UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS CENTRO DE CIÊNCIAS DO AMBIENTE Programa de Pós-Graduação em Ciências do Ambiente e Sustentabilidade na Amazônia- PPG/CASA O PROGRAMA BOLSA - FLORESTA: A RECOMPENSA FINANCEIRA AOS GUARDIÕES DAS FLORESTAS NAS UNIDADES CONSERVAÇÃO DO ESTADO DO AMAZONAS JANDER CARDENES SANTOS Orientadora: Profª. Drª.Elenise Faria Scherer MANAUS 2010 DE FichaCatalográfica (Catalogação realizada pela Biblioteca Central da UFAM) Santos, Jander Cardenes 237p O Programa Bolsa- Floresta: a recompensa financeira aos guardiões das florestas nas unidades de conservação do estado do Amazonas /Jander Cardenes Santos.- Manaus: UFAM, 2010. 150f.; il. color. Dissertação (Mestrado em Ciências do Ambiente e Sustentabilidade na Amazônia) –– Universidade Federal do Amazonas, 2010. Orientadora: Profª. Drª. Elenise Faria Scherer 1. Unidades de conservação- Floresta 2. Bolsa floresta- Amazonas 3.Mudanças climáticas I. Scherer, Elenise Faria (Orient.) II. Universidade Federal do Amazonas III. Título CDU(1997) 504.03(811.3)(043.3) UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS CENTRO DE CIÊNCIAS DO AMBIENTE Programa de Pós-Graduação em Ciências do Ambiente e Sustentabilidade na Amazônia- PPG/CASA O PROGRAMA BOLSA - FLORESTA: A RECOMPENSA FINANCEIRA AOS GUARDIÕES DAS FLORESTAS NAS UNIDADES DE CONSERVAÇÃO DO ESTADO DO AMAZONAS JANDER CARDENES SANTOS Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação em Ciências do Ambiente e Sustentabilidade na Amazônia – Nível: Mestrado Acadêmico, para obtenção do Título de Mestre em Ciências do Ambiente e Sustentabilidade na Amazônia, Área de Concentração: Política e Gestão Ambiental Orientadora: Profª. Drª. Elenise Faria Scherer MANAUS 2010 JANDER DOS CARDENES SANTOS O PROGRAMA BOLSA-FLORESTA: OS EFEITOS DA RECOMPENSA FINANCEIRA AOS GUARDIÕES DAS FLORESTAS NAS UNIDADES DE CONSERVAÇÃO DO ESTADO DO AMAZONAS Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação em Ciências do Ambiente e Sustentabilidade na Amazônia – Nível: Mestrado Acadêmico, para obtenção do Título de Mestre em Ciências do Ambiente e Sustentabilidade na Amazônia, Área de Concentração: Política e Gestão Ambiental APROVADA POR: _________________________________________ Profª. Drª. Elenise Scherer Universidade Federal do Amazonas ________________________________________ Prof. Dr. Henrique dos Santos Pereira Universidade Federal do Amazonas _________________________________________ Profª. Drª. Andrea Borghi Moreira Jacinto Universidade do Estado do Amazonas Dedico Aos meus pais, Lucio de Oliveira e Maria Joaquina, que me deram o dom da coragem de persistir sempre. Aos comunitários, que constroem a cada dia um novo capítulo da história na Amazônia. AGRADECIMENTOS Todo o momento de agradecimentos também traz o sentimento de uma trajetória, não mencionarei as ausências que tive com minha família especialmente a amada filha Maria Julia, mas posso dizer o quanto estas foram importantes, a quem devo o fôlego, a energia e o prazer necessários à realização dessa tarefa. Agradeço a Profª. Dra. Elenise Scherer, por toda atenção e paciência, apoio, compreensão, sei que aceitar um orientando no meio do caminho é um desafio para qualquer orientador, por isso, muitos se esquivam. Mas poder contar com a professora Elenise no período que considero o mais crítico de minha trajetória no Mestrado, que foi o momento de desencanto e abandono diante dos desafios encontrados, foi de um valor imensurável. Reconheço o papel sem igual desempenhado por ela em minha história e na construção deste trabalho. Aos demais professores do Programa de Pós-Graduação em Ciências do Ambiente e Sustentabilidade na Amazônia da Universidade Federal do Amazonas, que em muito contribuíram para minha iniciação e processo de formação no campo sociedade e ambiente. Aos amigos que encontrei e que me acompanharam nos trabalhos desenvolvidos junto a Universidade do Estado do Amazonas, no Município de São Sebastião do Uatumã e o IDESAM. Agradeço a todos os amigos que contribuíram direta e indiretamente no percurso do curso de Pós-Gradução em Ciências do Ambiente e Sustentabilidade na Amazônia, em especial a meu irmão Luciano Cardenes, Emeline Moraes, Elitânia Mourão, Jayme Pereira Junior, Salomão Monteiro, Keila Aniceto, Sisley Monteiro, todos cúmplices e inspiradores dos meus tempos de pesquisas e projetos pessoais. “Se pode olhar, veja. Se pode ver, repara". Ensaio sobre a cegueira. (José Saramago, 2007). RESUMO Esta dissertação pretende trazer para o debate o Programa Bolsa Floresta - PBF instituído pelo governo do Estado do Amazonas em 2007, com duplo objetivo: Compensar financeiramente as famílias rurais residentes nas comunidades das Unidades de Conservação - UC e, ao mesmo tempo, incentivá-las a conservação dos recursos naturais, ou seja, a manutenção da floresta em pé. Este Programa de compensação financeira ambiental tem como área focal o território mais conservado da região, a chamada Amazônia profunda, caracterizada por baixa taxa de desmatamento. Ele foi criado a partir do reconhecimento