Maria Sara da Ascensão Renca
2011/2012
Introdução
A situação económica actual é dominada por um capitalismo feroz, onde se acentua a
competitividade, o predomínio de interesses privados individuais, onde há pouco espaço para a
cooperação e a solidariedade. O que move os principais agentes económicos é a maximização do lucro.
O trabalho, ou seja, as pessoas converteram-se em mercadorias que se podem trocar por dinheiro. As
desigualdades sociais que decorrem deste sistema económico-financeiro baseado na acumulação do
capital são enormes e o consequente empobrecimento e endividamento de grande parte das populações
são cada vez maiores, o mesmo pode dizer-se da degradação ecológica.
Face a esta situação, há que tornar possível uma actividade económica centrada na promoção da
vida, que potencie uma maior coesão social, maior equidade e um desenvolvimento sustentável, em que
a ecologia é um valor a defender. Isto seria possível se todos aqueles que participam na actividade
económica cooperassem entre si em vez de competir, isto acontecerá quando se praticar uma economia
solidária.
O conceito de economia não pode ficar circunscrito à ideia de mercado ou de Estado, é mais
consentâneo com a realidade actual defini-lo em termos de economia plural, aceitando uma pluralidade
de modelos e de princípios de comportamento económico, entre eles a economia solidária ou economia
de solidariedade. A solidariedade é aqui entendida como a determinação firme e perseverante de se
empenhar pelo bem comum, ou seja, pelo bem de todos e de cada um, uma vez que todos somos
responsáveis por todos.
Economia solidária, conceito, princípios e expressões
O conceito de economia solidária ou economia de solidariedade, como alguns a designam,
embora com antecedentes muito antigos, é recente. Foi criado na América Latina, mas actualmente é
muito usado em vários continentes. Na Europa, desenvolveu-se sobretudo a partir do final dos anos 80,
quer ao nível teórico, quer ao nível prático, especialmente através das ONGs que trabalham na área da
chamada economia da reinserção e os chamados «serviços de proximidade». Face aos novos desafios de
então, decorrentes do aumento das desigualdades sociais e do desemprego, numa tentativa de colocar a
economia ao serviço do Homem, emerge a economia solidária. O conceito de economia solidária é
muito abrangente e sem uma definição muito clara, que adquire diferentes matizes, consoante o contexto
em que se pratica. Seja qual for o sentido que lhe é atribuído, anda sempre à volta da ideia de
solidariedade, por oposição ao individualismo utilitarista que caracteriza o comportamento económico
preponderante nas sociedades de mercado. A economia solidária coloca o princípio da solidariedade, da
gratuidade e da dádiva no centro da actividade económica, e é utilizada para qualificar o «conjunto de
actividades que contribuem para a democratização da economia a partir do envolvimento dos
1
cidadãos»1. Trata-se de introduzir a solidariedade na própria economia, para que actue nas diversas fases
do ciclo económico, ou seja, na produção, circulação, consumo e acumulação. Isto significa produzir
com solidariedade, distribuir com solidariedade, consumir com solidariedade, acumular e desenvolver
com solidariedade. Deve igualmente introduzir-se na teoria económica, de tal forma que a solidariedade
chegue a transformar a partir de dentro e estruturalmente a economia, gerando novos e verdadeiros
equilíbrios.
A lógica das actividades económicas deste tipo de economia é distinta tanto da lógica do
mercado capitalista como da lógica do Estado. Ao contrário da economia capitalista, centrada no capital
a ser acumulado e que funciona a partir de relações de competitividade, que tem como objectivo
interesses individuais, a economia solidária organiza-se a partir de factores humanos, favorecendo as
relações, onde os laços sociais são valorizados através da reciprocidade, e adopta formas comunitárias
de propriedade. Distingue-se também da economia estatal que supõe uma autoridade central e formas de
propriedade institucional2. A economia solidária apresenta-se assim como um modo especial e diferente
de fazer economia, que pelas suas características próprias se pode considerar como alternativa aos
sistemas capitalista e do Estado, que actualmente predominam.
A economia só é solidária se for organizada igualitariamente pelos que se associam para
produzir, comercializar, consumir ou poupar. Para que tal seja possível, é necessário que o contrato entre
desiguais seja substituído pela associação entre iguais. É o que acontece na cooperativa de produção,
protótipo da empresa solidária, na qual todos os sócios detêm a mesma quota de capital, o que se traduz
no mesmo direito de voto na tomada de todas as decisões. Este é o seu princípio fundamental.
As actividades económicas deste tipo de economia organizam-se segundo os princípios de
cooperação, autonomia e autogestão. O seu objectivo não é o lucro, têm uma finalidade social, a
aquisição dos recursos financeiros é um meio e não um fim.
