ACONSELHAMENTO PASTORAL: ATUAÇÃO NO ACOMPANHAMENTO DE UMA FAMÍLIA QUE TEM UMA CRIANÇA PORTADORA DE NECESSIDADES ESPECIAIS CAUSADAS POR PARALISIA CEREBRAL PASTORAL COUNSELINNG: PERFORMANCE MONITORING A FAMILY THAT HAS A SPECIAL NEEDS CHILD CAUDED BY A CEREBRAL PALSY Mauro Clementino.1 RESUMO Ouvi certa ocasião que não existe maior nudez no mundo do que quando o ser humano pensa. Está aí uma grande verdade. Estamos nos desnudando diante de você não para atraí-lo para uma proposta indecente (até mesmo porque não temos um milhão de dólares para lhe oferecer), também não para seduzilo com sensacionalismo ou mercantilizar nossos sentimentos, muito menos para vender a imagem dos nossos próprios filhos. Se isso acontecesse, seríamos muito pior que esterco, o excremento da própria sociedade. Palavras-chave: Aconselhamento Pastoral; Acompanhamento familiar; Paralisia cerebral. ABSTRACT I´ve heard once that there is no nudity in the world greater than when humans think. That is a great truth. We´re stripping in front of you not to draw an indecent proposal (even because we dont´have one million dollars to offer) also not to seduce you with sensationalism or commercialize our feelings, much less to sell the image o four own children. If that happened, we would be much worse than manure, the excremento of society itself. Keywords: Pastoral Counseling; Family Monitoring; Cerebral Palsy. 1 Doutor em Teologia. Bacharel em Teologia pelo Seminário Teológico Batista do Sul do Brasil – STBSB. E-mail: [email protected]. 24 Mauro Clementino, Vol. 14, n.28, dez.2013, p. 24 - 45 | Via Teológica Introdução Humanamente falando, nossa “espécie” é dividida em masculino e feminino. Tanto o homem quanto a mulher têm características distintas e visíveis. Isso é indiscutível. Mas, infelizmente, somos “educados” a conhecer tanto um quanto o outro somente pelos seus órgãos sexuais. O que aprendemos de fato com a vida é que um homem e uma mulher são muito mais que suas genitálias. Não são verdadeiros se analisados da cintura para baixo somente. Lá se caracteriza o sexo. Mas o seu valor está realmente naquilo que pensa e sente, decide... Tendo uma postura digna diante da vida. Ouvi certa ocasião que não existe maior nudez no mundo do que quando o ser humano pensa. Está aí uma grande verdade. Estamos nos desnudando diante de você, não para atraí-lo para uma proposta indecente (até mesmo porque não temos um milhão de dólares para lhe oferecer), também não para seduzi-lo com sensacionalismo ou mercantilizar nossos sentimentos, muito menos para vender a imagem dos nossos próprios filhos. Se isso acontecesse, seríamos muito pior que esterco, o excremento da própria sociedade... Visão teológica da questão Teologicamente falando, vemos no Evangelho Segundo São João Cap. 9, Jesus ensinando esse assunto, trabalhando diretamente com a culpa, a discriminação e o preconceito para com um deficiente, no caso, visual diz: “Nem ele pecou, nem seus pais, mas foi assim para que se manifestem nele as obras de Deus”. Isso parece simples, mas você irá ver nos depoimentos Via Teológica | Mauro Clementino, Vol. 14, n.28, dez.2013, p. 24 - 45 25 que, muitas vezes, a religião e os religiosos, em vez de ministrarem a misericórdia, o amor, o perdão tão pregados na Palavra de Deus, acrescentam ainda a essas vidas mais culpa, remorso, dor e punição. Que alívio ao mesmo tempo e que conforto esse texto da Palavra de Deus nos traz. Isso porque é óbvio que as épocas mudaram, as gerações passaram, mas o coração do homem continua o mesmo. É muito comum vermos pessoas tentando resolver problemas difíceis da vida com frases simplistas ou fórmulas matemáticas. Em primeiro lugar, vejamos “o grande, mas” de Deus que cria a história, modifica seu percurso e dá uma guinada em todos, que, até nos ajustarmos novamente, considera-se certo tempo. Alguns continuam a vida sem entendê-lo, e certamente que sofrem mais que necessário. Farão a dor ser ainda mais dolorida do que já é, e naturalmente farão a opção negativa da vida. Veja, por exemplo, os “mas” nas vidas dos seguintes personagens: Profeta Elias (I Reis, 17-19); Profeta Jonas (Jn. 1:4); José (Gen. 39: 2, 5, 21, 23; 41:38-40); Jó (Jó caps.1-2 e 42:10-17); Rei Davi (II Samuel, caps. 11-12); Jacó (Gen. 32:22-32); Profeta Daniel (Dan. 2:19-23; 6:3-4, 16, 21-23); Sadraque, Mesaque e Abnego (Dan. 3:15-29). O fator incógnita na vida é tão importante que, comparada à regra de três simples, o “xis da questão” não é somente a resposta esperada, como a mutante que certamente trará implicações em