governamental de que as atividades antrópicas provocam efeitos nocivos na mudança global do clima e do compromisso político com o desenvolvimento sustentável. Nesse sentido, pretendeu-se reconhecer e valorizar os povos tradicionais que passaram a ser denominados de guardiões da floresta. O PBF é uma política governamental que envolve quatro componentes: o BolsaFloresta Renda que visa incentivar a inserção das famílias produtoras rurais nas cadeias produtivas dos recursos florestais sustentáveis; o Bolsa Floresta Social direcionado para os investimentos em infraestrutura e implementação de políticas de educação, saúde, comunicação e transporte, o Bolsa Floresta Familiar que recompensa financeiramente as mães das famílias rurais que assumiram o compromisso de não desmatar a floresta e o Bolsa floresta Associação destinado a organização dos moradores das comunidades dentro das Unidades de Conservação com objetivo de fortalecer a organização política e o controle social do Programa. Palavras - Chave: Bolsa-Floresta - Mudanças climáticas - Unidades de Conservação Comunidades tradicionais. ABSTRACT This thesis attempts to bring to the debate Bolsa Floresta - PBF imposed by the government of Amazonas state in 2007 with two objectives: Compensate the families living in rural communities of Protected Areas - UC and at the same time, encourage them conservation of natural resources, namely the maintenance of the forest. This compensation program has as environmental focal area of the territory more conserved region, called the deep Amazon, characterized by low rates of deforestation. He was raised from government recognition that human activities cause adverse effects on global climate change and the political commitment to sustainable development. Accordingly, we sought to recognize and value the traditional peoples who came to be called guardians of the forest. The PBF is a government policy that involves four components: the Forest-Income Grant which aims to encourage the integration of rural producer families in the productive chains of sustainable forest resources, the Social Forestry Grant directed to investments in infrastructure and implementation of education policies, health, communication and transportation, Forestry Grant Family financially rewarding mothers in rural families who have pledged not to clear the forest and forest Association Scholarship for the organization of residents of communities within protected areas with the aim of strengthening the political organization and social control program. Key - words: Bag-Forest - Climate Change - Conservation Units - Traditional communities LISTA DE FIGURAS Pág. Figura 01 - Unidades de conservação por categoria e período de governo..................... Figura 02 – Local das reuniões comunitárias..................... Figura 03 - Alguns Grupos sociais existentes na RDS Uatumã...................................... Figura 04 – Localização das Comunidades da RDS Uatumã.......................................... Figura 05 - Tempo de moradia das famílias entrevistas ................................................. Figura 06 - Motivos considerados pelos comunitarios como condicionantes para 32 43 74 105 107 108 residir na comunidade. Figura 07 - Dificuldade para recebimento do B.F .......................................................... Figura 08 - Atividades proíbidas a partir da implementação do B.F............................... Figura 09 - Atividades que são permitidas segundo os entrevistados da comunidade. Figura10 - Vista da comunidade Livramento.................................................................. Figura 11- Festa cultural comemorativa da soltura dos quelônios................................. Figura12-Moradores da comunidade Maracaranã homens, mulheres, crianças ............ Figura 13 - Igreja e escola da comunidade Maracaranã...................................... ......... Figura 14 -. Localização das casas na parte mais alta da comunidade em terra firme. Figura 15 - Pousada Tucuna localizada na Comunidade Nossa Senhora. do Perpetuo.. 112 115 116 118 119 120 124 125 126 Figura 16 - Motivos condicionantes para residir na comunidade Maracaranã.............. Figura 17- Atividades produtivas permitidas na RDS Uatumã..................................... Figura 18- Gastos do valor recebido do BF Família...................................................... Figura 19 – Atividades que foram proíbidas na RDS Uatumã..................................... Figura 20 – Oficina de educação alimentar realizada na comunidade Maracaranã...... 127 128 129 131 132 LISTA DE TABELAS E QUADROS Tabela 01- Expansão das Unidades de Conservação no Amazonas Tabela 02- Aspectos demográficos da RDS Uatumã ............................................... 34 42 Tabela 03- Componentes do Programa Bolsa-Floresta ........................................... 74 Tabela 04- Comunidades com o numero de famílias por pólos.................................. 