Londrina, 29 a 31 de outubro de 2007 – ISBN 978-85-99643-11-2
O QUE A TELENOVELA ENCENA E O QUE ENSINA SOBRE O PROCESSO DE
INCLUSÃO
Msc. Luzia Grandini Cabreira - UEM1
Msc. Luciana Grandini Cabreira - UEM2
Msc. Gizeli Aparecida Ribeiro de Alencar - UEM3
RESUMO
O teor ideológico presente nas telenovelas já foi tema de diversos estudos, contudo, vemos
que o discurso acadêmico hoje se volta para a análise do seu teor e de seu papel na educação.
Nessa direção alguns autores se empenham para conferir maior seriedade, retratando em seu
enredo temas sociais como a inclusão. Esse movimento para inscrever a telenovela no cenário
educacional e protegê-la de possíveis críticas conta com o engajamento de autores como
Glória Perez e Manoel Carlos que a exemplo de “O Clone” e “América”, trouxe em “Páginas
da Vida” o testemunho de pessoas reais em meio ao enredo do folhetim televisivo, o que
gerou muita polêmica em razão do teor de alguns casos. Outros espaços, melhor aproveitados,
vieram apoiar a trama, como o depoimento de uma mãe, que a exemplo da personagem
Helena, adotou uma criança com Síndrome de Down. Assim, amparamos nosso estudo nos
pressupostos da pesquisa bibliográfica, a fim de analisar o tratamento que a novela “Páginas
da Vida” conferiu ao processo de inclusão vivido por Clara, personagem de Joana Mocarzel,
para então discutir o papel que desempenha na sociedade. A idéia de telenovela, como espaço
educacional, tem sido apoiada por autores que como Belloni (2001) argumentam que sua
trama pode ser aproveitada no dia-a-dia formando elos para as relações familiares e
desenvolvimento das crianças. No entanto, considerar a telenovela um espaço comprometido
com a educação pode nos induzir ao erro, pois esta como qualquer outro produto da indústria
cultural também dissemina o consumo.
Palavras-chave: Inclusão - Telenovela - Educação.
FICÇÃO E REALIDADE NA TRAMA DA TELENOVELA - INTRODUÇÃO
Antes vista como produto meramente ideológico, hoje a telenovela tem seu potencial para a
educação reavaliado e discutido por inúmeros teóricos que atentam para as dimensões que
alcançam as problematizações apresentadas na sua trama. Cada autor, com seu estilo, procura
integrar no enredo questões que possam esclarecer fenômenos sociais ou mesmo espelhar as
transformações da sociedade, através da discussão que evoca no público.
1
Docente no Departamento de Teoria e Prática - DTP/UEM. Mestre em Educação - UEL (2005). Especialista em
Metodologia do Ensino Superior. Pedagoga - FAFIJAN (1986) e Jornalista - UEL (1992). Desenvolve estudos sobre
“Formação de Professores”, “Educomunicação” e “Educação a Distância”. E-mail: [email protected]
2 Docente no Departamento de Teoria e Prática - DTP/UEM. Mestre em Educação - UEL (2006). Especialista em Psicologia
Aplicada à Educação - UEL (2001), Psicologia - UEL (2000). Desenvolve estudos sobre “Brinquedo e Formação do
Educador”, “Mídia e Educação” e “Jogos Eletrônicos”. E-mail: [email protected]
3 Docente no Departamento de Teoria e Prática - DTP/UEM. Mestre em Educação - UERJ (2003), Especialização em
Educação Especial Deficiência Mental - UEM (1995). Pedagogia - AEPREVE (1994). Desenvolve estudos sobre
“Comunicação Alternativa” e “Deficiência Mental”. E-mail: [email protected]
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Para se ter uma idéia do alcance e mobilização da teledramaturgia junto ao público
precisamos considerar que mesmo aquelas pessoas que não assistem a telenovela podem ter
acesso a temática desenvolvida na sua trama, uma vez que as “chamadas” sempre apresentam
trechos do seu enredo, tomando de assalto a atenção até daquele telespectador mais resistente.