várias vidas. Em segundo lugar, analisemos: qual é a sua opção de vida? Sua postura diante da própria vida? Você é positivista ou 26 Mauro Clementino, Vol. 14, n.28, dez.2013, p. 24 - 45 | Via Teológica negativista? Convido as pessoas que têm perguntas sem respostas, questões não resolvidas, pontos de reticências, interrogações, exclamações, vírgulas e ponto e vírgulas, parênteses, colchetes, aspas, negritos, itálicos, hifens, etc., etc., em suas vidas, para que reflitam na leitura deste artigo e se olhem no “espelho mágico” da vida. Verifiquem se sua vida até aqui realmente valeu a pena ser vivida... Não significa que este artigo pretenda ser a resposta, muito menos dar uma “resposta pronta ou enlatada para a sua vida”. Ele sugere sim uma reflexão profunda e um questionamento constante diante das “freadas” que a vida dá, para que você não fique na “inércia”, nem na rolagem da curva, mas que em concordância com o Senhor, o Todo Poderoso, você faça parte da história, mesmo que tenha que recriá-la. Em terceiro lugar, desejo soprar um pouco das cinzas que ficaram sobre sua vida, após ter encarado experiências consideradas trágicas e que fizeram com que você se sentisse vitimado e prostrado. Quero lembrá-lo de que essas experiências não ocorreram por acaso, e que, mesmo fazendo parte da vontade permissiva de Deus, foi-lhe permitido passar por elas, justamente pelo fato de Deus ser Soberano e saber sua capacidade de suportar, concedendo-lhe assim oportunidade de extensão, aprofundamento e enriquecimento em sua vida. Sua vida foi feita para estar incandescente, sopre suas cinzas. Do outro lado, frequentemente nos deparamos com pessoas que procuram razões e motivos para mendigarem afetividade, dinheiro, amizade, posições, não considerando para isso a medida de equilíbrio de dignidade, brio e honradez necessários para a Via Teológica | Mauro Clementino, Vol. 14, n.28, dez.2013, p. 24 - 45 27 vida. Têm “coragem” de usar da situação na qual a pessoa se encontra para dali explorar suas ambições, desejos e carências. Contrariando a tese, até mesmo exibida pelos discípulos de Jesus em João nove, quero destacar que os pais de crianças especiais não são horríveis pecadores, nem também encarnações divinas pelo fato de encararem difíceis realidades. São tão normais como qualquer mortal, porém com uma missão distinta e um privilégio ímpar: conhecer a vida de forma muito mais profunda e muito mais abrangente do que normalmente se vê. Eles têm uma linguagem muito especial, quase que única. Porque não os podemos entender, chamamos uma “fono” para que os interpretem para nós. Acredito que deveríamos fazer um esforço para que assim pudéssemos compreendê-los. Entre os muitos “sons” existentes no Universo, estes produzidos pelos “especiais” servem como um desafio a todos nós, seres humanos, em todos os quadrantes da terra. O apóstolo Paulo foi profundamente usado pelo Espírito Santo, quando escreveu os seguintes dizeres: “Ainda que eu falasse as línguas dos homens e dos anjos, e não tivesse amor, seria como o metal que soa ou como o sino que tine. E ainda que tivesse o dom de profecia, e conhecesse todos os mistérios e tivesse todo o conhecimento, e ainda que tivesse toda a fé, de maneira tal que transportasse os montes, e não tivesse amor, nada seria...”. Veja você, se já não é fácil mantermos uma comunicação satisfatória em um mesmo idioma, considerando-se o fator “bias”, o emocional, a história de cada sujeito desta comunicação e o seu referido grau de interesse para que a comunicação real aconteça, os ruídos inevitáveis inerentes do próprio processo; se já não é fácil 28 Mauro Clementino, Vol. 14, n.28, dez.2013, p. 24 - 45 | Via Teológica aprender os idiomas existentes, “entendidos” pelos “normais”, imagine entender os “gemidos da alma” de um ser que parece aprisionado por um corpo que o limita ao extremo. A impressão que me dá é que o apóstolo via alguma coisa indescritível diante de seus olhos e graciosamente o fez em visão espiritual nos mostrando a profundidade de determinadas experiências que são praticamente inarráveis na linguagem homem e só podem ser compreendidas, visualizadas e experimentadas na linguagem do amor. Fisicamente tão limitados e vistos pela maioria das pessoas como “coitados”, essas mesmas limitações são para nós como as ondas do mar para as ostras: permitem-nos produzir pérolas diante da aridez da vida. Aprendendo a Descobrir o Mundo de A a Z Durante o processamento de todo esse trabalho, do gastar horas e horas, dias, semanas, meses de entrevistas e