IDENTIDADES TRANS/DESVIANTES! Amanda Maurício Pereira Leite1 Luciene Neves Santos2 Quem somos nós? O que nos constitui? Qual é a nossa identidade? Esses são alguns dos questionamentos que suscitaram a elaboração deste trabalho que corresponde a um fragmento de um estudo relacionado ao movimento de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transgêneros e Transexuais (LGBT). Nele abordamos que questões sociais, culturais e subjetivas constituem as identidades presentes na sociedade brasileira. Refletimos sobre pluralidade cultural, minorias de sexualidade e sobre estes corpos e identidades marcadas e rotuladas como desviantes da norma por possuírem uma identidade de sexualidade diferente da hegemônica: a heterossexual. Nesse sentido, importa-nos saber mais sobre estas minorias de sexualidade, visando desconstruir as relações produtoras e reprodutoras de desigualdades socioculturais e violências sofridas pelo movimento LGBT. Lançamos neste trabalho algumas questões que nos instigam: O que é ser diferente? Por que existe discriminação para quem é diferente? Quem estabelece o que é normal ou natural daquilo que não o é? Estas questões vêm sendo amplamente trabalhadas por vários/as estudiosos/as no Brasil e no mundo, mas apropriamo-nos de algumas concepções forjadas por Louro e por Fleury para pensar sobre estas questões no contexto da educação. Palavras-chave: sexualidade; identidades LGBT; educação intercultural. 1 2 Profª licenciada em Pedagogia pela Unemat- campus de Cáceres-MT. contato: [email protected] Profª Assistente III do curso de Educação Física da Unemat Cáceres-MT. contato: [email protected] IDENTIDADES TRANS/DESVIANTES! Amanda Maurício Pereira Leite3 Luciene Neves Santos4 “Prefiro ser essa metamorfose ambulante do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo [...] sobre o que é o amor, sobre o que eu nem sei quem sou [...]”. (Raul Seixas) Esta canção nos transporta para uma idéia de que estamos em um campo de instabilidade e incerteza em relação às questões que constituem nossos sentimentos, aspirações, emoções e até mesmo sobre nossa materialidade. Sempre que tentamos definir o significado do mundo, das coisas e até mesmo quando arriscamos dizer quem somos nós e qual é a nossa identidade deparamo-nos com situações em que somos de uma forma ao estar no ambiente de trabalho, de outra quando estamos em um grupo de amigas/os e assim por diante, sendo que muitas vezes agimos de formas quase que opostas dependendo do lugar que estamos. Explicitamos isto para informar que até mesmo a identidade individual, que é construída a partir da interação com os grupos sociais em que convivemos é passível destas instabilidades e incertezas, em outras palavras ela não é fixa (LOURO, 1997, p. 24). Vivemos num país constituído por diferentes etnias, valores, crenças, raças, culturas e sujeitos distintos/as, o Brasil é mestiço! As relações intersociais e interpessoais presentes na sociedade brasileira são complexas, fatores como desigualdade social, discriminação, preconceito, exclusão de grupos minoritários e outros multifacetam a construção das identidades dos/as sujeitos (FLEURI, 2005). Na contemporaneidade vemos que vários estudos em diversas áreas de conhecimento como educação, sociologia, psicologia, antropologia e outras demonstram interesse em verificar quais os fatores que constituem as diversas identidades culturais dos sujeitos a fim de conhecê-las e compreendê-las. O significado da palavra identidade no dicionário de língua portuguesa refere-se a “1. qualidade de idêntico. 2. os caracteres próprios e exclusivos duma pessoa: nome, idade, estado, profissão, sexo, etc.” (FERREIRA, 2004, p. 459). Para a Psicologia, nas palavras de 3 4 Profª licenciada em Pedagogia pela Unemat- campus de Cáceres-MT. contato: [email protected] Profª Assistente III do curso de Educação Física da Unemat Cáceres-MT. contato: [email protected] Bock (2002, p. 203), o processo de “apresentar-se ao mundo e reconhecer-se como alguém único” constitui a identidade. Segundo a autora, elementos como: linguagem, roupas, tatuagens, piercings e outros servem como “indicadores” que permitem identificar pessoas e/ou grupos. Outro aspecto relevante em relação à constituição de identidade apontado por Bock (2002, p. 204) é a necessidade da existência do/a “outro/a”: [...] o reconhecimento