ARTIGO DE REVISÃO
A importância da consulta pré-anestésica na prevenção
de complicações
The importance of pre-anesthetic in preventing complications
Ulises Prieto y Schwartzman1
Leonardo Teixeira D. Duarte1
Maria do Carmo Barretto de C. Fernandes1
Kátia Tôrres Batista1
Renato Ângelo Saraiva1
RESUMO
Introdução: Cerca de 234 milhões de cirurgias são realizadas anualmente no mundo. É cada vez maior o interesse com a segurança do ato
anestésico e a consulta pré-anestésica surge como atividade importante
e amplamente recomendada, utilizada como medida preventiva para o
surgimento de uma complicação. As complicações relacionadas à anestesia representam um relevante fator de preocupação para pacientes e
equipe anestésica. É necessário avaliar este processo, procurando melhorar a qualidade do serviço prestado e proporcionando maior segurança para o ato anestésico.
Objetivos: Descrever a importância da consulta pré-anestésica na prevenção de complicações relacionadas à anestesia.
Métodos: Estudo documental realizado nas bases de dados PubMed,
Lilacs e PsycINFO, bem como em bibliografia especializada.
Rede Sarah de Hospitais de Reabilitação,
SARAH-Brasília. Brasília-DF, Brasil
1
Conclusão: A consulta pré-anestésica, caso seja feita em condições ideais, pode fornecer muitas vantagens, entre as quais, aumentar a segurança do paciente, reduzir os custos, a lista de espera para cirurgia, o tempo
de internação, previsão e viabilização de unidades de terapia intensiva
e outros recursos. Ademais, promove maior informação ao paciente,
reduzindo a ansiedade e aumentando o grau de satisfação do mesmo.
Palavras-chave: Anestesia; Serviço Hospitalar de anestesia; Assistência
no período pré-operatório.
Correspondência
Ulises Prieto y Schwartzman
SQSW 302, bloco B, apartamento 603,
Sudoeste, Brasília-DF. 70673-202, Brasil.
[email protected]
Recebido em 20/junho/2011
Aprovado em 06/dezembro/2011
ABSTRACT
Background: About 234 million surgeries are performed annually worldwide. A growing concern with the safety of anesthesia and pre-anesthetic activity appears to be important and widely recommended, used
as a complication preventive measure. Complications related to anesthesia are a major factor of concern for both patients and anesthetic
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team. It is important to evaluate this process, improving the quality of
the service and providing more safety for anesthesia.
To describe the importance of the pre-anesthetic evaluation in preventing prevention complications related to anesthesia.
Methods: Desk study conducted in the databases PubMed, Lilacs and
PsycINFO, as well as in specialized literature.
Conclusion: The pre-anesthetic evaluation, if made under ideal conditions, can provide many advantages, among these increase patient
safety, reduce costs, the waiting list for surgery, hospitalization time,
forecasting and feasibility of intensive care units and other resources.
Also provides more information to patients while reducing anxiety and
increasing the degree of satisfaction.
Keywords: Anesthesia; Hospital Anesthetic Service; Assistance in the
preoperative period.
INTRODUÇÃO
A busca pela segurança durante o ato anestésico
tem sido cada vez mais discutida e implementada em todo o mundo. Pesquisas procuram compreender as complicações relacionadas à anestesia.
Protocolos de cuidado perioperatório são criados
e há maior preocupação com equipamentos, monitorização durante a cirurgia, qualificação e treinamento dos profissionais envolvidos.
A prática da anestesiologia tem evoluído no Brasil
e a prova disso é sua normatização e a criação de
diretrizes que têm como objetivos nortear a prática médica em anestesia e proporcionar maior
segurança ao paciente e ao anestesiologista. Em
20 de dezembro de 2006, o Conselho Federal de
Medicina editou a resolução N.º 1.802/2006, que
revogou a resolução CFM N.° 1363/1993 e dispõe
e normatiza a prática do ato anestésico. Em seu artigo 1.°, inciso I, alínea a, a Resolução recomenda
que, em procedimentos cirúrgicos eletivos, a avaliação pré-anestésica seja realizada em consulta
médica antes da admissão na unidade hospitalar1.