entrevistas, e do mapeamento, rastreamento dos vários fatos, episódios; nas sutilezas das entrelinhas; no silêncio dos pais (e é preciso dizer que esse silêncio é tremendamente dolorido e totalmente diferente do silêncio dos seus filhos) e na proposta de Aprendermos a Descobrir o Mundo, é que chego a uma conclusão subdividida de “A a Z” na tentativa de mostrar a você, meu caro leitor, não só a seriedade deste trabalho, porque aí eu mesmo estaria fazendo minha própria apologia, e creio que isso não seja necessário. Mas ajudando você mesmo a descobrir o nosso mundo nos vários episódios que se tornaram lugar comum na vida das famílias do lesado cerebral que, apesar da dor, do trauma, do cansaço físico, mental, espiritual e dos problemas que lhes são somados no dia Via Teológica | Mauro Clementino, Vol. 14, n.28, dez.2013, p. 24 - 45 29 a dia, inclusive o financeiro, procuram assim, para si e para seus filhos, aprender a descobrir esse mundo. E esse abecedário da vida do mundo do Deficiente Motor que passaremos agora a analisar: a) a verdade: a verdade, nada menos que a verdade, nada mais que a verdade. Somente a verdade precisa ser dita, vivida, experimentada. Estou falando da verdade do fato. Não o que significa a verdade intuitiva, filosófica ou até mesmo a teológica. Médicos, enfermeiros, psicólogos e outros profissionais cometeram e cometem erros gravíssimos omitindo informações de suprema importância aos pais, tanto no sentido de lhes poder ajudar a procurar ajuda, quanto em seus “achismos” e “conjecturas”. E isso até mesmo porque por detrás de todo e cada profissional está o ser humano, que é falho. Acredito que a Medicina, é uma ciência, e deve sempre se portar como tal. Assim também os que com elas estão envolvidos. Algumas das situações poderiam ter sido evitadas: seja na própria vida do bebê, como no contornar da doença em si, bem como em suas afetações familiares e financeiras. A mãe vai, portanto, viver contra os médicos, mas procurando sem cessar o seu apoio. Irá de consultório em consultório para obter nada, absolutamente nada no que diz respeito ao filho. Um pouco, no que diz respeito a ela. “A mãe deseja obscuramente que a sua pergunta nunca receba resposta para que possa continuar a fazê-la. Mas precisa de força para continuar, e é isso que ela vem pedir. Precisa de uma testemunha, uma testemunha que sinta que por trás da fachada de tranquilidade, ela não aguenta mais...”. b) aceitação da realidade: não se vitime, nem se sinta o (a) único (a) no mundo que está enfrentando a situação. Os 30 Mauro Clementino, Vol. 14, n.28, dez.2013, p. 24 - 45 | Via Teológica depoimentos mostram que quanto mais rápida a aceitação acontecer, melhor, tanto para a mãe, pai, irmãos e, principalmente, para a criança afetada, pois, enquanto isso não acontece, passa a sentir frustração pela não satisfação dos próprios pais. Quando digo aceitação, estou dizendo nas duas esferas: do Raciocínio (Pensamento) e das Emoções (Sentimentos). Normalmente, os pais o fazem só e exclusivamente no primeiro plano. Alguns não o fazem em plano nenhum. Mas até mesmo pelas reações de reprovação que irão ouvir se rejeitarem a criança, o fazem no pensamento. Mas na área que toca a afetividade, é comum se observar a criança sendo confundida com a própria lesão que lhe fora causada, e aí brotam todos os sentimentos de angústia, punição, perda, ansiedade, castração, amargura, dor, muita dor. Muitos levam a vida inteira e nem assim conseguem superá-la. “A relação de amor mãe-filho terá sempre, neste caso, um ressaibo de morte, de morte negada, disfarçada a maior parte das vezes em amor sublime, algumas vezes em indiferença patológica, outras vezes em recusa consciente; mas as ideias de homicídio existem, mesmo que nem todas as mães possam tomar consciência disso. O reconhecimento desse fato está por outro lado ligado, muito frequentemente, a um desejo de suicídio: uma vez que mãe e filho não são senão um, toda depreciação da criança é sentida pela mãe como depreciação de si própria. Toda condenação do filho é uma sentença de morte para ela. A mãe sente-se de tal modo em jogo, que lhe é difícil renunciar. O seu papel está traçado: tirará o essencial do seu dinamismo dos instintos de vida e morte; será sublime na abnegação, intransigente se for o caso de matar, e guardiã de uma fortaleza se for tentada numa psicoterapia. A Via Teológica | Mauro Clementino, Vol. 14, n.28, dez.2013, p. 24 - 45 31 consciência do seu papel de mãe aparecerá até na recusa do direito que o filho “em perigo” tem de se tornar um