O PROCESSO DE INCLUSÃO NO ENREDO DA TELENOVELA
BRASILEIRA
CABREIRA, Luciana Grandini – UEM
E-mail: [email protected]
CABREIRA, –Luzia Grandini UEM
E-mail: [email protected]
ALENCAR, Gizeli Aparecida Ribeiro de– UEM
E-mail: [email protected]
Resumo
O teor ideológico presente nas telenovelas já foi tema de diversos estudos, contudo, vemos
que o discurso acadêmico hoje se volta para a análise do seu teor e de seu papel na educação.
Nessa direção alguns autores se empenham para conferir maior seriedade, retratando em seu
enredo temas sociais como a inclusão. Esse movimento para inscrever a telenovela no cenário
educacional e protegê-la de possíveis críticas conta com o engajamento de autores como
Glória Perez e Manoel Carlos que a exemplo de “O Clone” e “América”, trouxe em “Páginas
da Vida” o testemunho de pessoas reais em meio ao enredo do folhetim televisivo, o que
gerou muita polêmica em razão do teor de alguns casos. Outros espaços, melhor aproveitados,
vieram apoiar a trama, como o depoimento de uma mãe, que a exemplo da personagem
Helena, adotou uma criança com Síndrome de Down. Assim, amparamos nosso estudo nos
pressupostos da pesquisa bibliográfica, a fim de analisar o tratamento que a novela “Páginas
da Vida” conferiu ao processo de inclusão vivido por Clara, personagem de Joana Mocarzel,
para então discutir o papel que desempenha na sociedade. A idéia de telenovela, como espaço
educacional, tem sido apoiada por autores que como Belloni (2001) argumentam que sua
trama pode ser aproveitada no dia-a-dia formando elos para as relações familiares e
desenvolvimento das crianças. No entanto, considerar a telenovela um espaço comprometido
com a educação pode nos induzir ao erro, pois esta como qualquer outro produto da indústria
cultural também dissemina o consumo.
Palavras-chave: Inclusão - Telenovela - Educação.
Telenovela: o que a arte encena do que a vida ensina?
Antes vista como produto meramente ideológico, hoje a telenovela tem seu potencial
para a educação reavaliado e discutido por inúmeros teóricos que atentam para as dimensões
que alcançam as problematizações apresentadas na sua trama. Cada autor, com seu estilo,
procura integrar no enredo questões que possam esclarecer fenômenos sociais ou mesmo
espelhar as transformações da sociedade, através da discussão que evoca no público.
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Para se ter uma idéia do alcance e mobilização da teledramaturgia junto ao público
precisamos considerar que mesmo aquelas pessoas que não assistem a telenovela podem ter
acesso a temática desenvolvida na sua trama, uma vez que as “chamadas” sempre apresentam
trechos do seu enredo, tomando de assalto a atenção até daquele telespectador mais resistente.
Outra forma que a telenovela encontra para alcançar e envolver mais pessoas remete
ao fenômeno conhecido como “agenda setting”, conceito baseado na teoria de que o que a
mídia veicula permeia o discurso das pessoas, ou seja, segundo Barros Filho é a “hipótese
segundo a qual a mídia, pela seleção, disposição e incidência de suas notícias, vem determinar
os temas sobre os quais o público falará e discutirá" (2001, p. 169). Maffesoli (1996, p. 50)
atesta que “através da explosão publicitária, pela difusão do videotexto ou das imagens
televisivas, uma sensibilidade coletiva está se afirmando, e é inútil querer negligenciar ou
minimizar”.
A novela “Páginas da Vida” escrita por Manoel Carlos e exibida pela Rede Globo
(Ago/2006 a Mar/2007), a exemplo de “América” de Glória Peres, trouxe como tema de um
de seus núcleos de personagens, a inclusão. Diversas pessoas se emocionaram com a história
de Nanda que teve filhos gêmeos, um menino e uma menina, separados após a morte da mãe,
em decorrência da discriminação da avó, por Clara apresentar a Síndrome de Down.
Clara, personagem vivida por Joana Mocarzel fez todo o país refletir sobre o processo
de inclusão, chamando atenção para o papel da professora e da escola nesse processo e
finalmente trouxe aos telespectadores o conceito de escola inclusiva quando Helena,
personagem de Regina Duarte, finalmente encontra uma instituição escolar que habita o sonho
de milhares de brasileiros.