do seu eu se dá no momento em que aprendemos a nos diferenciar do outro. Eu passo a ser alguém quando descubro o outro e a falta de tal reconhecimento não me permitiria saber quem sou, pois não teria elementos de comparação que permitissem ao meu eu destacarse dos outros eus. Dessa forma, podemos dizer que a identidade, o igual a si mesmo, depende da sua diferenciação em relação ao outro. Em Louro (2001, p. 15) vemos que no “processo de reconhecimento de identidade” a sociedade constrói “fronteiras”, que “demarcam” os sujeitos que fogem à norma, em outras palavras, culturalmente na história de nossa sociedade a identidade concebida como normal e, portanto, “invisível”, não problemática, referia-se ao “homem branco, heterossexual, de classe média urbana e cristão”, portanto aqueles e aquelas cuja identidade se desvia do padrão hegemônico estabelecido culturalmente são considerados/as os/as outros/as e estão sujeitos a serem rotulados/as pela sociedade. Neste trabalho nos propomos a lançar um olhar especificamente sobre as identidades de sexualidade diferentes da hegemônica, quais sejam: lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e transgêneros5. Estas compõem grupos de minorias sexuais que tem identidades de sexualidade diferentes da heterossexual por isso sofrem vários tipos de preconceitos, discriminações e violências. Antes de prosseguirmos é importante destacar que identidade de gênero tem relações com as questões concernentes à sexualidade, porém identidade de gênero não tem o mesmo significado que identidade sexual. A identidade sexual refere-se às formas como vivemos nossa sexualidade “com parceiros/as do mesmo sexo, do sexo oposto, de ambos os 5 Segundo Trevisan (2004, P. 376) na década de 90 criou-se a primeira sigla adotada pelas várias inovações fundamentais no Liberacionismo Homossexual brasileiro, era utilizado o termo GLS para referir-se à (Gays, Lésbicas e Simpatizantes). Desde essa época até os dias atuais a sigla sofreu inúmeras variações, encontrei no dicionário virtual Wikipédia* o termo GLBT, acrônico de (Gays, Lésbicas, Bissexuais e Transgêneros), que ainda é utilizado “mas cada vez mais se usa a versão LGBT com a intenção de reforçar o combate à dupla discriminação de que são alvo muitas mulheres homossexuais (por serem "mulheres" e por serem "homossexuais")”. Temos visto também LGBTTT referente a (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transssexuais e Transgêneros), mas adotamos LGBT, conforme definido na 1ª Conferência Nacional LGBT ocorrida em Brasília em junho deste ano. (grifos nossos). * <http://pt.wikipedia.org/wiki/GLBT > Acesso em 04 out 2007. sexos ou sem parceiros/as” enquanto que a identidade de gênero configura-se nas formas como os sujeitos se identificam histórica e socialmente “como masculinos e femininos” (LOURO, 1997, p. 26). Deste modo, quando os sujeitos “se afastam da forma de masculinidade hegemônica são considerados diferentes, são representados como o outro e, usualmente, experimentam práticas de discriminação ou subordinação” (LOURO, 1997, p. 48). Pode-se dizer que isto aplica-se às feminilidades, não precisamos sequer recorrer às bibliografias existentes a este respeito, basta olhar com acuidade para os programas de TV, para a mídia impressa e veremos um determinado ideal de feminilidade sendo expresso de forma recorrente e sistemática. A respeito do conceito gênero, desde a década de 1960 o movimento feminista vem problematizando-o, porém no Brasil as feministas começaram a usá-lo no “final dos anos 80” (LOURO, 1997, p. 23). Seu significado está para além das diferenças biológicas entre o sexo feminino e masculino. A autora aponta que: [...] é necessário demonstrar que não são propriamente as características sexuais, mas é a forma como essas características são representadas ou valorizadas, aquilo que se diz ou se pensa sobre elas que vai constituir, efetivamente, o que é feminino ou masculino em uma dada sociedade e em um dado momento histórico. Para que se compreenda o lugar e as relações de homens e mulheres numa sociedade importa observar não exatamente seus sexos, mas sim tudo o que socialmente se construiu sobre os sexos (LOURO, 1997, p. 21). Deste modo, o conceito de gênero é uma construção que se dá nas relações sociais, é preciso “entender o gênero como constituinte da identidade