Revista dos Transportes Públicos - ANTP - Ano 28 - 2006 - 1º trimestre EDITORIAL conflitos mantendo sua condição de autoridade reguladora dos serviços de transporte. Porto Alegre ficou ao largo do problema, por ter regulamentado o transporte alternativo em décadas anteriores. Cidades como Brasília, São Paulo e Recife, incorporaram parte dos transportadores autônomos em serviços regulares, arrefecendo a crise. Algumas, como o Rio de Janeiro, debatem-se ainda em uma guerra campal e legal, enquanto algumas simplesmente capitularam aceitando a informalidade como forma de prestação de serviços de transporte público. A ANTP e o transporte urbano no Brasil Rogerio Belda AN P Presidente da Associação Nacional de Transportes Públicos Nosso país ocupa um território imenso povoado de muitas grandes cidades e ainda em crescimento. Esta condição urbana e territorial nos aproxima de outros dois países-continentes como China e Índia. No entanto, são eles berços de culturas milenares, enquanto o Brasil, diferentemente, é um país situado do “novo mundo” gerado em um processo turbulento de colonização. Ainda assim, é culturalmente mais homogêneo e com uma forte identidade social, o que o qualifica como nação. Tal como existe uma cultura nacional, podemos dizer que existiu uma urbanização brasileira, distinta daquela que ocorreu nos territórios hispânicos do nosso continente. Trata-se de uma singularidade histórica, na sua forma urbana, tal como aconteceu, recentemente, com a configuração singular de seus sistemas de transportes organizados em empresas. No plano social e econômico, convivem hoje, nas nossas cidades, um setor moderno, industrializado e informatizado, base da expansão de um enorme setor igualmente moderno de serviços, mesclado com outro, informal, que abriga parcela importante da população em um mercado precarizado de trabalho. Esta situação foi base da eclosão de uma crise desencadeada no setor dos transportes urbanos, na década de 90, com a proliferação dos transportes coletivos clandestinos que desnudou a fragilidade do arcabouço jurídico sobre o qual se apóia a prestação deste serviço de natureza pública. Esta crise tomou formas diferentes em momentos e cidades distintas. Em Natal, Goiânia e Belo Horizonte, o poder público enfrentou 5 Tal precariedade de situação aparece também na circulação urbana em decorrência de um processo tardio e incompleto de municipalização do trânsito, agravado pela falta de recursos, de técnicos e, agora, pela eclosão acentuada do uso de motocicletas como meio de transporte urbano sem que se tenha formado uma cultura de segurança e respeito no tráfego urbano que impeça a perda de tantas vidas. A condição precária da mobilidade em nossas cidades, pela impossibilidade de dispor dos recursos vultosos que seriam necessários para adaptá-las ao privilégio tardio da circulação prioritária ao transporte individual, exigido pelas elites e almejado por outros grupos sociais, nos coloca em dupla desvantagem na economia mundial. A economia moderna é uma economia de fluxos de bens, de valores e de informações que se articulam através das grandes cidades. Nelas, a garantia e eficiência da circulação são essenciais na definição das funções que desempenharão nas redes mundiais. Neste contexto, o transporte público é a garantia da cidade como espaço de todos, social, e não apenas das empresas, espaço econômico. Não é outro o fundamento constitucional de seu caráter essencial. A ANTP, como associação originária das práticas acumuladas no setor de transporte coletivo urbano, para cumprir sua função, logo na origem teve que ampliar seus horizontes para a circulação urbana e mais recentemente para a mobilidade no seu sentido mais ampla de provimento da acessibilidade a todos, pessoas físicas e jurídicas, ao abrigo das cidades. A dimensão humana e econômica dos transportes acentuará, neste século, a estreita relação entre as práticas da circulação urbana e a qualidade ambiental das cidades. A ação da ANTP não se restringe às suas atribuições diretas como associação voluntária de entidades que atuam ou têm interesse no desenvolvimento dos transportes urbanos. Nossa bandeira é a defesa de soluções sustentáveis para o transporte urbano de nossas 6 Editorial Revista dos Transportes Públicos - ANTP - Ano 28 - 2006 - 1º trimestre cidades contrapondo-se à postura individualista difusa, como a do culto ao automóvel, que leva nossa sociedade a aceitar ligeiramente a troca de soluções engenhosas e originais, como, por exemplo, a criação do vale-transporte, por um simples prato de lentilhas. Como foro aberto e participativo a todas as entidades a ela associadas, a ANTP desenvolverá atividades de mobilização em defesa do caráter essencial do transporte coletivo público e a necessidade de associar o desenvolvimento das cidades à condição de sustentabilidade da circulação urbana. Daremos continuidade ao apoio prestado aos Fóruns Nacional e Regionais de Secretários de Transporte e Trânsito, participaremos das campanhas de defesa do direito ao transporte público de qualidade, como a conduzida pelo MDT. Outras iniciativas, como o Prêmio ANTP de Qualidade e a Bienal ANTP de Marketing, se inserem neste esforço de fortalecimento do setor representado na entidade. Alem das atividades de necessária expressão política, faz parte do programa técnico da nossa entidade, o desenvolvimento de projetos, seminários e iniciativas de comunicação com diferentes setores da sociedade. A ANTP, em parceria com o BNDES e o Ministério das Cidades, implantou um Sistema de Informações de Transporte e Trânsito, já, em parte, disponível no nosso site, para subsidiar o processo decisório dos diferentes segmentos que compõem o setor E finalmente, até o próximo Congresso, trabalha-se com a perspectiva de fortalecimento do setor no plano continental, para o que a ANTP está empenhada no âmbito da consolidação da Divisão América Latina da União Internacional de Transportes Públicos, como reforço da nossa já histórica parceria com a UITP. A continuidade a projetos desenvolvidos em parceria com a Fundação Hewlett e a estudos em parceria com o Ipea são outros exemplos de como pavimentar nosso curso até 2007. A complexidade desses novos desafios ao setor do transporte urbano estará refletida no temário do próximo congresso de nossa associação, a se realizar no próximo ano, quando a ANTP será chamada a dar prova de sua maturidade ao alcançar 30 anos de existência. Até lá, caberá à nova direção da entidade, em colaboração estreita com as entidades associadas, mobilizar os agentes institucionais e individuais do setor para a melhoria da gestão dos transportes e eficiência da circulação urbana em benefício de toda a sociedade. 7 8