Interceptação horizontal na serra do Mar do Rio de Janeiro Rafael Silva Barboza1; Alexandre Chaboudt Borges2; Adriano Lopes de Melo1; Ricardo Valcarcel3. 1 2 Acadêmico do Curso de Engenharia Florestal da UFRuralRJ; Aluno do Curso de Mestrado em Ciências 3 Ambientais e Florestais da UFRuralRJ; Professor adjunto IV do Departamento de Ciências Ambientais, Instituto de Florestas da UFRuralRJ Palavras-chave: Interceptação, balanço hídrico, condensação. Resumo Este trabalho teve como objetivo avaliar a contribuição de água, via interceptação da bacia aérea. O estudo foi conduzido no período de dezembro de 2003 a janeiro de 2004, em um trecho da Serra do Mar do Rio de Janeiro, pertencente a APA do Pico do Caledônia e Parque Estadual de Três Picos, no município de Nova Friburgo-RJ. Foram instalados um pluviômetro e um interceptador em local aberto, a uma altitude de 1600m. Durante 31 dias de coleta, quantificouse a precipitação total e Interceptação Vertical (IV), correspondendo a 786,23mm (25,36mm/dia) e 68,71mm (2,21mm/dia), respectivamente. Com os resultados obtidos, constatou-se que a quantificação do mecanismo de IV é um importante indicador da interação dos processos climáticos e ecológicos, que acabam por influenciar o balanço hídrico da região. Abstract The objective of this study was to value the water´s contribution, through the interceptation of the air basin. The study was developed between December of 2003 and January of 2004, in a part of the Serra do Mar located in Rio de Janeiro and pertaining to Pico do Caledônia Environmental Protection Area (APA) and to State Park of Três Picos in Nova Friburgo-RJ. Were installed a pluviometer and a intercepter at the forest outside, at a altitude of 1600m. During 31 days of collection, was determined the total rainfall and Vertical Interception (VI), corresponding to 786,23mm (25,36mm/day) and 68,71mm (2,21mm/day), respectively. With these results could be proved that the mechanism quantify of VI is an important indicator of the climatic and ecologic process interaction, that have influence on the water balance of the region. an Introdução O ciclo hidrológico constitui um conjunto de fases que representam os diferentes meios através dos quais a água circula pela natureza. (MOLCHANOV, 1971; SATTERLUND, 1972; CESAR, 1994). A água é um recurso natural essencial à vida terrestre, matéria prima às comunidades humanas e através do ciclo hidrológico é disponibilizada em seus três estados (líquido, sólido e gasoso) (VALCARCEL, 1982; OTTONI-NETTO, 1993). Estudos feitos na região Sudeste mostram que o Oceano Atlântico funciona como um regulador térmico no Estado do Rio de Janeiro, fornecendo às suas bacias consideráveis quantidades de água. A elevada umidade do ar e os elevados índices pluviométricos nesta região demonstram a influência do mar no clima regional. O Estado está submetido, ao longo do ano, aos ventos Sudoeste e Nordeste, conferindo a região precipitações abundantes (FIDERJ, 1978, NIMER, 1979, NETTO, 1994). A orientação e exposição do relevo são fatores fundamentais da distribuição espacial da pluviosidade, ocorrendo a maior concentração na região centro-sul fluminense (FIDERJ, 1978). A cadeia de montanhas da Serra do Mar atua como uma barreira aos sistemas de circulação atmosférica e às penetrações das massas de ar úmidas que sopram do oceano. Quando esses ventos atingem as montanhas, promove sua ascensão, resfriamento e posterior precipitação orográfica (FIDERJ, 1978, NIMER, 1979, NETTO, 1994). Os ventos úmidos combinados com os efeitos da declividade e rugosidade das encostas têm papel fundamental na condensação (Interceptação Vertical) sob os efeitos da orografia, na medida em que são expostos ao gradiente de altitude da Serra do Mar. A quantificação do mecanismo de Interceptação Vertical é um importante indicador da interação dos processos