Londrina, 29 a 31 de outubro de 2007 – ISBN 978-85-99643-11-2 O QUE A TELENOVELA ENCENA E O QUE ENSINA SOBRE O PROCESSO DE INCLUSÃO Msc. Luzia Grandini Cabreira - UEM1 Msc. Luciana Grandini Cabreira - UEM2 Msc. Gizeli Aparecida Ribeiro de Alencar - UEM3 RESUMO O teor ideológico presente nas telenovelas já foi tema de diversos estudos, contudo, vemos que o discurso acadêmico hoje se volta para a análise do seu teor e de seu papel na educação. Nessa direção alguns autores se empenham para conferir maior seriedade, retratando em seu enredo temas sociais como a inclusão. Esse movimento para inscrever a telenovela no cenário educacional e protegê-la de possíveis críticas conta com o engajamento de autores como Glória Perez e Manoel Carlos que a exemplo de “O Clone” e “América”, trouxe em “Páginas da Vida” o testemunho de pessoas reais em meio ao enredo do folhetim televisivo, o que gerou muita polêmica em razão do teor de alguns casos. Outros espaços, melhor aproveitados, vieram apoiar a trama, como o depoimento de uma mãe, que a exemplo da personagem Helena, adotou uma criança com Síndrome de Down. Assim, amparamos nosso estudo nos pressupostos da pesquisa bibliográfica, a fim de analisar o tratamento que a novela “Páginas da Vida” conferiu ao processo de inclusão vivido por Clara, personagem de Joana Mocarzel, para então discutir o papel que desempenha na sociedade. A idéia de telenovela, como espaço educacional, tem sido apoiada por autores que como Belloni (2001) argumentam que sua trama pode ser aproveitada no dia-a-dia formando elos para as relações familiares e desenvolvimento das crianças. No entanto, considerar a telenovela um espaço comprometido com a educação pode nos induzir ao erro, pois esta como qualquer outro produto da indústria cultural também dissemina o consumo. Palavras-chave: Inclusão - Telenovela - Educação. FICÇÃO E REALIDADE NA TRAMA DA TELENOVELA - INTRODUÇÃO Antes vista como produto meramente ideológico, hoje a telenovela tem seu potencial para a educação reavaliado e discutido por inúmeros teóricos que atentam para as dimensões que alcançam as problematizações apresentadas na sua trama. Cada autor, com seu estilo, procura integrar no enredo questões que possam esclarecer fenômenos sociais ou mesmo espelhar as transformações da sociedade, através da discussão que evoca no público. 1 Docente no Departamento de Teoria e Prática - DTP/UEM. Mestre em Educação - UEL (2005). Especialista em Metodologia do Ensino Superior. Pedagoga - FAFIJAN (1986) e Jornalista - UEL (1992). Desenvolve estudos sobre “Formação de Professores”, “Educomunicação” e “Educação a Distância”. E-mail: [email protected] 2 Docente no Departamento de Teoria e Prática - DTP/UEM. Mestre em Educação - UEL (2006). Especialista em Psicologia Aplicada à Educação - UEL (2001), Psicologia - UEL (2000). Desenvolve estudos sobre “Brinquedo e Formação do Educador”, “Mídia e Educação” e “Jogos Eletrônicos”. E-mail: [email protected] 3 Docente no Departamento de Teoria e Prática - DTP/UEM. Mestre em Educação - UERJ (2003), Especialização em Educação Especial Deficiência Mental - UEM (1995). Pedagogia - AEPREVE (1994). Desenvolve estudos sobre “Comunicação Alternativa” e “Deficiência Mental”. E-mail: [email protected] Londrina, 29 a 31 de outubro de 2007 – ISBN 978-85-99643-11-2 Para se ter uma idéia do alcance e mobilização da teledramaturgia junto ao público precisamos considerar que mesmo aquelas pessoas que não assistem a telenovela podem ter acesso a temática desenvolvida na sua trama, uma vez que as “chamadas” sempre apresentam trechos do seu enredo, tomando de assalto a atenção até daquele telespectador mais resistente. Outra forma que a telenovela encontra para alcançar e envolver mais pessoas remete ao fenômeno conhecido como “agenda setting”, conceito baseado na teoria de que o que a mídia veicula permeia o discurso das pessoas, ou seja, segundo Barros Filho é a “hipótese segundo a qual a mídia, pela seleção, disposição e incidência de suas notícias, vem determinar os temas sobre os quais o público falará e discutirá" (2001, p. 169). Maffesoli (1996, p. 50) atesta que “através da explosão