dos sujeitos”. Retomando o complexo conceito de identidade que é “formulado a partir de diferentes perspectivas” (LOURO, 1997, p. 24), ele possibilita-nos compreender os sujeitos como seres múltiplos, plurais e que estão em “permanente transformação” (BOCK, 2002, p. 205). A partir desta perspectiva, a proximidade existente entre identidade sexual e de gênero é que ambas são “constructo instável, mutável e volátil, uma relação social contraditória e não finalizada” (BRITZMAN, 1996, p. 74). Louro corrobora com a idéia assinalando que “as identidades são sempre construídas, elas não são dadas ou acabadas num determinado momento” (1997, p. 26). Como a identidade dos sujeitos não é algo fixo torna-se possível a compreensão da existência de distintos grupos étnico-raciais, sexuais, de gênero e outros que constituem as identidades dos sujeitos e com isso possibilita-nos entender que uma pessoa pode ao mesmo tempo ser mulher, masculina, negra e lésbica, por exemplo. Diante desses apontamentos é possível afirmar que a sociedade é atravessada por diferenças de geração, gênero, nacionalidade, classe, aparência física, etnia, sexualidade e outras que geram discriminação e exclusão social para aqueles e aquelas que possuem identidades diferentes da hegemônica. Isto tudo suscita algumas questões: O que é ser diferente? Quem estabelece o que é normal, natural e desejável daquilo que não o é? Por que existe discriminação para quem é diferente da norma? Corpos e identidades marcadas... Falar de identidade requer que falemos de nossos próprios corpos, pois é onde a identidade manifesta-se, desde nossa própria face até os adornos e vestimentas com o qual o cobrimos. Também é através dele que costumamos rotular ou classificar sujeitos atrelando-os/as a grupos com os quais são identificados/as. Versar sobre o corpo remete-nos a um terreno movediço, pois assim como as identidades os corpos são construtos socioculturais mutantes, nos quais se opera a busca por atender aos padrões de moda, beleza, estética, higiene, moral e outros. Para Louro (2001, p. 15): [...] inscrevemos nos corpos marcas de identidade e, conseqüentemente, de diferenciação. Treinamos nossos sentidos para perceber e decodificar essas marcas e aprendemos a classificar os sujeitos pelas formas como eles se apresentam corporalmente, pelos comportamentos e gestos que empregam e pelas várias formas com que se expressam. Em outra produção a autora citada acima faz as seguintes indagações: “que marcas são essas? O que supostamente elas demonstram?” E responde que “as marcas devem nos ‘falar’ dos sujeitos” (2000, p. 61). Assim como Louro, concebemos que a partir das características que distinguem os corpos, ou seja, características físicas como a presença de um pênis ou vagina, cor da pele, corpo paralítico, deficiente, ou ainda, roupas, tatuagens, perfumes e outros adereços constituem-se as marcas e através delas as identidades são construídas. São os “códigos identitários” (LOURO, 2000, p. 62), que desde a utilização de adornos assim como as modificações ocorridas no corpo tais como: implantes, próteses, etc., constituem o processo de identificação das pessoas e grupos culturais. Estas “marcas” definem a identidade de gênero, etnia, sexualidade e outras que os sujeitos e nós mesmos/as nos enquadramos. Porém, quando as marcas corporais não nos possibilitam de imediato classificar as identidades temos um sentimento de inquietude, é como se necessitássemos representar as pessoas e o próprio corpo dentro dos padrões socioculturais. Conseqüentemente ao falarmos em identidade em alguma medida estamos também falando de diferenças. Portanto, as identidades que se diferenciam da referência ou da hegemonia são classificadas como outras e passam a serem vistas como problemáticas ou desviantes. A esse respeito Louro acrescenta que: [...] Será, pois, a identidade que foge à norma, que se diferencia do padrão, que se torna marcada. Ela escapa ou contraria aquilo que é esperado, ela se desvia do modelo. Como tal, ela é, via de regra, representada não apenas por comparação à identidade hegemônica, mas a partir do olhar hegemônico [...] (2000, p. 68). Ainda sobre identidades marcadas podemos citar o grupo de minoria sexual constituído por Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros (LGBT) que socialmente é classificado como “desviante” e costuma sofrer discriminações, preconceitos e, muitas vezes, violências físicas e simbólicas pela sociedade. As identidades LGBT são distintas entre si, embora mulheres e homens possam ser representadas/os por esta sigla, suas identidades são constituídas a partir dos referenciais existentes sobre homens e mulheres, porém de modos distintos. Pensar sobre as identidades LGBT, em alguma medida torna possível compreender que as diversas formas de viver esta sexualidade considerada desviante são construídas a partir de escolhas onde cada sujeito identifica-se com aquilo que mais dê sentido e prazer à sua vida, optando-se por vivenciá-la à revelia do que a sociedade aponta como referência a ser adotada pelos/as sujeitos. Com esta afirmação não estamos dizendo que as manifestações de sexualidade diversas da heterossexualidade são uma opção individual, nossa afirmação é distinta por estarmos falando das formas em que estas identidades são constituídas, pois concebemos que as identidades LGBT são subjetividades forjadas por construtos socioculturais que estão em constante mutação e transitoriedade. Até nos arriscamos a dizer que ser heterossexual a 5 (cinco) décadas atrás era algo um pouco distinto do que vemos hoje nesta sociedade que sofreu os efeitos do sufragismo. Através das identidades LGBT é possível compreender que as diferenças marcam, propositalmente, espaços e caracterizam grupos. Na identidade homossexual vemos desde sujeitos temerosos em expor sua identidade de sexualidade aos mais explícitos. Mais emblemáticos ainda são os travestis6, porque através do seu corpo transpõem as fronteiras e subvertem a identidade de gênero correspondente à genitália. Consideramos que as identidades que provavelmente são avaliadas como mais exóticas entre o grupo de minorias sexuais sejam os/as travestis, transexuais 7, transgêneros8, Drag Queen9 e butches10. Por outro lado, citamos algumas personalidades da sociedade brasileira como Cássia Eller, Jorge Lafond, Cazuza, Renato Russo, Clodovil, Rogéria, Roberta Close, Ney Matogrosso e muitos outros que marcaram sua carreira, justamente por apresentarem corpos exóticos e uma identidade de sexualidade versátil. Cabe uma reflexão aprofundada sobre quais os significados disto, neste sentido buscamos compreender como alguns autores/as têm concebido estas questões. Para tanto, retomando a discussão das disparidades estabelecidas por corpos e identidades marcadas, utilizamos o conceito estigma cunhado por Erving Goffman (1988) que adquire o sentido de “desgraça”. Desde a Grécia antiga o termo estigma consistiu em identificar marcas corporais, cicatrizes ou “distúrbios físicos” que permitissem, através desses sinais, atribuir diferenças às pessoas, caracterizando-as como “estragada e diminuída”. Segundo Goffman (1988) pode ser “considerado um defeito, uma fraqueza, uma desvantagem”, este autor 6 No dicionário de língua portuguesa (FERREIRA, 2004) o termo travesti é usado para pessoas homossexuais que se trajam com roupas do sexo oposto ao seu. Colocar fantasia, disfarçar-se, dissimular-se. 7 Refere-se à condição do indivíduo que possui uma identidade de gênero diferente da designada biologicamente. O termo corresponde a homens e mulheres que apresentam uma sensação de desconforto ou impropriedade de seu próprio sexo anatômico e por essa razão desejam fazer uma transição de seu sexo biológico para o sexo oposto. Claro que esse tipo de transição necessita de ajuda médica como por exemplo, terapia de redesignação de gênero. Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Transexuais> Acesso em 15 de Maio de 2008. 8 No caderno do Programa Brasil sem Homofobia temos o seguinte conceito: “terminologia utilizada que engloba tanto as travestis quanto as transexuais. É um homem no sentido fisiológico, mas se relaciona com o mundo como mulher”. (2008, p. 30). Em eventos voltados à temática LGBT tem-se utilizado essa expressão também para pessoas nascidas com o sexo feminino, mas que identificam-se como gênero masculino e para pessoas que transitam entre os gêneros. 