ser autônomo. Se o pai aceita com serenidade a doença do filho, é quase sempre ao preço de uma culpabilidade enorme: como homem, como pai, é sempre de alguma maneira demissionário. Afinal, uma criança doente é “assunto de mulher”. Para a maioria dos homens, falar de filhos, somente se ele se sobressai em alguma área, Ex.: for o aluno nota dez da sala (porque puxou ao pai: muito inteligente); ou joga futebol muito bem (é o orgulho da família e frequentemente é levado para a própria exibição do pai sob o pretexto de que tem que investir no menino). Criança deficiente não é assunto que lhe interessa. c) a questão da expectativa: isso tem demonstrado ser um problema muito sério, extenso e muito mais profundo do que possamos descrever aqui. O grande “susto” dos pais tem sido pelo fato de o filho “não corresponder aos seus sonhos de normalidade”, e até mesmo pela impossibilidade deste filho satisfazer suas projeções e transferências. Veja bem a diferença entre expectativa (seus alvos pessoais) e esperança (confiança). A esperança tem e deve ser sempre mantida, caso contrário, “faltará chão sob seus pés”. As expectativas, porém, devem ser ajustadas de acordo com a realidade e as verdades que você passa a conhecer. Você é sempre responsável pela verdade que você conhece. Talvez seja por isso que encontramos tantas pessoas em universos falsos, pois não têm coragem bastante para encararem a verdade, consequentemente, muito menos a realidade da vida. d) a questão da informação: já dizia o famoso apresentador 32 Mauro Clementino, Vol. 14, n.28, dez.2013, p. 24 - 45 | Via Teológica de uma TV brasileira: “Quem não se comunica se trumbica”. Quanta verdade há nessa frase! Deve haver uma cadeia de informações. Desde o hospital, os profissionais (que não devem ver essas crianças e suas famílias com clientelismo, mas orientálas quanto ao tratamento prolongado) às escolas que tratam dos problemas específicos; como a própria população que é muito desinformada quanto a essas ocorrências. Tanto é verdade esse fato que isso é caracterizado em todos os depoimentos. e) dar tempo ao tempo: você pode rever todos os depoimentos e veja o quanto que a palavra tempo foi mencionada por todos. Quando trato de tempo aqui, não quero simplesmente dizer uma medida de horas, minutos, segundos... “Um período razoavelmente necessário para que uma nova situação seja adaptada a uma realidade preexistente”. O tempo tem-se demonstrado ser um excelente terapeuta, quando não o próprio remédio em si, bem como o filtro por onde as verdadeiras lições passam e se mostram de forma muito profundas, bem como o árbitro que norteia um jogo aparentemente simplesmente, mas que pode ser tremendamente complicado: o jogo da vida. Ironicamente, o próprio tempo tem sido de vital importância na recuperação das crianças que foram afetadas por lesões, sejam de quais tipos forem. A demora significa perda, atrofia, mutilação, encruamento, ostracismo, a própria morte. O tempo tem feito muitas coisas nessas vidas que se esclareceram diante dos seus olhos. Certamente que o fará por você também. Dê tempo ao tempo... f) projeção e transferência: o cuidado, bem como o tratamento da Projeção e da Transferência de traumas, problemas, Via Teológica | Mauro Clementino, Vol. 14, n.28, dez.2013, p. 24 - 45 33 complexos em um ou em ambos os pais, problemas estes não resolvidos, sendo agora transmitidos aos filhos pela “brecha” da lesão sofrida. O que é para a mãe o nascimento de um filho? “Na medida em que aquilo que deseja no decurso da gravidez é, antes de tudo, a recompensa ou a repetição de sua própria infância, o nascimento de um filho vai ocupar um lugar entre os seus sonhos perdidos: um sonho encarregado de preencher o que ficou vazio no seu próprio passado, uma imagem fantasmagórica que se sobrepõe à pessoa “real” do filho. Esse filho de sonho tem por missão restabelecer, reparar o que na história da mãe foi julgado deficiente, sentido como falta, ou de prolongar aquilo a que ela teve que renunciar. Se este filho, carregado com todos os sonhos perdidos da mãe, nasce doente, que irá acontecer? A irrupção na realidade de uma imagem de corpo enfermo produz um choque na mãe: no momento em que, no plano fantasmagórico, o vazio era preenchido por um filho imaginário, eis que aparece o ser real que, pela sua enfermidade, vai não só renovar os traumatismos e as insatisfações anteriores, como também impedir posteriormente, no plano simbólico, a resolução para a mãe do seu próprio problema de castração”. Uma vez entendido que o filho representa