Modos de Narrar
O limiar realidade x ficção
Semiótica da Cultura – Ivan
Bystrina
• Primeira realidade: o palpável, o cotidiano,
as necessidades físicas, as instituições
sociais.
• Segunda realidade: os sonhos, os signos, o
intangível.
Primeira e Segunda realidades
• A sanidade é o equilíbrio entre as duas
realidades.
Edgar Morin
• Homo sapiens x homo demens
Narrativas de ficção
• São construídas no confronto entre a
primeira e a segunda realidade.
• A realidade é, muitas vezes, mais absurda
do que a ficção.
Metalinguagem ficção x
realidade
• Carmen, de Carlos Saura: questiona o limiar
realidade ficção.
• Adaptação cinematográfica do roteiro para
ópera, de Bizet, adaptado da obra literária
de Merrimèe.
Carmen
• Um importante diretor de um corpo de baile
seleciona atores / bailarinos para a adaptação de
“Carmen”, de Bizet.
• Coincidentemente, os protagonistas chamam-se
Carmen e Antonio (nomes dos personagens da
obra), apaixonam-se e vivem um romance
tumultuado pelo ciúme de Antonio e pela
personalidade libertária de Carmen.
Elementos reais na construção
ficcional
• Conversas de ônibus: Pedro Almodóvar
• Reportagens: Gabriel García Márquez: Do
amor e outros demônios
• Notícias de jornal: Moacir Scliar
• Vivências cotidianas, dramas e alegrias
pessoais e coletivos.
O silêncio
• Narrativa de um acontecimento corriqueiro,
com o objetivo final de auto-crítica e de
criticar a realidade.
O SILÊNCIO
Míriam Cris Carlos
O ônibus vinha mais cheio do que o normal. Segunda-feira. Daquelas
bravas. Retorno de feriado. Coisas por se colocar em dia. Pessoas com
suas caras azedas de quem não estava nem um pouco feliz de ser
obrigado a retomar obrigações.
Embora mais cheio que o normal, restavam alguns lugares vagos. Um
ao meu lado, como sempre.
Já na plataforma de embarque eu havia notado a mulher, com algumas
crianças, quase do mesmo tamanho. A diferença entre elas era sutil, mas
a igualdade gritante. Não me lembro bem se eram três ou quatro. Todas
muito sujas. Os cabelos desgrenhados, sem cor, palha pura. Olhando-as
percebi que eram como miniaturas da mãe. A mulher carregava inúmeras
sacolas e trouxas de roupa.
A confusão iniciou-se no embarque. Pessoas apressadas,
talvez atrasadas para o trabalho, não achavam paciência para esperar
que a mulher subisse com as suas tralhas, com as filhas, que pareciam
mais tralhas do que crianças. Após a subida, ela permaneceu no meio
do corredor, parada, não sabia se ia para a frente ou para trás, e as
pessoas se acumulando numa impaciência maldisfarçada.
Para as crianças aquilo era uma festa. Corriam para frente e para
trás, não tinham dúvida; sentaram nos bancos vagos, espalhando
perplexidade pelo ônibus.
Fim da festa. O motorista disse à mulher que o seu número era o
quarenta e três, portanto, lá no fundo. Delicado quase, pediu à mulher
que desobstruísse o corredor e colocasse as crianças também em seus
devidos lugares, já que elas estavam ocupando bancos alheios.
Todos em seus lugares. Menos as crianças, é claro. O ônibus
arranca. Percebo que aquela mulher, como já se adivinhava, havia
comprado somente uma passagem para servir a ela, às crianças e às
tralhas.
Um segundo de percurso e, ao meu lado, uma das crianças. Olhei,
desconfiadamente. Os cabelos desgrenhados estavam carregados de
lêndeas, como também já havia previsto. Procurei relaxar.
O ônibus pára. Sobe um passageiro. Lotado. O passageiro reclama.
Não iria em pé até São Paulo. O motorista vem até o banco ao lado do
meu. A criança é retirada e devolvida à mãe. O motorista vai até a mulher
e diz que ela deveria ter comprado ao menos duas passagens. A réplica é
óbvia. Não há dinheiro para tanto luxo. Ainda delicado, o motorista
recolhe todas as tralhas espalhadas pelo corredor. Coloca tudo no
guarda-volumes. Ajeita as crianças e a mulher no mesmo banco. O
passageiro ao lado da mulher observa a paisagem da janela, com ar
aborrecido. “Leva a criança no colo que dá tudo certo, dona. Vai
trocando, duas no colo e uma em pé. Segura bem pra não cair, tá certo?”.
Todos olham. Silêncio. Ouve-se o bater de asas de uma mosca, que pousa
no lábio da mulher. Silêncio. Um silêncio tão caudaloso, que nele
poderíamos lavar as mãos. Nele lavamos as mãos.
A síntese de Dalton Trevisan
Criança
— Tua professora ligou. De castigo, você.
Beijando na boca os meninos. Que feio, meu
filho. Não é assim que se faz.
— ...
— Menino beija menina.
— Você é gozada, cara.
— ...
— Pensa que elas deixam?
Realidade: um ponto de vista
• Notícia: simula um “efeito de real”.
• Foco narrativo em terceira pessoa: simula o
distanciamento (câmera fotográfica).
• O narrador supostamente se omite ou se
ausenta.
• O recorte já é um ponto de vista que
distorce a realidade.
Jornalismo X Literatura
• No jornalismo há uma preocupação maior
com o conteúdo.
• A literatura não existe sem a forma.
Narrar exige, segundo Walter
Benjamin:
•
•
•
•
Sabedoria;
Vivência;
Autoridade;
Troca de experiências.
Poema tirado de uma notícia de
jornal – Manuel Bandeira
João Gostoso era carregador de feira-livre e morava
no morro da Babilônia num barracão sem número
Uma noite ele chegou no bar Vinte de Novembro
Bebeu
Cantou
Dançou
Depois se atirou na Lagoa Rodrigo de Freitas e
morreu afogado
Monte Azul Paulista
Mulher mantinha mãe acorrentada
• A comerciante Rosana Pereira dos Santos,
de 30 anos, foi presa em flagrante na última
quinta-feira em Monte Azul Paulista, por
manter a mãe em cárcere privado,
acorrentada à cama. A lavradora Maria das
Dores Pereira, de 49 anos, telefonou para a
polícia. Rosana alegou que queria impedir a
mãe de beber (O Estado de São Paulo, Cidades, 11 de
abril de 2007).
Exercício individual
• A partir da notícia, criar uma narrativa de
ficção, em que sejam acrescentados novos
elementos.
• Escrever, a partir da narrativa, um miniconto.
• Criar, a partir do mini-conto, um roteiro
para um filme de um minuto.
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