DIREITO PENAL
PEÇAS PRÁTICO-PROFISSIONAIS
EXAME DE ORDEM – FGV (2010/2011)
EXAME 2010.2
A Polícia Civil do Estado do Rio Grande do Sul recebe notícia crime identificada,
imputando a Maria Campos a prática de crime, eis que mandaria crianças brasileiras
para o estrangeiro com documentos falsos. Diante da notícia crime, a autoridade policial
instaura inquérito policial e, como primeira providência, representa pela decretação da
interceptação das comunicações telefônicas de Maria Campos, “dada a gravidade dos
fatos noticiados e a notória dificuldade de apurar crime de tráfico de menores para o
exterior por outros meios, pois o „modus operandi‟ envolve sempre atos ocultos e exige
estrutura organizacional sofisticada, o que indica a existência de uma organização
criminosa integrada pela investigada Maria”. O Ministério Público opina
favoravelmente e o juiz defere a medida, limitando-se a adotar, como razão de decidir,
“os fundamentos explicitados na representação policial”.
No curso do monitoramento, foram identificadas pessoas que contratavam os serviços
de Maria Campos para providenciar expedição de passaporte para viabilizar viagens de
crianças para o exterior. Foi gravada conversa telefônica de Maria com um funcionário
do setor de passaportes da Polícia Federal, Antônio Lopes, em que Maria consultava
Antônio sobre os passaportes que ela havia solicitado, se já estavam prontos, e se
poderiam ser enviados a ela. A pedido da autoridade policial, o juiz deferiu a
interceptação das linhas telefônicas utilizadas por Antônio Lopes, mas nenhum diálogo
relevante foi interceptado.
O juiz, também com prévia representação da autoridade policial e manifestação
favorável do Ministério Público, deferiu a quebra de sigilo bancário e fiscal dos investi
gados, tendo sido identificado um depósito de dinheiro em espécie na conta de Antônio,
efetuado naquele mesmo ano, no valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais). O
monitoramento telefônico foi mantido pelo período de quinze dias, após o que foi
deferida medida de busca e apreensão nos endereços de Maria e Antônio. A decisão foi
proferida nos seguintes termos: “diante da gravidade dos fatos e da real possibilidade de
serem encontrados objetos relevantes para investigação, defiro requerimento de busca e
apreensão nos endereços de Maria (Rua dos Casais, 213) e de Antonio (Rua Castro,
170, apartamento 201)”. No endereço de Maria Campos, foi encontrada apenas uma
relação de nomes que, na visão da autoridade policial, seriam clientes que teriam
requerido a expedição de passaportes com os nomes de crianças que teriam viajado para
o exterior. No endereço indicado no mandado de Antônio Lopes, nada foi encontrado.
Entretanto, os policiais que cumpriram a ordem judicial perceberam que o apartamento
202 do mesmo prédio também pertencia ao investigado, motivo pelo qual nele
ingressaram, encontrando e apreendendo a quantia de cinquenta mil dólares em espécie.
Nenhuma outra diligência foi realizada.
Relatado o inquérito policial, os autos foram remetidos ao Ministério Público, que
ofereceu a denúncia nos seguintes termos: “o Ministério Público vem oferecer denúncia
contra Maria Campos e Antônio Lopes, pelos fatos a seguir descritos: Maria Campos,
com o auxílio do agente da polícia federal Antônio Lopes, expediu diversos passaportes
para crianças e adolescentes, sem observância das formalidades legais. Maria tinha a
finalidade de viabilizar a saída dos menores do país. A partir da quantia de dinheiro
apreendida na casa de Antônio Lopes, bem como o depósito identificado em sua conta
bancária, evidente que ele recebia vantagem indevida para efetuar a liberação dos
passaportes. Assim agindo, a denunciada Maria Campos está incursa nas penas do
artigo 239, parágrafo único, da Lei n. 8069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente), e
nas penas do artigo 333, parágrafo único, c/c o artigo 69, ambos do Código Penal. Já o
denunciado Antônio Lopes está incurso nas penas do artigo 239, parágrafo único, da Lei
n. 8069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente) e nas penas do artigo 317, § 1º, c/c
artigo 69, ambos do Código Penal”.