Sem dúvida, a consulta pré-anestésica, realizada
em regime ambulatorial, dias antes da cirurgia, é
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um instrumento fundamental dentro do cuidado
anestésico e que pode exercer efeito direto sobre
a prevenção de complicações anestésicas e a melhoria da qualidade do cuidado anestésico1-6. No
entanto, esta é uma prática ainda recente e pouco
comum em muitos serviços no Brasil.
Na Faculdade de Medicina da Universidade de
São Paulo (USP), a avaliação pré-anestésica permitiu diminuir o tempo para avaliação clínica, reduzir as taxas de suspensão de cirurgias de 3,3%
para 1,2% e otimizar a realização de exames de
laboratório5.
Por outro lado, há aspectos que ainda impõem dificuldades à implantação universal da avaliação
pré-anestésica. Alguns desses fatores incluem a
necessidade de espaço adequado para a realização
da consulta ambulatorial, a disponibilidade, capacitação adequada, treinamento e atualização de
outros profissionais da equipe assistencial, como
enfermeiros, e o deslocamento de anestesiologistas do centro cirúrgico para o ambulatório, o que
exigirá mudança de pensamento dos membros da
equipe médica hospitalar.
A importância da consulta pré-anestésica
Este artigo fornece uma visão geral da avaliação
pré-operatória dos pacientes com relação aos princípios gerais do anestesia e considerações específicas para a cirurgia do aparelho locomotor, englobando procedimentos ortopédicos, neurocirúrgicos, de cirurgia plástica, urologia e cirurgia torácica.
MÉTODO
Trata-se de uma revisão de literatura baseada em
artigos relacionados ao tema, utilizando-se as palavras-chave “avaliação pré-operatória/preoperative evaluation” que estavam indexados nas bases de
dados Pubmed, MEDLINE, LILACS e PsycINFO,
como também em livros especializados. Foram
encontradas 29.601 publicações na base de dados
Pubmed. Quando se procurou a expressão “avaliação anestésica pré-operatória/ anesthesia preoperative evaluation; ”foram identificadas 2.208
publicações; e na BVS utilizaram-se os seguintes
descritores: “anestesia, serviço hospitalar de anestesia, assistência no período pré-operatório” e encontrou-se 15 para o primeiro e 6 no somatório
dos três descritores.
A CONSULTA PRÉ-ANESTÉSICA
A consulta pré-anestésica tem a finalidade de avaliar previamente e otimizar a condição clínica dos
pacientes. Assim, o paciente chega ao centro cirúrgico após avaliação global e com todas as informações documentadas, com destaque dos problemas clínicos que mereçam mais atenção. Com
isso, o anestesiologista pode indicar a melhor técnica anestésica, de forma a minimizar os riscos impostos pela condição clínica do paciente e evitar a
ocorrência de complicações1,4.
O intervalo de tempo adequado entre a avaliação
pré-anestésica e a cirurgia é controverso segundo
alguns autores4,6-8. A consulta de avaliação pré-anestésica ambulatorial não deve ser agendada
muito próxima do dia da cirurgia, pois há o risco da mesma ser adiada se o paciente apresentar
doenças mal controladas, com a necessidade de
avaliação clínica complementar especializada. Por
outro lado, esta avaliação também não deverá ser
feita com muita antecedência (meses), pois o estado clínico do paciente poderá se alterar nesse
intervalo de tempo, novas doenças poderão se manifestar e a relação de confiança entre o anestesiologista e o paciente, construída durante a consulta, poderá ser perdida4. Período entre uma e duas
semanas tem sido adotado no Canadá, Estados
Unidos, Austrália e Inglaterra9. Mathias e cols. recomendam intervalo de duas semanas a dois meses4. Outros autores sugerem que a avaliação seja
realizada na véspera da cirurgia10. Os defensores
dessa idéia justificam que um intervalo de tempo
menor diminui o risco de possíveis intercorrências clínicas até a data da cirurgia. Todavia, muitas
vezes, também poderá significar adiamento da cirurgia devido à necessidade de uma avaliação clínica especializada adicional.