105 Quadro 01- Tipologias e Categorias de Unidade de Conservação estabelecidas pelo 8 SNUC LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS AACBU- Associação Agroextrativista das Comunidades da Bacia do Rio Uatumã AFEAM -Agência do Fomento do Estado do Amazonas AGROAMAZON- Agência de Agronegócios do Amazonas ARPA- Programa Áreas protegidas na Amazônia ATTO - Amazonian Tall Tower Observatory BFA- Bolsa-Floresta Associação BFF- Bolsa-Floresta Familiar BFR-Bolsa-Floresta Renda BFS-Bolsa-Floresta Social BID- Banco Interamericano de Desenvolvimento CDB - Convenção sobre Diversidade Biológica CDB- Convenção Sobre Mudanças Climáticas e Diversidade Biológica CESTU- Centro de Estudos Superiores do Trópico Úmido CEUC- Centro Estadual de Unidades de Conservação CMC- Convenção Quadro de Mudanças Climáticas CNPT- Centro Nacional para o Desenvolvimento Sustentável das Populações Tradicionais CNUMAD- Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e Desenvolvimento COP- Conferência das Partes FAO- Organização para a Agricultura e Alimento FAS- Fundação Amazonas Sustentável FEPI- Fundação Estadual de Política Indigenista FUNAFIFO- Fundo Nacional de Financiamento Florestal FVS- Fundação de Vigilância Sanitária GEE- Gases do efeito estufa GEF -Fundo para o Meio Ambiente Global IBAMA- Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis ICMBIO- Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade IDAM- Instituto de Desenvolvimento Agropecuário do Amazonas IDESAM - Instituto de Desenvolvimento Sustentável do Amazonas INPA- Instituto Nacional Pesquisas na Amazônia INPE- Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais IPAAM -Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas IPCC- Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas das Nações Unidas ITEAM- Instituto de Terras do Amazonas IUCN- União Internacional para a Conservação da Natureza LBA- Programa de grande escala da biosfera - atmosfera na Amazônia MMA -Ministério do Meio Ambiente ONG-Orgnização não governamental ONU- Organização das Nações Unidas PBF- Programa Bolsa Floresta PPG7- Programa Piloto de Para a Proteção das Florestas Tropicais do Brasil PSA- Pagamento por serviços ambientais PZFV- Programa Zona Franca Verde RDSBRU- Reserva de Desenvolvimento Sustentado do Baixo Rio Uatumã RDS-Reserva de Desenvolvimento Sustentável REDD- Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal RESEX -Reserva Extrativista SDS- Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável SEPROR- Secretária de Estado e Produção Rural SNUC - Sistema Nacional de Unidades de Conservação UC- Unidades de Conservação UEA- Universidade do Estado do Amazonas UNEP-Programa da ONU para o Meio Ambiente WWF- World Wildlife Fund SUMÁRIO S237p .........................................................................................................................................2 LISTA DE FIGURAS...............................................................................................................10 SUMÁRIO................................................................................................................................13 INTRODUÇÃO........................................................................................................................15 CAPÍTULO I- As Unidades de Conservação no Estado do Amazonas e as mudanças climáticas .................................................................................................................................21 1.2 – A expansão das Unidades de Conservação no estado do Amazonas e as mudanças climáticas. ................................................................................................................................32 1.2 - O Programa Zona Franca Verde.......................................................................................35 1.3 - A Reserva de Desenvolvimento Sustentável Uatumã......................................................39 1.4 - A Lei Estadual de Mudanças Climáticas: ........................................................................44 CAPÍTULO II - O Programa Bolsa-Floresta: serviços ambientais e as mudanças climáticas. 53 2.1 – As comunidades locais e os conhecimentos tradicionais ................................................54 2.2- Serviços ambientais e a utopia de manutenção da floresta em pé.....................................60 2.3 - O Programa Bolsa-Floresta na RDS Uatumã e a manutenção da floresta em pé.............72 2.4 - O Programa Bolsa-Floresta: política governamental .......................................................92 CAPÍTULO III - A RDS Uatumã: as comunidades e o Bolsa-Floresta.................................102 3.1-Comunidade Santa Luzia do Jacarequara ........................................................................102 Localização e infraestrutura ...................................................................................................102 3.2 Comunidade Nossa do Senhora do Livramento................................................................117 3.3 Comunidade Nossa Senhora do Perpetuo Socorro do Maracaranã...................................124 REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS...................................................................142 ANEXO 01- Termo de Consentimento Livre e Esclarecido .................................................149 15 INTRODUÇÃO Nas últimas duas décadas a questão ambiental alcançou status global, principalmente, às mudanças climáticas e ao aumento da concentração de gases de efeito estufa e seus prováveis efeitos sobre o clima do planeta que se converteram em uma das maiores preocupações do nosso tempo, desencadeando a criação dos regimes de proteção para os recursos naturais disputados diretamente pelos interesses políticos e econômicos presentes. A imposição de estratégias e políticas torna-se patente nos contornos da nova configuração do campo de interesses que envolve a política ambiental. Neste cenário a Amazônia se insere em meio à configuração e expressão de forças e processos de mudanças, distintivos de outras épocas, pois agora se realizam, de fato, a partir do local, envolvendo diferentes movimentos e sentidos. De acordo com Chesnais (1991), é somente no quadro da mundialização do capital que se pode analisar a amplitude dos desastres ecológicos sofridos pelos países do Sul. Também é primeiro, por esses países que se pode compreender que a destruição de qualquer forma de resistência política das populações é a condição para que a pilhagem dos recursos naturais se amplifique. Tal é uma das funções desempenhadas pelos programas das organizações econômicas internacionais, porque, por detrás da compaixão pelas populações do Sul, as relações com essas organizações apertam o cerco: a solução reside no prosseguimento das políticas neoliberais em proveito dos grupos financeiros multinacionais e a privatização dos serviços públicos. É neste contexto que em 2007, o governo do Estado do Amazonas sancionou a Lei Estadual de Mudanças Climáticas, cujo principal instrumento norteador compreende o Programa Bolsa-Floresta, que em seu início, visava apenas ao pagamento no valor de R$50,00 (cinqüenta reais) para famílias que sob o regime de contrato não desmatem a floresta nas Unidades de Conservação da chamada Amazônia profunda. Em 2008, para fazer a gestão do PBF, cria-se a Fundação Amazonas Sustentável (FAS), uma fundação sem fins lucrativos1 subsidiada com os recursos do governo do Estado do Amazonas, a Coca-Cola e do Bradesco. Trata-se, pois de uma parceria entre o público e o privado tão propicio nos tempos neoliberais. De fato, o Estado do Amazonas passou a integrar 1 Toda a gestão da contabilidade da FAS é feita pela Deloitte Touchge Tohmatsu e auditada externamente pela PricewaterhourseCooper. As duas empresas possuem elevada reputação e atendem as mais importantes empresas do Brasil e do mundo. 16 os debates em torno das mudanças climáticas, sendo possível, ainda que de forma preliminar identificar três perspectivas discursivas: 1. aquela que diz respeito ao discurso científico com articulações em nível mundial. O Programa de grande escala da biosfera-atmosfera na Amazônia (LBA) é uma iniciativa internacional de pesquisa liderada pelo Brasil, planejado para gerar novos conhecimentos, necessários à compreensão do funcionamento climatológico, ecológico, biogeoquímico e hidrológico da Amazônia, do impacto das mudanças dos usos da terra nesse funcionamento, e das interações entre a Amazônia e o sistema biogeofísico global da Terra (BECKER, 2003). O LBA está centrado em torno de duas questões principais que serão abordadas através de pesquisa multidisciplinar, integrando estudos de ciências físicas, químicas, biológicas e humanas. Responsável por uma enorme contribuição científica através de modelagens climáticas, executando comparações experimentadas a distância por meio de monitoramentos computadorizados, mediante a transmissão de dados levantados também à distância, contudo internaliza-se nesta instituição a visão da Amazônia apenas como um argumento de forte aceite das agências financiadoras de pesquisas aplicadas. O LBA representa de forma exemplar a integração das ciências da natureza com as conexões científicas globais de interesses planetários (SILVA, 2000, p.41). 2. Diz respeito aos estudos desenvolvidos Fearnside (2002), que comprovam os impactos dos desmatamentos dos ecossistemas amazônicos, tendo como base o argumento de que a floresta Amazônica como conhecemos vai se extinguir, se permanecer com essa dinâmica de degradação, uma projeção do predomínio da vegetação de savana em detrimento da floresta como a conhecemos. 3. A perspectiva que constitui a reflexão do Centro de Estudos Superiores do Trópico Úmido da Universidade do Estado do Amazonas (CESTU/UEA). Este possui como um dos elementos configuradores a importância da Amazônia no âmbito global, a partir da relevância dos ecossistemas amazônicos na estabilidade química, mecânica, termodinâmica e climática planetária. Estes enquanto elementos fundamentais para a incorporação da Amazônia aos megaprojetos econômicos e políticos. Na verdade, a noção de Desenvolvimento Sustentável desencadeou formas estratégicas de administração, neste sentido existe atualmente novas dinâmicas sócioambientais sendo implantadas através de sistemas regulatórios e institucionais. A reafirmação da Amazônia no processo mundial, destaca-se nos fóruns mundiais, nacionais e locais para discutir a questão ambiental ( ZOURI, 2010). 