O juiz da 15ª Vara Criminal de Porto Alegre, RS, recebeu a denúncia, nos seguintes
termos: “compulsando os autos, verifico que há prova indiciária suficiente da ocorrência
dos fatos descritos na denúncia e do envolvimento dos denunciados. Há justa causa para
a ação penal, pelo que recebo a denúncia. Citem-se os réus, na forma da lei”. Antonio
foi citado pessoalmente em 27.10.2010 (quarta-feira) e o respectivo mandado foi
acostado aos autos dia 01.11.2010 (segunda-feira). Antonio contratou você como
Advogado, repassando-lhe nomes de pessoas (Carlos de Tal, residente na Rua 1, n. 10,
nesta capital; João de Tal, residente na Rua 4, n. 310, nesta capital; Roberta de Tal,
residente na Rua 4, n. 310, nesta capital) que prestariam relevantes informações para
corroborar com sua versão.
Nessa condição, redija a peça processual cabível desenvolvendo TODAS AS
TESES DEFENSIVAS que podem ser extraídas do enunciado com indicação de
respectivos dispositivos legais. Apresente a peça no último dia do prazo.
EXAME 2010.3
No dia 17 de junho de 2010, uma criança recém-nascida é vista boiando em um córrego
e, ao ser resgatada, não possuía mais vida. Helena, a mãe da criança, foi localizada e
negou que houvesse jogado a vítima no córrego. Sua filha teria sido, segundo ela,
sequestrada por um desconhecido. Durante a fase de inquérito, testemunhas afirmaram
que a mãe apresentava quadro de profunda depressão no momento e logo após o parto.
Além disso, foi realizado exame médico legal, o qual constatou que Helena, quando do
fato, estava sob influência de estado puerperal. À míngua de provas que confirmassem a
autoria, mas desconfiado de que a mãe da criança pudesse estar envolvida no fato, a
autoridade policial representou pela decretação de interceptação telefônica da linha de
telefone móvel usado pela mãe, medida que foi decretada pelo juiz competente. A prova
constatou que a mãe efetivamente praticara o fato, pois, em conversa telefônica com
uma conhecida, de nome Lia, ela afirmara ter atirado a criança ao córrego, por
desespero, mas que estava arrependida. O delegado intimou Lia para ser ouvida, tendo
ela confirmado, em sede policial, que Helena de fato havia atirado a criança, logo após
o parto, no córrego. Em razão das aludidas provas, a mãe da criança foi então
denunciada pela prática do crime descrito no art. 123 do Código Penal perante a 1ª Vara
Criminal (Tribunal do Júri). Durante a ação penal, é juntado aos autos o laudo de
necropsia realizada no corpo da criança. A prova técnica concluiu que a criança já
nascera morta. Na audiência de instrução, realizada no dia 12 de agosto de 2010, Lia é
novamente inquirida, ocasião em que confirmou ter a denunciada, em conversa
telefônica, admitido ter jogado o corpo da criança no córrego. A mesma testemunha, no
entanto, trouxe nova informação, que não mencionara quando ouvida na fase
inquisitorial. Disse que, em outras conversas que tivera com a mãe da criança, Helena
contara que tomara substância abortiva, pois não poderia, de jeito nenhum, criar o filho.
Interrogada, a denunciada negou todos os fatos. Finda a instrução, o Ministério Público
manifestou-se pela pronúncia, nos termos da denúncia, e a defesa, pela impronúncia,
com base no interrogatório da acusada, que negara todos os fatos. O magistrado, na
mesma audiência, prolatou sentença de pronúncia, não nos termos da denúncia, e sim
pela prática do crime descrito no art. 124 do Código Penal, punido menos severamente
do que aquele previsto no art. 123 do mesmo código, intimando as partes no referido
ato.
Com base somente nas informações de que dispõe e nas que podem ser inferidas
pelo caso concreto acima, na condição de advogado(a) de Helena, redija a peça
cabível à impugnação da mencionada decisão, acompanhada das razões
pertinentes, as quais devem apontar os argumentos para o provimento do recurso,
mesmo que em caráter sucessivo.
