SERVIÇO SOCIAL E O EXERCÍCIO PROFISSIONAL: desafios e perspectivas
contemporâneas
Maciela Rocha Souza1
RESUMO
O Serviço Social é uma profissão inscrita na divisão sócio-técnica do trabalho capitalista.
Exerce, portanto, seu fazer profissional no contexto da contradição e luta das classes
fundamentais; burguesia e proletariados. Nesse espaço sócio-ocupacional o assistente
social participa do processo de reprodução das relações sociais, fazendo com que a
mesma ação interventiva atenda aos interesses das duas classes sociais. As mudanças
no mundo do trabalho com a consolidação dos ideais neoliberais têm refletido (e muito) no
Serviço Social, condicionando novas relações de trabalho e redução dos seus espaços de
atuação, resultado da precarização das políticas públicas. Ao mesmo tempo e
contraditoriamente novos espaços de atuação profissional estão surgindo, tanto como
entidades não-governamentais, resultado da transferência de responsabilidades do
Estado, quanto em espaços diversos, resultado de novas demandas impostas pela
complexificação da questão social. Cabe ao assistente social estar capacitado e atento à
realidade para poder antecipar novas demandas, garantindo a sua inserção e
permanência no mercado de trabalho sem perder de vista os princípios da ética
profissional e a perspectiva da transformação da ordem social vigente.
Palavras-chave:
ocupacionais.
Serviço
Social.
Exercício
profissional.
Novos
espaços
sócio-
ABSTRACT
Social work is a profession entered the socio-technical division of labor capitalism.
Therefore operate in their professional context of contradiction and struggle of the
fundamental classes, bourgeoisie and proletarians. In the socio-occupational social worker
participates in the reproduction of social relations, so that it meets the interests intervening
in the two social classes. The changing world of work with the consolidation of neoliberal
ideals are reflected (a lot) in Social Work, affecting new working relationships and reduce
their performance spaces, a result of the deterioration of public policy. At the same time
contradictory and new fields of professional activities are emerging, both as nongovernmental entities as a result of the transfer of responsibilities from the state, and in
different spaces, a result of new demands imposed by the complexity of social issues. It is
the social worker to be trained and attentive to the reality in order to anticipate new
demands, ensuring their inclusion and permanence in the labor market without losing sight
of the principles of professional ethics and the prospect of transforming the social order.
Keywords: Social Service. Professional. New socio-occupational spaces.
1
Mestranda em Serviço Social (UFS), professora especialista do Curso de Serviço Social da Faculdade
José Augusto Vieira (FJAV) e Assistente Social da Prefeitura Municipal de Aracaju/SE. Endereço eletrônico:
[email protected]
I – Introdução
O Serviço Social, segundo Montaño (1998) tem sua gênese marcada por
determinações históricas da evolução da sociedade capitalista. Essa afirmação pertence a
primeira das duas teses que tentam explicar a origem e a natureza do Serviço Social.
A
segunda
tese,
endogenista,
afirma
que
o
Serviço
Social
é
uma
“profissionalização, organização e sistematização da caridade e da filantropia”
(MONTAÑO, 1998, p.16), portanto a-histórica, e, segundo o autor, equivocada, pois não
considera os processos históricos, políticos e econômicos da divisão social de classe,
espaço esse que se configura como campo de atuação do Serviço Social.
Do ponto de vista da tese histórico-crítica, a qual esse artigo adota como
fundamento teórico-metodológico, o Serviço Social se desenvolve como profissão
reconhecida na divisão social do trabalho, enquanto produto do desenvolvimento do
capital industrial e da expansão urbana (IAMAMOTO E CARVALHO, 2001).
Sendo assim, o Serviço Social é uma profissão que se consolida no interior das
lutas de classe e que tem, portanto, esta realidade social enquanto objeto de intervenção
profissional.
Exatamente por se tratar de uma profissão histórica, o Serviço Social sofreu (e
sofre) influências do contexto político-econômico e social de cada época. Exemplo disso é
a sua própria institucionalização, determinada pelo contexto do capitalismo monopolista,
que pela figura do Estado os assistentes sociais são profissionais requisitados para
responder às expressões da questão social via operacionalização das políticas sociais,
ainda que nesse momento se tratasse de uma prática esvaziada de concepção teóricometodológica e que se apresentava como prática conservadora.