para a mãe a reedição de sua própria infância, um filho anormal é como se fosse o seu retrato exposto. Por serem um só, tudo isso afeta a mãe de forma extremamente dolorosa. Abre uma ferida enorme em seu amor próprio. Ocorre uma perda brusca de toda referência de identificação, constituindo-se num pânico diante de uma imagem de si própria, a qual já não se pode nem reconhecer nem amar. 34 Mauro Clementino, Vol. 14, n.28, dez.2013, p. 24 - 45 | Via Teológica g) bengala psicológica: Usar da lesão do seu filho como “Bengala Psicológica”. O filho passa a ser motivo para tudo que se faça ou que se deixe de fazer. A mãe ou a família por inteiro, literalmente se apóia nessa criança. E, até mesmo para angariar favores financeiros e, por que não, sentimentais da(s) outra(s) pessoa(s)... h) autocomiseração: Mendicância (pena de si e da criança), miséria... É escolher o pior caminho que a vida em si oferece. Não chega nem mesmo a ser uma sub-escolha. É deixar mesmo de viver para ser a escória da sociedade. É escolher o não viver. Puramente existir. i) “cair em si” em vez de “cair no chiqueiro” é fundamental. veja a experiência do chamado “Filho Pródigo”. Na realidade, o único prodígio daquele filho foi de reconhecer o pai que tinha e voltar para a sua casa (do pai), onde até o mais simples empregado jamais teve necessidade ou passou fome... E disso, ele mesmo (filho ingrato) era testemunha. Algumas pessoas têm “vislumbres de sanidade” e aparente reconhecimento, mas nunca tomam atitudes dignas, verdadeiras, maduras, construtivas para a vida. O cair em si mesmo e dar meia volta é “sair por cima”, e “ o que importa é não estar vencido, apesar dos pesares”. É buscar um redirecionamento correto, apropriado para sua própria vida e, consequentemente, para o seu filho (a) e família. j) essência de vida: gastar tempo, esforços, o seu tudo com pessoas (e com coisas) de valor. Valorização do seu investimento. Pode até não ter funcionado com alguém aquilo que você ofereceu, mas tenha a certeza de que o que você fez foi o seu melhor. Melhor dos seus pensamentos, melhor dos seus sentimentos, melhor de Via Teológica | Mauro Clementino, Vol. 14, n.28, dez.2013, p. 24 - 45 35 suas energias, melhor do seu tempo, melhor do seu potencial, melhor do seu dinheiro, melhor de suas atenções. Então: valorizese. Recomece tudo de novo. Isso renova sua vida. A capacidade de recomeçar tudo de novo é mais que um valor, é um princípio de vida. l) capacidade de deixar o passado para trás: isso é fundamental para que você viva seu presente e possa deixar o futuro ser futuro. “Esquecendo-me das coisas que para trás ficam, - e avançando para as que estão diante de mim, - prossigo para o alvo... “. (Fil. 3 : 13). Tem gente que vive em função de empurrar seu passado (ou até mesmo o passado dos outros), semelhante ao besouro “rola bosta” que gasta todo seu tempo rolando as fezes que encontra pelo seu caminho. Enquanto isso, as abelhas voam quilômetros de distância para buscar o melhor pólen para produzir o mel. m) ver a crise como uma oportunidade: oportunidade de crescer, desvendar a vida, descobrir um novo mundo. O chinês, que usa um tipo de escrita bem diferente do nosso, não repete a sua forma, exceto para a palavra crise, que usa a mesma forma e desenho que oportunidade. Isso porque eles acreditam que a crise é oportunidade de crescimento. Acredito que aqui há uma grande lição de vida da filosofia chinesa para cada um de nós. A crise pode ser o fim de uma situação. Mas a vida não precisa necessariamente acabar ali. Pode simplesmente ser o início de uma nova fase em sua vida. n) doença como objetivo de vida: não se prenda ao fato da “lesão do filho/a” como sendo único objetivo da vida. Algumas 36 Mauro Clementino, Vol. 14, n.28, dez.2013, p. 24 - 45 | Via Teológica mães/pais param suas vidas, literalmente, e quando seus filhos partem deste mundo (afinal de contas, ninguém vai ficar aqui para semente e eles também um dia irão morrer) essa perda é tão grande e significativa para esses pais que jamais retornam à realidade. Ex.: Uma determinada mãe que, não aceitando a morte do filho, vai todos os dias ao cemitério na hora do almoço levarlhe um prato de comida; continua a arrumar a cama do filho falecido como se ele a tivesse usado, mesmo vendo que a mesma está intacta. o) não viver de comparações: veja bem: duas famílias que possuem crianças especiais são bem distintas uma da outra. Quando ouvimos a experiência de alguém, não significa que devemos repeti-la em nossas vidas. Mas sim que tenhamos estímulo, motivação