No enredo de “Páginas da Vida” acompanhamos também o depoimento de uma mãe,
que a exemplo da personagem Helena, adotou uma criança com Síndrome de Down, fruto do
primeiro casamento do seu esposo. Esse recurso de mesclar ficção e realidade, já bastante
explorado por Glória Perez, veio conferir à trama de Manoel Carlos a credibilidade necessária
junto ao público que acompanhou o drama do casal de gêmeos ao longo de oito meses.
Assim, do encontro entre a ficção e a realidade construída em “Páginas da Vida”,
emergem algumas questões que nos propomos a analisar: Considerando seu engajamento nas
causas sociais a telenovela pode ser inscrita no cenário educacional? Como o processo de
inclusão foi tratado na trama de Manoel Carlos? De que forma o conceito de escola inclusiva
foi construído no seu enredo? A mistura entre ficção e realidade presente na trama da
telenovela favorece a confusão entre o real e o imaginário na população?
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Nosso objetivo nesta pesquisa foi analisar a forma com que a telenovela vem tratando
temas sociais como a inclusão para propor uma discussão quanto ao papel que desempenha na
sociedade.
Telenovela: Espaço Educacional?
A Rede Globo, aproveitando os incentivos do Governo para investir nos Programas
Educativos costuma destinar espaços de pouca audiência na programação para as produções
com este caráter, que embora bem produzidos, têm seu alcance limitado a um público restrito
que se esforça para assistir ou gravar os temas de maior interesse.
O volume fantástico de recursos públicos repassados a empresas como a TV Globo
acrescido das isenções em nome de programas educativos que são passados em
horários pouco comerciáveis, são uma prática perversa de dilapidar o fundo público
sem avaliação e controle pela sociedade organizada (FRIGOTTO, 1997, p.81).
A crítica de Frigotto vem denunciar os valores vultuosos que envolvem a política de
incentivo à Educação, promovida pelo governo nos meios de comunicação, sem que o público
tenha conhecimento do montante envolvido nessas transações.
Desde então a educação que ficava relegada aos Programas Educativos, como os
“Telecursos” (que sempre ocuparam um horário pouco nobre na sua programação), tem
ocupado horários de maior audiência na TV.
Assim, vemos que telenovela, concebida a partir da adaptação dos folhetins, tem se
engajado em diversas campanhas educacionais, pretendendo-se mais séria e distante dos
dramalhões que a cubana Glória Madagan ajudou a implantar no cenário brasileiro. Nesse
sentido, testemunhamos movimentos que se levantam para conferir à telenovela maior
seriedade agregando valores colhidos às pressas na malha social.
Proteger a novela de possíveis críticas que a qualifiquem de alienante é a
preocupação de vários autores. Um deles é Renato Ortiz. Ele procura entender esse
gênero dramático ‘como um veículo de mensagens que ultrapassa o mero
entretenimento’. Deste posicionamento fazem parte os autores Benedito Ruy
Barbosa, Lauro César Muniz, Ivani Ribeiro, entre outros. Eles alegam que ‘pitadas
de conhecimento’, quando bem trabalhadas, tornam este gênero dramático mais
significativo e respeitável (PIVETA, 1999, p. 31).
Lauro César Muniz confirma a preocupação em transmitir ao público conteúdo em
meio ao entretenimento na tentativa de inscrever a telenovela no cenário educacional
brasileiro “como escritor de novela procuro dar o máximo de informações possíveis ao
espectador na medida em que este é um país onde não se lê. Então eu procuro nas minhas
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novelas, mesmo que sacrifique um pouco esteticamente a novela, dar informações à grande
massa (Ortiz apud PIVETA, 1999, p.31)
No contexto atual, em face do poder de mobilização que a telenovela alcança e do teor
educacional que diversos autores tentam conferir ao seu enredo vemos que Green; Bigum
(1995) têm razão em reivindicar para a mídia o papel de aparelho ideológico do Estado, antes
conferido por Althusser (1998) à escola!