A avaliação pré-anestésica momentos antes da cirurgia é aceita apenas em casos em que não há
tempo hábil para realizá-la, como em cirurgias de
emergência ou urgência. Em cirurgias eletivas, a
fim de aumentar a segurança, uma boa avaliação
pré-anestésica ambulatorial será o padrão ouro do
cuidado anestésico pré-operatório.
O cuidado prestado ao paciente no preparo pré-operatório deve incluir uma avaliação clínica de
todos os sistemas, verificação das informações fornecidas, solicitação dos exames pré-operatórios
pertinentes, encaminhamento para avaliação especializada quando o quadro clínico do paciente
demanda estabilização ou correção prévia, definição do plano anestésico e a instrução detalhada do
ato anestésico, medicação pré-anestésica, analgesia pós-operatória e eventual internação em unidade de terapia intensiva após a cirurgia. Todas
as informações colhidas durante a consulta pré-anestésica e a concordância do paciente devem
ser registradas em prontuário. Consentimento
informado por escrito deve ser assinado pelo paciente e anexado ao seu prontuário que deve ser
mantido preciso, atualizado e confidencial11. As
principais informações avaliadas na consulta pré-anestésica são:
Identificação do paciente: Apesar de parecer redundante, a identificação do paciente é muito importante para que erros sejam evitados. A idade e
o sexo podem ser fatores importantes para tomada
de conduta e cálculo de riscos. Estudos mostram
que, em pacientes com menos de 10 anos e mais
de 60, existe um maior risco para a ocorrência de
eventos adversos relacionados à anestesia11.
Dados antropométricos: Incluem peso, altura
e índice de massa corporal. O profissional deve
aferir, mas, também e principalmente, interpretar
os dados obtidos a fim de avaliar seu impacto no
risco de complicações anestésicas. O peso é muito importante para o cálculo de doses de mediCom. Ciências Saúde. 2011; 22(2):121-130
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camentos, principalmente na anestesia pediátrica.
Pacientes muito obesos podem apresentar problemas durante anestesia, pois exigem ajuste da dose
dos medicamentos e anestésicos, além de poderem impor dificuldade no manuseio da via aérea.
Pacientes muito emagrecidos podem apresentar
desnutrição ou anemia e estão sob maior risco de
lesões durante o posicionamento para cirurgia.
Cirurgia proposta: O anestesiologista e a equipe envolvida devem conhecer profundamente o
procedimento cirúrgico proposto quanto à intensidade do trauma cirúrgico, alterações impostas
sobre a fisiologia e particularidades que determinem cuidados específicos. Assim, problemas potenciais podem ser antecipados e seus riscos minimizados. Algumas cirurgias predispõem à maior
sangramento, maior tempo de anestesia e causam
dor pós-operatória intensa. Em caso de dúvida, o
anestesiologista deverá discutir as particularidades do procedimento com o cirurgião.
Doenças pré-existentes: Comorbidades apresentadas pelo paciente, como hipertensão arterial,
diabetes mellitus, cardiopatias ou pneumopatias,
exercerão influência direta sobre o risco de complicações perioperatórias. O efeito sobre o risco
se dá pela patologia em si, que pode predispor
a morbidade cardiovascular, neurológica ou pulmonar e pela interação com o efeito depressor
da anestesia no paciente, que poderá apresentar
diminuição de sua reserva funcional secundária
àquela patologia. Em caso de doença descompensada, o anestesiologista deve avaliar os risco e benefícios do ato anestésico. Pode ser necessária interconsulta com médico especialista para que se
obtenha melhor controle clínico, ajuste de medicamentos e exames complementares. Desta forma,
é possível melhor investigação da patologia associada, melhor controle e estabilização das comorbidades e, consequentemente, redução dos riscos
durante a anestesia.
Uso de medicamentos: Interações medicamentosas podem ocorrer durante o ato anestésico. Na
entrevista com o paciente, o anestesiologista deve
tomar conhecimento de todas as medicações usadas pelo paciente. Mesmo fitoterápicos são relevantes. O uso de anti-hipertensivos, anticoagulantes e hipoglicemiantes deve ser avaliado criteriosamente. Muitas vezes, devem ser suspensos antes
da cirurgia. Antidepressivos, devido à sua ação no
metabolismo de neurotransmissores como a serotonina, norepinefrina e dopamina, poderão interagir com algumas drogas anestésicas e determinar
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efeitos anômalos (exagerados ou deprimidos) desses anestésicos1-3,5.