Outra forma que a telenovela encontra para alcançar e envolver mais pessoas remete ao
fenômeno conhecido como “agenda setting”, conceito baseado na teoria de que o que a mídia
veicula permeia o discurso das pessoas, ou seja, segundo Barros Filho é a “hipótese segundo a
qual a mídia, pela seleção, disposição e incidência de suas notícias, vem determinar os temas
sobre os quais o público falará e discutirá" (2001, p. 169). Maffesoli (1996, p. 50) atesta que
“através da explosão publicitária, pela difusão do videotexto ou das imagens televisivas, uma
sensibilidade coletiva está se afirmando, e é inútil querer negligenciar ou minimizar”.
A novela “Páginas da Vida” escrita por Manoel Carlos e exibida pela Rede Globo (Ago/2006
a Mar/2007), a exemplo de “América” de Glória Peres, trouxe como tema de um de seus
núcleos de personagens, a inclusão. Diversas pessoas se emocionaram com a história de
Nanda que teve filhos gêmeos, um menino e uma menina, separados após a morte da mãe, em
decorrência da discriminação da avó, por Clara apresentar a Síndrome de Down.
Clara, personagem vivida por Joana Mocarzel, fez todo o país refletir sobre o processo de
inclusão, chamando atenção para o papel da professora e da escola nesse processo e
finalmente trouxe aos telespectadores o conceito de escola inclusiva quando Helena,
personagem de Regina Duarte, finalmente encontra uma instituição escolar que habita o sonho
de milhares de brasileiros.
No enredo de “Páginas da Vida” acompanhamos também o depoimento de uma mãe, que a
exemplo da personagem Helena, adotou uma criança com Síndrome de Down, fruto do
primeiro casamento do seu esposo. Esse recurso de mesclar ficção e realidade, já bastante
explorado por Glória Perez, veio conferir à trama de Manoel Carlos a credibilidade necessária
junto ao público que acompanhou o drama do casal de gêmeos ao longo de oito meses.
Assim, do encontro entre a ficção e a realidade construída em “Páginas da Vida”, emergem
algumas questões que nos propomos a analisar: Considerando seu engajamento nas causas
sociais a telenovela pode ser inscrita no cenário educacional? Como o processo de inclusão
foi tratado na trama de Manoel Carlos? De que forma o conceito de escola inclusiva foi
construído no seu enredo? A mistura entre ficção e realidade presente na trama da telenovela
favorece a confusão entre o real e o imaginário na população?
Nosso objetivo nesta pesquisa foi analisar a forma com que a telenovela vem tratando temas
sociais como a inclusão para propor uma discussão quanto ao papel que desempenha na
sociedade.
O PERCURSO DA PESQUISA - MÉTODO
Elegemos a pesquisa bibliográfica como norteadora da nossa ação no processo de coleta de
dados. Esta abordagem teórica caracteriza-se principalmente pela “consulta de fontes diversas
de informação impressa ou eletrônica” (SANTOS, 2005, p. 7).
Em uma pesquisa bibliográfica nos deparamos com inúmeros materiais e fontes de que o
pesquisador pode se utilizar para desenvolver seus estudos. Gil (2002) relaciona as principais
fontes bibliográficas, às quais podemos somar os materiais disponibilizados em bibliotecas
eletrônicas e mídias interativas descritas por Santos (2005), pois com o avanço na informática
testemunhamos o surgimento de novas formas de armazenamento de dados e de
possibilidades de trocas entre pesquisadores de diferentes países.
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Realizada a partir de levantamentos de materiais com dados já analisados e publicados por
meios escritos e/ou eletrônicos (livros, artigos científicos, páginas na web), “esta modalidade
de investigação é regida pela pesquisa documental”, de acordo com Santos (2005, p. 7), pois
opera também com dados que ainda não receberam tratamento analítico e ainda não foram
publicados.
Assim, selecionamos quatro trechos da novela de Manoel Carlos “Páginas da Vida” para
analisar como o processo de inclusão de portadores de necessidades especiais foi abordado na
trama da telenovela gerando discussões em todo o país sobre a atitude de Helena, personagem
de Regina Duarte que adota Clara (vivida por Joana Mocarzel) portadora da Síndrome de
Down. Utilizamos também alguns fóruns de debate na internet para acompanhar a reação do
público e as matérias veiculadas no meio especializado na internet.
TELENOVELA: ESPAÇO EDUCACIONAL? - RESULTADO
A professora Maria Aparecida Baccega analisa que as produções televisivas “tendo qualidade,
serão educativas, serão materiais a mais para o professor usar em sala de aula ou para a
sociedade usar” (apud PIVETA, 1999, p.42). Elas fornecem um farto material que dependerá
da didática do professor para explorar o assunto em sala de aula, analisando as cenas e
explorando criticamente o tema abordado.