Em meio a tantas discussões, a novela brasileira ganha respeito por seu potencial de
mobilização popular, e não há outra atração mais presente na programação televisiva. Se
avaliarmos o universo que ronda os atores e diretores na vigência de uma trama,
constataremos uma campanha mercadológica em torno deste evento.
O “plot”, termo técnico que representa um plano de enredo na novela, representa a
unidade que identifica cada cena na trama. É comum vermos todo trabalho na telenovela
voltado para um ou outro “plot” principal, que interligado aos secundários integram o
folhetim televisivo.
Cada segmento de novela é formado por diversos miniquadros, que se intervalam
sem um choque necessariamente forte ou expressivo, mas confluem para um quadro
‘impactante’ final, geralmente fechado com o som de uma canção de fundo, que
sobe à altura das vozes dos atores, produzindo tensão. Nesse momento de auge, a
cena é suspensa e entra o comercial, que embarca de carona na emoção suspensa
pelo drama. O oportunismo do comercial está em roubar uma atenção que fora
produzida por outra cena, com seus meios dramáticos, utilizando o jogo com a
memória, a excitação, os impactos afetivos-sentimentais ou trágicos
(MARCONDES FILHO, 1994, p.46).
Fica evidente o comprometimento da novela com o consumo, as estratégias vão desde a
preparação emocional para o intervalo comercial, até ao conhecido merchandising, inclusão
de um produto nas cenas de maior destaque.
A novela “vende” moda, música, comportamento, revista, explorando a vida pessoal
dos atores, os destinos da trama junto ao autor e as cenas que irão ao ar. Em meio a este
“mercado popular” de que forma a novela educa?
A telenovela é educativa no sentido de levantar discussões pertinentes à sociedade
brasileira para um público relativamente pouco informado. A novela A próxima
Vítima de autoria de Silvio de Abreu, levada ao ar, em 1994, pela Rede Globo
incluiu assuntos como o homossexualismo e preconceito racial, que apesar de
fazerem parte do dia-a-dia das pessoas, são pouco discutidos ou compreendidos.
Baccega enfatiza que ‘todos que a viam, e até mesmo muitas pessoas que não a
acompanhavam foram levados a refletir sobre esses assuntos’. ‘Aliás’, completa,
‘acredito que a telenovela está sempre um passo a frente da sociedade. Ela vai além
dos limites morais da maioria das pessoas’ (PIVETA, 1999, p.35).
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Antes de considerar a telenovela educativa precisamos nos ater a outras questões que
circunscrevem o seu enredo e realização, de outra forma estaríamos nos posicionando
prematuramente sobre os argumentos dos defensores destes folhetins televisivos,
arrebanhados como a multidão que se vê seduzida tal qual Narciso diante de sua imagem
refletida no lago.
Assim, “não é a TV que é o espelho da sociedade, mas exatamente o contrário: é a
sociedade que é o espelho da TV” (Kroker apud MARCONDES FILHO, 1994, p. 35), embora
contradiga o senso comum, de que a TV seja o reflexo da sociedade, Kroker capta bem a
interferência que a sociedade sofre dos meios de comunicação, haja visto o caráter dominante
alcançado por este meio de comunicação.
O Percurso da Pesquisa
Elegemos a pesquisa bibliográfica como norteadora da nossa ação no processo de
coleta de dados. Esta abordagem teórica caracteriza-se principalmente pela “consulta de
fontes diversas de informação impressa ou eletrônica” (SANTOS, 2005, p. 7).
Em uma pesquisa bibliográfica nos deparamos com inúmeros materiais e fontes de que
o pesquisador pode se utilizar para desenvolver seus estudos. Gil (2002) relaciona as
principais fontes bibliográficas, às quais podemos somar os materiais disponibilizados em
bibliotecas eletrônicas e mídias interativas descritas por Santos (2005), pois com o avanço na
informática testemunhamos o surgimento de novas formas de armazenamento de dados e de
possibilidades de trocas entre pesquisadores de diferentes países.
Realizada a partir de levantamentos de materiais com dados já analisados e publicados
por meios escritos e/ou eletrônicos (livros, artigos científicos, páginas na web), “esta
modalidade de investigação é regida pela pesquisa documental”, de acordo com Santos (2005,
p. 7), pois opera também com dados que ainda não receberam tratamento analítico e ainda não
foram publicados.