O trabalho do assistente social e o seu exercício profissional tornam-se objeto
desse artigo dada a necessidade de reflexão coletiva sobre os consequentes rumos do
fazer profissional diante das mudanças no mundo do trabalho, desencadeadas no Brasil
na década de 1990, mesmo período em que o Serviço Social tem aprovada sua lei de
regulamentação da profissão (Lei n° 8.662, de 07 de junho de 1993) e o novo código de
ética profissional, resultado do amadurecimento teórico-metodológico do Serviço Social
nas décadas anteriores.
Para tanto, este estudo tem como objetivo refletir os desafios e perspectivas do
Serviço Social dadas pelos aspectos contemporâneos de mudanças no mundo do
trabalho e a consequente retração do Estado no trato das expressões da questão social.
Trabalho e exercício profissional
O trabalho é a categoria central na constituição da sociabilidade humana; é a
capacidade de transformar a natureza em valores-de-uso, ou seja, em tudo aquilo que é
necessário para a vida e reprodução humana. Por isso, podemos afirmar que o trabalho é
condição de existência do homem – é uma necessidade eterna, resultado do intercâmbio
orgânico entre o homem e a natureza (LUKÁCS, 1979).
O assistente social ao se inserir na divisão social e técnica do trabalho coletivo
(IAMAMOTO, 2001) torna-se responsável por uma utilidade social2 que permite ao
profissional vender sua força de trabalho numa relação mercantilizada e, portanto,
assalariada. Não queremos com isso defender a tese do Serviço Social como trabalho,
apenas destacar a sua utilidade enquanto espaço sócio-ocupacional.
Mas quem então contrata a mão-de-obra do assistente social e para fazer o quê?
O desenvolvimento das forças produtivas no capitalismo estabeleceu na sociedade
a existência de duas classes fundamentais, os proprietários dos meios de produção e os
trabalhadores, através de relação social no processo de produção. Essas classes são,
antes de qualquer coisa, antagônicas: possuem interesses diferentes, portanto,
contraditórios.
É nesta relação que se gesta a questão social, enquanto manifestação cotidiana da
contradição de classes.
A questão social não é senão as expressões do processo de formação e
desenvolvimento da classe operária e do deu ingresso no cenário da
sociedade, exigindo seu reconhecimento enquanto classe por parte do
empresariado e do Estado (IAMAMOTO; CARVALHO, 2001, p. 77).
A questão social, por si só, não determina o surgimento do Serviço Social
(NETTO, 1996 apud MONTAÑO, 1998). Ela passará a ser objeto de intervenção da
“A utilidade social da profissão está em responder às necessidades das classes sociais que se
transformam, por meio de muitas mediações, em demandas para uma profissão. Essas respostas são
qualificadas e institucionalizadas, para o que além de uma profissão especializada, devem ter seu
significado social reconhecido pelas classes sociais fundamentais, capitalistas e trabalhadores” (GUERRA,
2000, p.56)
2
profissão apenas quando é assumida pelo Estado, no estágio do capitalismo monopolista,
que sob pressão e interesse do capital e da classe trabalhadora, ver-se-á obrigado a
absorver suas demandas e a dar respostas através das políticas sociais sem que,
contudo, isso afete os interesses dos capitalistas. Isso inclusive é condição para
legitimação do Estado diante das duas classes (IAMAMOTO E CARVALHO, 2001).
De acordo com Netto (2011) as funções políticas do Estado imbricam-se com suas
funções econômicas, pois vai incidir na organização e na dinâmica econômica, de forma
continua e sistemática.
Para esse autor a intervenção do Estado é para garantir os superlucros do
capitalismo monopolista, daí a denominação de Karl Marx recuperada por Netto (2011) do
papel do Estado enquanto “comitê executivo” da burguesia monopolista.
É necessário destacar que paralelo a esse contexto houve um salto significativo na
organização da luta da classe proletariada, que diante das péssimas condições de vida,
de trabalho e de salário e, cientes da exploração vivida passam a reivindicar ações que
possibilitassem novas condições para o conjunto da classe trabalhadora.
