrar os possíveis benefícios advindos da pesquisa em questão, podendo ser utilizados em eventos e obras científicas. Estou ciente que este estudo não apresenta riscos, desconfortos ou constrangimentos, ficando preservada minha integridade física e psicológica e que em qualquer momento posso ter acesso aos dados da pesquisa através do contato com a pesquisadora e sua orientadora. Nome por extenso_________________________________________________ RG_____________________________________________________________ Local e data______________________________________________________ Assinatura_______________________________________________________ Pesquisadora Orientador _________________________ _________________________ Marcia Sandrini Cascaes Pereira Oliveira e-mail: [email protected] Fone: (48) 99784088 Nádia Kienen e-mail: [email protected] Fone: (48) 32791084 Adaptado de: (1) South Sheffield Ethics Committee, Sheffield Health Authority, UK; (2) Comitê de Ética em esquisa - CEFID - Udesc, Florianópolis, BR. 136 APÊNDICE B - PROTOCOLO DE REGISTRO PARA ANÁLISE DOCUMENTAL PROTOCOLO DE REGISTRO PARA ANÁLISE DOCUMENTAL Tipo de manual: ____________________________ Indicadores Classificação dos Riscos de de Risco de Suicídio Suicídio Abordagem do Paciente em Risco de suicídio Descrição das Intervenções para prevenir o Suicídio (Manejo) Mitos sobre o Suicídio 137 APÊNDICE C - QUESTIONÁRIO PARA COLETA DE DADOS QUESTIONÁRIO Prezado Profissional de Saúde, Como Trabalho de Conclusão de Curso de Psicologia da UNISUL, está se desenvolvendo a pesquisa “O manejo que profissionais da saúde realizam em casos que envolvem risco de suicídio”. Este questionário tem o objetivo de conhecer as características desta modalidade de intervenção profissional. Sua participação contribuirá em muito para se alcançar o objetivo proposto. Contamos com a sua colaboração para responder as questões de forma completa e sincera. Você não terá que se identificar. Para tanto, basta que você assinale a (s) alternativa (s) que representa (am) a experiência que você vivencia na sua prática profissional. 1. Dados profissionais: 1.1 Profissão:____________________________. 1.2 Profissional especializado ou com experiência na área de saúde mental? a) ( ) Sim b) ( ) Não 1.3 Escolaridade: a) ( ) 2º grau b) ( ) nível técnico c) ( ) nível superior d) outros:_________________. 1.4 Local de Trabalho: a) ( ) atenção básica - postos ou centros de saúde, equipes de PSF. b) ( ) média complexidade - serviços especializados (CAPS, Programa de saúde mental, policlínicas) c) ( ) alta complexidade - hospital geral e hospital psiquiátrico 1.5 Tempo de experiência na área da saúde:________________________. 1.6 Tempo de experiência no local que está atualmente: _________________. 2. Qual (ais) motivos que você pensa que levam algumas pessoas a tentarem se matar? a. ( ) para se vingar de alguém b. ( ) para acabar com o sofrimento c. ( ) por não dar valor à vida d. ( ) por estar mentalmente doente e. ( ) por ser covarde e não querer encarar os problemas f. ( ) porque foi vítima de alguma desgraça g. ( ) para chamar a atenção h. ( ) falta de religiosidade i. ( ) outro:_________________________________________________________________. 3. Você já teve acesso a algum tipo de informação sobre como abordar um paciente em risco de suicídio? 138 a. ( b. ( c. ( d. ( e. ( f. ( g. ( ) no próprio curso de formação rofissional (técnico ou superior) ) cursos de capacitação ) treinamento ) palestras ) literatura (ex: livros técnicos, Manuais do Ministério da Saúde, revistas científicas) ) nunca tive acesso a essas informações ) outro (s):______________________________________________________________. 