para marcharmos adiante dentro da nossa própria vida. Deus criou um mundo versátil, dinâmico, diversificado. Por que vamos ficar repetindo as mesmas coisas, as mesmas experiências, o mesmo tudo, como se fôssemos subproduto de uma fábrica de linguiça? Que bastando colocar a tripa de um lado e a carne moída do outro, “a linguiça já sai pronta?” Sei que parece filme da Segunda Guerra Mundial, mas nossa vida (vida de pais com crianças especiais) passar a ser de sangue, suor e lágrimas, que poderão ser transformadas, ponderadas e atenuadas dependendo de nossa postura diante da própria vida. p) estar de bem com a vida: pessoas que estão de bem com a vida superam, convivem muito mais facilmente com o problema; está de bem no presente, porque está de bem com seu passado também. Está curada interiormente. Há pessoas Via Teológica | Mauro Clementino, Vol. 14, n.28, dez.2013, p. 24 - 45 37 que as encontrando na rua, podem até estar sorrindo, mas interiormente estão experimentando uma hemorragia contínua. Veja bem, estar de bem com a vida não é nem semelhante ser “bem de vida”, uma expressão comum no Brasil que significa ter posses. Tem a ver com qualidade de vida que você escolheu viver, e não com a quantidade de dinheiro que você possui. Pensar sempre de forma positiva, arejada. Olhar-se no espelho e se amar de verdade. Gostar de si mesmo de forma intensa e extensa. Não se entregar à depressão (seja proveniente de fator orgânico ou psíquico). E mesmo que ela chegue como algo inevitável, tirar dela (não da situação, nem das pessoas envolvidas) o melhor proveito possível. Ou seja: domine sua mente e a direcione para alvos nobres, valorosos, construtivos, edificantes. q) relacionamentos humanos equilibrados: pessoas com seus relacionamentos horizontais resolvidos: estar de bem com o cônjuge (marido/mulher), com os filhos, com familiares, com seus amigos e colegas. Saber fazer boas amizades, bem como saber perdê-las também. Ter coragem, sabedoria e discernimento, terminar com um relacionamento de “amizade” que não seja algo saudável, produtivo ou mesmo que por si só se desfez com o tempo. Já dizia uma antiga canção: “Tudo que é bom demais, é imoral, ou ilegal ou engorda”. Isso é perfeitamente aplicável aos relacionamentos. Mas faça isso sempre tendo plena certeza de que investiu o seu melhor. Muitas vezes, tentamos, a dura pena, manter um relacionamento e estamos prejudicando a nós mesmos. O Senhor Jesus nos ensinou que “devemos amar o nosso próximo como a nós mesmos”. Ora, se você não está bem 38 Mauro Clementino, Vol. 14, n.28, dez.2013, p. 24 - 45 | Via Teológica com determinado relacionamento que lhe faz tanto mal, por que mantê-lo? E sua autoestima, onde fica? Isso não significa também que a partir daí você vá passar odiá-la. Obviamente que essa não é a segunda melhor opção. A Bíblia trabalha muito esta questão do equilíbrio. Ela nos ensina que devemos “amar os nossos inimigos”, como também nos ensina que “se possível, tende paz com todos os homens”. Reconheça que você não é perfeito, como também que nem sempre as pessoas são dignas de boas amizades. Talvez seja por isso que você não tenha conseguido mantê-la, por mais que lutasse. É importante que você entenda que a vida é feita por fases que não necessariamente se perpetuam. Se você teve uma boa amizade e, de repente, você mudou de lugar, ou sua vida deu uma guinada tal que por um motivo muito forte esta amizade não está mais sendo alimentada como anteriormente, não se desgaste por isso. Veja diante de você mesmo a oportunidade de construir uma nova. Não estou lhe dizendo com isso que amizade seja um produto descartável. De modo nenhum. Existem vários tipos e níveis de amizade. Algumas são preservadas para o resto da vida. Se você tentar contá-las, caberão nos dedos de uma mão só e ainda sobrarão dedos. Outras são fortes, muito fortes. Não precisam de contato constante para que sejam alimentadas. Às vezes, essa alimentação só ocorre no Natal e nos aniversários. Mas perduram. Outras são temporárias, o próprio tempo se dá o trabalho de afastá-las ou extingui-las. São do tipo: “Valeu enquanto durou”. Em alguns casos, a gente pode dizer sem qualquer medo: Durou até demais... Mas é preciso muita maturidade e consciência para discernir e afirmar tudo isso acima... Regra geral, as pessoas mendigam relacionamentos. Via Teológica | Mauro Clementino, Vol. 14, n.28, dez.2013, p. 24 - 45 39 r) relacionamento vertical resolvido: como está o seu relacionamento com Deus? Para as pessoas que têm um Deus para crer (relacionamento