Por isso dizer que as respostas do Estado às demandas da classe trabalhadora
não são naturais, nem ocorrem normalmente e nem cordialmente. Para Netto (2011) são
respostas positivas que podem ser “refuncionalizadas para o interesse direto e/ou indireto
da maximização dos lucros” (p.29).
[...] a funcionalidade essencial da política social do Estado burguês no
capitalismo monopolista se expressa nos processos referentes à
preservação e ao controle da força de trabalho – ocupada, mediante a
regulamentação das relações capitalistas/trabalhadores; lançada ao
exército industrial de reserva, através dos sistemas de seguro social.
(NETTO, 2011, p. 31)
É, portanto, no momento em que o Estado passa a intervir na relação
capital/trabalho através da constituição das políticas sociais que o Serviço Social se
afirma enquanto profissão no mercado de trabalho.
É somente na ordem societária comandada pelo monopólio que se gestam
as condições histórico-sociais para que, na divisão social (e técnica) do
trabalho, constitua-se um espaço em que se possam mover práticas
profissionais como as do assistente social. A profissionalização do Serviço
Social não se relaciona decisivamente à “evolução da ajuda”, à
“racionalização da filantropia” nem à “organização da caridade”; vincula-se
à dinâmica da ordem monopólica (grifos do autor). (NETTO, 2011, p. 73)
A legitimação do Serviço Social enquanto profissão se dá pela ocupação de um
espaço
sócio-ocupacional
garantido
pela
ampliação
dos
serviços
prestados,
principalmente pelo Estado, maior órgão empregador da categoria e, em seguida, pelas
empresas privadas, no enfrentamento e nas respostas às expressões da questão social.
Segundo Iamamoto e Carvalho (2001), a demanda da ação profissional do assistente
social não deriva dos trabalhadores, daqueles a quem se destina a sua intervenção, mas
sim do patronato, colaborando dessa forma para sua legitimação.
Diante deste fato cabe-nos refletir sobre o papel do assistente social no processo
de reprodução das relações sociais, tendo em vista os interesses de classes onde estão
colocados os determinantes do seu exercício profissional.
Primeiramente, precisamos situar algumas características do Serviço Social. De
acordo com Iamamoto e Carvalho (2001) o Serviço Social é uma profissão liberal, embora
não detenha os meios necessários para sua concretização, uma vez que os mecanismos
e instrumentos através dos quais exerce sua atividade são disponibilizados pelas
instituições em que se insere – sejam elas mediatizadas pelo Estado, pelas empresas ou
outra entidade empregadora. Por ser uma profissão liberal lhe é facultada legalmente a
existência de código de ética, enquanto instrumento de orientação ético-política para a
categoria. Essa característica permite à profissão uma dinamicidade na sua intervenção,
dada a liberdade3, ainda que relativa, no exercício de suas funções institucionais.
É ainda caracterizada pela relação estabelecida no contato direto com o usuário,
que se configura num espaço de atuação técnica com distintas possibilidades de
intervenção e, consequentemente, de reorientação do exercício profissional diante da
função atribuída pela instituição empregadora.
A terceira característica definida pela autora é a “indefinição ou fluidez” do que é e
do que faz o Serviço Social. Para ela, esta indefinição permite ao assistente social a
possibilidade de ampliação dos espaços e da autonomia de atuação, podendo inclusive
superar as demandas institucionais, além de que o mesmo se afirma como profissional
capacitado e necessário para instituição, resultante desta visão totalizadora da realidade
que o cerca.
Estando o Serviço Social situado na divisão social e técnica do trabalho e atuando
diretamente com duas classes sociais fundamentais na sociedade capitalista, vale dizer
3
A liberdade é o princípio fundamental e central do código de ética profissional. O exercício da liberdade se
dá com as possibilidades de opção, de escolhas do fazer profissional.
que é uma profissão que participa ativamente do processo de reprodução das relações
sociais. Como vemos,
[...] a reprodução das relações sociais é a reprodução da totalidade do
processo social, a reprodução de determinado modo de vida que envolve o
cotidiano da vida em sociedade: o modo de viver e de trabalhar, de forma
socialmente determinada, dos indivíduos em sociedade (IAMAMOTO;
CARVALHO, 2001, p. 72).
