Património geológico, arqueológico e mineiro em regiões cársicas Actas do Simpósio Ibero-americano, p. 181-192. SEDPGYM, Batalha, 2007 Historiografia mineira. Contribuição para o estabelecimento de uma cronologia de factos relevantes na vida das minas de lignite de Alcanadas e Chão Preto (Batalha, Portugal) José M. Brandão INETI / CEHFC, Universidade de Évora [email protected] Resumo A existência de lignites nas imediações da Vila da Batalha é conhecida, pelo menos, desde o século XIX; porém, desde o início da sua exploração organizada até ao encerramento da actividade nos anos cinquenta, a produção só assumiu algum significado durante as duas Grandes Guerras. As minas de Alcanadas foram exploradas de forma intermitente por diversos concessionários, tendo sempre conhecido grandes dificuldades dada a baixa qualidade dos carvões, problema que acabou por ditar o seu (precoce) encerramento. Palavras chave: Batalha, Alcanadas, lignite, Couto Mineiro do Lena, caminho de ferro mineiro. Abstract The occurrence of lignite layers in the surroundings of Batalha is known, at least, since the second half of the 19 th century. Although, since its organized exploitation till the end of activities in the fifties, production only had real dimension during the two World Wars. The mines of Alcanadas have been exploited in an intermittent way by several owners, always under hard difficulties because of the low quality of coal ores, problem that dictated the early closing of these mines. Keywords: Batalha, Alcanadas, lignite, Couto Mineiro do Lena, mining railway. Nota introdutória No presente artigo pretende-se enumerar e sequenciar alguns factos relevantes da historiografia das minas de lignite de Alcanadas e Chão Preto, as quais marcaram o percurso económico e industrial dos concelhos da Batalha e Porto de Mós, não só pelo estabelecimento da actividade extractiva, como também pela instalação de equipamentos de grande impacte social como foram o “Caminho de Ferro Mineiro do Lena” (CFML) e a Central Eléctrica “Lena” em Porto de Mós1. Assim, dada a orientação escolhida, salientaram-se a negrito no texto, as datas correspondentes. 1. Mais tarde designada por SEOL – Sociedade Eléctrica do Oeste, Lda. 181 Os elementos ora referidos são parte de um estudo de maior fôlego, no âmbito dos trabalhos de criação de um pólo de memórias mineiras no lugar de Alcanadas, parte integrante do projecto de implantação do Museu da Comunidade Concelhia da Batalha. A bacia carbonífera do Lena: breve apresentação Também conhecidas por “Minas da Batalha”, o conjunto de ocorrências agrupadas na concessão de “Alcanadas e Chão Preto” foram um dos mais importantes pólos do Couto Mineiro do Lena (CML), vasto conjunto de minas de carvão alinhado na direcção N – S ao longo da margem direita do rio Lena, que se estendia por mais de 10 km pelos concelhos de Batalha e Porto de Mós. Constituído em 19252, o CML congregou 44 concessões, algumas das quais sem qualquer expressão produtiva. Estas minas exploraram os níveis de lignites interestratificadas no complexo carbonatado do Jurássico superior, que eram conhecidos diversos afloramentos, nos quais parece haver nota de alguma actividade extractiva desde a primeira metade de século XVIII. Além das minas de Alcanadas destacaram-se também neste conjunto de concessões, as minas da Bezerra, as quais forneceram até finais dos anos trinta os melhores carvões da região, Ferrarias e Vale Grande. Apesar das expectativas criadas e de alguma animação nos períodos correspondentes às duas Guerras Mundiais, a actividade extractiva das minas do Lena foi sempre ensombrada pela fraca qualidade dos carvões, problema particularmente sentido no jazigo de Alcanadas e Chão Preto cujo minério, pelo elevado teor de cinzas de cerca de 50% e pela propriedade de auto-inflamação, não tinha fácil aceitação