publicitária, pela difusão do videotexto ou das imagens televisivas, uma sensibilidade coletiva está se afirmando, e é inútil querer negligenciar ou minimizar”. A novela “Páginas da Vida” escrita por Manoel Carlos e exibida pela Rede Globo (Ago/2006 a Mar/2007), a exemplo de “América” de Glória Peres, trouxe como tema de um de seus núcleos de personagens, a inclusão. Diversas pessoas se emocionaram com a história de Nanda que teve filhos gêmeos, um menino e uma menina, separados após a morte da mãe, em decorrência da discriminação da avó, por Clara apresentar a Síndrome de Down. Clara, personagem vivida por Joana Mocarzel, fez todo o país refletir sobre o processo de inclusão, chamando atenção para o papel da professora e da escola nesse processo e finalmente trouxe aos telespectadores o conceito de escola inclusiva quando Helena, personagem de Regina Duarte, finalmente encontra uma instituição escolar que habita o sonho de milhares de brasileiros. No enredo de “Páginas da Vida” acompanhamos também o depoimento de uma mãe, que a exemplo da personagem Helena, adotou uma criança com Síndrome de Down, fruto do primeiro casamento do seu esposo. Esse recurso de mesclar ficção e realidade, já bastante explorado por Glória Perez, veio conferir à trama de Manoel Carlos a credibilidade necessária junto ao público que acompanhou o drama do casal de gêmeos ao longo de oito meses. Assim, do encontro entre a ficção e a realidade construída em “Páginas da Vida”, emergem algumas questões que nos propomos a analisar: Considerando seu engajamento nas causas sociais a telenovela pode ser inscrita no cenário educacional? Como o processo de inclusão foi tratado na trama de Manoel Carlos? De que forma o conceito de escola inclusiva foi construído no seu enredo? A mistura entre ficção e realidade presente na trama da telenovela favorece a confusão entre o real e o imaginário na população? Nosso objetivo nesta pesquisa foi analisar a forma com que a telenovela vem tratando temas sociais como a inclusão para propor uma discussão quanto ao papel que desempenha na sociedade. O PERCURSO DA PESQUISA - MÉTODO Elegemos a pesquisa bibliográfica como norteadora da nossa ação no processo de coleta de dados. Esta abordagem teórica caracteriza-se principalmente pela “consulta de fontes diversas de informação impressa ou eletrônica” (SANTOS, 2005, p. 7). Em uma pesquisa bibliográfica nos deparamos com inúmeros materiais e fontes de que o pesquisador pode se utilizar para desenvolver seus estudos. Gil (2002) relaciona as principais fontes bibliográficas, às quais podemos somar os materiais disponibilizados em bibliotecas eletrônicas e mídias interativas descritas por Santos (2005), pois com o avanço na informática testemunhamos o surgimento de novas formas de armazenamento de dados e de possibilidades de trocas entre pesquisadores de diferentes países. Londrina, 29 a 31 de outubro de 2007 – ISBN 978-85-99643-11-2 Realizada a partir de levantamentos de materiais com dados já analisados e publicados por meios escritos e/ou eletrônicos (livros, artigos científicos, páginas na web), “esta modalidade de investigação é regida pela pesquisa documental”, de acordo com Santos (2005, p. 7), pois opera também com dados que ainda não receberam tratamento analítico e ainda não foram publicados. Assim, selecionamos quatro trechos da novela de Manoel Carlos “Páginas da Vida” para analisar como o processo de inclusão de portadores de necessidades especiais foi abordado na trama da telenovela gerando discussões em todo o país sobre a atitude de Helena, personagem de Regina Duarte que adota Clara (vivida por Joana Mocarzel) portadora da Síndrome de Down. Utilizamos também alguns fóruns de debate na internet para acompanhar a reação do público e as matérias veiculadas no meio especializado na internet. TELENOVELA: ESPAÇO EDUCACIONAL? - RESULTADO A professora Maria Aparecida Baccega analisa que as produções televisivas “tendo qualidade, serão educativas, serão materiais a mais para o professor usar em sala de aula ou para a sociedade usar” (apud PIVETA, 1999, p.42). Elas fornecem um farto material que dependerá da didática