Para os mesmos autores a atuação do assistente social é polarizada pelos
interesses das classes sociais, podendo ser cooptada pela classe que possui maior
poder. Nesse sentido, o exercício profissional do assistente social
Reproduz também, pela mesma atividade, interesses contrapostos que
vivem em tensão. Responde tanto a demandas do capital como do
trabalho e só pode fortalecer um ou outro polo pela mediação do seu
oposto. Participa tanto dos mecanismos de dominação e exploração como
ao mesmo tampo e pela mesma atividade, da resposta às necessidades de
sobrevivência da classe trabalhadora e da reprodução do antagonismo
nesses interesses sociais, reforçando as contradições que constituem o
móvel básico da história (IAMAMOTO; CARVALHO, 2001, p.75).
Diante disso, é necessário que o assistente social se perceba histórica e
criticamente dentro desta dupla função, pois isso lhe permite, no fazer profissional, uma
reorientação ético-política, teórico-metodológica e técnica-operativa, tendo em vista os
interesses e necessidades da classe trabalhadora, que pode contribuir, inclusive, para sua
legitimação e o fortalecimento dos trabalhadores na luta de classes.
Atual conjuntura e suas consequências no exercício profissional
Sendo o Serviço Social uma profissão inscrita na divisão social do trabalho, todo e
qualquer novo contexto do mundo do trabalho repercute diretamente no exercício
profissional, seja pela ampliação da demanda, seja pela redução dos recursos destinados
ao exercício dessa profissão.
Nesse sentido, vejamos uma pequena síntese da situação do mundo do trabalho
nas últimas décadas e suas repercussões na esfera do Estado e consequentemente no
trabalho do assistente social.
São vastas as publicações que tratam das profundas transformações que o mundo
do trabalho vem passando em sua esfera produtiva desde as crises capitalistas iniciadas
na década de 1970. Essas mudanças ocorridas na economia mundial, denominadas por
Antunes (2008) de metamorfoses no mundo do trabalho se dão com a substituição do
modelo de acumulação taylorista/fordista pelo modelo de acumulação flexível. É o que
muitos autores têm chamado de reestruturação produtiva.
Essa nova forma de acumulação acaba por reestruturar o capital com a inclusão de
novas tecnologias, provocando alterações no processo produtivo a fim de ganhar
concorrência e lucratividade no mercado cada vez mais globalizado, o que tem alterado
profundamente as condições e relações de trabalho, a vida e a identidade da classe
trabalhadora.
A precarização estrutural do trabalho em escala global (ANTUNES, 2008) chama
atenção pelo aumento significativo de trabalhadores com mão-de-obra disponível no
mercado que acabam exercendo trabalhos parciais, precários, temporários e sem vínculo
empregatício.
Barbosa (2007) revela que segundo a Organização Internacional do Trabalho –
OIT, o desemprego vem mantendo um ritmo ascendente mundialmente desde a década
de 1980, chegando em 2003 a contabilizar 185,9 milhões de trabalhadores
desempregados, que equivale a 6,2% da força de trabalho mundial.
A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD 2009 revelou que
comparada a 2008 houve em 2009 um aumento de 18,5% da população desocupada no
Brasil (de 7,1 para 8,4 milhões de pessoas de 10 anos ou mais de idade). Revelou
também que 20,5% da população ocupada eram trabalhadores por conta própria e que
entre os 54,3 milhões de empregados, 28, 2% não tinham carteira de trabalho assinada.
Para Mattoso (1999) o desemprego provocado pelas mudanças no mundo do
trabalho é a ponta de um enorme iceberg, pois “estas condições de trabalho tornaram-se
crescentemente informais, precárias, com trabalho e salários descontínuos, de curta
duração e sem contribuição para previdência” (p. 15-16).
Todo esse processo desencadeou-se no Brasil tardiamente, em relação aos
demais países, principalmente europeus, isso devido ao grande processo de mobilização
em torno da redemocratização brasileira da década de 1980 com o fim do regime militar.