Assim, selecionamos quatro trechos da novela de Manoel Carlos “Páginas da Vida”
para analisar como o processo de inclusão de portadores de necessidades especiais foi
abordado na trama da telenovela gerando discussões em todo o país sobre a atitude de Helena,
personagem de Regina Duarte que adota Clara (vivida por Joana Mocarzel) portadora da
Síndrome de Down. Utilizamos também alguns fóruns de debate na internet para acompanhar
a reação do público e as matérias veiculadas no meio especializado na internet.
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Novelas como Recurso Pedagógico?
A professora Maria Aparecida Baccega analisa que as produções televisivas “tendo
qualidade, serão educativas, serão materiais a mais para o professor usar em sala de aula ou
para a sociedade usar” (apud PIVETA, 1999, p.42). Elas fornecem um farto material que
dependerá da didática do professor para explorar o assunto em sala de aula, analisando as
cenas e explorando criticamente o tema abordado.
Estudo realizado pelo Núcleo de pesquisas de Telenovelas da USP garante que
novelas são uma poderosa ferramenta de ensino. Segundo os pesquisadores, os pais
e professores podem discutir com seus filhos e alunos os valores passados pelos
folhetins. ‘Com a ajuda das novelas consegui ensinar meus alunos o que é estrutura
narrativa’, orgulha-se a professora de português, Kedna Corrêa. A professora dá
aulas para o ensino médio, em Brasília (APRENDIZ, [on line], 2001).
De fato, nas mãos do professor qualquer material pode se transformar em objeto de
ensino, contudo a idéia de telenovela como ferramenta na educação ganha a cada dia mais
adeptos:
A TV não substitui a intersubjetividade, mas fornece os conteúdos para situações de
interação entre a criança e os outros, especialmente a família e o grupo de pares.
Neste, as mensagens da telinha são integradas aos jogos e brincadeiras, em que se
manifestam as identificações, a distribuição de papéis e a discussão das regras do
jogo, durante o qual se estabelece um complexo jogo de relações intersubjetivas de
extrema importância para o desenvolvimento socioafetivo das crianças (BELLONI,
2001, p. 34).
De acordo com a proposta de Belloni a telenovela pode ser aproveitada no dia-a-dia
formando elos para as relações familiares e desenvolvimento das crianças. Nessa direção
tomamos como elemento de análise o tema inclusão, que foi amplamente discutido a partir do
drama vivido pela personagem Helena que adota uma criança com Síndrome de Down depois
de vê-la ser rejeitada pela avó, que sem qualquer escrúpulo a afasta de seu irmão gêmeo e do
convívio do restante da família. Constituindo, portanto, uma mistura entre o “plot” família e o
“plot” sacrifício personificado por Helena que luta e suporta tudo na defesa dos direitos de
Clara.
A discriminação que Clara sofre na escola só é percebida por Helena, quando na
reunião de pais não recebe nenhum trabalho seu. A passagem do tempo neste trecho da novela
(capítulo nº. 50) é bem marcado, as pastas com os trabalhos, entregues um a um, remetem à
produção que os alunos tiveram no último mês.
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Quando a professora é questionada por Helena sobre os trabalhinhos da filha, esta
tenta dissimular dizendo, a princípio, que teria esquecido o material na sala de aula dos
alunos. Helena zangada não aceita a fala da professora e destaca o número reduzido de alunos
que esta possui para justificar um “esquecimento”. Diante da situação a professora revela a
farsa e declara que Clara passou a maior parte do tempo brincando.
(...) muitas crianças com necessidades educativas especiais nas áreas de
comunicação e linguagem, ou de mobilidade, vivenciam a escolarização como
espectadoras. Na construção de uma escola brasileira inclusiva, de fato, e não apenas
inclusiva na palavra da lei, será preciso atentar para garantir acesso aos instrumentos
de mediação da atividade. Instrumentos esses primordialmente lingüísticos (REILY,
2004, p. 23).
Reily (2004) chama a atenção para a necessidade de se tirar as crianças com
necessidades especiais da passividade característica dos espectadores, propondo atividades
que desenvolvam a comunicação e a linguagem.