Estudo realizado pelo Núcleo de pesquisas de Telenovelas da USP garante que novelas são
uma poderosa ferramenta de ensino. Segundo os pesquisadores, os pais e professores
podem discutir com seus filhos e alunos os valores passados pelos folhetins. ‘Com a ajuda
das novelas consegui ensinar meus alunos o que é estrutura narrativa’, orgulha-se a
professora de português, Kedna Corrêa. A professora dá aulas para o ensino médio, em
Brasília (APRENDIZ, [on line], 2001).
De fato, nas mãos do professor qualquer material pode se transformar em objeto de ensino,
contudo a idéia de telenovela como ferramenta na educação ganha a cada dia mais adeptos:
A TV não substitui a intersubjetividade, mas fornece os conteúdos para situações de
interação entre a criança e os outros, especialmente a família e o grupo de pares. Neste, as
mensagens da telinha são integradas aos jogos e brincadeiras, em que se manifestam as
identificações, a distribuição de papéis e a discussão das regras do jogo, durante o qual se
estabelece um complexo jogo de relações intersubjetivas de extrema importância para o
desenvolvimento socioafetivo das crianças (BELLONI, 2001, p. 34).
De acordo com a proposta de Belloni a telenovela pode ser aproveitada no dia-a-dia formando
elos para as relações familiares e desenvolvimento das crianças. Nessa direção tomamos como
elemento de análise o tema inclusão, que foi amplamente discutido a partir do drama vivido
pela personagem Helena que adota uma criança com Síndrome de Down depois de vê-la ser
rejeitada pela avó, que sem qualquer escrúpulo a afasta de seu irmão gêmeo e do convívio do
restante da família.
A discriminação que Clara sofre na escola só é percebida por Helena, quando na reunião de
pais não recebe nenhum trabalho seu. A passagem do tempo neste trecho da novela (capítulo
nº. 50) é bem marcado, as pastas com os trabalhos, entregues um a um, remetem à produção
que os alunos tiveram no último mês.
Quando a professora é questionada por Helena sobre os trabalhinhos da filha, esta tenta
dissimular dizendo, a princípio, que teria esquecido o material na sala de aula dos alunos.
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Helena zangada não aceita a fala da professora e destaca o número reduzido de alunos que
esta possui para justificar um “esquecimento”. Diante da situação a professora revela a farsa e
declara que Clara passou a maior parte do tempo brincando.
(...) muitas crianças com necessidades educativas especiais nas áreas de comunicação e
linguagem, ou de mobilidade, vivenciam a escolarização como espectadoras. Na construção
de uma escola brasileira inclusiva, de fato, e não apenas inclusiva na palavra da lei, será
preciso atentar para garantir acesso aos instrumentos de mediação da atividade.
Instrumentos esses primordialmente lingüísticos (REILY, 2004, p. 23).
Reily (2004) chama a atenção para a necessidade de se tirar as crianças com necessidades
especiais da passividade característica dos espectadores, propondo atividades que
desenvolvam a comunicação e a linguagem.
Dessa forma, quando Helena usando o discurso inicial da professora sobre a necessidade de
estimulação na pré-alfabetização cobra coerência na ação docente, o faz segundo o modelo de
escola inclusiva que respeita e promove a participação de todos no cenário educacional.
A passagem do tempo é mais uma vez destacada na trama, Clara está ali desde que tinha um
aninho e só agora passa por essa situação, logo Helena como mãe tem estado atenta ao seu
desenvolvimento mesmo na escola.
Quando se vê diante da discriminação que Clara sofre o discurso de Helena ganha outro peso,
a atitude da professora é taxada como criminosa e ela é ameaçada de denúncia no Ministério
Público. Com a diretora da escola a tensão criada na sala de aula perante os outros pais é
levemente dissipada, e a discriminação da professora é justificada como incapacidade para
lidar com o problema da inclusão. Helena exige providências, mas concorda em deixar Clara
na escola diante das argumentações da direção.
Em um outro capítulo, Helena vai visitar a escola e percebe que o problema continua
acontecendo, novamente discute com a diretora e decide transferir Clara. Na procura por outra
instituição escolar conversa com uma diretora no pátio, justificando não ter condições para
atender a menina.