Essas mudanças não atingem apenas os trabalhadores no processo de produção,
mas também os assistentes sociais, profissionais assalariados que atuam frente às
contradições de classes.
Com as mudanças no mundo do trabalho o assistente social, como qualquer outro
trabalhador que vende sua força de trabalho, fica a mercê das novas regras e impactos
que recaem sobre as formas de inserção e de permanência em postos de trabalho,
observados nos contratos temporários, nas reduções de salário, na precarização das
condições de trabalho entre outros, que refletem profundamente no exercício profissional
como afirma o autor,
Estes elementos combinados entre si implicarão notórias dificuldades ao
exercício profissional qualificado e balizado por fundamentos éticos
consagrados no atual Código de Ética (BRAZ E VINAGRE, apud BRAZ,
2004, p. 59).
Junta-se a este cenário uma concepção político-ideológica que se propaga cada
vez mais dominante e que ganhou fôlego com a crise do capitalismo na década de 1970.
Essa concepção, denominada de neoliberalismo, combate ferozmente o Estado
intervencionista e de bem-estar social e se caracteriza pelo afastamento do Estado
enquanto regulador do mercado, pelas políticas de ajustes fiscais e monetárias,
privatizações, desemprego estrutural, perseguição aos sindicatos, ampliação do exército
de mão-de-obra, pela lógica mercadológica das políticas públicas, entre outras.
(ANDERSON, 1995).
Para essa concepção o Estado é uma esfera burocratizada, inchada e ineficiente
para gerir os recursos públicos e que por isso, justifica-se sua reforma.
No Brasil, a reforma do Estado encaminhada pelo governo FHC, desde a
PEC nº 173 de agosto de 1995, possui como diretrizes fundamentais: a
redução dos custos e racionalização do gasto público; mais agilidade e
eficiência no aparelho estatal; descentralização dos serviços, transferindo
do Estado para o setor privado, parte das atividades originalmente de trato
público. (ORTIZ, 2002, p. 98)
Este cenário apresenta um novo panorama no mercado de trabalho, no que diz
respeito aos espaços sócio-ocupacionais dos assistentes sociais, dada a flexibilização
trabalhista, a desresponsabilização do Estado com as políticas públicas e sua
consequente deteriorização como maior campo de atuação profissional (BRAZ, 2004).
É por isso que nesse contexto, as políticas sociais são alvos de constantes
reformas e cortes no orçamento, com a intenção de desresponsabilizar o Estado pela sua
promoção, dificultar o acesso dos trabalhadores às essas políticas, que foram
historicamente conquistadas pela luta da classe trabalhadora e ainda constata-se a
transferência dessas responsabilidades para o setor privado e para sociedade civil.
Por outro lado e, contraditoriamente, ampliam-se as demandas do Serviço Social,
seja no setor público ou privado, dadas às altas taxas de desemprego e as péssimas de
condições de vida condicionadas à população em geral.
Essa realidade se reflete sensivelmente nos espaços de atuação do assistente
social, pois,
[...] se persistirem as políticas neoliberais postas na direção da (contra-)
reforma do Estado, teremos uma redução/degradação dos serviços
públicos que podem indicar, mais uma vez, um aviltamento das condições
de trabalho dos assistentes sociais nestes espaços e, articuladamente,
progressivas dificuldades para a efetivação de princípios históricos que
partilhamos e defendemos, circunscritos na defesa das políticas públicas
de responsabilidade estatal, tanto na saúde, na previdência, na assistência
social e nas demais políticas sociais (BRAZ, 2004, p. 59-60).
As conseqüências deste panorama são contraditórias, próprias do sistema
capitalista e das regras neoliberais, pois se de um lado o Serviço Social sente-se
ameaçado pela precarização do Estado/Políticas Públicas, por outro lado, novos espaços
sócio-ocupacionais para o assistente social vão surgindo, seja pela transferência dos
serviços para o terceiro setor, seja pela regulamentação dos direitos constitucionais,
principalmente nas esferas da municipalização, descentralização e controle social das
políticas públicas e pela própria complexificação das expressões da questão social que
tem demandado novos serviços, criando novos espaços para o exercício profissional até
então desconhecidas e não ocupados por esta categoria.