vertical), a vida tem seu sentido na cruz. A cruz nos mostra seus direcionamentos: horizontal (com o outro ser humano) e vertical (com Deus). Ambos os direcionamentos precisam estar bem resolvidos para que nossa vida tenha sentido. Uma fé que lhe seja bastante adequada, satisfatória e suficiente para lhe dar vida. Saber que você não está sozinho(a) nesta vida. Quero aqui esclarecer que mui frequentemente as pessoas se utilizam da religião como “narcótico” para fugirem da realidade que enfrentam. Não é disso que estou falando. Estou falando, sim, daquelas pessoas sérias que procuram o Cristo sério para assim viverem uma vida séria. Jesus Cristo foi um homem de dores e conhece perfeitamente nossa linguagem de sofrimento. Mas cuidado, muito cuidado com os vendedores de indulgências, que de água às cruzinhas milagrosas, lenços, amuletos, pingentes, óleos, estão iludindo pessoas incultas (e até algumas bastante cultas também) que acham que assim estão comprando de Deus suas curas mirabolantes. Como também, não tente barganhar com Deus através de penitências de épocas medievais, subindo escadarias de joelhos, tomando chicotadas como no tempo da escravidão, se martirizando. O sacrifício único e necessário para nos conceder vida já foi feito por Jesus Cristo na cruz do calvário. Qualquer outra forma de sacrifício para se ter acesso a Deus é querer “invalidar o que Cristo já fez de uma vez por todas”. Deus não precisa de sacrifícios. Ele deseja e espera nossa obediência à Sua Palavra. 40 Mauro Clementino, Vol. 14, n.28, dez.2013, p. 24 - 45 | Via Teológica s) terapia do amor: mesmo sendo necessários todos os conhecimentos possíveis do momento, tecnologia e etc., nesse caso em específico é fundamental a Terapia do Amor. Todos aqui trabalham com uma “overdose” de carinho, atenção, muita, muita, mas muita dedicação mesmo. Você chega à escola e já percebe que é uma grande família de várias cores. Isso faz muito bem para a criança, bem como para todo o trabalho que ali é ministrado. Mas é importante também que todo esse trabalho continue sendo desenvolvido em casa, para onde a criança retorna. t) as segundas vítimas: os irmãos, a família do “Paralisado Cerebral” também são lesados. Normalmente, nesses casos um dos pais passa a ser a segunda vítima. Praticamente, todo o carinho e atenção dos pais necessariamente passam a ser canalizados em direção a esse filho “doente”. E, regra geral, um dos cônjuges e os outros filhos se ressentem. Isso varia em grau e extensão na medida e proporção do “como cada caso é absorvido”. Há casos de muitos irmãos que nunca o aceitaram; no momento ainda não aceitam, e se um trabalho terapêutico muito sério não for feito em tempo, certamente que eles serão “as segundas vítimas” com lesões e sequelas tão graves ou piores que seu próprio irmão deficiente. Torna-se então uma reação em cadeia ou do tipo “efeito dominó” que precisa urgentemente ser interrompido. u) escola-laboratório: a escola especial para uma criança deficiente é um laboratório. E que laboratório! A equipe de técnicos e profissionais que ali estão precisam desenvolver um trabalho incomum. Não fique aí pensando que fazemos experiências fantasmagóricas com as crianças. É um laboratório Via Teológica | Mauro Clementino, Vol. 14, n.28, dez.2013, p. 24 - 45 41 da vida para a própria vida. Cada pequena conquista é festejada por todos e com muita alegria. Para nós, a criança deficiente motor foi, é e continuará sendo mais importante que um possível novo anel em Saturno, ou saber qual país no mundo tem mais bombas atômicas. Se conseguirmos apenas um leve movimento, um gemido, um pequeno retorno da nossa criança, já estamos fazendo com que ela faça parte deste mundo que pertencemos que também é seu. Procuramos assim decodificar sua linguagem, seus movimentos, sua proposta de vida, para que lhe digamos que, enquanto neste mundo, nossos códigos também são assim. E assim, numa “troca de códigos” aprendemos a fazer a intersecção entre os dois mundos: o dos chamados normais e o do deficiente motor. É óbvio que isso tudo é feito com muito carinho e amor. Venha nos visitar e só assim você poderá entender um pouco daquilo que estou dizendo. Meu sonho é que esse laboratório seja estendido pelo menos às capitais brasileiras, às grandes cidades, para que lá também outras crianças que possuem deficiência motora sejam devidamente atendidas. Sou apenas um pai de uma criança especial. Tenho plena consciência do quanto uma escola específica para deficiente, através dos seus profissionais e sua filosofia