Quando finalmente Helena encontra a escola que há tanto procurava, observamos que o plano
de gravação é o mesmo e a sala da diretora muito parecida com a da escola que atendia Clara
anteriormente. Nessa cena, exibida no capítulo 115, surge na conversa o conceito de escola
inclusiva na fala da diretora que acaba eximindo de culpa a professora anterior de Clara, tida
por Helena como a vilã no processo de inclusão da filha. Reily (2004, p. 22) defende que “na
escola inclusiva, os princípios de aprendizagem significativa, em ação e por mediação, valem
tanto para os alunos com necessidades educativas especiais como para qualquer outro aluno”.
Durante a exibição da novela acompanhamos algumas matérias que eram veiculadas na rede
mundial de computadores, vimos que Joana Mocarzel intérprete de Clara já tinha participado
como atriz no curta “Do Luto à Luta” de 2005, dirigido por Evaldo Morcazel, seu pai.
Joana atuou ainda no programa “É Preciso Saber Viver”, que Dudu Braga apresentava na
novela América exibida em 2005, neste programa “fictício” pessoas portadoras de diversas
deficiências eram entrevistadas. A novela de Glória Perez também abordou o processo de
inclusão, enfocando as dificuldades dos deficientes visuais, mesclando no programa
depoimentos reais em meio à ficção do folhetim. A mistura entre ficção e realidade
favorecida pela trama de Manoel Carlos levou a mãe de Joana Mocarzel se pronunciar a
respeito do processo de inclusão vivido pela filha, vejamos:
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Recentemente, Letícia Morcazel, mãe da atriz-mirim, contou à Agência Estado que Joana
está freqüentando a pré-escola pela segunda vez. ‘Nosso primeiro objetivo é que ela seja
alfabetizada. Se isso levar dois anos, três anos, não importa. O que importa é que ela
cumpra etapas com qualidade e prazer. A Joana tem limitações, mas consegue superá-las de
uma maneira muito bacana. Os amigos têm uma relação positiva e são solidários.’
(RAMOS, 2006, p. 1).
A carga dramática que o personagem de Clara vive foi tão intensa em alguns capítulos que o
público passou a considerar que a atriz por apresentar as mesmas limitações da personagem
estivesse vivenciando de forma semelhante a inclusão na escola.
Situações dessa ordem favorecem a confusão, até mesmo porque o drama da adoção de uma
criança com Down tomou espaço ao término de um dos capítulos da novela apresentando a
experiência de vida que uma mulher, a exemplo da personagem Helena, teve ao adotar a filha
do casamento anterior de seu marido, acometida pela mesma síndrome que Clara.
A TELENOVELA COMO RECURSO PEDAGÓGICO - DISCUSSÃO
A discriminação que Clara sofre é muito suavizada diante do cenário de violência que vemos
nas escolas na atualidade, com casos de salas superlotadas e professores inexperientes que não
cumprem seu papel de ensinar.
Na reunião que Helena discute com a professora é importante observar que não há nenhuma
criança presente e a professora se mostra ingênua na mentira que tenta passar, confusa e
despreparada para lidar com o problema de Clara. Nessa direção, o discurso de Helena
intimida a professora e a escola, pois traz a lei e a ameaça de denúncia.
A cena exibida apresenta uma série de informações úteis para os pais que se vêem diante de
um problema semelhante, pois discute a estimulação necessária à fase de pré-alfabetização, o
papel que a professora deve desempenhar, desqualifica a brincadeira como única ferramenta
de ensino. Outro ponto observado é que a figura da professora é que surge confusa e
despreparada como ocorre normalmente com a maioria dos pais que se vêem impotentes
diante da perícia escola.
Belloni (2001) propõe que a telenovela seja aproveitada no dia-a-dia formando elos para as
relações familiares e desenvolvimento das crianças, no entanto, por mais que se esteja atento
ao seu conteúdo, algumas cenas, por não apresentarem um texto adequado para a idade,
podem causar mais danos que benefícios para as crianças que, muitas vezes, não estão
preparadas para enfrentar certas problemáticas do universo adulto.
Helena é retratada como uma mãe que mesmo sem ter tem todas as respostas não se intimida e
luta pelos direitos de sua filha, conclamando a sociedade a lidar com a inclusão de outra
forma.