Destacam-se como novos espaços de atuação profissional as entidades do terceiro
setor, identificadas como organizações que nem são Estado e nem são mercado,
prestando um grande serviço ao capital e à ofensiva neoliberal na luta pela hegemonia da
sociedade civil no interior do processo de reestruturação do capital ao desenvolver um
papel ideológico claramente fundamental dos interesses do capital, promovendo a
reversão dos direitos da cidadania por serviços e políticas sociais e assistenciais
(MONTAÑO, 2002). É no universo do terceiro setor que estão as ONG’s – organizações
não-governamentais que exercem atividades e executam ações de natureza pública, em
contrato e parcerias com o Estado, mas independentes e com flexibilidade.
O debate acerca das organizações não-governamentais como possibilidade de
ampliação de mercado de trabalho para os assistentes sociais não é tranquilo no interior
da categoria, exatamente por que esse segmento tem crescido graças ao processo de
desresponsabilização estatal e transferência de responsabilidade para essas entidades,
que imprime numa ação pontual, focalizada e compensatória.
No entanto, nesse mesmo caminho estão as ações de iniciativas públicas estatais,
dado processo de reformas no âmbito do Estado, que vêm priorizando também ações
pontuais, compensatórias e de transferência de renda para atender segmentos mais
vulneráveis da população.
[...] as ações demandadas ao Serviço Social referem-se a segmentos cada
vez mais diversificados, incluídos por sua vez, em programas sociais ainda
mais fragmentados por público-alvo, por áreas de políticas sociais e por
problemáticas específicas seccionadas neste âmbito. (SERRA, 2001, p.
169)
É, portanto, nesse emaranhado de contradições que o assistente social se
encontra e que tem seu fazer profissional comprometido pelas estruturas impostas com as
mudanças contemporâneas, seja enquanto trabalhador assalariado mal remunerado, com
condições de trabalho precárias, seja como gestor ou executor direto de políticas sociais
que estão cada vez mais na rota da desregulamentação.
Desafios e perspectivas do exercício profissional na contemporaneidade
Refletir o Serviço Social na contemporaneidade é antes de tudo perceber a
realidade política, econômica, social e cultural da sociedade analisada. É reconhecer que
ela é mutável e, portanto histórica. Pois o Serviço Social intervém na realidade, nos
processos
de
reprodução
das
relações
sociais
estabelecidas
e
determinadas
historicamente. Assim,
O Serviço Social não atua apenas sobre a realidade, mas atua na
realidade [...] a conjuntura não é pano de fundo que emolduram o exercício
profissional; ao contrário são partes constitutivas da configuração do
trabalho do Serviço Social devendo ser apreendidas como tais.
(IAMAMOTO, 2001, p. 55).
Nesse sentido, compreender a realidade em toda a sua complexidade é um desafio
apresentado ao assistente social, que tem sido convocado a dar novas respostas no
âmbito do exercício profissional, não mais apenas na execução, mas também na
formulação e gestão das políticas públicas, assim como na formulação de novas
elaborações teóricas, compreendendo que
[...] o esforço está, portanto, em romper qualquer relação de exterioridade
entre profissão e realidade, atribuindo-lhe a centralidade que deve ter no
exercício profissional [...] e o reconhecimento das atividades de pesquisa e
o espírito indagativo como condições essenciais ao exercício profissional.
(IAMAMOTO, 2001, p.55-56).
É nesse contexto que a mediação aparece como categoria fundamental para o
trabalho do assistente social. Para Pontes (2000), a mediação é uma categoria objetiva e
ontológica que está presente na realidade. Ela é estudada como uma das categorias
centrais da dialética, pois pertence ao real, mas é também elaborada na razão. A
mediação é permeada de dinamismo e articulação que se move no interior das
contradições estruturais sócio-históricas.
Como o Serviço Social tem sua essência de atuação na intervenção da realidade, a
categoria da mediação se torna fundamental para o “desvendamento dos fenômenos
reais e a intervenção do assistente social” (PONTES, 2000, p. 43), através da tríade
singularidade – particularidade – universalidade (PONTES, 2007), necessárias para
apreensão de mediações nas determinações dos complexos sociais.