Infecções: O anestesiologista deve pesquisar a
presença de infecções que poderão servir de foco
de contaminação durante a cirurgia ou debilitar o
paciente para o ato cirúrgico. Deve-se investigar
história de febre, lesões de pele, gripes, resfriados,
unhas encravadas, dentes maltratados, aspecto da
urina, sinusites. Podem ser necessários exames
complementares para investigação. Pneumonia,
asma e bronquite são exemplos de alterações do
aparelho respiratório que influenciam negativamente o ato anestésico e demandam manejo e tratamento cuidadosos antes da cirurgia.
História familiar: Muitas doenças podem ter origem genética. Por este motivo, a história familiar
deve ser levada em consideração na entrevista
com o paciente. O histórico familiar de complicação durante a cirurgia ou relacionada à anestesia
é muito importante. Deve-se buscar sempre correlacionar a complicação à técnica anestésica e à
cirurgia realizada. Neste sentido, busca-se identificar casos de anafilaxia ou de hipertermia maligna, a fim de evitar nova exposição do paciente.
História de miopatia deve ser investigada também
em familiares, pois casos de febre grave não infecciosa levam a suspeita de hipertermia maligna4.
Neste caso específico, a história familiar determina a busca ativa e o diagnóstico de outros membros da família.
Alergias: O paciente sabe, comumente, informar
sobre quadros alérgicos já apresentados. Se há dúvida se determinado medicamento causou alergia
no passado, o risco deve ser tratado como real e o
fármaco não deverá ser utilizado. Reações ao látex
também devem ser investigadas. Casos de parada
cardíaca súbita, em investigação posterior, decorreram da reação ao látex7. Em alguns casos, o paciente deverá ser encaminhado para um alergista
para melhor investigação.
Cirurgias e anestesias já realizadas: A história
anterior de realização de cirurgias auxilia o anestesiologista a identificar complicações específicas relacionadas ao procedimento ou inerentes à técnica
anestésica, como na cefaléia pós punção da dura
máter. Na ocasião, o anestesiologista também poderá identificar o paciente com ansiedade e medo
do ato anestésico ou cirúrgico devido à experiência anterior negativa. Cabe ao anestesiologista e
sua equipe explicar detalhadamente os cuidados
adotados durante a anestesia, a fim de diminuir
A importância da consulta pré-anestésica
a ansiedade do paciente. Discutir alternativas e
meios de tratamento com o paciente são formas
de amenizar o medo frente ao procedimento.
Uso de drogas lícitas e ilícitas: O tabagismo e o
etilismo são hábitos comuns na sociedade atual.
Além disso, podem ser hábitos de vida que dificilmente serão interrompidos a despeito da cirurgia.
Por outro lado, tal fato não diminui a importância
de reconhecer a presença do hábito e o impacto que este tem sobre a fisiologia. A interrupção
abrupta do consumo de álcool, assim como do tabaco, poderá desencadear processo de grande ansiedade e, até, síndrome de abstinência durante a
internação. O tempo e a intensidade do consumo
de tabaco e álcool são avaliados quanto ao seu impacto sobre a função pulmonar e hepática, respectivamente, e metabolismo de fármacos. O uso de
drogas ilícitas também deve ser investigado. Tais
drogas poderão acarretar alterações de comportamento e as mais diversas interações com as drogas
anestésicas, com risco à vida do paciente.
Sinais vitais: A avaliação dos sinais vitais é indispensável como parâmetro do estado de saúde do
paciente e referência para o período intra-operatório. A pressão arterial elevada pode indicar hipertensão, mas, por outro lado, o anestesiologista
deve ser treinado e ter experiência para saber reconhecer alterações relacionadas com a ansiedade
produzida pela consulta pré-anestésica e medo do
ato cirúrgico e anestésico. Os níveis tensionais poderão se normalizar se a equipe assistente passar
segurança ao paciente, explicar detalhadamente
os procedimentos e sanar suas dúvidas.