no mercado. Tal significava, logo à partida, que mesmo que nestas minas fossem reconhecidas grandes reservas, estar-se-ia sempre em presença de um carvão pobre, de baixo poder calorífico, que deveria ser consumido à boca da mina3. A esta questão vital somavam-se ainda a crónica falta de mão-de-obra, dada a dureza do trabalho e a maior atractividade dos trabalhos agrícolas pelas condições salubridade e soldos4 e, durante muitos anos, a falta de transportes e o seu elevado custo, de molde a compensar uma localização dos jazigos relativamente afastada dos grandes centros de consumo e servidos por más estradas. Alcanadas: os primeiros anos A história da exploração deste jazigo foi pautada, nos primeiros cinquenta anos, por sucessivas transferências de propriedade que determinaram a intermitência da actividade, que só emerge verdadeiramente no período correspondente à Segunda Guerra Mundial. Logo a atribuição dos direitos de descoberta foi motivo de acesa disputa entre Jorge Croft (1808-1874), empresário residente em Lisboa, que regista nas Câmaras Municipais da Batalha e de Porto de Mós em Agosto de 1854, várias “minas de carvão e ferro” e o Marquês 2. Portaria de 20 de Março de 1925. 3. Alvitravam-se como melhores soluções de remediação deste problema a produção de briquetes, possibilidade apenas equacionada, e a produção de energia eléctrica, hipótese que, como é sabido, veio a ser acarinhada. 4. A. Q. Viana, no seu relatório para o Instituto Português dos Combustíveis (1924), referia que a escassez de mão-de-obra era devida quer à emigração, quer ao facto da agricultura ser mais apelativa, quer ainda pelas condições de salubridade e pelos soldos, sendo o trabalho nas minas apenas procurado nos períodos mortos da agricultura. 182 da Bemposta (1799-1871)5, que também registara as ocorrências de Alcanadas em seu nome e alegava serem seus os direitos na medida em que as conhecia de há muito e nelas havia procedido a reconhecimentos pelos finais de 1851. Invocava por isso a nulidade dos registos apresentados por J. Croft, que designava por “infames, irregulares, deficientes e nullos”6. Porém, a contenda passada à barra dos tribunais, foi resolvida a favor de Croft a quem veio a ser atribuída a concessão7. O primeiro plano de lavra foi apresentado em 18608 presumindo-se o início dos trabalhos, como preceituava o alvará de concessão. J. Croft faz ainda observar a área concessionada por outros técnicos os quais são unanimemente optimistas quanto ao potencial da região, como de certo modo também o fora Carlos Ribeiro (1813-1882), autor do primeiro grande estudo sobre as potencialidades carboníferas da região9: ...É evidente que todo o vale da Batalha é parte de uma importante bacia de carvão. Na profundidade de 20 pés da superfície, bastante carvão de boa qualidade para fundição já tem sido posto a descoberto… Quanto ao carvão que se acha à superfície em Chão Preto, eu sei de facto que tendo-se mandado para experiência ao proprietário de uma grande fábrica de papel a não grande distancia umas poucas dezenas de toneladas, elle respondeu que aceitaria todas as que lhe quisessem mandar10… Em 1893, após uma breve passagem da concessão pela posse da “Companhia de Carvão e Ferro de Portugal Lda.”, com sede em Londres, de que era Presidente o Duque de Saldanha, os direitos de exploração das minas, entretanto declaradas pelo Estado em situação de abandonadas11, foram atribuídos na sequência de concurso público a João de Sousa Oliveira, “negociante” residente em Gaia. Tendo sido presente a sua Magestade o resultado do concurso…considerando que J.S.O. foi o único concorrente, satisfez todas as condições… e offereceu pagar ao estado 11 por cento sobre o valor bruto de todo o minério transportado para os mercados estrangeiros ou aproveitado por qualquer forma… Há por bem o mesmo augusto