Espanto. Este pode ser um dos adjetivos mais aplicado à sociedade de forma geral se o
desejo da professora Maria Aparecida Baccega, um dia, for realizado. Ela espera que a
telenovela entre na sala de aula e auxilie na formação da criança, pois acredita que a
sociedade tem muito a ganhar se a telenovela suscitar debates, discussões, redações, e peças
de teatro nas escolas. A idéia não descarta o que a telenovela tem de ruim, mas objetiva
discutir e fazer com que o professor explique aos alunos o porquê de determinado fato/cena
ser errado, preconceituoso ou discriminatório (PIVETA, 1999, p.36).
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Quando surge o conceito de escola inclusiva o público é informado de como esta deve ser
constituída para dar suporte ao trabalho do professor junto aos alunos, Helena que é médica
fica surpresa com a novidade.
A semelhança com que são retratadas as duas escolas, a que discrimina e a que inclui, levam o
público a pensar que a diferença está unicamente na ação e no preparo dos profissionais para
lidar com o tema e não na estrutura física da escola. O que contrasta com a realidade do
ensino público no nosso país, pois mesmo o número de alunos matriculados por turma, em
geral, é superior ao apresentado nas cenas da novela.
Quanto à mistura entre ficção e realidade promovida em “Páginas da Vida” ela se efetivou em
dois momentos, quando as pessoas passaram a confundir Joana Mocarzel com sua
personagem Clara em face das limitações que a Síndrome de Down confere, especulando
inclusive sobre a discriminação que a atriz/personagem sofria na escola, o que levou a mãe de
Joana a se pronunciar a respeito, e, em um segundo momento, quando o depoimento de
pessoas reais era veiculado ao término de cada capítulo da novela.
Analisando os primeiros ciclos da programação na TV, Marcondes Fº (1994), tinha-se a idéia
de que havia uma separação nítida entre ficção e realidade, o que já não se constata mais na
opinião de Umberto Eco.
O crítico italiano Umberto Eco é o primeiro a defender a tese de que foi abolida essa
divisão na televisão. Para ele, já não existe mais a clássica separação entre ficção e nãoficção, entre programas jornalísticos e programas ligados ao imaginário, mas sim a divisão
entre dois tipos de forma de se fazer televisão: aquela em que as pessoas falam olhando
para a câmera e outra, em que as pessoas falam sem olhar para ela (MARCONDES Fº,
1994, p. 35).
De fato, as conseqüências que a confusão entre real e imaginário provoca na população ainda
são mal equacionados e o preço de toda essa interatividade precisa ser melhor estudado.
O que se discute ainda é se a telenovela no contexto de sala de aula, pode ser útil ao professor.
Sobre esse ponto diversos autores argumentam que se o professor souber explorar
criticamente a temática novelística no sentido de aproveitar o que os alunos vêem, com o
cuidado de propor também outras atividades mais construtivas, a fim de não estimular ainda
mais a audiência desse programa, a telenovela pode se converter a favor do ensino “negar o
uso da TV para a criança popular na escola é negar-lhe a chance de ter uma razão a mais para
gostar da escola e, principalmente, é negar-lhe a possibilidade de ser sujeito na relação com a
TV” (GADOTTI, 2000, p. 213).
De fato, a televisão como recurso tecnológico supera outros meios utilizados na escola,
ignorar seu efeito sobre a população, pode colocar o ensino à margem da discussão que seus
programas suscitam e desencorajar o aluno que se encontra familiarizado com sua linguagem.
Estou fazendo um elogio à TV, porque sei que pode auxiliar-nos também na melhoria da
qualidade do ensino. (...) A TV pode ser um bom instrumento para isso, mas será sempre
um instrumento e, como todo instrumento, os resultados dependerão de quem o utiliza.
Como dizia Voltaire, ‘Deus é contra quem faz a guerra, mas fica do lado de quem atira
bem’. É preciso, acima de tudo, formar o professor e a professora para que tenham boa
pontaria (GADOTTI, 2001, p. 214).
Nesse sentido é essencial investir na formação do professor, para que sua compreensão possa
explorar os outros significados ocultos no enredo das telenovelas que se modernizam cada vez
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mais, inaugurando novas formas de impor o consumo aos cidadãos, em meio ao
entretenimento e campanhas educacionais.