do professor para explorar o assunto em sala de aula, analisando as cenas e explorando criticamente o tema abordado. Estudo realizado pelo Núcleo de pesquisas de Telenovelas da USP garante que novelas são uma poderosa ferramenta de ensino. Segundo os pesquisadores, os pais e professores podem discutir com seus filhos e alunos os valores passados pelos folhetins. ‘Com a ajuda das novelas consegui ensinar meus alunos o que é estrutura narrativa’, orgulha-se a professora de português, Kedna Corrêa. A professora dá aulas para o ensino médio, em Brasília (APRENDIZ, [on line], 2001). De fato, nas mãos do professor qualquer material pode se transformar em objeto de ensino, contudo a idéia de telenovela como ferramenta na educação ganha a cada dia mais adeptos: A TV não substitui a intersubjetividade, mas fornece os conteúdos para situações de interação entre a criança e os outros, especialmente a família e o grupo de pares. Neste, as mensagens da telinha são integradas aos jogos e brincadeiras, em que se manifestam as identificações, a distribuição de papéis e a discussão das regras do jogo, durante o qual se estabelece um complexo jogo de relações intersubjetivas de extrema importância para o desenvolvimento socioafetivo das crianças (BELLONI, 2001, p. 34). De acordo com a proposta de Belloni a telenovela pode ser aproveitada no dia-a-dia formando elos para as relações familiares e desenvolvimento das crianças. Nessa direção tomamos como elemento de análise o tema inclusão, que foi amplamente discutido a partir do drama vivido pela personagem Helena que adota uma criança com Síndrome de Down depois de vê-la ser rejeitada pela avó, que sem qualquer escrúpulo a afasta de seu irmão gêmeo e do convívio do restante da família. A discriminação que Clara sofre na escola só é percebida por Helena, quando na reunião de pais não recebe nenhum trabalho seu. A passagem do tempo neste trecho da novela (capítulo nº. 50) é bem marcado, as pastas com os trabalhos, entregues um a um, remetem à produção que os alunos tiveram no último mês. Quando a professora é questionada por Helena sobre os trabalhinhos da filha, esta tenta dissimular dizendo, a princípio, que teria esquecido o material na sala de aula dos alunos. Londrina, 29 a 31 de outubro de 2007 – ISBN 978-85-99643-11-2 Helena zangada não aceita a fala da professora e destaca o número reduzido de alunos que esta possui para justificar um “esquecimento”. Diante da situação a professora revela a farsa e declara que Clara passou a maior parte do tempo brincando. (...) muitas crianças com necessidades educativas especiais nas áreas de comunicação e linguagem, ou de mobilidade, vivenciam a escolarização como espectadoras. Na construção de uma escola brasileira inclusiva, de fato, e não apenas inclusiva na palavra da lei, será preciso atentar para garantir acesso aos instrumentos de mediação da atividade. Instrumentos esses primordialmente lingüísticos (REILY, 2004, p. 23). Reily (2004) chama a atenção para a necessidade de se tirar as crianças com necessidades especiais da passividade característica dos espectadores, propondo atividades que desenvolvam a comunicação e a linguagem. Dessa forma, quando Helena usando o discurso inicial da professora sobre a necessidade de estimulação na pré-alfabetização cobra coerência na ação docente, o faz segundo o modelo de escola inclusiva que respeita e promove a participação de todos no cenário educacional. A passagem do tempo é mais uma vez destacada na trama, Clara está ali desde que tinha um aninho e só agora passa por essa situação, logo Helena como mãe tem estado atenta ao seu desenvolvimento mesmo na escola. Quando se vê diante da discriminação que Clara sofre o discurso de Helena ganha outro peso, a atitude da professora é taxada como criminosa e ela é ameaçada de denúncia no Ministério Público. Com a diretora da escola a tensão criada na sala de aula perante os outros pais é levemente dissipada, e a discriminação da professora é justificada como incapacidade para lidar com o problema da inclusão. Helena exige providências, mas concorda em deixar Clara na escola diante das argumentações da