senhor fazer [-lhe] a adjudicação da mina de carvão e ferro de Alcanadas e Chão Preto…12 As coisas, porém, não terão corrido de feição ao novo concessionário pois, em Dezembro de 1900, tendo já suspendido os trabalhos, requeria nos termos da lei, o abandono das minas alegando que não lhe convinha continuar com a exploração “não só por ser bastante inferior o combustível, mas ainda por ser muito oneroso o seu transporte para os mercados”. Embora com os trabalhos arruinados, consegue vender a mina, em 1901, a Miguel Portocarrero, Barão de Alvaiázere, “proprietário” residente em Tomar. Este, poucos anos depois, pelas mesmas razões e sobretudo pela elevada percentagem a pagar ao Estado que tinha sido contratada 5. Conde de Subserra, Marechal e Ajudante de Campo do Regente D. Fernando, e proprietário de outras minas na região. 6. Requerimento de 26 de Julho de 1855. 7. Atribuição da concessão provisória a J. Croft. D.G. n.º 58 de 10/Março/1859. 8. “Descripcion del Plan de Laboreo para la pertenencia minera de Alcanas y Chao Preto, Concelho da Batalha”, por J. Pezerat Em 12 de Maio 1860. 9. “Memoria sobre as minas de carvão de pedra do districto de Leiria”. Lisboa 1855. 10. Cf. J. O’Sullivan – Relatório sobre as concessões de Croft das minas de carvão e ferro no districto de Leiria em Portugal, in: “Relatórios dos engenheiros inspectores de minas sobre as concessões de Croft no districto de Leiria”. Lisboa, Imprensa Nacional. 1863. 11. Diário do Governo (D.G.) n.º 101 de 5 de Maio de 1893. 12. D.G. n.º 289 de 21 de Dezembro 1893. 183 Fig. 1 – Demarcação da área mineira de Alcanadas. Arquivo Histórico Geológico Mineiro (AHGM), INETI pelo anterior proprietário para garantir o concurso, desiste da exploração e pede o abandono da concessão (1912)13. No cenário de guerra que entretanto se vivia e sendo preciso suprir rapidamente a escassez de combustíveis, o Estado abre em Agosto de 1915 um concurso para adjudicação da mina que vem a ser concedida a Vasco Bramão, à época Director técnico das minas de 13. Declaração de abandono publicada no D.G. nº 283 de 4 de Dezembro de 1913. 184 carvão de S. Pedro da Cova14. Porém, face aos sucessivos abandonos a que a mina fora votada e à inexistência de quaisquer trabalhos de preparação, a resposta em termos de produção não parece ter sido, de todo, compatível com as necessidades da época, não obstante durante os anos da guerra terem sido abertos diversos poços e galerias pelos quais se fizeram trabalhos de reconhecimento e extracção. Por autorização especial do Governo concedida em 1917, a fim de se poder exportar rapidamente a produção, Manuel Vicente Ribeiro, sócio maioritário da Vasco Bramão e C.ª, instala um ramal de caminho de ferro de bitola de 1,00 m entre a Batalha e Martingança, designado por “Martingança Minas”, destinado exclusivamente ao transporte dos carvões15. Da Primeira Grande Guerra ao encerramento Sob orientação de V. Bramão a produção terá atingido o seu máximo em 1918, com cerca de 8 500 toneladas16. Mas depois da guerra tornou-se impossível a sua colocação no mercado devido à fraca qualidade do carvão, situação que não permitia concorrer com os carvões estrangeiros, tendo por isso o seu consumo sido reduzido até terminar em 192417. No início de 1923, a recém constituída Sociedade Mineira do Lena18, dirige à gerência da V. Bramão e C.ª uma proposta de aquisição das minas de Alcanadas que foi rapidamente aceite. A escritura de venda foi assinada mas, como nesta não é mencionado o caminho de ferro e M. V. Ribeiro o reivindica como sua propriedade e o quer levantar – situação em nada conveniente à nova concessionária –, gera-se um conflito que vai obrigar à intervenção do Estado. Resolvida a questão e renovado o traçado da linha para a qual é adquirido novo material, o primeiro troço do caminho de ferro mineiro de via 0,60 m entre Martingança e Batalha abre ao serviço em Janeiro de 1924. Pouco tempo depois a linha é prolongada até Porto de Mós, numa distância de 24 km, mas só em 1928 o traçado fica completo até às minas da Bezerra, iniciando-se então regularmente o transporte do carvão, até aí assegurado por estrada, em camiões e veículos de tracção animal, até à estação da Batalha onde era embarcado. Era então concessionária a “The Match and Tobacco Timber Suply” constituída em Março de 192419. 