climáticos e ecológicos, que acabam por influenciar o balanço hídrico. Objetivou-se avaliar a contribuição da Interceptação Vertical na região produtora de água, no período de chuvas, em um trecho da Serra do Mar do Rio de Janeiro. a) Caracterização da área de estudo O experimento foi desenvolvido entre os divisores das bacias do rio Cachoeiras de Macacu (vertente Atlântica) e Bengala (bacia do rio Paraíba do Sul), em um trecho de encosta da Serra do Mar do Rio de Janeiro, à 1600m de altitude, durante o período de dezembro de 2003 a janeiro de 2004. A área pertence a APA do Pico do Caledônia e Parque Estadual dos Três Picos, no município de Nova Friburgo – RJ, entre as coordenadas geográficas 24° e 26°S e 50° e 52°W. A cobertura florestal constitui-se em Floresta Ombrófila Densa Montana (IBGE, 1991) com transposição para campos de altitude. As plântulas, epífitas e lianas são abundantes, assim como, a ocorrência de bambus e palmeiras (LIMA & GUEDES-BRUNI,1997). b) Metodologia A precipitação externa (PE) foi determinada com 2 pluviômetro (54,1 cm ), Instalado em local aberto, distante 50 m da cobertura vegetal. A interceptação vertical (IV) foi determinada com um interceptador, que é um pluviômetro dotado de haletas (Figura 1). O local onde os mesmos foram instalados foi definido a partir de um levantamento do perfil topográfico da área de estudo, com o uso de carta topográfica (Figura 2). As coletas foram realizadas as 9:00h com periodicidade diária, entre 18 de dezembro de 2003 a 17 de janeiro de 2004. H2 Figura 1: Interceptador usado para medição de interceptação vertical – altura das haletas (H1: 2 1000,00 cm ); altura do pluviômetro (H2). 2300 2200 2100 2000 1900 1800 1700 Altitude (metros) Material e métodos H1 1600 1500 3000 2500 2000 1500 1000 500 0 metros Figura 2: Perfil topográfico da área de estudo. Em destaque tem-se a localização do pluviômetro externo e o interceptador. Para a análise da interceptação vertical, foi utilizada a precipitação do pluviômetro externo (PE), considerado testemunha, uma vez que é a base para se determinar o quanto à área de interceptação contribuiu. b) Análise dos dados A interceptação vertical (IV) foi calculada a partir da diferença entre a lâmina precipitada pelo interceptador e o PE (Formula 01). IV = In − Pe Onde: (1) -2 IV = Interceptação vertical (mm.m ) -2 In = Quantidade total de chuva (mm.m ) coletada pelo interceptador. -2 PE = Precipitação total (mm.m ) coletada do pluviômetro testemunha. c) Análise estatística Foram realizadas regressões simples entre a precipitação total (variável independente) e a interceptação vertical (variável dependente) (fórmula 2), determinando-se os ajustes e tendências. IV = a + bPE (2) Em que: Pico do Caledônia 2220m Direção do fluxo da bacia aérea Canal de drenagem A e B são parâmetros de ajuste do modelo. Pico da pedra K2 1752m 2 O coeficiente de determinação (R ) foi testado por meio da análise de variância e as análises realizadas através do programa Statistica versão 5.0. Área de estudo 1560m Resultados e discussão 100 80 60 40 Pluviômetro externo 17/1 15/1 13/1 9/1 11/1 7/1 5/1 3/1 1/1 30/12 28/12 26/12 24/12 22/12 20/12 0 18/12 20 8 7 6 5 4 3 2 1 0 IV (mm/m2) Figura 3 – Em cima, bacia aérea; e em baixo, perfil da entrada das massas de ar. Em destaque a área de estudo entre os divisores das bacias do rio Cachoeiras de Macacu (vertente Atlântica) e Bengala (bacia do rio Paraíba do Sul), Pico do Caledônia e Pico da Pedra K2. PE (mm/m2) A bacia aérea e o perfil das massas de ar (Figura 3) foram determinados com auxílio de carta topográfica. Pelo perfil observa-se ascendência orográfica dos ventos úmidos que sopram do oceano. Estes ventos passam por vales encaixados e obstáculos verticais promovem forte interceptação da bacia aérea sendo considerado um adicional de umidade para o sistema via interceptação vertical. Foram