Dessa forma, quando Helena usando o discurso inicial da professora sobre a
necessidade de estimulação na pré-alfabetização cobra coerência na ação docente, o faz
segundo o modelo de escola inclusiva que respeita e promove a participação de todos no
cenário educacional.
A passagem do tempo é mais uma vez destacada na trama, Clara está ali desde que
tinha um aninho e só agora passa por essa situação, logo Helena como mãe tem estado atenta
ao seu desenvolvimento mesmo na escola.
Quando se vê diante da discriminação que Clara sofre o discurso de Helena ganha
outro peso, a atitude da professora é taxada como criminosa e ela é ameaçada de denúncia no
Ministério Público.
Com a diretora da escola a tensão criada na sala de aula perante os outros pais é
levemente dissipada, e a discriminação da professora é justificada como incapacidade para
lidar com o problema da inclusão. Helena exige providências, mas concorda em deixar Clara
na escola diante das argumentações da direção.
Em um outro capítulo, Helena vai visitar a escola e percebe que o problema continua
acontecendo, novamente discute com a diretora e decide transferir Clara. Na procura por outra
instituição escolar conversa com uma diretora no pátio, justificando não ter condições para
atender a menina.
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Quando finalmente Helena encontra a escola que há tanto procurava, observamos que
o plano de gravação é o mesmo e a sala da diretora muito parecida com a da escola que
atendia Clara anteriormente. Nessa cena, exibida no capítulo 115, surge na conversa o
conceito de escola inclusiva na fala da diretora que acaba eximindo de culpa a professora
anterior de Clara, tida por Helena como a vilã no processo de inclusão da filha. Reily (2004,
p. 22) defende que “na escola inclusiva, os princípios de aprendizagem significativa, em ação
e por mediação, valem tanto para os alunos com necessidades educativas especiais como para
qualquer outro aluno”.
Durante a exibição da novela acompanhamos algumas matérias que eram veiculadas
na rede mundial de computadores, vimos que Joana Mocarzel intérprete de Clara já tinha
participado no curta “Do Luto à Luta” de 2005, dirigido por Evaldo Morcazel seu pai na vida
real.
Joana atuou ainda no programa “É Preciso Saber Viver”, que Dudu Braga apresentava
na novela América exibida em 2005, neste programa “fictício” pessoas portadoras de diversas
deficiências eram entrevistadas. A novela de Glória Perez também abordou o processo de
inclusão, enfocando as dificuldades dos deficientes visuais, mesclando no programa
depoimentos reais em meio à ficção do folhetim.
A mistura entre ficção e realidade
favorecida pela trama de Manoel Carlos levou a mãe de Joana Mocarzel se pronunciar a
respeito do processo de inclusão vivido pela filha, vejamos:
Recentemente, Letícia Morcazel, mãe da atriz-mirim, contou à Agência Estado que
Joana está freqüentando a pré-escola pela segunda vez. ‘Nosso primeiro objetivo é
que ela seja alfabetizada. Se isso levar dois anos, três anos, não importa. O que
importa é que ela cumpra etapas com qualidade e prazer. A Joana tem limitações,
mas consegue superá-las de uma maneira muito bacana. Os amigos têm uma relação
positiva e são solidários.’ (RAMOS, 2006, p. 1).
A carga dramática que o personagem de Clara vive foi tão intensa em alguns capítulos
que o público passou a considerar que a atriz por apresentar as mesmas limitações da
personagem estivesse vivenciando de forma semelhante a inclusão na escola.
Situações dessa ordem favorecem a confusão, até mesmo porque o drama da adoção
de uma criança com Down tomou espaço ao término de um dos capítulos da novela
apresentando a experiência de vida que uma mulher, a exemplo da personagem Helena, teve
ao adotar a filha do casamento anterior de seu marido, acometida pela mesma síndrome que
Clara.
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A Telenovela como Recurso Pedagógico
A discriminação que Clara sofre é muito suavizada diante do cenário de violência que
vemos nas escolas na atualidade, com casos de salas superlotadas e professores inexperientes
que não cumprem seu papel de ensinar.