direção. Em um outro capítulo, Helena vai visitar a escola e percebe que o problema continua acontecendo, novamente discute com a diretora e decide transferir Clara. Na procura por outra instituição escolar conversa com uma diretora no pátio, justificando não ter condições para atender a menina. Quando finalmente Helena encontra a escola que há tanto procurava, observamos que o plano de gravação é o mesmo e a sala da diretora muito parecida com a da escola que atendia Clara anteriormente. Nessa cena, exibida no capítulo 115, surge na conversa o conceito de escola inclusiva na fala da diretora que acaba eximindo de culpa a professora anterior de Clara, tida por Helena como a vilã no processo de inclusão da filha. Reily (2004, p. 22) defende que “na escola inclusiva, os princípios de aprendizagem significativa, em ação e por mediação, valem tanto para os alunos com necessidades educativas especiais como para qualquer outro aluno”. Durante a exibição da novela acompanhamos algumas matérias que eram veiculadas na rede mundial de computadores, vimos que Joana Mocarzel intérprete de Clara já tinha participado como atriz no curta “Do Luto à Luta” de 2005, dirigido por Evaldo Morcazel, seu pai. Joana atuou ainda no programa “É Preciso Saber Viver”, que Dudu Braga apresentava na novela América exibida em 2005, neste programa “fictício” pessoas portadoras de diversas deficiências eram entrevistadas. A novela de Glória Perez também abordou o processo de inclusão, enfocando as dificuldades dos deficientes visuais, mesclando no programa depoimentos reais em meio à ficção do folhetim. A mistura entre ficção e realidade favorecida pela trama de Manoel Carlos levou a mãe de Joana Mocarzel se pronunciar a respeito do processo de inclusão vivido pela filha, vejamos: Londrina, 29 a 31 de outubro de 2007 – ISBN 978-85-99643-11-2 Recentemente, Letícia Morcazel, mãe da atriz-mirim, contou à Agência Estado que Joana está freqüentando a pré-escola pela segunda vez. ‘Nosso primeiro objetivo é que ela seja alfabetizada. Se isso levar dois anos, três anos, não importa. O que importa é que ela cumpra etapas com qualidade e prazer. A Joana tem limitações, mas consegue superá-las de uma maneira muito bacana. Os amigos têm uma relação positiva e são solidários.’ (RAMOS, 2006, p. 1). A carga dramática que o personagem de Clara vive foi tão intensa em alguns capítulos que o público passou a considerar que a atriz por apresentar as mesmas limitações da personagem estivesse vivenciando de forma semelhante a inclusão na escola. Situações dessa ordem favorecem a confusão, até mesmo porque o drama da adoção de uma criança com Down tomou espaço ao término de um dos capítulos da novela apresentando a experiência de vida que uma mulher, a exemplo da personagem Helena, teve ao adotar a filha do casamento anterior de seu marido, acometida pela mesma síndrome que Clara. A TELENOVELA COMO RECURSO PEDAGÓGICO - DISCUSSÃO A discriminação que Clara sofre é muito suavizada diante do cenário de violência que vemos nas escolas na atualidade, com casos de salas superlotadas e professores inexperientes que não cumprem seu papel de ensinar. Na reunião que Helena discute com a professora é importante observar que não há nenhuma criança presente e a professora se mostra ingênua na mentira que tenta passar, confusa e despreparada para lidar com o problema de Clara. Nessa direção, o discurso de Helena intimida a professora e a escola, pois traz a lei e a ameaça de denúncia. A cena exibida apresenta uma série de informações úteis para os pais que se vêem diante de um problema semelhante, pois discute a estimulação necessária à fase de pré-alfabetização, o papel que a professora deve desempenhar, desqualifica a brincadeira como única ferramenta de ensino. Outro ponto observado é que a figura da professora é que surge confusa e despreparada como ocorre normalmente com a maioria dos pais que se vêem impotentes diante da perícia escola. Belloni (2001) propõe que a telenovela seja aproveitada no dia-a-dia formando elos para as relações familiares e desenvolvimento das crianças, no entanto, por mais que se esteja atento ao seu