Já não se fazem mais avós como antigamente - Martha
Medeiros
Já não se fazem mais avós como antigamente
A palavra avó nos remete à infância, quando passávamos o domingo numa casa aconchegante
cheirando à comida, com toalhinhas de crochê decorando todos os ambientes e um quarto
sempre na penumbra, com móveis de madeira maciça e uma enorme cadeira de balanço, onde
cochilava a matriarca. Parece com a casa da sua avó também? Pois guarde esta imagem na
lembrança, pois ela não se reproduzirá tão cedo. Já não se fazem mais avós como antigamente.
Os estereótipos não são criados do nada: as avós eram assim mesmo, de cabelo branco e óculos
pendurados no nariz. Toda família que se preze teve sua Dona Benta, e a imagem é tão forte que
até hoje os comerciais de tevê insistem em caracterizar as vovós como senhoras idosas,
rechonchudas, com aventais amarrados na cintura, cabelos presos num coque e aquele ar de
quem não faz outra coisa na vida a não ser torta de amoras. E os avós? Seja na televisão ou no
rádio, todos têm voz de Papai Noel, enquanto que, na realidade, os avôs da nova era estão mais
para Mick Jagger, que aliás já tem um neto. Acorde: os avós de hoje não lembram mais de
canções de ninar, mas sabem de cor a letra Satisfaction.
Quer dizer que o lobo mau conseguiu engolir nossa vovozinha? As que usavam touquinha e
tinham voz rouca foram papadas, sim, meus pêsames. Mas olhe agora, o que vemos? Avós de
jeans, dirigindo jipes, cabelo pintado, óculos escuros. Avós que trabalham, que viajam, que dão
festas, que namoram. Avós que fazem lipo, aeróbica, jogam paddle e suspiram não pelo Lima
Duarte, mas pelo Victor Fasano. Será que elas sabem pregar um botão? Não custa tentar, mas se
a empreitada der errado, não complique. Ela terá o maior prazer em levar a netinha para
comprar uma roupa nova no shopping. E o almoço de domingo? Também mudou. As avós de
hoje não andam dispostas a engordar nem um grama com macarronadas familiares e muito
menos a quebrar suas garras vermelhas lavando panelas. Que tal um buffet frio, muita água
mineral e salada de frutas? Combinado, ela entra com a água.
Netos e netas, não sintam-se desamparados. As avós de hoje são muito mais participantes.
Podem não lembrar direito das histórias de Gulliver, Pele de Asno ou Gato de Botas, mas têm
histórias pessoais tão encantadoras quanto. São mais divertidas e menos preconceituosas. Têm
mais saúde e disposição para enfrentar parques, teatrinhos, zoológicos. E o fato de buscarem a
eterna juventude não lhes tirou um pingo do afeto que sentem pela terceira geração. Ao
contrário: nunca vi tantas avós apaixonadas por seus netos. É um amor enorme, desinteressado,
sem o ônus do compromisso, só do prazer. Sempre foi assim, mas agora há um fator novo: hoje
as mulheres têm menos filhos, e em conseqüência, menos netos. Antigamente a família era
gigantesca, e não havia memória que chegasse para lembrar o nome de toda a criançada. Hoje
são os dois ou três, dá até para providenciar um mini-hotelzinho em casa para hospedá-los no
final de semana. Tem mais: o limite de idade para engravidar foi muito ampliado, e hoje uma
mulher pode ser mãe e avó quase ao mesmo tempo, encurtando as diferenças entre uma e
outra. Se por um lado estamos perdendo a imagem romântica da avó que cozinha, faz tricô e
tem roseiras no quintal, por outro estamos ganhando uma avó bonitona, que tem o maior
orgulho ao falar de nós para as amigas e que sempre estará disposta a nos dar um colo. Desde
que esteja com uma roupa de microfibra, bem entendido.
O amor, que é o que interessa, não mudou. Mas mudaram as avós. Danuza Leão, Baby Consuelo,
Constanza Pascolato e tantas outras mulheres que falam gíria, bebem cerveja e estão sempre
prontas para uma novidade são avós tanto quanto as nossas saudosas velhinhas de casaquinho
nos ombros. Vera Fischer, Betty Lago, Regina Duarte e tantas outras gatas desta geração
também já têm filhos adolescentes que não tardão a procriar. Passarão, como toda mulher, pela
menopausa, pela osteosporose e por outros distúrbios da idade, mas certamente não aceitarão o
papel de uma avó caseira, bordadeira e sem outra ambição que não seja cuidar dos netos.
Sempre se disse que a avó era uma “segunda mãe”. Pois ela nunca esteve tão parecida com a
primeira.
Martha Medeiros
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