17 Em consequência cria-se instituições ambientais que, à sua maneira, absorve o discurso com viés no ecologismo, mas ainda reorientado e subordinado à esfera de interesses em torno de projetos com forte vinculação e natureza econômica, estes têm sido historicamente responsáveis pelo fardo desproporcional de contaminação e esgotamento dos recursos naturais. A crise ambiental pode ser expressão em consequência da metafísica que produziu a separação entre o ser e o ente, que abriu caminho a racionalidade científica e instrumental da Modernidade, que produziu um mundo fragmentado e coisificado em razão de seu pretenso domínio do ambiente (LEFF, 2006). Considerando este panorama de crise, foi proclamada com o 4º Relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas das Nações Unidas (IPCC sigla na língua inglesa), divulgado em 17/11/2007, que as temperaturas médias na terra devem aumentar entre 1.8 e 4ºC até o final do século. Em decorrência, ocorrerão alterações nos padrões de distribuição e intensidade de ventos e nos regimes de chuvas, com a intensificação de eventos climáticos extremos, como secas, inundações, furacões e tempestades tropicais, assim como o aumento do nível dos oceanos (em virtude do derretimento das geleiras nos pólos, provocado pelas altas temperaturas). Com isso as pressões internacionais são cada vez maiores, condicionando o governo brasileiro a criar através de decreto nº 6.263/2007 o Plano Nacional para Mudança do Clima (BRASIL, 2008, p.86). O governo Brasileiro em 2008 apresentou a proposta que define ações e medidas que visem à mitigação, bem como à adaptação à mudança do clima. Duas são as vertentes principais que se apresentam: a difícil tarefa de equacionar a questão das mudanças do uso da terra com suas implicações de grande magnitude nas emissões brasileiras de gases de efeito estufa e a instigante tarefa de aumentar continuamente a eficiência no uso dos recursos naturais (BRASIL, 2008). As relações globais que processaram estas e outras mudanças na Amazônia também impulsionaram e mobilizaram inúmeras produções intelectuais para reelaboração da imaginação do Estado-Nacional sobre a Amazônia. Esta produção intelectual se deu com novas concepções de regionalismos, das doutrinas de segurança nacional, das teorias biologizantes, da mobilidade da força de trabalho na região, do sentido desses grandes projetos para a Amazônia e da produção da sociedade civil amazônica, tudo isso para que as novas características da economia e da sociedade regional se circunscrevessem a integração nacional e a globalização (SILVA, 2000). 18 Assim no bojo das dinâmicas sócio-ambientais para a região, emerge a possibilidade de uma crise dos padrões tradicionais em relação às políticas para a Amazônia, isto por serem realidades históricas em torno de identidade políticas modernas. Aliás, os chamados povos e comunidades tradicionais organizam-se em diversos movimentos sociais na luta por seus espaços territoriais e territorialidades, argumentam que a crise ecológica dos povos e comunidades tradicionais da Amazônia tem uma dimensão marcadamente política e ideológica (BARRETO, 2001). O poder de impor o procedimento de decisão diante do dilema da sociedade contemporânea, de como promover a utilização de forma sustentável dos recursos naturais, assegurando os valores e necessidades das gerações presente e futura, explicita-se como discrepância das relações de poder, principalmente, no poder de procedimento que, triunfando sobre a aparência da complexidade, se torna capaz de impor a todas as partes implicadas uma determinada linguagem de valoração como critério básico para o trato dos conflitos ecológicos distributivos. A governabilidade exige absorver opiniões cientificas e leigas em diferentes escalas e níveis de realidade (ALIER, 2007). As contradições da modernidade podem transformar-se na expressão máxima da produção coletiva de riquezas e na apropriação privada do ambiente natural, constituindo a um só tempo a produção ampliada do capital e o alicerce das questões ambientais. Porém, possui pouca visibilidade nos debates no âmbito das configurações que passaram a incluir estratégias de enfrentamento das mudanças climáticas no planeta, ou mesmo, nas ações de políticas públicas ambientais. Nosso interesse por este tema foi despertado e reelaborado a partir de um longo processo de amadurecimento teórico e empírico. De um lado, a partir das impressões que pude registrar nos encontros com as populações tradicionais diante da temática das mudanças climáticas e em suas conferências; de outro, no levantamento realizado em órgãos estaduais e federais de Estado como Ministério do Meio Ambiente (MMA) e a Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (SDS). Diante