Dados como a pulsação e frequência respiratória
são importantes, pois demonstram alterações do
ritmo e da frequência, indicando problema cardíaco ou, até mesmo, infecções em curso. Em casos
mais complexos a avaliação clínica cardiológica
pode ser necessária e exames mais específicos podem ser solicitados.
A medida da temperatura corporal é extremamente simples e rápida e pode indicar se alterada, infecção que deverá ser investigada e tratada.
Cirurgias eletivas deverão ser adiadas até que a
causa da hipertermia seja esclarecida e tratada.
Inspeção da pele: A inspeção da pele é negligenciada. O paciente deve ser questionado sobre lesões
de pele como cortes, machucados, principalmente
perto do sítio cirúrgico. O paciente pode não tomar
conhecimento de uma lesão de pele, especialmen-
te, em patologias que cursam com alteração de sensibilidade como na mielomeningocele e lesões da
medula. A lesão deverá ser avaliada para a tomada
de decisão. A presença de infecção ou manifestação cutânea de doenças sistêmicas terá influência
no cuidado anestésico e na ocorrência de complicações, principalmente em bloqueios do neuro-eixo.
Enquanto a infecção no local da punção é contra-indicação absoluta para realização da anestesia regional, a presença de infecção sistêmica põe em risco a utilização de cateteres.
Classificação do Estado Físico segundo a
ASA (American Society of Anesthesiologists):
A classificação da Sociedade Americana de
Anestesiologistas é a mais utilizada para quantificar o risco anestésico (Quadro 1). Baseia-se em
critérios clínicos que determinam o estado físico
do paciente12.
Quadro 1
Classificação do estado físico segundo a ASA.
ASA 1
ASA 2
Paciente saudável
Paciente com doença sistêmica leve
ASA 3
Paciente com doença sistêmica grave
Paciente com doença sistêmica grave que é uma
ameaça constante à vida
Paciente moribundo que não se espera que sobreviva
sem a cirurgia
Paciente com morte cerebral cujos órgãos serão
removidos para fins de doação
ASA 4
ASA 5
ASA 6
Fonte:American Society of Anesthesiologists, 2010.
O paciente estado físico 1 não apresenta nenhuma alteração orgânica, fisiológica, bioquímica ou
psiquiátrica. O processo patológico que indica a
cirurgia é localizado e não está vinculado a uma
doença sistêmica.
No paciente classificado com estado físico 2 existe alteração sistêmica leve ou moderada, causada
pela doença cirúrgica ou por outro processo patológico que está controlado. Pode-se encontrar
hipertensão arterial controlada, anemia, diabetes
mellitus controlada, idade menor que 1 ano ou
maior que 70 anos, história de asma, tabagismo,
obesidade leve, gestação.
No paciente estado físico 3 há grave alteração sistêmica, de qualquer causa, mesmo que não seja
possível definir o grau de incapacitação. Pode-se
exemplificar angina estável, hipertensão mal controlada, doença respiratória sintomática (asma,
DPOC), status pós-infarto do miocárdio, obesidade mórbida.
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Schwartzman UP et al.
No estado físico 4 aparece grave alteração sistêmica, com perigo de vida, nem sempre corrigível
pela cirurgia, tais como: angina instável, insuficiência respiratória, insuficiência cardíaca congestiva, falência hepática ou renal. O paciente estado
físico 5 está moribundo e tem pouca chance de sobrevida, mas será submetido à cirurgia em ultima
instância. No estado físico 6 o paciente tem morte
cerebral declarada e seus órgãos serão removidos
com propósito de doação13.
Até meados de 1962, a classificação do estado físico
se dividia em 6 classes. Após esse período, com base
nos estudos iniciados por Meyer14, a classificação da
ASA passou a contar com apenas 5 classes para definição do estado físico. Atualmente, voltou a contar com 6 classes, incluindo pacientes doadores de
órgãos. Em 1941, Meyer Saklad chama a atenção
para a dificuldade do anestesiologista de classificar
o risco dos pacientes em um primeiro momento,
baseado no estado físico como único critério14. Tal
fato ocorre porque o risco cirúrgico não pode ser
categorizado com base em apenas uma única escala.