9 São pessoas de sexo masculino que travestem-se de forma exagerada e expressam-se de forma engraçada e caricata, geralmente o fazem em eventos e locais destinados ao público LGBT. 10 Esta é a versão em inglês para o vulgar ou popular “caminhoneira” utilizado aqui no Brasil, algumas destas podem ser identificadas como transgênero, mas já existem casos de transexuais. Butches são mulheres que se sentem mais à vontade com comportamentos tidos como masculinos, mas que na verdade podem ser praticados tanto por homens quanto por mulheres. Butches, verdade seja dita, sequer são sempre lésbicas, visto que muitas mulheres héteros preferem esse mesmo jeito simples e direto de se expressar e vestir. Disponível em: http://www.uvanavulva.com.br/butch_e_femme_page.htm > Acesso em 14 de maio de 2008. afirma que “o termo estigma, será usado em referência a um atributo profundamente depreciativo, [...] um atributo que estigmatiza alguém pode confirmar a normalidade de outrem”. Em nossa concepção este termo não possui apenas uma forja conceitual, ele aplica-se na realidade na medida em que a marca serve para classificar pessoas, baseandose em suas diferenças, de forma pejorativa. Acreditamos que um grupo social muito estigmatizado seja o de minorias sexuais – LGBT – por constituir-se de sujeitos excêntricos/as que inscrevem, anunciam e afirmam através de seus corpos, identidades diferenciadas da considerada normal, que são marcadas, estereotipadas e classificadas como anormais. Neste sentido o movimento LGBT vem difundindo e utilizando o termo homofobia 11 para designar a violência destinada a estes sujeitos, porém evidenciamos que também seria pertinente o uso do termo heterossexismo defendido por Pocahy (2007b, p. 10-11), porque este conceito implica em: [...] atitude de hostilidade e ódio aos homossexuais homens ou mulheres [...] uma manifestação arbitrária que consiste em designar o outro como o contrário, inferior ou anormal. Referindo-se a um prejulgamento e ignorância que consistem em acreditar na supremacia, evidencia e naturalidade da heterossexualidade (BORILLO, apud POCAHY, 2007a, p. 15). Apresentados estes conceitos que consideramos importantes para esta discussão, em seguida veremos algumas das propostas que emergiram da necessidade de trabalhar com diversas culturas e identidades de forma a não excluir nem estigmatizar sujeitos “rotulados diferentes” no âmbito social e educacional. Algumas possibilidades... Podemos iniciar nossa reflexão acerca da diversidade cultural presente na escola relacionando-a com a subjetividade, por exemplo. De acordo com Louro (200, p. 61) no ambiente escolar encontramos meninas e meninos que agregam aos seus corpos “códigos identitários” a fim de se tornarem singulares e diferenciados da maioria dos/as outros/as estudantes. As marcas produtoras da diferença – tão almejada – podem consentir que 11 Pocahy (2007a, p. 14) menciona que tal expressão vem sendo “[...] largamente utilizada no contexto dos movimentos glbttt e queer [...]”. Além disso, já mencionamos a existência de um programa governamental denominado “Brasil sem homofobia”, porém não sabemos se a opção do termo emergiu ou não a partir das demandas do movimento, cremos na existência dessa articulação. sujeitos sejam estereotipados em decorrência desses sinais. Em outras palavras, é através dos “códigos identitários” implícitos e explícitos no corpo que muitos/as estudantes sofrem discriminações por causa de sua cor, aparência, vestimenta, vocabulário, comportamento e trejeitos que os/as distinguem da maioria dos/as outros/as alunos/as. Por outro lado, pode-se dizer que os corpos presentes na escola estão sendo diariamente avaliados pelos sujeitos que buscam se enquadrar às “normas sociais” produzidas e produtoras da instituição escolar nos moldes preconizados por toda a sociedade. Diante desses apontamentos surgem algumas questões complementares. Qual é a representação que estudantes têm sobre os corpos dos sujeitos cuja identidade de sexualidade é diversa da heterossexual? Eles são, como concebe Goffman (1988), estigmatizados? Ou são corpos que passam por classificações e enquadramentos onde o sexo determina o gênero e a sexualidade? As identidades LGBT são marcadas pelos seus corpos? Será que o corpo cheio de fantasias apresentado por uma Drag queen ou travesti é visto como um corpo exótico ou corpo anormal? Como a maioria heterossexual vê estes corpos? Será que existe uma curiosidade em relação a estes corpos que fogem à regra? Na escola há influência tanto da ciência quanto da mídia e de outros tipos de conhecimentos, diante disso surgem