14. A seu pedido, a concessão de Alcanadas e Chão Preto foi averbada em nome da firma Vasco Bramão & C.ª Lda, de que eram sócios Manuel Vicente Ribeiro, a firma Vierling e C.ª e o próprio V. Bramão. O capital da sociedade, no valor de “15 contos”, repartia-se da seguinte forma: dez contos constituíam a entrada do sócio Vierling e C.º, cinco contos a entrada do sócio Manuel V. Ribeiro e a contribuição de V. Bramão para a sociedade eram os seus conhecimentos técnicos como engenheiro de minas. 15. Referindo-se a esta linha, A. Viana dizia que esta servia “imperfeitamente” o vasto campo de exploração da Mineira do Lena, sugerindo o seu prolongamento até às galerias de Alcanadas e dai continuá-la até à mina de Vale de Bragadas concluindo que “…sem prejuízo doutras futuras vias de comunicação que venham a beneficiar as condições de transporte, a execução do prolongamento da linha Batalha - Martingança torna-se imediatamente indispensável” (Viana, 1928 p. 29). Esta linha veio posteriormente a ficar directamente ligada à Fábrica de Cimentos de Maceira- Empresa de Cimentos de Leiria, um dos principais compradores das lignites do Lena. 16. Cf. Viana, 1928 anexo. 17. Cf. “Plano de lavra das Minas da Batalha”. EML, 1932. 18. Principiando os trabalhos de pesquisa nos registos do Outeiro do Jardim e Bezerra, esta sociedade obteve em 1922 e 1923 as concessões de várias novas minas e de outras já concedidas (Cf. Viana p. 28). 19. A “The Match and Tobacco, Timber Supply C.º” com sede em Lisboa, constitui-se com um capital social de 50 000 acções de 1£/acção; após sucessivas emissões de acções era representada em 1926 por um capital de 750 000 acções de 1 £ cada, correspondentes aos bens e valores, direitos e encargos transferidos da Companhia Portuguesa de Fósforos. Conciliava outros negócios importantes, designadamente na área da serração de madeiras e dos fósforos, o seu grande domínio de actividade. Em Outubro de 1926 a Match adquire a Empresa Mineira do Lena. 185 Durante a década de vinte, a actividade extractiva em Alcanadas e Chão Preto teve pouca expressão limitando-se os trabalhos às tarefas de reconhecimento e conservação20. O esforço da concessionária concentrara-se na exploração das minas da Bezerra, que forneciam carvão de melhor qualidade apesar da geologia do jazigo ser mais complicada, e na construção do caminho de ferro, opção que chegou a merecer severas críticas das entidades oficiais, na medida em que o Estado dera o aval a um empréstimo, em 1927, fundamentalmente destinado a incrementar a produção o qual, aparentemente, estava a ser aplicado com outras finalidades: …O estado emprestou à The Match uma quantia de quase 30% do capital realizado para reconhecer e desenvolver as minas e”ao que parece” tem sido sobretudo aplicada à construção da linha férrea como se ao país pudesse por qualquer forma interessar a subvenção de mais uma empreza de transportes a quem previamente não foi assegurada a matéria prima a transportar21… A Match possivelmente numa óptica de diversificação das actividades e rentabilização da linha, encomenda diverso material circulante a conceituados fabricantes europeus22 e solicita autorização para o caminho de ferro mineiro ser aberto ao trânsito de passageiros e mercadorias, o que veio a acontecer em Setembro de 1930 na presença do ministro do comércio23. Porém, apesar do sucesso