4. Você já teve acesso a algum tipo de informação sobre como intervir nos casos que envolvem risco de suicídio para prevenir o suicídio? a. ( b. ( c. ( d. ( e. ( f. ( g. ( ) no próprio curso de formação profissional (técnico ou superior) ) cursos de capacitação ) treinamento ) palestras ) literatura (ex: livros técnicos, Manuais do Ministério da Saúde, revistas científicas) ) nunca tive acesso a essas informações ) outro (s):______________________________________________________________. 5. Que aspectos, dentre os listados abaixo, você considera que lhe auxiliam a avaliar se há risco de um indivíduo cometer suicídio? a. ( ) ser portador de AIDS ou Câncer j. ( ) ter filhos b. ( ) ser casado l. ( ) depressão c. ( ) situação de desemprego m. ( ) personalidade impulsiva d. ( ) ser idoso n. ( ) ter uma vida solitária e. ( ) analfabeto o. ( ) situação de aposentadoria f. ( ) perda de alguém próximo p. ( ) ex-presidiário g. ( ) ser jovem q. ( ) tentativas de suicídio anteriores h.( ) alcoolismo r. ( ) gostar de chamar atenção i. ( ) personalidade agressiva s. ( ) não me sinto capaz de avaliar o risco de suicídio i. Outro (s):___________________________________________________________________. 6. O que você faz quando se depara com um paciente que diz pensar em se matar? (assinale qual (is) alternativa (s) que descreve (am) a sua prática profissional) a. ( ) por medida de precaução, acho sempre bom mandar internar. b. ( ) encaminho para atendimento por profissionais da saúde mental. c. ( ) tento tirar essa idéia da cabeça do paciente, conversando com ele no sentido de lhe mostrar que esse não é o melhor caminho para resolver seus problemas. d. ( ) procuro não dar confiança para não estimular esse tipo de comportamento. e. ( ) tento dar um jeito de avisar a família, sem que o paciente saiba. f. ( ) tento desviar o assunto, porque falar sobre suicídio pode aumentar o risco de o paciente pensar em se matar. g. ( ) procuro escutá-lo, sem julgar suas atitudes. h. ( ) antes de tomar qualquer atitude, sempre informo o paciente sobre o que penso que deve ser feito e peço permissão a ele. i. ( ) pergunto se ele já sabe quando e como pretende cometer o suicídio. 139 j. ( ) procuro estimular o paciente para que ele fale sobre o que está acontecendo com ele, demonstrando estar disponível para ouvi-lo. l. ( ) não tomo nenhuma atitude em relação ao paciente, mas anoto no prontuário, para o profissional responsável fazer o que deve ser feito. m. ( ) faço um pacto com o paciente, no qual ele se comprometa em não cometer o suicídio sem antes entrar em contato comigo. n. ( ) na verdade, não me sinto capacitado para tomar qualquer atitude em relação a esse paciente o. ( ) Discuto o risco de suicídio com outros profissionais que trabalham comigo, para que possa dividir a responsabilidade e aumentar a possibilidade de cuidado ao paciente. p. ( )outro (s): ____________________________________________________________. 7.Você já se deparou com casos que envolvem risco de suicídio na sua prática profissional? a) ( ) sim b) ( ) não 8. Com que freqüência você se depara com casos que envolvem risco de suicídio na sua prática profissional? a) ( ) diariamente. b) ( ) em torno de 01 (um) a 03 (três) casos por semana. c) ( ) em torno de 01 (um) a 03 (três) casos por mês. d) ( ) em torno de 01 (um) caso por mês. e) ( ) em torno de 01 (um) caso a cada dois ou três meses. f) ( ) em torno de 01 (um) caso a cada seis meses. g) ( ) foram raras as vezes que me deparei com casos que envolvem risco de suicídio na minha prática profissional. h) ( ) nunca me deparei com casos que envolvem risco de suicídio na minha prática profissional. i) Outros. ____________________________ 9. Quanto aos riscos de suicídio e a possibilidade de prevenção do suicídio, marque com um “X” nos parênteses ao lado das frases, aquelas com que você concorda. a. ( ) Homens cometem mais suicídio que mulheres. b. ( ) Pessoas que vivem sozinhas dificilmente cometem suicídio. c. ( ) A pessoa que quer se matar é um egoísta, que não se preocupa com o sofrimento da própria família. d. ( ) A pessoa que já tentou se matar e não conseguiu, nunca mais tenta. e. ( ) Dentre os casos de dependência química, é o alcoólatra quem mais apresenta risco de suicídio. f. ( ) Muitos dos suicídios são cometidos por pessoas idosas. g. ( ) A maioria das pessoas que tenta se matar, na verdade só quer chamar atenção. h. ( ) A Depressão está diretamente ligada ao risco de suicídio. i. ( ) Quem realmente quer se matar, se mata mesmo. j. ( ) Pode-se avaliar o risco de suicídio perguntando-se ao paciente que disse que vai se matar, se ele pensou em como vai fazer isso. 140 l. ( ) Quando o paciente está deprimido, mas não falou nada sobre suicídio, o melhor a fazer é não perguntar sobre isso para não dar idéia para ele. m. ( ) Na verdade, a prevenção do suicídio é possível porque a pessoa que tenta se matar, tem vontade, ao mesmo tempo, de morrer e de viver. n. ( ) Quando o sujeito já tem plano de como vai se matar, para avaliar o grau de risco de suicídio é necessário perguntar quando ele pretende fazer isso. o. ( ) Deve-se sempre encaminhar o paciente que apresenta risco de suicídio para avaliação psiquiátrica . p. ( ) Sempre é possível prevenir o suicídio nos casos que envolvem risco de suicídio. q. ( ) Não se deve deixar o paciente que apresenta risco de suicídio sozinho, é necessário orientar os familiares do paciente neste sentido. r. ( ) Quando uma pessoa manifesta a intenção de se matar, o melhor é estimular que ela fale sobre isso. s. ( ) A esquizofrenia é um transtorno que indica risco de suicídio. t. ( ) Nos casos que envolvem risco de suicídio é importante que se oriente a família para que discretamente faça a remoção dos meios de acesso, tais como esconder armas, facas, cordas, deixar medicamentos em local que a pessoa não tenha acesso, sem que o paciente perceba esse movimento. u. ( ) O risco de suicídio deve ser sempre observado nos casos em que o paciente tem diagnóstico de transtornos de personalidade. v. ( ) Nem sempre é possível prevenir o suicídio, porque os pacientes que falam sobre o suicídio raramente o cometem e grande parte dos suicídios ocorre sem avisos. x. ( ) outro (s):_____________________________________________________________. 10. Como você se sente quando tem de atender um paciente que tentou ou pretende se matar? (assinale a (s) alternativa (s) que melhor descreva (am) seu (s) sentimento (s) neste tipo de atendimento) a. ( ) nervoso (a) por não saber o que fazer. b. ( ) preocupado (a) porque mesmo sabendo o que fazer, a responsabilidade é muito grande. c. ( ) com pena, a pessoa está sofrendo. d. ( ) raiva, com tantas pessoas lutando para viver e alguém querendo se matar! e. ( ) seguro (a), afinal sinto-me preparado (a) e capaz para atender esse tipo de caso. f. ( ) seguro (a), estou acostumado. Atendo esse tipo de caso com freqüência. g. ( ) inseguro, não me sinto capaz de atender casos de pacientes que envolvam o risco de suicídio. h. ( ) angustiado (a), procuro fugir desse tipo de caso. i. ( ) fico muito envolvido emocionalmente, depois não consigo parar de pensar na pessoa. j. ( ) não sei, nunca me deparei com esse tipo de caso. l. outro (s) :___________________________________________________________. 11. Caso você queira fazer algum comentário sobre a temática relativa ao questionário ou ao próprio questionário, você poderá utilizar as linhas abaixo: ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ Agradecemos sua disponibilidade e colaboração!