“Eu sempre soube que seria milionário”
A obsessão por acumular dinheiro começou cedo para Warren Buffett.
Nascido em 1930, ele juntou os primeiros centavos aos 6 anos, investiu pela
primeira vez na bolsa de Nova York aos 12 e iniciou sua própria empresa de
investimento aos 26 anos. “Eu sempre soube que seria milionário”, afirma
Buffett na biografia Snowball, que chegou às livrarias dos Estados Unidos no
dia 29 de setembro. EXAME publica com exclusividade no Brasil trechos
editados da obra sobre a vida do megainvestidor — uma leitura obrigatória,
sobretudo em tempos de crise. (O livro será lançado no país em novembro,
pela editora Sextante.)
Buffett, que fala de si mesmo raramente, como em reuniões com estudantes
de universidades americanas, encontrou-se diversas vezes nos últimos cinco
anos com a autora da biografia, a ex-analista de mercado Alice Schroeder.
Além de ter acesso privilegiado a Buffett, Alice realizou 250 entrevistas com
familiares, o sócio Charlie Munger e amigos como Bill Gates. Em mais de 900
páginas, Alice mostra como foi forjado o estilo reverenciado de Buffett — em
grande parte influenciado pelo pai, Howard, e pelo primeiro chefe e guru,
Ben Graham, então dono de uma pequena empresa de investimentos em
Nova York. EXAME selecionou três trechos que mostram momentos cruciais
na vida de Buffett: a descoberta do dinheiro, a abertura da primeira
empresa e sua histórica apresentação num evento promovido pelo investidor
Herbert Allen na Califórnia, em que prevê a explosão da bolha da internet
para uma audiência descrente — e repleta de figurões de empresas de
tecnologia.
Sobre como Buffett descobriu o dinheiro
Warren Buffett ganhou os primeiros centavos de sua vida vendendo caixas
de chiclete. E, desde o dia em que começou a vendê-las — aos 6 anos —, ele
demonstrou uma postura inflexível com os clientes, que revelava muito
sobre o que se tornaria o seu estilo mais tarde.
“Eu tinha uma bandejinha verde com cinco compartimentos. Havia espaço
para cinco tipos diferentes de chiclete. Eu comprava as caixas de gomas de
mascar fechadas, do meu avô, e batia de porta em porta na vizinhança,
vendendo o produto em embalagens com cinco cada uma. Costumava fazer
aquilo à noite, principalmente. Lembro-me de uma mulher chamada Virginia
Macoubrie dizendo: „Vou levar só um chiclete‟. Eu respondi: „Não abrimos as
embalagens de cinco‟. Custavam 5 centavos, e ela só queria gastar 1
centavo comigo!”
Concluir uma venda era tentador, mas não o suficiente para fazê-lo mudar
de idéia. Se vendesse só uma unidade para Virginia Macoubrie, ficaria com
outras quatro sobrando para vender a outra pessoa, o que não valia o
esforço ou o risco. De cada embalagem, ele tirava um lucro de 2 centavos. E
podia sentir aqueles centavos, pesados e sólidos, na palma de sua mão. Eles
se tornaram os primeiros flocos da bola-de-neve de dinheiro que estava por
vir.
O que Warren estava disposto a dividir, porém, eram os engradados
vermelhos de Coca-Cola que vendia de porta em porta nas noites de verão.
Ele continuou vendendo os refrigerantes durante as férias da família,
abordando banhistas nas margens do lago Okoboji, em Iowa. Refrigerantes
eram mais lucrativos que chicletes: ele tirava um lucro líquido de 5 centavos
por cada seis garrafas — e enfiava aqueles centavos orgulhosamente no seu
porta-moedas niquelado, em forma de campo de beisebol, que carregava no
cinto. Era o mesmo porta-moedas que ele usava quando batia de porta em
porta vendendo exemplares do Saturday Evening Post e da revista Liberty. O
porta-moedas o fazia se sentir um profissional. Ele simbolizava a parte do
trabalho de vendedor de que Warren mais gostava: colecionar. Embora
ainda colecionasse tampinhas de garrafas, moedas e selos, ele agora
colecionava principalmente dinheiro. Mantinha as moedas em casa, dentro
de uma gaveta, às vezes reunindo-as aos 20 dólares que seu pai lhe dera
quando ele fez 6 anos, tudo registrado na sua cadernetinha marrom: sua
primeira conta bancária.