São expressão da economia solidária as cooperativas de produção e comercialização, empresas
de trabalhadores, o comércio justo, as finanças solidárias, ou microfinanças, ou seja, prestação de
serviços financeiros a clientes de baixo rendimento, incluindo os do auto-emprego3, o microcrédito. Em
todas estas actividades, a solidariedade sobrepõe-se ao interesse individual e ao ganho material, e isto
tem expressão na socialização dos recursos produtivos e na adopção de critérios de igualdade. A
solidariedade é fomentada entre membros dessas actividades, que criam entre si um vínculo social de
reciprocidade como base nas suas relações de cooperação. Simultaneamente, a solidariedade é alargada
aos mais desfavorecidos, através do envolvimento de trabalhadores desempregados, contribuindo assim
para a diminuição do desemprego; e através de serviços de proximidade, entendidos como verdadeiros
«serviços de solidariedade»4, nos quais se incluem ajuda a pessoas idosas, a dependentes e a jovens em
dificuldade, guarda de crianças, apoio escolar, serviços de lazer e cultura, comércio de proximidade, etc.
1
RAMOS, Maria da Conceição Pereira – Economia solidária, plural e ética, na promoção do emprego, da cidadania e da
coesão social. Laboreal. 3:1 (2011) 83.
2
LAVILLE, J. L. – L’économie solidaire. Une perspective internacionale. Paris: Descée de Brower, 1994, p. 211.
3
Cf. RAMOS - Economia solidária, p. 95.
4
RAMOS - Economia solidária, p. 88.
2
Valoriza o trabalho socialmente útil, que não se restringe apenas ao contexto da relação salarial, como
acontece com o voluntariado; a sustentabilidade; o meio ambiente; a diversidade cultural e o
desenvolvimento local, potenciando o envolvimento da comunidade. «Graças à sua inserção social e
comunitária, a economia solidária cumpre uma série de funções em domínios como saúde, educação e
preservação ambiental»5. No que se refere à saúde, por exemplo, pode estender-se à partilha de bens de
utilização temporária que, no entanto, implicam custos elevados, como é o caso de uma cama articulada,
indispensável em certas situações. A economia solidária promove a integração social, na medida em que
desenvolve várias actividades e serviços úteis à comunidade que atingem uma parte significativa da
população com maior dificuldade de inserção laboral. Promove a coesão social e a coesão económica.
Desenvolve a democracia participativa na qual cada um assume o seu papel. Fomenta a entreajuda
social, a mutualização e o mecenato. Contribui para o desenvolvimento sustentável.
Conclusão
A prática da economia solidária pode abrir caminho à reconciliação da economia e da moral,
pois, «talvez mais que dantes, precisamos de uma economia na qual o desenvolvimento social não seja
uma preocupação subsidiária, relegada a mecanismos compensatórios, uma economia cuja lógica
intrínseca implique e estimule a cooperação e a reciprocidade, em benefício da equidade e da justiça
social»6. Uma economia que tenha como sujeitos todos os Homens, pois, «todos têm o direito de
participar da vida económica […]. Se, em certa medida, todos são responsáveis por todos, cada qual tem
o dever de esforçar-se pelo desenvolvimento económico de todos: é dever de solidariedade e de justiça,
mas também o caminho melhor para fazer progredir a humanidade toda»7. Uma economia que contribua
para o desenvolvimento integral do ser humano, um novo paradigma humanista e holístico fundado na
interdependência e no altruísmo.
Bibliografia
LAVILLE, Jean Louis – L’économie solidaire. Une perspective internacionale. Paris: Descée de Brower, 1994.
LAVILLE, Jean-Louis; GAIGER, Luiz Inácio – Economia Solidária. In DICIONÁRIO Internacional da Outra
Economia. Coord. Antonio David Cattani et al. Coimbra: Almedina, 2009.
SINGER, Paul – Introdução à Economia Solidária. S. Paulo: Ed. Fundação Perseu Abramo, 2002.
RAMOS, Maria da Conceição Pereira – Economia solidária, plural e ética, na promoção do emprego, da cidadania
e da coesão social. Laboreal. 3:1 (2011) 81-101.
JUSTIÇA E PAZ, Conselho Pontifício – Compêndio da Doutrina Social da Igreja. Cascais: Principia, 2005.
5
LAVILLE, Jean-Louis; GAIGER, Luiz Inácio – Economia Solidária. In DICIONÁRIO Internacional da Outra Economia. Coord.
Antonio David Cattani et al. Coimbra: Almedina, 2009, p.162.
6
LAVILLE – Economia Solidária, p.168.
7
JUSTIÇA E PAZ, Conselho Pontifício – Compêndio da Doutrina Social da Igreja. Cascais: Principia, 2005, p. 216.
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