obtidos dados de precipitação total e interceptação vertical, referente a 31 medições diárias (Figura 4). Constatou-se que os dias com passagem de frente fria (apontados com setas) Figura 4 proporcionaram altas taxas de interceptação vertical. Já no período marcado por ventos fortes (9 a 15 de janeiro), a taxa de interceptação se manteve baixa. As características climatológicas, a velocidade e direção do vento, além de umidade relativa, interferem diretamente no volume de chuva SINGH (1987). dias Interceptação vertical Figura 4 - Precipitação total e interceptação vertical diária, decorrente dos 31 dias de coleta referentes ao pluviômetro externo (PE) e interceptador (In) compreendidos entre o período de dezembro de 2003 a janeiro de 2004. FURIAN (1987) menciona que as massas de ar equatoriais e tropicais imprimem uma dinâmica climática caracterizada por um clima úmido, com fortes influências da altitude e dos efeitos orográficos da Serra do Mar. Nos dias de ocorrência de ventos úmidos, os valores de interceptação vertical chegou a uma taxa de 30%. Os resultados de interceptação vertical (IV) demonstraram que a contribuição do fluxo de água foi de 68,71mm (8,74% da precipitação total) uma média de 2,21mm/dia, indicando que a interceptação vertical possui forte influência na produção de água. A análise de regressão foi realizada com os dados brutos de precipitação e interceptação. Os 2 coeficientes de determinação (R ), angular (b) e da reta (a ou interseção), foram testados pela análise de sua variância (Figura 5). IV (mm.m-2) 8 6 4 2 y = 0,0675x + 0,5051 R2 = 0,6249 0 0 20 40 60 80 100 Precipitação (mm.m-2) Figura 5 – Reta de regressão entre os valores de interceptação vertical em função da precipitação total. A relação entre os valores da precipitação total e interceptação vertical resultou em um coeficiente de 2 determinação (R ) igual a 0,6249, ou seja, 62% da variação na interceptação vertical pode ser explicada pela variação da precipitação total incidente. Este resultado é significativo a 1% de probabilidade. A correlação encontrada entre precipitação total e a interceptação vertical pode estar relacionada a fatores climáticos e até mesmo a fatores bióticos. Através da análise dos coeficientes de significância, observou-se que (a) apresentou um valor p igual a 0,5051. Isto indica que o ponto onde a reta coincide com o eixo y, não está bem definido. O coeficiente angular resultou em um valor igual a 0,0675, valor este que determina um melhor ajuste ao modelo. O erro do coeficiente da reta pode ser explicado, por ocasião da ocorrência de interceptação vertical mesmo quando os valores de precipitação total são iguais a zero. Assim, a capacidade da floresta em interceptar ventos úmidos funcionaria no sentido de redistribuir mais lentamente a água interceptada em direção ao solo, tendo como conseqüência uma maior captação de água. Desta maneira pode-se dizer que estes resultados são oriundos da condensação das massas de ar úmido que resultaram em eventos de interceptação vertical mesmo durante os períodos entre os intervalos de chuva. A floresta e juntamente o sub-bosque funcionam como uma malha de obstrução aos ventos úmidos, gerando maior superfície de contato, influenciando diretamente na interceptação. Contemplando os fundamentos ecológicos, onde os ecossistemas em sua evolução buscam cada vez mais equilíbrio para as suas funções, essa constatação pode ser considerada como uma otimização do ambiente a um recurso oferecido, no caso a água em forma de vapor. A interceptação vertical é de fato um dos componentes do ciclo hidrológico, mas de certa forma as características da vegetação e sua arquitetura de copa formam diferentes tipos de anteparos, onde a floresta possui efeito de frenagem sobre as correntes de ar (grau de obstrução dos ventos) (SANTANA, 2002). Esses anteparos influenciam a