Aos 9 ou 10 anos, ele e Stu Erickson vendiam bolas de golfe usadas, no
campo de golfe do Elmwood Park — até que alguém os denunciou e eles
foram expulsos. Mas, quando a polícia veio falar com os pais de Warren, eles
não se mostraram preocupados. Consideravam apenas que seu filho era
ambicioso. Sendo o único — e precoce — filho homem dos Buffett, Warren
tinha uma espécie de “auréola”, segundo suas irmãs, e assim se safava de
encrencas. Aos 10 anos, ele arranjou um emprego vendendo amendoim e
pipoca durante os jogos de futebol americano da Universidade de Omaha.
Ele andava pelas arquibancadas gritando: “Amendoim, pipoca, 5 centavos,
só cinco moedas de 1 centavo, quem vai querer amendoim e pipoca!” A
campanha eleitoral presidencial de 1940 estava em andamento, e ele tinha
uma coleção de dezenas de broches da chapa republicana Willkie-McNary,
que usava na sua camisa (embora o candidato republicano, Wendell Willkie,
parecesse liberal demais para o seu gosto). Mas Howard votaria em qualquer
um para se livrar de Roosevelt. Warren, que seguia as opiniões políticas do
pai, gostava de exibir os broches da chapa Willkie-McNary quando vendia
amendoins. Um dia o gerente o chamou no escritório e disse: “Tire esses
broches. Você vai irritar os torcedores partidários de Roosevelt”.
Se para Howard o principal interesse era a política e o dinheiro era algo
secundário, com seu filho acontecia o inverso. Sempre que podia, Warren
ficava no escritório do pai, no antigo prédio do Omaha National Bank, lendo
a coluna The Trader, da revista Barron‟s(1), e os livros da estante. Ou então
se enfurnava na sala dos clientes da corretora Harris Upham & Co., que
ficava dois andares abaixo do escritório de Howard. Lá, ele achou
sensacional quando o deixaram escrever no quadro-negro, anotando os
preços das ações a giz, numa calma manhã de sábado, na época da
Depressão. A bolsa funcionava por um período de 2 horas durante os fins de
semana. Investidores empedernidos, sem nada melhor para fazer, enchiam
o semicírculo de cadeiras na sala dos clientes observando com indiferença os
números se arrastarem pelo Trans-Lux, um painel eletrônico com os preços
das ações mais importantes. De vez em quando, alguém se levantava para
arrancar um pedaço de fita da impressora com as cotações que ela clicava
preguiçosamente. Warren chegava com seu tio-avô paterno, Frank Buffett, e
seu tio-avô materno, John Barber. “O tio Frank era extremamente
pessimista em relação ao mundo, enquanto o tio John era extremamente
otimista. Eu me sentava entre os dois, e eles meio que disputavam minha
atenção, cada um tentando me convencer de que estava certo. Não
gostavam um do outro, então não se falavam, mas conversavam comigo, no
meio. Meu tio-avô Frank achava que tudo no mundo estava prestes a
desabar.”
“Quando alguém ia até o balcão atrás das cadeiras e dizia „quero comprar
100 ações da U.S. Steel a 23 dólares a cota‟, meu tio Frank sempre explodia
e falava: „U.S. STEEL? ELA VAI DESPENCAR ATÉ ZERO!‟ ” Aquilo não era
bom para os negócios. “Eles não podiam expulsá-lo, mas odiavam a
presença dele.” Acomodado entre os dois tios, Warren observava os
números, que lhe pareciam embaralhados. Sua dificuldade em ler o TransLux fez a família descobrir que ele era míope. Depois que lhe providenciaram
óculos, Warren notou que os números pareciam mudar segundo algum tipo
de lei própria e imutável. Embora seus tios-avôs estivessem loucos para
conduzi-lo aos seus respectivos — e radicais — pontos de vista, Warren
percebeu que seus palpites não pareciam ter conexão alguma com os
números que o painel mostrava. Ele estava determinado a desvendar o
padrão, mas ainda não sabia como.
(1) A Barron’s é uma revista mensal de leitura obrigatória em Wall Street
Fonte: PortalExame
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