O risco é multifatorial e o anestesiologista deve ter
compreensão e experiência para identificar outros
fatores que podem influenciar no sucesso do procedimento. É importante ressaltar que a classificação
da ASA não leva em consideração o tipo de cirurgia
ou de anestesia que será realizada, nem a habilidade do cirurgião ou do anestesiologista. Muitas vezes
a classificação da ASA é utilizada para fins estatísticos e não deve ser o único critério de avaliação a ser
considerado no planejamento do risco14.
Avaliação das vias aéreas: Independentemente
da técnica anestésica escolhida, a previsão correta
e antecipada de uma via aérea difícil pode ser o
diferencial entre o sucesso e a complicação grave
do paciente. Uma avaliação prévia permite identificar características anatômicas do paciente associadas à dificuldade na manutenção da ventilação
e oxigenação adequadas, alertando para cuidados
relacionados à ventilação sob máscara ou intubação traqueal. Pode-se, assim, programar a melhor
estratégia para o manuseio da via aérea. A avaliação prévia deve ser feita mesmo nos casos programados com anestesia regional. Em cirurgias de
urgência devem-se considerar como fatores de risco os traumatismos cranianos, cervicais e da face.
Alguns achados do exame físico que podem indicar dificuldade de ventilação sob máscara, laringoscopia e intubação traqueal incluem pequena
abertura da boca, dentes incisivos protusos, retrognatismo, pescoço curto e musculoso, presença
de tumores em orofaringe e anomalias da língua7.
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Índices indiretos, como a classificação de
Mallampati (Quadro 2) e as distâncias tireo-mento
e esterno-mento, são comumente usados na avaliação da via aérea difícil. Distância esterno-mento
[medida entre a borda superior do esterno (manúbrio) e o mento], igual ou menor a 12,5 cm, pode
ser sugestiva de intubação difícil4. A classificação
de Mallampati é avaliada com o paciente sentado,
com o pescoço em posição neutra, com abertura
máxima da boca e a língua totalmente exteriorizada. A classificação é feita com base nas estruturas
visualizadas e pode fornecer 4 classes. As classes 3
e 4 são sugestivas de intubação difícil4.
Quadro 2
Classificação de Mallampati.
Mallampati classe 1 Palato mole, fauces, úvula e pilares visíveis
Mallampati classe 2 Palato mole, fauces e úvula visíveis
Mallampati classe 3 Palato mole e base da úvula visível
Mallampati classe 4 Apenas palato duro
Fonte: Sociedade Brasileira de Anestesiologia, 2006.
Exames complementares: O anestesiologista
deve indicar e solicitar exames complementares
que auxiliem na investigação e no acompanhamento do estado de saúde do paciente. Ajuda médica
especializada deverá ser solicitada em casos mais
complexos ou em que haja necessidade de controle das comorbidades. Os exames laboratoriais
nas décadas de 1960 a 1980 foram considerados
métodos ideais na triagem dos pacientes, suprindo a falta da história clínica e exame físico acurado.
Porém, mais tarde, observou-se que, além de produzirem gastos excessivos e desnecessários, não
traziam benefícios adicionais. Atualmente, a solicitação desses exames é baseada na história clínica
e exame físico, inclusão do paciente em população
de alto risco ou na necessidade de determinar valores pré-operatórios para comparação4.
Além de todos os itens acima citados, que deverão
fazer parte da avaliação pré-anestésica, convêm
ressaltar que outros cuidados também são importantes no processo de preparo pré-anestésico: o
nome do anestesiologista que realizou a avaliação
pré-anestésica e dos demais membros da equipe
envolvidos deve ficar registrado, o que facilita o
trabalho em equipe e sua comunicação. A ASA
propõe que o anestesiologista responsável deverá
verificar se todos os itens foram cumpridos adequadamente e registrados no prontuário do paciente. Esta norma é obrigatória e busca a qualidade do serviço prestado4.
A importância da consulta pré-anestésica
A maioria dos pacientes tem condições e pode receber a medicação pré-anestésica, considerando a
ansiedade que o ato pode gerar. Deve-se avaliar o
peso do paciente para a correta definição da dose
do medicamento. Pacientes com hipoproteinemia devem receber menor dose por kilo de peso.