O desenvolvimento do modo de produção capitalista e o consequente
aprofundamento da desigualdade social e das expressões da questão social se
configuram como a atual realidade que precisa ser apreendida pelo Serviço Social. Nesse
sentido, o assistente social, ao apreender a realidade, percebe novas possibilidades de
demanda
e
atuação,
podendo
transformá-las
segundo
sua
intencionalidade
e
instrumentalidade em novos espaços e perspectivas para o exercício profissional.
A instrumentalidade é analisada por Guerra (2011) enquanto condição de
reconhecimento social da profissão, pois ela se dá no cotidiano do trabalho do assistente
social por meio da capacidade de criação, adaptação e transformação das condições
objetivas e subjetivas do fazer profissional.
A intencionalidade dos assistentes sociais, presente na instrumentalidade, é
mediada pela lógica da instituição em que está inserido e na qual em muitos casos o
profissional fica submetido. Mas, exatamente por tratar a instrumentalidade enquanto
prática de mediação e como campo da cultura profissional é que se possibilita,
contraditoriamente, ao assistente social usar os conhecimentos disponíveis e construir um
modo de fazer que lhe é próprio. Assim, produz elementos novos e reconstrói sua prática
profissional composta de referenciais teóricos e metodológicos, ético-políticos e técnico-
operativos que possibilitam a negação da prática puramente imediata e espontânea,
reelaborando novas respostas sócio-profissionais. (GUERRA, 2011).
Sendo assim, compreender as transformações da sociedade é também perceber
que o Serviço Social precisa responder e antecipar essas novas demandas, e para isso
os espaços de atuação do assistente social exigem um profissional cada vez mais
qualificado e especializado, que analise criticamente a realidade social e que faça uso das
mediações no exercício profissional; que seja um profissional não apenas interventivo,
mas também propositivo e pesquisador diante dessas demandas, requisitos necessários
para inserção, permanência e identificação de novos espaços de ocupação deste
profissional no mercado de trabalho.
Note-se que “novas possibilidades de trabalho se apresentam e necessitam ser
apropriadas, decifradas e desenvolvidas; se os assistentes sociais não o fizerem, outros o
farão absorvendo progressivamente espaços ocupacionais até então a eles reservados”
(IAMAMOTO, 2001, p. 48).
A responsabilidade da compreensão e, mesmo, do enfrentamento desse contexto
desafiante do qual os assistentes sociais vivenciam deve partir de uma ação coletiva do
conjunto da categoria.
Por isso, cabe as unidades de ensino, de pesquisa, de organização e
representação dos assistentes sociais, oportunizar espaços (para estudantes e
profissionais) de formação e reflexão que possibilitem desvendar e construir estratégias
de enfrentamento das múltiplas determinações impostas ao Serviço Social na
contemporaneidade
Considerações finais
Ao compreendermos que o Serviço Social é uma profissão historicamente
constituída, percebemos também que ela é mutável e, portanto, suas determinações
estão dadas na realidade.
Sendo assim, o aprofundamento das expressões da questão social tem colocado
novas demandas para o Serviço Social e consequentemente novos espaços sócioocupacionais estão surgindo. Estes espaços já são pré-definidos pela Lei de
Regulamentação da Profissão (8.662 de 7 de junho de 1993) que prevê em seu artigo 4º
o exercício profissional do assistente social em “entidades e organizações populares”, “em
órgãos de administração pública direta e indireta”, “aos movimentos sociais” e “outras
entidades”.
No entanto, é preciso ainda entendermos e analisarmos esses novos espaços, a
sua representatividade, suas condições de trabalho, os interesses que permeiam a
reprodução das relações sociais e até mesmo de que forma esses novos espaços
oportunizam um exercício profissional tendo em vista o Código de Ética da Profissão. Este
que preconiza a liberdade como valor ético central e o compromisso com autonomia e
valores emancipatórios dos indivíduos.
A própria compreensão da função do assistente social nesses novos espaços já se
configura como um desafio para a profissão, de forma que os mesmos sejam
conscientemente ocupados e sirvam de instrumentos de consolidação dos princípios da
ética profissional e de superação da ordem social do capital.
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