novas questões: com que corpos deparamos-nos quando adentramos os portões de uma escola? Eles são moldados de forma diversa ao que vemos na rua ou no meio LGBT? Como lidar com essas diferenças na educação? Pensando a esse respeito concebemos que a relação entre intercultura, educação e movimentos sociais de minorias de sexualidade é pertinente para promover educação na qual exista valorização das diferenças culturais de forma a propiciar aprendizagem significativa através da interação entre diferentes sujeitos e culturas. Contudo, proporcionar interação entre cultura e educação entre os diversos e distintos sujeitos de uma sociedade não é uma tarefa fácil, porém novos caminhos estão sendo traçados com a finalidade de que esse intercâmbio ocorra. Um exemplo disto é o Núcleo Mover 12 (UFSC) que procura através de suas atividades e pesquisas focalizar as “relações entre grupos socioculturais, étnicos, geracionais, de gênero nas práticas 12 O Núcleo "Mover - Educação Intercultural e Movimentos Sociais" da Universidade Federal de Santa Catarina busca conceituar epistemológica e pedagogicamente a perspectiva intercultural da educação. (FLEURI, 2005). educativas escolares e nos movimentos sociais” com intuito de “elaborar subsídios teóricometodológicos para a formação de educadores”. De acordo com Fleuri (2005): [...] a perspectiva intercultural da educação, emergente nestes movimentos socioculturais e políticos, reconhece o caráter multidimensional e complexo da interação entre sujeitos diferentes. Busca, pois, desenvolver concepções e estratégias educativas que favoreçam o enfrentamento dos conflitos, na direção de superação das estruturas socioculturais geradoras de discriminação, de exclusão ou de sujeição entre grupos sociais. Portanto, a aproximação entre educação intercultural e movimentos de minorias sexuais é importante, pois concebemos que os sujeitos não heterossexuais sofrem discriminação baseada em preconceitos e intolerância com estas diferenças cuja bases para seu construto são de cunho cultural. Diante dessa perspectiva, alguns pesquisadores têm mobilizado o olhar para esses grupos minoritários a fim de encontrarem subsídios que permita criar possibilidades para que aconteça o encontro entre diferentes atores sociais, sujeitos com histórias singulares, que dialoguem junto a outros indivíduos de culturas diferentes, propiciando conseqüentemente trocas na aprendizagem educacional desses indivíduos. Promover uma “educação para a alteridade” ou educação intercultural é propor que na educação não se estigmatize, nem discrimine ou minimize nenhum sujeito em decorrência de sua cultura, cor, sexualidade, idade, classe social, etc. A proposta da educação intercultural permite ensinar valorizando as singularidades, as diferenças, as características de cada indivíduo, respeitando culturas distintas na busca por romper as fronteiras existentes na educação. Nas palavras de Fleuri (2005, p. 02): [...] o trabalho intercultural pretende contribuir para superar tanto a atitude de medo, quanto a de indiferente tolerância frente ao “outro”, construindo uma disponibilidade para a leitura positiva da pluralidade social e cultural. Trata-se, na realidade, de um novo ponto de vista baseado no respeito à diferença, que se concretiza no reconhecimento da paridade de direitos. Portanto, concebemos que os desafios que constituem a proposta para uma educação intercultural que venha interagir com movimentos de minorias sociais são muitos. Talvez um dos caminhos para que isso venha acontecer consista em oportunizar confrontos envolvendo diferentes sujeitos que dialoguem entre si, expondo e se afirmando por suas diferenças. Cremos que as ações dos movimentos LGBT estejam justamente produzindo esses confrontos, só não sabemos em que medida isso tem possibilitado melhor convivência ou pelo menos mais tolerância em relação a essas identidades de sexualidade. Este é nosso ponto de partida para o desenvolvimento de uma pesquisa que pretende trazer, mesmo que provisoriamente, algumas respostas às questões pontuadas neste texto. Referências BRASIL. Secretaria Especial de Direitos Humanos. Brasil sem Homofobia: Programa de Combate à Violência e à Discriminação contra GLBT e Promoção da Cidadania Homossexual. Programas de direitos humanos. 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