disso emergiu a proposta de trazer para a esfera do debate o Programa Bolsa Floresta (PBF) instituído pelo governo do estado do Amazonas em 2007, com duplo objetivo: Compensar financeiramente as famílias rurais residentes nas comunidades das Unidades de Conservação (UC) e, ao mesmo tempo, incentivá-las a conservação dos recursos naturais, ou seja, na manutenção da floresta em pé. Trata-se de abordar das interfaces do Programa Bolsa Floresta nas formas de organizações e instituições sociais das comunidades da Reserva de 19 Desenvolvimento Sustentável RDS-Uatumã, localizada nos municípios de São Sebastião do Uatumã, Itapiranga e Presidente Figueiredo a 320 quilômetros de Manaus. No plano amostral a escolha se justifica por compreendermos que aí se faz presente uma rede de relações sociais que podem ser percebidas nas demais Unidades de Conservação onde opera o PBF. Esta pesquisa buscou verificar os efeitos dessa política governamental sobre o modo de vida das famílias de produtores rurais nas comunidades tradicionais, sua contribuição para a manutenção da floresta em pé e sua relação com as discussões das mudanças climáticas globais, na RDS Uatumã. Do ponto de vista teórico metodológico realizamos o trabalho de campo, momento da coleta de dados a partir da observação direta (o olhar, o ouvir e o escrever) como procedimento técnico primordial para o desenvolvimento da pesquisa privilegiando investigação dos saberes e das práticas na vida social. Nesta ocasião conferimos através do que Geertz (1989) chama de descrição densa, os modos de vida daquelas comunidades envolvidas no Programa Bolsa-Floresta; o caráter determinante das relações sociais envolvidas na racionalidade, sistemas de significação das praticas simbólicas e produtivas das comunidades. Realizamos entrevistas semi-estruturadas com coordenadores do Programa BolsaFloresta e lideranças comunitárias, foram aplicados formulários com perguntas abertas e fechadas para as famílias das comunidades. Elegemos três comunidades2 da Reserva de Desenvolvimento Sustentável Uatumã: Nossa Senhora do Perpetuo Socorro do Maracaranã, Nossa Senhora do Livramento e Santa Luzia do Jacarequara, no período de 11 a 15 de fevereiro e 9 a 14 de MARÇO de 2010. Também realizamos o levantamento do estado da arte, assim como as referências de estudiosos sobre a presente situação das UCs no Estado do Amazonas. Utilizamos também a gravação das entrevistas em acordo com a autorização dos sujeitos da pesquisa; durante todas as etapas da pesquisa, o diário de campo consistiu o registro das descrições do desenvolvimento do trabalho, contando com registro de imagens por meio de fotografias durante o trabalho de campo também a partir da permissão e conveniência dos sujeitos envolvidos. Esta dissertação está estruturada em três capítulos: o primeiro capítulo abordamos o processo de criação e implementação das Unidades de Conservação no estado do Amazonas a 2 As três comunidades do universo amostral da pesquisa foram selecionadas entre as 20 comunidades que formam a RDS Uatumã para realização do trabalho de campo. O critério de seleção foram as sedes das associações de moradores existentes nas três comunidades. Assim, as localidades escolhidas como objeto de estudo foram: Jacarequara, Nossa Senhora do Livramento e Maracaranã. 20 partir de referências criticas a esse instrumento, tentamos realizar uma análise do processo que se abre diante das mudanças climáticas no que está fortemente vinculado os serviços ambientais, marcadamente caracterizada pela criação das condições jurídicas e institucionais com o objetivo que não se limita a obtenção dos almejados recursos da comercialização de carbono ou mesmo “doações internacionais”, mas que representa e detém um capital simbólico. Destacamos a investigação de aspectos do processo em curso da estadualização da questão ambiental no Amazonas que se apresenta sob o ideário da noção desenvolvimento sustentável, mas que internaliza interesses diversos da escala global, nacional e local na chamada arena política, o jogo de identidades na apreciação ou depreciação das atividades econômicas na RDS Uatumã enquanto elementos das condições que comprometem desde a sua fundamentação até à promoção de políticas públicas. O caminho que o governo do Estado do Amazonas tem delineado remonta as ausências e ineficiências de suas ações para o desenvolvimento regional e faz parte de um quadro mais amplo de processo civilizatório que envolve diferentes agentes sociais desde o pequeno agricultor, a titularidade do acesso aos bens de uso comum e os interesses das parcerias entre o neoinstitucionalismo governamental e as grandes empresas internacionais como a Coca-Cola Company (de formas desiguais de participação). Apesar de não ser tão notório, devido a forte destaque na mídia, a lei estadual de mudanças climáticas não nasce em uma tarde de céu azul direcionada a solucionar a crise ambiental ou incluir os debates de inclusão das mudanças climáticas, mas faz parte enquanto manifestação explícita do jogo de interesses, da relação