Quando uma avaliação pré-anestésica é realizada
de forma adequada, pode ser mais eficiente na diminuição da ansiedade do que a própria medicação pré-anestésica4. O paciente, ou seu responsável legal, depois de informado sobre o plano anestésico e suas condições clínicas, deve estar ciente
dos riscos relacionados com o ato anestésico e cirúrgico. Após, devidamente orientado e dirimidas
suas dúvidas, é recomendado que o documento
de consentimento esclarecido seja assinado pelo
paciente e pelo anestesiologista4.
Outro aspecto importante do atendimento pré-anestésico é o jejum pré-operatório, o qual visa
diminuir o risco da regurgitação do conteúdo gástrico e sua aspiração pulmonar. O paciente deve
ser informado e orientado quanto ao tempo de jejum. O pensamento de que nada deve ser ingerido
após a meia noite vem sendo substituído por períodos menores e específicos para diferentes tipos
de alimentos. Estudos demonstraram, na verdade,
que a ingesta de líquidos antes da anestesia pode
ser positiva, uma vez que aumentou o pH gástrico,
diminuiu a irritabilidade, aumentou a satisfação
e reduziu o risco de hipoglicemia e desidratação,
principalmente em crianças15. O quadro 3 apresenta os tipos de jejum recomendados pela Força
Tarefa em Jejum Pré-Operatório da ASA.
Quadro 3
Recomendação de jejum segundo a ASA.
Tipo de alimento
Liquido sem resíduo
Leite materno
Fórmula infantil
Leite não materno
Dieta leve
Carnes e frituras
Tempo mínimo de jejum
2 horas
4 horas
6 horas
6 horas
6 horas
8 horas
Fonte: Serviço de Anestesiologia do HC-USP-Ribeirão
Sabe-se que a organização dos anestesiologistas
em uma equipe ou serviço é muito importante
para a segurança e menor ocorrência de complicações. Isso se deve ao aperfeiçoamento, atualização e educação continuada. Deve-se atentar, no
entanto, para a garantia de um número mínimo de
profissionais que viabilizem um atendimento seguro. Em cirurgias prolongadas é recomendada a
substituição do anestesiologista. Estudos apontam
que a incidência de complicações relacionadas à
anestesia cresce significativamente à medida que
aumenta a duração do procedimento anestésico11.
O número de horas trabalhadas e o revezamento de horário da equipe evitam que o profissional
cansado possa produzir erros16.
O trabalho em equipe na avaliação pré-anestésica
tem sido divulgado positivamente na Espanha. A
equipe de avaliação pré-anestésica conta com um
enfermeiro treinado para participar da avaliação
pré-anestésica de pacientes de menor complexidade, sob a supervisão do anestesiologista17.
Não se trata de delegar tarefas ou de substituir o
anestesiologista, mas de trabalhar em equipe com
objetivos em comum. A equipe especializada ajuda na prevenção de erros e serve de modelo de
qualidade no atendimento. A tendência mundial
atual é a busca da maior segurança na anestesia.
Não basta apenas o desenvolvimento tecnológico,
drogas novas e mais eficazes, melhores instalações
de saúde ou pesquisas.
O bom profissional deve saber avaliar criteriosamente o risco cirúrgico e anestésico do paciente,
as peculiaridades relacionadas à idade do paciente e procedimentos a serem realizados, bem como
atuar eficientemente em possíveis situações de risco. Todas as avaliações que antecedem o ato cirúrgico, como a consulta pré-anestésica (realizada
pelo anestesiologista) e a consulta pré-operatória
(realizada pelo clínico ou outro especialista), visam à segurança do ato anestésico e a diminuição
das complicações.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Estudos realizados nos anos 1950 e 1960 foram os
primeiros a reconhecer a necessidade de melhorar
a segurança do ato anestésico9. Na ocasião, a frequência de mortes relacionadas à anestesia levou
ao pensamento de que tais óbitos eram um problema de saúde pública. Este problema se agravou nos anos 1970 e 1980 devido aos custos crescentes com seguro para erro médico. Estes eventos contribuíram para que novas medidas fossem
tomadas no sentido de promover maior segurança. Mudanças foram sugeridas nos equipamentos e práticas anestésicas, tais como melhorias no
funcionamento, nos sistemas de conexão dos gases, codificação de cores, travas, rótulos nas seringas e manutenção preventiva dos equipamentos. No final dos anos 1980, nos Estados Unidos,
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os programas de especialização e treinamento em
anestesiologia foram estendidos de 2 para 3 anos.