público, cedo se verificou que a linha não era rentável. “A despeito de todas as reduções que temos feito nos nossos serviços ferroviários, temos tido, neste ramo de exploração, um deficit grande, atingindo dezenas de contos visto os gastos gerais serem só repartidos pela curta quilometragem de Martingança a PM sendo muito provável que num breve futuro sejam obrigados a cessar por completo, aguardando melhoria de condições”.24 Na óptica da empresa, havia uma outra razão para manter em Alcanadas apenas trabalhos de manutenção: é que face à baixa qualidade do carvão devido às cinzas e ao teor de enxofre, a única solução era utilizá-lo para produção de electricidade pelo que se projectara a construção de uma central termoeléctrica, cuja concessão fora outorgada à Match. Planeava-se por isso fazer coincidir o arranque da produção com a entrada em funcionamento da central que, embora planeada para a Batalha desde a segunda metade dos anos vinte, acabou por vir a ser construída em Porto de Mós, entrando em funcionamento em 1932. A partir do início dos anos trinta, na sequência de várias dificuldades económicas da Match que teriam mesmo desencadeado uma greve dos trabalhadores, a situação da concessionária deteriora-se com a perda das vendas à C.P., que declarara (1931) que o carvão do Lena não era adequado para as locomotivas, mesmo em mistura com outros carvões mais ricos e, em 1933, com a perda do fornecimento de energia à fábrica de cimentos de Maceira – cliente da primeira hora ao qual estava ligada por uma linha directa –, o que não só ocasionou a paragem da central, como se reflectiu de imediato na quebra da produção. Em Junho de 1932 a Match encontrava-se já fortemente descapitalizada pela perda do negócio dos fósforos e pela falência de uma das suas associadas, pelo que se propôs entre os 20. Durante esses anos terão trabalhado no CML em média 150 operários, atingindo-se um máximo de 200 em 1927 com as obras do caminho de ferro. Contudo, apenas uma pequena parcela do número de operários trabalhava na mina das Barrojeiras em Alcanadas (10 em 170, segundo os relatórios de 1929). 21. Circunscrição Mineira do Sul (CMS), relatório de 20 de Novembro de 1928. 22. Cf. Brandão e Almeida 2006 p. 183. 23. De Setembro até ao fim do ano transporta 13 200 passageiros e 975 toneladas de mercadorias entre Porto de Mós e Martingança. Cf. Match, relatório do ano 1930. 24. Idem. 186 accionistas, reduzir o capital social para 150 000 £ e a sua transformação na “Empreza Mineira do Lena S.A.R.L.” (EML), que veio a assegurar a gestão do Couto Mineiro até meados dos anos cinquenta. Não obstante as dificuldades, a empresa fez diversos investimentos nas minas da Batalha com o início da sua electrificação, processo que nas Barrojeiras25 dada a complexidade do sistema de galerias, não deverá ter ultrapassado muito o poço principal e um programa de equipamento perspectivado por J. Monteiro da Conceição26 segundo o plano de lavra provisório esboçado em 1932. Enquanto isso a EML requereu a instalação dos ramais de linha férrea até às Barrojeiras e até à central eléctrica (1934) que, porém, só foram concluídos no início da década de quarenta. Nessa altura trabalhavam em Alcanadas, em média, 80 mineiros27 e várias mulheres na escolha manual e na ensilagem do carvão. Fig. 2 – Condução do estéril às escombreiras [194-?]. AHGM, INETI A necessidade da empresa em cumprir compromissos obriga, em meados de 1935, à venda de diversos bens imobiliários e de património ferroviário, comprometendo-se irremediavelmente o serviço público que a EML vinha a prestar28. Entretanto, as minas das Ferrarias e 25. O poço inclinado das Barrojeiras servia para acesso, extracção e esgoto, e estava equipado com via Decauville pela qual circulavam vagonetas puxadas pelo guincho instalado no exterior. Junto da boca da mina foram construídas uma casa para os compressores, uma casa um telheiro e oficina de escolha e silos de carvão. 