conteúdo, algumas cenas, por não apresentarem um texto adequado para a idade, podem causar mais danos que benefícios para as crianças que, muitas vezes, não estão preparadas para enfrentar certas problemáticas do universo adulto. Helena é retratada como uma mãe que mesmo sem ter tem todas as respostas não se intimida e luta pelos direitos de sua filha, conclamando a sociedade a lidar com a inclusão de outra forma. Espanto. Este pode ser um dos adjetivos mais aplicado à sociedade de forma geral se o desejo da professora Maria Aparecida Baccega, um dia, for realizado. Ela espera que a telenovela entre na sala de aula e auxilie na formação da criança, pois acredita que a sociedade tem muito a ganhar se a telenovela suscitar debates, discussões, redações, e peças de teatro nas escolas. A idéia não descarta o que a telenovela tem de ruim, mas objetiva discutir e fazer com que o professor explique aos alunos o porquê de determinado fato/cena ser errado, preconceituoso ou discriminatório (PIVETA, 1999, p.36). Londrina, 29 a 31 de outubro de 2007 – ISBN 978-85-99643-11-2 Quando surge o conceito de escola inclusiva o público é informado de como esta deve ser constituída para dar suporte ao trabalho do professor junto aos alunos, Helena que é médica fica surpresa com a novidade. A semelhança com que são retratadas as duas escolas, a que discrimina e a que inclui, levam o público a pensar que a diferença está unicamente na ação e no preparo dos profissionais para lidar com o tema e não na estrutura física da escola. O que contrasta com a realidade do ensino público no nosso país, pois mesmo o número de alunos matriculados por turma, em geral, é superior ao apresentado nas cenas da novela. Quanto à mistura entre ficção e realidade promovida em “Páginas da Vida” ela se efetivou em dois momentos, quando as pessoas passaram a confundir Joana Mocarzel com sua personagem Clara em face das limitações que a Síndrome de Down confere, especulando inclusive sobre a discriminação que a atriz/personagem sofria na escola, o que levou a mãe de Joana a se pronunciar a respeito, e, em um segundo momento, quando o depoimento de pessoas reais era veiculado ao término de cada capítulo da novela. Analisando os primeiros ciclos da programação na TV, Marcondes Fº (1994), tinha-se a idéia de que havia uma separação nítida entre ficção e realidade, o que já não se constata mais na opinião de Umberto Eco. O crítico italiano Umberto Eco é o primeiro a defender a tese de que foi abolida essa divisão na televisão. Para ele, já não existe mais a clássica separação entre ficção e nãoficção, entre programas jornalísticos e programas ligados ao imaginário, mas sim a divisão entre dois tipos de forma de se fazer televisão: aquela em que as pessoas falam olhando para a câmera e outra, em que as pessoas falam sem olhar para ela (MARCONDES Fº, 1994, p. 35). De fato, as conseqüências que a confusão entre real e imaginário provoca na população ainda são mal equacionados e o preço de toda essa interatividade precisa ser melhor estudado. O que se discute ainda é se a telenovela no contexto de sala de aula, pode ser útil ao professor. Sobre esse ponto diversos autores argumentam que se o professor souber explorar criticamente a temática novelística no sentido de aproveitar o que os alunos vêem, com o cuidado de propor também outras atividades mais construtivas, a fim de não estimular ainda mais a audiência desse programa, a telenovela pode se converter a favor do ensino “negar o uso da TV para a criança popular na escola é negar-lhe a chance de ter uma razão a mais para gostar da escola e, principalmente, é negar-lhe a possibilidade de ser sujeito na relação com a TV” (GADOTTI, 2000, p. 213). De fato, a televisão como recurso tecnológico supera outros meios utilizados na escola, ignorar seu efeito sobre a população, pode colocar o ensino à margem da discussão que seus programas suscitam e desencorajar o aluno que se encontra familiarizado com sua linguagem. Estou fazendo um elogio à TV, porque sei que pode auxiliar-nos também na melhoria da qualidade do ensino. (...) A TV pode ser um bom instrumento para isso, mas será sempre