público privado, as reformulações institucionais políticas que aqui denominamos de “campo ambiental das mudanças climáticas” e neste campo está em disputa o controle do acesso aos recursos naturais. No segundo capítulo abordamos a relevância do papel das comunidades tradicionais nas Unidades de Conservação e a estreita e tradicional dependência dos recursos biológicos de muitas comunidades locais com estilo de vida tradicionais, e a escolha legítima e desejável de repartir equitativamente os benefícios derivados da utilização do conhecimento tradicional. Contudo, ainda que reconhecidamente tenha surgido relativo avanço nas políticas de inserção das comunidades tradicionais, permanece a luta destas comunidades pela terra e pela floresta, para assegurar seu modo de vida, sua reprodução sociocultural, buscando romper com a hegemonia da corrente preservacionista que, aliás, está presente nas matrizes dos discursos científicos de técnicos e especialistas que tratam da temática das mudanças 21 climáticas, muitas vezes restritamente através de modelagens morfoclimáticas, e, que deliberadamente, prescrevem receitas de controle populacional e de controle do acesso aos recursos naturais na Amazônia. Para melhor analisar a relação do Programa Bolsa-Floresta e os pressupostos dos interesses comuns, interesses conflitantes, jogos de poder, instituições, intervenções, lançamos mão do conceito de campo simbólico nas abordagens feitas por Pierre Bourdieu (2007). É possível dizer que existe um arcabouço institucional na relação local/ global expresso nas estratégias de contenção do desmatamento, envolvendo os princípios dos atuais campos de discussões sobre Reduções de Emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE). A criação e gestão de novas UCs e a criação e aprovação da Lei que norteia a política Estadual de Mudanças Climáticas em curso no Estado do Amazonas. Neste sentido, a intenção foi de trazer para o debate o processo de institucionalização e suas implicações na esfera política, econômica e social o Programa Bolsa-Floresta e das mudanças climáticas na RDS Uatumã. Apresentando os significados que vem se consolidando no Estado do Amazonas como um tema consensual que não diz respeito unicamente à questão dos limites ou controle do acesso dos recursos naturais, mas também a outros aspectos da política ambiental em curso. No terceiro capítulo, delineamos os aspectos socioambientais que envolvem as comunidades Santa Luzia do Jacarequara, Nossa Senhora do Perpetuo Socorro do Maracaranã e Nossa Senhora do Livramento, e suas relações com o Programa Bolsa-Floresta. Tentamos apontar os alcances e limites do processo de transformações no modo de vida daquelas populações envolvidas. Comparamos os componentes: Renda, Social, Familiar e associação na forma como são apresentados diante das vozes dos principais atores que presenciam e vivem seus efeitos. Destacamos ainda as políticas públicas existentes no local, sua relação com o ambiente e a organização política. CAPÍTULO I- As Unidades de Conservação no Estado do Amazonas e as mudanças climáticas 1.1 As Unidades de Conservação e as comunidades tradicionais 22 Na Amazônia, as preocupações ambientais e especialmente as mudanças climáticas, estão na pauta do dia e os olhares do mundo todo se voltam para as questões referentes ao maior reduto de floresta tropical do planeta. Assim, desde a década de 1980 têm sido criadas áreas de conservação, tanto federais como estaduais, no esforço de conservação da floresta amazônica. A criação das primeiras áreas protegidas no mundo, sejam as Unidades de Conservação de proteção integral, sejam as Unidades de Conservação de Uso Sustentável, foi marcada por discussões e controvérsias sobre a “preservação” com inclusão de pessoas que habitam as UCs. Esse debate, no Brasil, está associado ao estabelecimento dos modelos importados que não se limitam aos aspectos estruturais dos parques ou reservas baseados no modelo preservacionista Wilderness3, mas também à própria forma de pensar a relação do ser humano com o ambiente (CASTRO, 2000). Em meados de 1980, houve a descentralização do tema do campo da biologia para outras áreas do saber. O debate saiu do determinismo preservacionista e expandiu-se e passou a considerar a existência de grupos sociais e culturais que desenvolvem um estilo diverso de conduta de relação com o ambiente, daquele orientado pela lógica de estilos de vida incompatíveis com a conservação dos recursos ambientais, (DIEGUES, 2000). De acordo com Santilli (2009, p.78), o aquecimento global decorre das atividades humanas, principalmente, da queima de combustíveis fósseis, como carvão mineral, petróleo e gás natural, pelo setor industrial e de transporte, que responde por cerca de 80% da concentração dos chamados gases de efeito estufa na atmosfera terrestre (principalmente dióxido de carbono, metano, óxido nitroso, etc.). Os outros 20% são atribuídos ao uso inadequado da terra, principalmente às queimadas e o desmatamento das florestas tropicais. Historicamente, os países industrializados têm sido responsáveis pela maior parte das emissões globais de gases de efeito estufa (os Estados Unidos respondem por 30% das emissões globais). Atualmente, vários países em desenvolvimento, como China, Índia e Brasil, também estão entre os grandes emissores. O Brasil é responsável por 5% das emissões globais, mas a maior parte das emissões do Brasil (3/4) decorre do uso inadequado da terra, como o desmatamento e as queimadas na Amazônia. 