IV EXAME DE ORDEM UNIFICADO (2011)
Tício foi denunciado e processado, na 1ª Vara Criminal da Comarca do Município X,
pela prática de roubo qualificado em decorrência do emprego de arma de fogo. Ainda
durante a fase de inquérito policial, Tício foi reconhecido pela vítima. Tal
reconhecimento se deu quando a referida vítima olhou através de pequeno orifício da
porta de uma sala onde se encontrava apenas o réu. Já em sede de instrução criminal,
nem vítima nem testemunhas afirmaram ter escutado qualquer disparo de arma de fogo,
mas foram uníssonas no sentido de assegurar que o assaltante portava uma. Não houve
perícia, pois os policiais que prenderam o réu em flagrante não lograram êxito em
apreender a arma. Tais policiais afirmaram em juízo que, após escutarem gritos de
“pega ladrão!”, viram o réu correndo e foram em seu encalço. Afirmaram que, durante a
perseguição, os passantes apontavam para o réu, bem como que este jogou um objeto no
córrego que passava próximo ao local dos fatos, que acreditavam ser a arma de fogo
utilizada. O réu, em seu interrogatório, exerceu o direito ao silêncio. Ao cabo da
instrução criminal, Tício foi condenado a oito anos e seis meses de reclusão, por roubo
com emprego de arma de fogo, tendo sido fixado o regime inicial fechado para
cumprimento de pena. O magistrado, para fins de condenação e fixação da pena, levou
em conta os depoimentos testemunhais colhidos em juízo e o reconhecimento feito pela
vítima em sede policial, bem como o fato de o réu ser reincidente e portador de maus
antecedentes, circunstâncias comprovadas no curso do processo.
Você, na condição de advogado(a) de Tício, é intimado(a) da decisão. Com base
somente nas informações de que dispõe e nas que podem ser inferidas pelo caso
concreto acima, redija a peça cabível, apresentando as razões e sustentando as
teses jurídicas pertinentes. (Valor: 5,0)
V EXAME DE ORDEM UNIFICADO (2011)
Em 10 de janeiro de 2007, Eliete foi denunciada pelo Ministério Público pela prática do
crime de furto qualificado por abuso de confiança, haja vista ter alegado o Parquet que a
denunciada havia se valido da qualidade de empregada doméstica para subtrair, em 20
de dezembro de 2006, a quantia de R$ 50,00 de seu patrão Cláudio, presidente da maior
empresa do Brasil no segmento de venda de alimentos no varejo. A denúncia foi
recebida em 12 de janeiro de 2007, e, após a instrução criminal, foi proferida, em 10 de
dezembro de 2009, sentença penal julgando procedente a pretensão acusatória para
condenar Eliete à pena final de dois anos de reclusão, em razão da prática do crime
previsto no artigo 155, §2º, inciso IV, do Código Penal. Após a interposição de recurso
de apelação exclusivo da defesa, o Tribunal de Justiça entendeu por bem anular toda a
instrução criminal, ante a ocorrência de cerceamento de defesa em razão do
indeferimento injustificado de uma pergunta formulada a uma testemunha. Novamente
realizada a instrução criminal, ficou comprovado que, à época dos fatos, Eliete havia
sido contratada por Cláudio havia uma semana e só tinha a obrigação de trabalhar às
segundas, quartas e sextas-feiras, de modo que o suposto fato criminoso teria ocorrido
no terceiro dia de trabalho da doméstica. Ademais, foi juntada aos autos a comprovação
dos rendimentos da vítima, que giravam em torno de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais)
mensais. Após a apresentação de memoriais pelas partes, em 9 de fevereiro de 2011, foi
proferida nova sentença penal condenando Eliete à pena final de 2 (dois) anos e 6 (seis)
meses de reclusão. Em suas razões de decidir, assentou o magistrado que a ré possuía
circunstâncias judiciais desfavoráveis, uma vez que se reveste de enorme gravidade a
prática de crimes em que se abusa da confiança depositada no agente, motivo pelo qual
a pena deveria ser distanciada do mínimo. Ao final, converteu a pena privativa de
liberdade em restritiva de direitos, consubstanciada na prestação de 8 (oito) horas
semanais de serviços comunitários, durante o período de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses
em instituição a ser definida pelo juízo de execuções penais. Novamente não houve
recurso do Ministério Público, e a sentença foi publicada no Diário Eletrônico em 16 de
fevereiro de 2011.
Com base somente nas informações de que dispõe e nas que podem ser inferidas
pelo caso concreto acima, redija, na qualidade de advogado de Eliete, com data
para o último dia do prazo legal, o recurso cabível à hipótese, invocando todas as
questões de direito pertinentes, mesmo que em caráter eventual.