de trabalho, pode ajudar uma criança, porque foi isso que aconteceu com meu filho. E é exatamente por isso que sonho ver uma escola clínica sendo um referencial no Brasil e, quiçá, no mundo, por que não? Aonde especialistas de todas as áreas compatíveis com o tratamento a essas crianças venham fazer um treinamento adequado, estabeleçam assim filiais no Brasil inteiro. A terapia aqui utilizada pode muito servir às centenas de pais em nosso país. E, certamente, que não só o deficiente motor, mas 42 Mauro Clementino, Vol. 14, n.28, dez.2013, p. 24 - 45 | Via Teológica todos sairemos ganhando com esse empreendimento. v) necessidade de um trabalho de capelania: percebi a necessidade de um trabalho de capelania, terapia familiar, trabalho de apoio, seja lá que nome for, às famílias que foram também “lesadas” com a deficiência dos seus filhos. Indubitavelmente que o trabalho psicológico que a escola desenvolve tem sido de fundamental importância para as mães, bem como às crianças (e a maior parte dos resultados conseguidos se baseia exatamente aí). Mas senti que falta de um elo maior entre a escola e as famílias dessas crianças. Alguém que esteja ali não só para manter um vínculo, mas para trabalhar as experiências que muitas vezes ficam perdidas no caminho entre as duas instituições. Digo um trabalho de capelania que venha atingir o marido, os irmãos, as pessoas de relacionamentos mais próximos. Se possível, sendo visitadas em suas próprias casas. x) falha humana: (erro médico/do médico): o Brasil assiste a uma situação no mínimo patética relacionada à saúde. O problema é que em vez de atacarem as causas, querem resolver o problema criando novos impostos. O absurdo da situação expõe um dos mais graves impasses por que passam pessoas dispostas a buscar justiça, vítimas de falhas médicas, humanas, incapacidade do Estado ou de instituições por ele patrocinadas. Aliás, não há registro de um único caso em que, processado por responsabilidade, o Estado tenha assumido sua culpa e, quando condenado, cumprido a sentença. Ninguém assume responsabilidade alguma. Depois do desastre, os responsáveis desaparecem, e as vítimas quase sempre se perdem engolidas pela burocracia. Quem resiste sofre muito. Via Teológica | Mauro Clementino, Vol. 14, n.28, dez.2013, p. 24 - 45 43 São batalhas duras. Até a Justiça decidir quem tem razão passarão, no mínimo, três anos. O calvário de quem se dispõe a lutar por indenizações é longo e árduo. Começa na delegacia, onde o atendimento invariavelmente é grosseiro ou, na melhor das hipóteses, negligente. O boletim de ocorrência é o princípio de um inquérito que pode, ou não, se transformar em um processo criminal. Brigar por uma indenização requer outro esforço. É preciso lutar também na Justiça Civil. Os dois processos levam, geralmente, de três a cinco anos para estarem conclusos. Mas, além do tremendo desgaste emocional, o processo custa, em média, US$10 mil. O dinheiro, porém, é apenas um dos problemas. O mais complicado é conseguir uma prova do erro médico. z) lei, direitos, indenização e responsabilidade civil: por último, mas não menos importante que tudo que foi trazido à tona até agora e, me sentindo responsável pelas dezenas de entrevistas que fiz e pela experiência pessoal pela qual passamos, sinto-me no dever e obrigação moral de trazer ao caro leitor esclarecimentos sobre seus direitos e dessas crianças e, consequentemente, de seus pais diante do que passaram a encarar a deficiência como sua rotina de vida. “Quando discutimos sobre direitos e igualdades no Brasil, devemos diferençar isto da forma como os países mais desenvolvidos a veem e trabalham”. Isso porque 80% (oitenta por cento) da população brasileira não têm acesso à justiça e isso por direitos já assegurados. A Constituição Brasileira é uma das três constituições no mundo que diz expressamente em favor da Pessoa Portadora de Deficiência. Todavia, em um país dos excluídos, dos explorados, dos omitidos, dos sem teto, dos 44 Mauro Clementino, Vol. 14, n.28, dez.2013, p. 24 - 45 | Via Teológica sem terra, dos discriminados, dos subnutridos, dos esmagados, dos injustiçados, dos feridos, dos marginalizados... Em um Estado omisso, que descumpre a própria lei, que satisfaz grupos minoritários, mas não ouve o gemido dos 32 (trinta e dois milhões) de indigentes realmente deveria ter uma Constituição que os tratasse de forma desigual. Artigo recebido em: 04 de outubro de 2013 Artigo aceito em: 20 de dezembro de 2013 Via Teológica | Mauro Clementino, Vol. 14, n.28, dez.2013, p. 24 - 45 45