26. Sob sua direcção são instalados à superfície compressores Ingersoll-Rand e o guincho eléctrico Gillain que fizera serviço na Bezerra destinado ao transporte do carvão até à superfície. No interior instalam-se dois guinchos eléctricos “Granes Escavator”. O arranque do carvão continua a ser manual, pensando J.M. Conceição poder vir a instalar roçadoras, o que não chegou a acontecer. 27. CMS, auto de visita, de 27 de Dezembro de 1934. 28. No final de 1935, o Estado retira à EML a concessão do serviço de passageiros e mercadorias, chegando assim ao fim a curta vida de serviço público do CFML. A linha irá ficar paralisada até meados dos anos quarenta, quando é retomado o serviço de transporte de carvão. 187 da Bezerra caminhavam rapidamente para o esgotamento29, ficando praticamente como única fonte de sustento da empresa as minas da Batalha. Condicionava-se assim o futuro da EML às receitas da central eléctrica30 e aos poucos clientes que ainda consumiam estes carvões. A produção desce substancialmente, os trabalhos de reconhecimento e preparação acabam por paralisar por falta de capital e a empresa devido à baixa de receitas do Couto Mineiro é obrigada a despedir a maior parte do pessoal. São muito possivelmente os tempos mais difíceis da vida das minas da bacia do Lena. “…os trabalhos de reconhecimento e pesquisa, longe de terem aquele desenvolvimento, consequência do imperfeito conhecimento do jazigo, não saem da fase titubeante que pode manifestar a boa-vontade do concessionário e do pessoal técnico mas que revela a completa impotência para dar ao Couto mineiro qualquer possibilidade de aumento ou de melhoria da produção…”31 Esperançoso nas potencialidades da região, o Instituto Português de Combustíveis, tendo por pano de fundo um programa de trabalhos de reconhecimento nacional das diversas áreas carboníferas, planeia e executa na Batalha uma campanha de sondagens, cuja premência fora já claramente apontada por A. Viana, tendo em vista o reconhecimento e delimitação do jazigo. …Quanto à mina da Batalha, não devemos esquecer que é ela que alimenta a central de Porto de Mós e já pela importância que tem hoje esta central, como também pela probabilidade de vir a ser incorporada no plano da Rede Eléctrica nacional com uma potência superior à actual, deveria ter reconhecidas um mínimo de 2 milhões de toneladas. Por estas razões, deveriam estes trabalhos ser considerados como mais urgentes …32 Fig. 3 – Pormenor de uma das sondagens. 1940. AHGM-INETI 29. A actividade extractiva na Bezerra cessou em meados de 1938. 30. Nesta altura, a empresa fornecia electricidade à Fábrica de Fiação e Tecidos de Alcobaça, às vilas da Batalha, Alcobaça e Porto de Mós e ao Reguengo do Fetal. CMS, Relatório de 1935. 31. CMS, auto de visita de 10 de Janeiro de 1935. 32. Cf. Viana, 1936. 188 As sondagens, que decorrerão entre Setembro de 1937 e os finais de 1940, vão permitir estimar as reservas do jazigo em cerca de 530 000 toneladas e confinar a área potencialmente interessante. Os anos da Segunda Guerra Mundial e os que se seguiram terão sido porventura o período de maior actividade em Alcanadas, sublinhados por uma produção regular mas ainda insuficiente para a recuperação da Empresa. A produção máxima foi atingida em 1945 (Quadro I), sendo 17 000 toneladas consumidas pela central e 19000 toneladas (cerca de 60 t/dia) exportadas para outros clientes o que, no entender da administração da EML, se considerava “anti-económico” e que, além do mais, não permitia um tráfego ferroviário tão intenso que justificasse a sua manutenção mesmo que as lignites viessem a ter novos compradores aumentando-se a produção. Quadro I – Produção de Alcanadas e Chão Preto33 Ano 1943 1944 1945 1946 1947 