VI EXAME DE ORDEM UNIFICADO (2012)
No dia 10 de março de 2011, após ingerir um litro de vinho na sede de sua fazenda, José
Alves pegou seu automóvel e passou a conduzi-lo ao longo da estrada que tangencia sua
propriedade rural. Após percorrer cerca de dois quilômetros na estrada absolutamente
deserta, José Alves foi surpreendido por uma equipe da Polícia Militar que lá estava a
fim de procurar um indivíduo foragido do presídio da localidade. Abordado pelos
policiais, José Alves saiu de seu veículo trôpego e exalando forte odor de álcool,
oportunidade em que, de maneira incisiva, os policiais lhe compeliram a realizar um
teste de alcoolemia em aparelho de ar alveolar. Realizado o teste, foi constatado que
José Alves tinha concentração de álcool de um miligrama por litro de ar expelido pelos
pulmões, razão pela qual os policiais o conduziram à Unidade de Polícia Judiciária,
onde foi lavrado Auto de Prisão em Flagrante pela prática do crime previsto no artigo
306 da Lei 9.503/1997, c/c artigo 2º, inciso II, do Decreto 6.488/2008, sendo-lhe negado
no referido Auto de Prisão em Flagrante o direito de entrevistar-se com seus advogados
ou com seus familiares.
Dois dias após a lavratura do Auto de Prisão em Flagrante, em razão de José Alves ter
permanecido encarcerado na Delegacia de Polícia, você é procurado pela família do
preso, sob protestos de que não conseguiam vê-lo e de que o delegado não comunicara o
fato ao juízo competente, tampouco à Defensoria Pública.
Com base somente nas informações de que dispõe e nas que podem ser inferidas
pelo caso concreto acima, na qualidade de advogado de José Alves, redija a peça
cabível, exclusiva de advogado, no que tange à liberdade de seu cliente,
questionando, em juízo, eventuais ilegalidades praticadas pela Autoridade Policial,
alegando para tanto toda a matéria de direito pertinente ao caso.
VII EXAME DE ORDEM UNIFICADO (2012)
Leia com atenção o caso concreto a seguir:
Grávida de nove meses, Ana entra em trabalho de parto, vindo dar à luz um menino
saudável, o qual é imediatamente colocado em seu colo. Ao ter o recém-nascido em
suas mãos, Ana é tomada por extremo furor, bradando aos gritos que seu filho era um
“monstro horrível que não saiu de mim” e bate por seguidas vezes a cabeça da criança
na parede do quarto do hospital, vitimando-a fatalmente. Após ser dominada pelos
funcionários do hospital, Ana é presa em flagrante delito.
Durante a fase de inquérito policial, foi realizado exame médico-legal, o qual atestou
que Ana agira sob influência de estado puerperal. Posteriormente, foi denunciada, com
base nas provas colhidas na fase inquisitorial, sobretudo o laudo do expert, perante a 1ª
Vara Criminal/Tribunal do Júri pela prática do crime de homicídio triplamente
qualificado, haja vista ter sustentado o Parquet que Ana fora movida por motivo fútil,
empregara meio cruel para a consecução do ato criminoso, além de se utilizar de recurso
que tornou impossível a defesa da vítima. Em sede de Alegações Finais Orais, o
Promotor de Justiça reiterou os argumentos da denúncia, sustentando que Ana teria
agido impelida por motivo fútil ao decidir matar seu filho em razão de tê-lo achado feio
e teria empregado meio cruel ao bater a cabeça do bebê repetidas vezes contra a parede,
além de impossibilitar a defesa da vítima, incapaz, em razão da idade, de defender-se.
A Defensoria Pública, por sua vez, alegou que a ré não teria praticado o fato e,
alternativamente, se o tivesse feito, não possuiria plena capacidade de
autodeterminação, sendo inimputável. Ao proferir a sentença, o magistrado competente
entendeu por bem absolver sumariamente a ré em razão de inimputabilidade, pois, ao
tempo da ação, não seria ela inteiramente capaz de se autodeterminar em consequência
da influência do estado puerperal. Tendo sido intimado o Ministério Público da decisão,
em 11 de janeiro de 2011, o prazo recursal transcorreu in albis sem manifestação do
Parquet.
Em relação ao caso narrado, você, na condição de advogado(a), é procurado pelo
pai da vítima, em 20 de janeiro de 2011, para habilitar-se como assistente da
acusação e impugnar a decisão.
Com base somente nas informações de que dispõe e nas que podem ser inferidas
pelo caso concreto acima, redija a peça cabível, sustentando, para tanto, as teses
jurídicas pertinentes, datando do último dia do prazo.
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