Na reunião que Helena discute com a professora é importante observar que não há
nenhuma criança presente e a professora se mostra ingênua na mentira que tenta passar,
confusa e despreparada para lidar com o problema de Clara. Nessa direção, o discurso de
Helena intimida a professora e a escola, pois traz a lei e a ameaça de denúncia.
A cena exibida apresenta uma série de informações úteis para os pais que se vêem
diante de um problema semelhante, pois discute a estimulação necessária à fase de préalfabetização, o papel que a professora deve desempenhar, desqualifica a brincadeira como
única ferramenta de ensino. Outro ponto observado é que a figura da professora é que surge
confusa e despreparada como ocorre normalmente com a maioria dos pais que se vêem
impotentes diante da perícia escola.
Belloni (2001) propõe que a telenovela seja aproveitada no dia-a-dia formando elos
para as relações familiares e desenvolvimento das crianças, no entanto, por mais que se esteja
atento ao seu conteúdo, algumas cenas, por não apresentarem um texto adequado para a idade,
podem causar mais danos que benefícios para as crianças que, muitas vezes, não estão
preparadas para enfrentar certas problemáticas do universo adulto.
Helena é retratada como uma mãe que mesmo sem ter tem todas as respostas não se
intimida e luta pelos direitos de sua filha, conclamando a sociedade a lidar com a inclusão de
outra forma.
Espanto. Este pode ser um dos adjetivos mais aplicado à sociedade de forma geral se
o desejo da professora Maria Aparecida Baccega, um dia, for realizado. Ela espera
que a telenovela entre na sala de aula e auxilie na formação da criança, pois acredita
que a sociedade tem muito a ganhar se a telenovela suscitar debates, discussões,
redações, e peças de teatro nas escolas. A idéia não descarta o que a telenovela tem
de ruim, mas objetiva discutir e fazer com que o professor explique aos alunos o
porquê de determinado fato/cena ser errado, preconceituoso ou discriminatório
(PIVETA, 1999, p.36).
Quando surge o conceito de escola inclusiva o público é informado de como esta deve
ser constituída para dar suporte ao trabalho do professor junto aos alunos, Helena que é
médica fica surpresa com a novidade.
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A semelhança com que são retratadas as duas escolas, a que discrimina e a que inclui,
levam o público a pensar que a diferença está unicamente na ação e no preparo dos
profissionais para lidar com o tema e não na estrutura física da escola. O que contrasta com a
realidade do ensino público no nosso país, pois mesmo o número de alunos matriculados por
turma, em geral, é superior ao apresentado nas cenas da novela.
Quanto à mistura entre ficção e realidade promovida em “Páginas da Vida” ela se
efetivou em dois momentos, quando as pessoas passaram a confundir Joana Mocarzel com
sua personagem Clara em face das limitações que a Síndrome de Down confere, especulando
inclusive sobre a discriminação que a atriz/personagem sofria na escola, o que levou a mãe de
Joana a se pronunciar a respeito, e, em um segundo momento, quando o depoimento de
pessoas reais era veiculado ao término de cada capítulo da novela.
Analisando os primeiros ciclos da programação na TV, Marcondes Filho (1994),
tinha-se a idéia de que havia uma separação nítida entre ficção e realidade, o que já não se
constata mais na opinião de Umberto Eco.
O crítico italiano Umberto Eco é o primeiro a defender a tese de que foi abolida essa
divisão na televisão. Para ele, já não existe mais a clássica separação entre ficção e
não-ficção, entre programas jornalísticos e programas ligados ao imaginário, mas
sim a divisão entre dois tipos de forma de se fazer televisão: aquela em que as
pessoas falam olhando para a câmera e outra, em que as pessoas falam sem olhar
para ela (MARCONDES FILHO, 1994, p. 35).
De fato, as conseqüências que a confusão entre real e imaginário provoca na
população ainda são mal equacionados e o preço de toda essa interatividade precisa ser
melhor estudado.
O que se discute ainda é se a telenovela no contexto de sala de aula, pode ser útil ao
professor. Sobre esse ponto diversos autores argumentam que se o professor souber explorar
criticamente a temática novelística no sentido de aproveitar o que os alunos vêem, com o
cuidado de propor também outras atividades mais construtivas, a fim de não estimular ainda
mais a audiência desse programa, a telenovela pode se converter a favor do ensino “negar o
uso da TV para a criança popular na escola é negar-lhe a chance de ter uma razão a mais para
gostar da escola e, principalmente, é negar-lhe a possibilidade de ser sujeito na relação com a
TV” (GADOTTI, 2000, p. 213).