1948 1949 1950 1951 1952 1953 Produção em toneladas 31195 29129 32630 27002 23723 26702 25872 13758 183 496 1306 Efectivamente, em Junho de 1948, considerando que o transporte ferroviário estava a ficar muito caro relativamente à quantidade de carvão produzida, limitada às minas da Batalha34, a empresa pede autorização ao Governo para suspender a actividade comprometendo-se, porém, a garantir a conservação da linha e do material e a substituir o transporte do carvão das Barrojeiras pela utilização de duas camionetas de 8000kg, já que fora negociado em Janeiro desse ano um novo acordo com a SEOL (Sociedade Eléctrica do Oeste Lda.) para que esta comprasse regularmente as lignites35. A crise entretanto gerada levou ao despedimento de muitas dezenas de trabalhadores, infligindo no tecido social e económico de Alcanadas profundas marcas só parcialmente cicatrizadas pela emigração para o estrangeiro36. Trabalhava-se então, sobretudo, na zona servida 33. Informação DGMSG de 6 de Novembro de 1954. 34. As minas da Bezerra tinham deixado de produzir em 1938, não se prevendo voltar a retomá-las dadas as indicações dos estudos entretanto feitos. 35. Na sequência destes procedimentos, a que se seguiu em 1949 o desmantelamento do ramal para a Bezerra, o CFML que tinha sido declarado “de interesse geral” e integrado na rede ferroviária nacional em 1930 (Dec.-Lei 18190 de 28 de Março de 1930), sem o serviço de passageiros e amputado dos ramais, foi desclassificado (Dec.-Lei 37822 de 16 de Maio de 1950). 36. Cf. Matos, 2005 p. 59. 189 Fig. 4 – Telheiro de escolha do carvão junto da galeria das Barrojeiras. AHGM-INETI pela galeria das Barrojeiras, poço inclinado com cerca de 250 m, equipado com via dupla e um acesso lateral para o pessoal, a partir do qual se fazia o acesso aos cinco pisos de nível. A lavra, segundo os planos disponíveis, fazia-se pelo método das câmaras e pilares, em retirada. As vagonetas de 1000 kg eram puxadas duas a duas pelo guincho eléctrico instalado à superfície, fazendo-se sob um telheiro a escolha manual do carvão, posteriormente ensilado para carga nos vagões do CFML37. Os derradeiros golpes na já muito degradada situação económica da empresa são desencadeados sob a forma da suspensão dos fornecimentos à central térmica em 1951 e, em 1953, com a perda das vendas à cimenteira de Maceira que entretanto remodelara a linha de produção, deixando de consumir estes carvões. Na sequência destes acontecimentos a EML é dissolvida em 17 de Agosto de 1953 e o património vendido à “Socarbo – Sociedade Carbonífera de Porto de Mós Lda.”, que manterá apenas algumas das mais promissoras concessões do Couto Mineiro, entre as quais Alcanadas 38. A exploração nas Barrojeiras ainda durou até meados de 1955, com a central a ser abastecida por camiões; porém, a Socarbo alegando que a concessão já fora intensamente explorada na parte mais fácil do jazigo e que o carvão, já só existente a grande profundidade e sem fácil aplicação na indústria, era de extracção muito onerosa, acaba por propor, em 1956, o abandono da mina e o levantamento dos equipamentos ali instalados. 37. Sobre esta cadeia operativa v., por exemplo, Matos, 2005 p. 55-57. 38. Desta forma o Couto Mineiro é desmembrado. 190 Fig. 5 – Cortes de uma galeria e do poço inclinado das Barrojeiras, mostrando o acesso lateral para o pessoal e o espaço para o trabalho de extracção. EML. Plano de lavra de 1932. AHGM-INETI Fig. 6 – Reconstituição dos principais equipamentos instalados junto da galeria das Barrojeiras (adap. de F. Pedreira, s/d) 191 Nota final Conhecidas pelo menos desde a segunda metade de século XIX, as minas da Batalha marcaram a vida social e económica do concelho, muito particularmente do lugar de Alcanadas onde se concentrou uma importante parcela da actividade do Couto Mineiro e onde se fixou uma parte do