Como as telenovelas buscam a todo custo aprisionar o telespectador para garantir sua
audiência, muitas vezes lançam mão de recursos pouco ortodoxos visando transformar o
comportamento de toda a sociedade, senão dirigi-lo, portanto, todo cuidado é bem vindo no
momento de incluir a programação da telinha no cenário educacional.
Contatamos que a discriminação que Clara sofre é muito suavizada diante do cenário de
violência que vemos nas escolas na atualidade, com casos de salas superlotadas e professores
inexperientes que não cumprem o papel de ensinar.
Para que a novela tenha seu caráter educacional definitivamente reconhecido, precisaria estar
a princípio, dissociada da comoção em favor do consumismo, logo, considerar a telenovela
como meio educativo pode nos induzir ao erro, pois esta não tem comprometimento com a
causa educacional, seu campo de ação se circunscreve ao entretenimento, numa rede em que
“fala mais alto” a audiência e o lucro, pois todo meio de comunicação é antes de tudo uma
empresa.
Contextualizar a telenovela em meio aos problemas educacionais do Brasil lhe dá
responsabilidades e atributos que ela, normalmente, não tem. O que é preciso deixar claro é
que a telenovela tem por finalidade entreter e, neste bojo, ela pode mesclar ‘pitadas de
conhecimento’ no seu enredo, e não o contrário. Se em uma determinada cena a telenovela
ensina como se faz um auto-exame de câncer de mama, em várias outras ela pode mostrar,
por exemplo, os problemas cotidianos amenizados ou satirizados. O dia em que a
telenovela se ater a um enredo inteiramente educativo, estará fadada ao fracasso. Na hora
da novela o telespectador quer ter um momento de descanso e diversão para contrapor os
problemas e dificuldades do dia-a-dia. Educar é papel do Estado, a telenovela pode apenas
auxiliá-lo neste difícil processo (PIVETA, 1999, p. 23).
Sobre a mistura entre o real e o imaginário, ficção e realidade vimos que o público encontra
dificuldade para discernir entre o que se passa na vida real e na novela, mesmo entre os atores,
portanto, faz-se necessária uma discussão sobre esse artifício, mesmo que venha sendo
utilizado para tratar de temas sociais e campanhas educacionais, pois como já discutimos a
telenovela enquanto coadjuvante da aprendizagem pode sim ser aproveitada pelo professor se
ele estiver preparado para fazer uma leitura crítica da comoção e do consumo que os folhetins
televisivos promovem.
Dessa forma, os incentivos que o governo destina às campanhas educacionais na televisão,
que na atualidade envolvem quase que toda a programação televisiva podem sim contribuir
para apenas informar o telespectador que se diverte sob a pretensa intenção de ser tocado pela
mensagem “educativa”.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Julho de 2001. Disponível em: <http://www.uol.com.br/aprendiz/n_noticias/satelite/id180800.htm> Acessado
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BARROS FILHO, Clóvis de. Ética na Comunicação: da informação ao receptor. São Paulo:
Moderna, 2001.
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BELLONI, Maria Luiza. O que é Mídia-Educação: Polêmicas do Nosso Tempo. Petrópolis:
Autores Associados, 2001.
GADOTTI, Moacir. A televisão como espaço educativo. In: Perspectivas Atuais na
Educação. Moacir Gadotti e Colaboradores. Porto Alegre: Artmed, 2000.
MAFFESOLI, M. No Fundo das Aparências. Rio de Janeiro: Vozes, 1996.
MARCONDES Fº, Ciro. Televisão. São Paulo: Scipione, 1994.
PIVETA, Patricia Rosana. Telenovela: um dos procedimentos educativos da sociedade
brasileira. Londrina: UEL, 1999.
RAMOS, Carlos. Menina que vive Clara em Páginas da Vida já atuou na Globo. O Fuxico,
[on line] 28 Ago 2006. Disponível em: <http://ofuxico.uol.com.br/Materias/Noticias/2006/08/29777.htm>
Acessado em Fev/2007.
REILY, Lucia. Escola Inclusiva: Linguagem e Mediação. Campinas, SP: Papirus, 2004.
SOUZA, Jésus Barbosa de. Meios de Comunicação de Massa: Jornal, Televisão, Rádio. São
Paulo: Scipione, 1996.
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