De fato, a televisão como recurso tecnológico supera outros meios utilizados na
escola, ignorar seu efeito sobre a população, pode colocar o ensino à margem da discussão
que seus programas suscitam e desencorajar o aluno que se encontra familiarizado com sua
linguagem.
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Estou fazendo um elogio à TV, porque sei que pode auxiliar-nos também na
melhoria da qualidade do ensino. (...) A TV pode ser um bom instrumento para isso,
mas será sempre um instrumento e, como todo instrumento, os resultados
dependerão de quem o utiliza. Como dizia Voltaire, ‘Deus é contra quem faz a
guerra, mas fica do lado de quem atira bem’. É preciso, acima de tudo, formar o
professor e a professora para que tenham boa pontaria (GADOTTI, 2001, p. 214).
Nesse sentido é essencial investir na formação do professor, para que sua compreensão
possa explorar os outros significados ocultos no enredo das telenovelas que se modernizam
cada vez mais, inaugurando novas formas de impor o consumo aos cidadãos, em meio ao
entretenimento e campanhas educacionais.
Como as telenovelas buscam a todo custo aprisionar o telespectador para garantir sua
audiência, muitas vezes lançam mão de recursos pouco ortodoxos visando transformar o
comportamento de toda a sociedade, senão dirigi-lo, portanto, todo cuidado é bem vindo no
momento de incluir a programação da telinha no cenário educacional.
Algumas Considerações
Contatamos que a discriminação que Clara sofre é muito suavizada diante do cenário
de violência que vemos nas escolas na atualidade, com casos de salas superlotadas e
professores inexperientes que não cumprem o papel de ensinar.
Para que a novela tenha seu caráter educacional definitivamente reconhecido,
precisaria estar a princípio, dissociada da comoção em favor do consumismo, logo, considerar
a telenovela como meio educativo pode nos induzir ao erro, pois esta não tem
comprometimento com a causa educacional, seu campo de ação se circunscreve ao
entretenimento, numa rede em que “fala mais alto” a audiência e o lucro, pois todo meio de
comunicação é antes de tudo uma empresa.
Contextualizar a telenovela em meio aos problemas educacionais do Brasil lhe dá
responsabilidades e atributos que ela, normalmente, não tem. O que é preciso deixar
claro é que a telenovela tem por finalidade entreter e, neste bojo, ela pode mesclar
‘pitadas de conhecimento’ no seu enredo, e não o contrário. Se em uma determinada
cena a telenovela ensina como se faz um auto-exame de câncer de mama, em várias
outras ela pode mostrar, por exemplo, os problemas cotidianos amenizados ou
satirizados. O dia em que a telenovela se ater a um enredo inteiramente educativo,
estará fadada ao fracasso. Na hora da novela o telespectador quer ter um momento
de descanso e diversão para contrapor os problemas e dificuldades do dia-a-dia.
Educar é papel do Estado, a telenovela pode apenas auxiliá-lo neste difícil processo
(PIVETA, 1999, p. 23).
4584
Sobre a mistura entre o real e o imaginário, ficção e realidade vimos que o público
encontra dificuldade para discernir entre o que se passa na vida real e na novela, mesmo entre
os atores, portanto, faz-se necessária uma discussão sobre esse artifício, mesmo que venha
sendo utilizado para tratar de temas sociais e campanhas educacionais, pois como já
discutimos a telenovela enquanto coadjuvante da aprendizagem pode sim ser aproveitada pelo
professor se ele estiver preparado para fazer uma leitura crítica da comoção e do consumo que
os folhetins televisivos promovem.
Dessa forma, os incentivos que o governo destina às campanhas educacionais na
televisão, que na atualidade envolvem quase que toda a programação televisiva podem sim
contribuir para apenas informar o telespectador que se diverte sob a pretensa intenção de ser
tocado pela mensagem “educativa”.
Referências
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o processo de inclusão no enredo da telenovela brasileira