LINGÜÍSTICA NOSSA QUE SE PRETENDE SER DE CADA DIA
Jornal Imagem (Nova Andradina-MS), 23/10/2008, p. 02
LINGÜISTA: quem é? O que faz?
Segunda Parte
Na primeira parte (26/07/2008) foi discutido duas questões, uma sobre a
dificuldade de o lingüista dizer o que faz e a outra dele não ser conhecido por sua
especialidade nos estudos da língua, ou melhor, por especialidade nenhuma,
simplesmente é desconhecido porque geralmente quando se trata de problemas de
língua, convoca-se o gramático do certo e do errado.
Tentando ainda responder as duas perguntas, a primeira dificuldade de
identidade ou de identificação para dizer o que o lingüista é e o que faz diz respeito ao
peso histórico do ensino puramente gramatical em que o estudo da língua passa a ser
reconhecido meramente como estudo gramatical, quer no discurso do senso comum,
quer nas práticas de sala de aula do ensino fundamental e médio. Se for possível
considerar ainda a imagem que o especialista em língua possui para outras áreas do
conhecimento científico, a identidade do lingüista se confunde cada vez mais com a
representação do gramático. Não se pode desconsiderar que a noção de estudo de língua
como estudo gramatical possui uma trajetória secular enquanto que a do lingüista como
especialista em língua é ainda muito recente, tomando por referência Ferdinand de
Saussure, pai da lingüística contemporânea.
Assim, não basta este ou aquele especialista reivindicar para si um certo
domínio de atuação, pois a própria prática reivindicatória já instaura uma disputa de um
espaço, quem reivindica precisa ser reconhecido pelo outro, pois é o outro que lhe dá a
legitimidade, é o outro que lhe vai atribuir sentidos e significados enquanto tal. Nisso o
lingüista ainda possui uma trajetória muito longa a percorrer.
Diferentemente do gramático que abarca a língua em sua totalidade em seus
estudos (basta observar a gramática normativa), o lingüista se torna especialista em uma
determinada área, o que não quer dizer que em sua formação não conheça os diversos
aspectos do estudo da língua (semântica, sintaxe, estilística, morfologia, pragmática,
neurolingüística, fonética/fonologia, análise do discurso, estudo do texto, lingüística
antropológica, descrição de língua, lingüística aplicada, psicolingüística etc.).
É importante ressaltar que para cada área as posições teóricas se multiplicam
cada vez mais. A exemplo disto, quando alguém se refere à análise do discurso ou a
sintaxe, é necessário especificar a partir de qual linha teórica, ou seja, Análise do
Discurso de linha francesa que possui como pilar os estudos de Michel Pêcheux e a
sintaxe gerativa de Noam Chomsky. Situação que exclui dentro do mesmo domínio
outras linhas teóricas. Este aspecto permite aprofundar não apenas os estudos da língua
como também relacioná-la a outros domínios para fora de si para compreendê-la de
forma abrangente, como aspectos fisiológicos, biológicos, psicológicos, sociológicos,
antropológicos, culturais, neurológicos, históricos etc. que permite estudar com mais
especificidade o homem enquanto um ser falante.
Assim, não se trata de disputar um domínio entre os gramáticos e os lingüistas,
trata-se apenas de especificar o que compete a cada um nos estudos da língua. E mais do
que isto, já é chegada a hora de uma aproximação, de um diálogo para juntos pensar a
prática do ensino de língua e vejo nisto a necessidade de se ter nas escolas não apenas
professores de língua portuguesa, mas também um lingüista para fugir do certo e do
errado, entre outras práticas, e de todo preconceito e estereótipo que decorre desta
prática vigente com vigor nas escolas.
Prof. Dr. Marlon Leal Rodrigues
UEMS - Unidade Universitária de Nova Andradina
Núcleo de Estudos em Análise do Discurso
Contato: [email protected]
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