Atualmente, já se discute ampliar o período de especialização para 4 anos. Nos anos 1990, o treinamento foi aprimorado e passou a incorporar a prática de situações de emergência com risco de morte. Melhorias na monitorização, como a capnografia e a oximetria de pulso, foram grandes marcos
de evolução do cuidado anestésico e a morbidade decorrente de dois graves problemas durante a
anestesia (a intubação esofágica e a hipóxia) pôde
ser reduzida9.
128
Uma das três principais causas de processos judiciais nos Estados Unidos é a avaliação pré-anestésica negligenciada ou não realizada10. O principal
objetivo da avaliação pré-operatória é a redução
da morbimortalidade no paciente cirúrgico20. Sua
realização, de forma completa, faz parte das estratégias para detecção de fatores de risco e de prevenção de incidentes21.
Estima-se que, atualmente, sejam realizadas cerca de 234 milhões de cirurgias por ano em todo
mundo18. A partir daí, não é difícil imaginar o impacto positivo que o investimento na segurança da
anestesia pode exercer frente ao número crescente
de cirurgias. Nesse sentido, a avaliação pré-operatória, como instrumento para a identificação de
fatores de risco para complicações durante a anestesia, toma especial importância na melhoria da
qualidade do ato anestésico4.
Apesar da avaliação pré-anestésica realizada antes da internação e em consulta ambulatorial ser
o mais recomendado, em muitos hospitais do
mundo e também do Brasil, a prática da consulta pré‑anestésica ainda não é uma realidade. De
fato, a resolução do CFM n.º 1802/2006 não obriga a realização da avaliação pré-operatória ambulatorial, mas apenas recomenda a sua prática.
Comumente, os pacientes são avaliados no dia
da cirurgia ou, no máximo, na véspera. Com isso,
suspensões ou adiamentos de cirurgias são comuns, o desgaste emocional do paciente é maior e
os custos aumentam para o hospital e para o sistema de saúde4.
Quando o cirurgião é o responsável pela preparação pré-operatória, existe uma tendência de que
um número muito maior de exames seja realizado.
Por outro lado, o anestesiologista possui preparo
adequado para avaliar o paciente previamente ao
ato anestésico e, por sua experiência, é o profissional mais indicado para realizar esta avaliação
com maior segurança e com visão mais ampla do
procedimento anestésico, capaz de verificar criteriosamente o estado de saúde do paciente e fatores
que influenciam o ato anestésico, como as interações medicamentosas, dificuldades para intubação, melhor tipo de anestesia, etc.
O desenvolvimento dos serviços de avaliação pré-operatória se encaminha para deixar de ser um
assunto novo. No estudo publicado por Schiff e
cols. a cerca da avaliação clinica pré-operatória
reduziu o tempo cirúrgico, aumentou a segurança na realização do procedimento e consequentemente a satisfação como mesmo. Entre as vantagens descritas, relacionamos também a redução
do tempo de permanência do paciente no hospital,
a melhoria da qualidade dos serviços e aumento
da satisfação dos pacientes são citados como alguns exemplos que justificam a implantação da
consulta pré-operatória12.
De acordo com Borkowsky e colaboradores, as
complicações cardiológicas durante a cirurgia foram mais frequentes quando o cirurgião realizou o
preparo do paciente19. Neste estudo, foi demonstrada a importância do anestesiologista não só durante o ato anestésico, mas como membro atuante
na avaliação e preparação do paciente para o procedimento.
Com a consulta pré-anestésica os pacientes sentem-se mais seguros e sua ansiedade é reduzida,
o tempo de internação pré-operatória e o número
de cirurgias suspensas são reduzidos, assim como
os custos do tratamento devido ao menor número de exames laboratoriais solicitados, redução do
número de interconsultas em clínicas especializadas e diminuição do tempo para a marcação da
cirurgia4.
Com. Ciências Saúde. 2011; 22(2):121-130
A importância da consulta pré-anestésica
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