pessoal ligado à mineração dos carvões do Lena. Se o impacte das minas teve aspectos negativos ligados, por exemplo, aos problemas das escombreiras e da auto-inflamação dos carvões que originava constantes fumos agressivos, ou ainda às situações de “negra” memória como foram os anos de salários em atraso e despedimentos, também é verdade que trouxe para a região importantes símbolos de progresso material, designadamente o caminho de ferro, parte de um desígnio nunca atingido, e a central termoeléctrica que garantiu, durante vários anos, o fornecimento de energia à Batalha e aos concelhos vizinhos. Suplantadas numa fase inicial de desenvolvimento do Couto Mineiro por outras minas com lignites de melhor qualidade, mas rapidamente esgotadas, as minas de “Alcanadas e Chão Preto” acabaram por assumir o papel de derradeiro pilar da actividade (e esperança…) das últimas concessionárias. Porém, a sua vocação como grande pólo extractivo esteve desde sempre comprometida pela fraca qualidade dos seus carvões, que por isso não tiveram grande aceitação industrial, responsável última pelo remate, em 1956, de cem anos de trabalhos intermitentes de pesquisa e exploração. Fontes e obras de consulta Fontes não impressas Processos mineiros (Arquivo Histórico-Mineiro, INETI) Periódicos Boletim de Minas; Diário do Governo; Jornal da Batalha; Gazeta dos Caminhos de Ferro; Bastão Piloto Obras e artigos de referência ANDRADE, C. F. (1928) – Contribuições para o estudo geológico da Região do Vale Grande – Mendiga. Bol. Minas, ano 1925, p. 18-35. Lisboa. BRANDÃO, J.M. e ALMEIDA, J.P. 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(1936) – Inventário das nossas reservas de combustíveis minerais. Arquivos do Instituto Port. de Combustíveis, I. Lisboa. 192 Património geológico, arqueológico e mineiro em regiões cársicas Actas do Simpósio Ibero-americano, p. 193-203. SEDPGYM, Batalha, 2007 Caminho de Ferro Mineiro do Lena: desígnio de progresso industrial e social José M. Brandão INETI / CEHFC, Universidade de Évora [email protected] Resumo O caminho de ferro mineiro de via reduzida, entre a Martingança e Batalha, posteriormente prolongado por Porto de Mós até às minas da Bezerra, apoiou, entre os anos vinte e o final da década de quarenta, a exploração das minas de carvão agrupadas em 1925 no Couto Mineiro do Lena. A fraca qualidade do carvão e o esgotamento dos melhores centros de produção contribuíram, de forma decisiva para o encerramento da linha e posterior abandono da actividade extractiva. Palavras chave: Caminho de Ferro; via reduzida; Couto Mineiro do Lena; Porto de Mós; Batalha. Abstract The narrow gauge railway of Lena’s mining region, from Martingança to Batalha, further prolonged to the mines of Berreza, through Porto de Mós, supported, between the twenties and the latest years of the forties, the exploitation of the regional coal mines, assembled in the “Couto Mineiro do Lena”. The weak quality of the ores and the exhaustion of the best coal-fields, have been decisive factors to the closing of the railway and further abandonment of the mining activities. Keywords: Railway; narrow gauge; Couto Mineiro do Lena; Porto de Mós; Batalha. Introdução A questão dos transportes é da maior pertinência no planeamento e instalação das explorações mineiras, na medida em que não só é necessário garantir a chegada em tempo útil dos materiais, equipamento e pessoal necessários à actividade, como também prever a forma de exportar a produção, já que poucas vezes os minérios são processados “à boca da mina” e muito menos ali consumidos. A via ferroviária assume-se frequentemente como a solução mais favorável para estes quesitos, não só pela sua capacidade de transporte, como também pelo facto de ser, em regra, mais barata apesar dos elevados investimentos iniciais em estruturas e material rolante. 193