infiltração da água no solo via precipitação interna ou via escoamento pelo tronco. Isso confere ao ambiente florestal maior ou menor precipitação interna. No entanto, este fenômeno só foi constatado em altitudes elevadas onde a temperatura juntamente com a umidade do ar propicia a condensação de superfície, como foi visto anteriormente. Cabe então, o seguinte questionamento: a intensidade de interceptação vertical quando da entrada de frente fria é a mesma nas diferentes épocas do ano? Pois no verão, as circulações atmosféricas oriundas do Oceano Atlântico propiciam elevadas taxas de precipitações, como demonstra este estudo. Mas, e no inverno, as baixas temperaturas propiciam maiores taxas de interceptação vertical? E ainda, será que durante o ano pode-se ter uma taxa constante de interceptação vertical? Estas são perguntas ainda sem respostas, haja vista a raridade de estudos sobre interceptação vertical. Por fim, seria interessante o estudo da distribuição da Interceptação Vertical ao longo das zonas hidrogenéticas de uma bacia hidrográfica com forte influência da bacia aérea, de forma a entender melhor os mecanismos pelos quais as florestas administram os recursos hídricos. Conclusões 1. 2. 3. 4. A ocorrência de frentes-frias ocasiona a elevação da interceptação vertical; A ocorrência de ventos fortes, de acordo com as observações de campo, influencia diretamente no volume de água interceptado verticalmente; A contribuição do fluxo de água decorrente da interceptação vertical média foi de 8,74% da precipitação total. A quantificação do mecanismo de Interceptação Vertical é um importante indicador da interação dos processos climáticos e ecológicos, que acabam por influenciar o balanço hídrico. Agradecimentos A toda equipe do SBT que acreditou na pesquisa durante a fase experimental e principalmente pelo suporte a abrigo nos dias de chuvas, tempestades de raios e ventos. Ao Laboratório de Manejo de Bacias Hidrográficas. A todos que ajudaram e entenderam os dias de fim de ano em que foram feitas as coletas dos dados. Estatística, Departamento de Recursos Naturais e Estudos Ambientais. Rio de janeiro: IBGE, 1991. LIMA, H. C. de & GUEDES-BRUNI, R. R. (eds.). Serra de Macaé de Cima: Diversidade Florística e Conservação em Mata Atlântica. Rio de Janeiro. Jardim Botânico do Rio de Janeiro. 1997. 346p. MOLCHANOV, A. A. Hidrologia Florestal. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1971. 419p. NIMER, E. Climatologia do Brasil. Rio de Janeiro: SUPREN: IBGE, 1979. 421P. OTTONI NETTO, T. B.; RJ – Fundamentos de engenharia ambiental com ênfase em recursos hídricos. Perenização e regularização fluvial. 1993. 232p. SANTANA, C. A. A. Estrutura Florística de Fragmentos de Florestas Secundárias de Encosta No Município de Rio de Janeiro. 2002. 133p.Tese (Mestrado). UFRRJ. Seropédica. SATTERLUND, D. R. Wildland magnagement, 1972. 355p. watershed Referências Bibliográficas SINGH, R. P. Rainfall interception by Pinus wallichiana plantation in temperate region of Himachal Pradesh, India. Indian For., p.559-66, 1987. CESAR, S. F. Ciclo hidrológico. 5º Curso internacional sobre manejo de bacias hidrográficas na área florestal, 1994. p. 203-212. VALCARCEL, R. Balance hídrico em la Selva Nublada. Seminário, Universidad de Los Andes. Venezuela, 1982. 19p. FIDERJ. Fundação de desenvolvimento econômico e social do Rio de Janeiro. Indicadores climatológicos do Estado do RJ. 1978. 156p. FURIAN, S. M. Estudo geomorfológico do escoamento superficial em parcelas experimentais no Parque Estadual da Serra do Mar – Núcleo Cunha / SP. Um esboço metodológico. 1987. 187 p. Dissertação (Mestrado em Geografia). Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, São Paulo. GUERRA, A. J. T. CUNHA, S. B. Hidrologia de Encosta na Interface com a Geomorfologia. In: NETTO, A. L. C. 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