um instrumento e, como todo instrumento, os resultados dependerão de quem o utiliza. Como dizia Voltaire, ‘Deus é contra quem faz a guerra, mas fica do lado de quem atira bem’. É preciso, acima de tudo, formar o professor e a professora para que tenham boa pontaria (GADOTTI, 2001, p. 214). Nesse sentido é essencial investir na formação do professor, para que sua compreensão possa explorar os outros significados ocultos no enredo das telenovelas que se modernizam cada vez Londrina, 29 a 31 de outubro de 2007 – ISBN 978-85-99643-11-2 mais, inaugurando novas formas de impor o consumo aos cidadãos, em meio ao entretenimento e campanhas educacionais. Como as telenovelas buscam a todo custo aprisionar o telespectador para garantir sua audiência, muitas vezes lançam mão de recursos pouco ortodoxos visando transformar o comportamento de toda a sociedade, senão dirigi-lo, portanto, todo cuidado é bem vindo no momento de incluir a programação da telinha no cenário educacional. Contatamos que a discriminação que Clara sofre é muito suavizada diante do cenário de violência que vemos nas escolas na atualidade, com casos de salas superlotadas e professores inexperientes que não cumprem o papel de ensinar. Para que a novela tenha seu caráter educacional definitivamente reconhecido, precisaria estar a princípio, dissociada da comoção em favor do consumismo, logo, considerar a telenovela como meio educativo pode nos induzir ao erro, pois esta não tem comprometimento com a causa educacional, seu campo de ação se circunscreve ao entretenimento, numa rede em que “fala mais alto” a audiência e o lucro, pois todo meio de comunicação é antes de tudo uma empresa. Contextualizar a telenovela em meio aos problemas educacionais do Brasil lhe dá responsabilidades e atributos que ela, normalmente, não tem. O que é preciso deixar claro é que a telenovela tem por finalidade entreter e, neste bojo, ela pode mesclar ‘pitadas de conhecimento’ no seu enredo, e não o contrário. Se em uma determinada cena a telenovela ensina como se faz um auto-exame de câncer de mama, em várias outras ela pode mostrar, por exemplo, os problemas cotidianos amenizados ou satirizados. O dia em que a telenovela se ater a um enredo inteiramente educativo, estará fadada ao fracasso. Na hora da novela o telespectador quer ter um momento de descanso e diversão para contrapor os problemas e dificuldades do dia-a-dia. Educar é papel do Estado, a telenovela pode apenas auxiliá-lo neste difícil processo (PIVETA, 1999, p. 23). Sobre a mistura entre o real e o imaginário, ficção e realidade vimos que o público encontra dificuldade para discernir entre o que se passa na vida real e na novela, mesmo entre os atores, portanto, faz-se necessária uma discussão sobre esse artifício, mesmo que venha sendo utilizado para tratar de temas sociais e campanhas educacionais, pois como já discutimos a telenovela enquanto coadjuvante da aprendizagem pode sim ser aproveitada pelo professor se ele estiver preparado para fazer uma leitura crítica da comoção e do consumo que os folhetins televisivos promovem. Dessa forma, os incentivos que o governo destina às campanhas educacionais na televisão, que na atualidade envolvem quase que toda a programação televisiva podem sim contribuir para apenas informar o telespectador que se diverte sob a pretensa intenção de ser tocado pela mensagem “educativa”. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS APRENDIZ. Novelas servem de material de apoio em sala de aula. Aprendiz, [on line], Julho de 2001. Disponível em: <http://www.uol.com.br/aprendiz/n_noticias/satelite/id180800.htm> Acessado em Ago/2002. BARROS FILHO, Clóvis de. Ética na Comunicação: da informação ao receptor. São Paulo: Moderna, 2001. Londrina, 29 a 31 de outubro de 2007 – ISBN 978-85-99643-11-2 BELLONI, Maria Luiza. O que é Mídia-Educação: Polêmicas do Nosso Tempo. Petrópolis: Autores Associados, 2001. GADOTTI, Moacir. A televisão como espaço educativo. In: Perspectivas Atuais na Educação. Moacir Gadotti e Colaboradores. Porto Alegre: Artmed, 2000. MAFFESOLI, M. No Fundo das Aparências. 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