3 A noção de wilderness popularizada através das discussões a cerca das áreas protegidas nos Estados Unidos contribui para uma nova fase do ambientalismo baseadas no debate entre preservacionistas e conservacionistas, o qual foi bem sintetizado no conflito entre as propostas de Gifford Pinchot e John Muir (LEIS, 2004). 23 De acordo com o 4º Relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas das Nações Unidas4 (IPCC sigla na língua inglesa), divulgado em 17/11/2007, as temperaturas médias na terra devem aumentar entre 1.8 e 4ºC até o final do século. Em decorrência, ocorrerão alterações nos padrões de distribuição e intensidade de ventos e nos regimes de chuvas, com a intensificação de eventos climáticos extremos, como secas, inundações, furacões e tempestades tropicais, assim como o aumento do nível dos oceanos (em virtude do derretimento das geleiras nos pólos, provocado pelas altas temperaturas). Com isso, as Unidades de Conservação (UC) atualmente são tidas como o melhor mecanismo de conservação de áreas florestais pelos organismos nacionais e internacionais, que também passaram a absorver os debates das mudanças climáticas, no sentido estratégico para redução de emissões de gases poluentes (RICKETTS, 2010 e FREITAS, 2008). Antes de continuarmos o caminho tomado pelas dinâmicas sócio-ambientais das UCs no Estado do Amazonas e sua relação com as mudanças climáticas, convém uma breve abordagem de outro item acerca do processo histórico das áreas protegidas no Brasil. Assim, é possível dizer que, no país, as primeiras UCs foram criadas a partir de 1930, seguindo o modelo norte americano de proteção implementado no Parque de Yellowstone, primeira área protegida criada no ocidente. As Áreas de Proteção Integral, funcionam como um reduto natural e não preveem habitantes em sua região. Conhecidos como preservacionistas, “os defensores destes modelos, partem do pressuposto que o homem necessariamente degrada o ambiente em que vive. Este modelo de área protegida de uso indireto, que não permite haver residentes no interior da área mesmo quando esses se tratam de comunidades tradicionais presentes há muitas gerações, parte do princípio de que toda relação entre sociedade e natureza é degradadora e destruidora do mundo natural e selvagem” (...) (DIEGUES, 2001 p.60) Acrescente-se a este fato de que no Brasil o ano de 1934 marca uma considerável mudança na preocupação ambiental no Brasil, pois é nesse momento que foram promulgados alguns documentos relativos à gestão dos recursos naturais: o Código de Caça, o Código Florestal5, Código de Minas e o Código de Águas (BARBIERI, 2004). 4 Existem controversias nas conclusões feitas pela 4º Relatório do IPCC apesar de serem muito difundidas e normalmente aceitas, cientistas ainda tem incertezas a respeito da realidade da influência antrópica nas mudanças climáticas. Um entre os diversos autores que não concordam com as afirmações do painel do IPCC é o Dr. Luiz Molion, que afirma em sua pesquisa que o assunto não vem sendo abordado de maneira isenta e faz uma grande crítica ao 4º relatório ao afirmar em sua pesquisa que pesquisadores como Monte e Harrison Hierb concluíram “que mais de 97% das emissões de gás carbônico são naturais, provenientes dos oceanos, vegetação e solos, cabendo ao homem menos de 3% (Molion, 2007). 5 Refere-se ao primeiro Código Florestal brasileiro que foi editado em 1934 pelo Decreto Federal n. 23.793/34. 24 De acordo com Araújo (2007), o Código Florestal é de interesse especial para as Unidades de Conservação. Nele começou a reflexão da gestão dos recursos naturais diante do Estado, estabelecendo os limites para o direito de propriedade. O Decreto Federal nº 23.793/34 foi elaborado com a ajuda de diversos naturalistas e uma doutrina que apregoava a direta intervenção estatal na proteção de florestas mesmo em terras privadas, pois eram consideradas bens de interesse comum a todos os habitantes do país. Cabe ressaltar que no contexto da criação deste Código que as UCs6 aparecem com maior destaque por se apresentarem como novas oportunidades tangíveis para experiências locais dos chamados pagamentos por serviços ambientais. Simultaneamente, também, configuram a expressão de forças e processos de mudanças, distintivos de outras épocas, pois agora se realizam, de fato, a partir do local, envolvendo diferentes movimentos e sentidos, seja quando se trata de promover o desenvolvimento sustentável, seja para o efeito de enfrentamento das mudanças climáticas mundiais. O instrumento de proteção do ambiente natural mundial permeia as articulações institucionais locais e globais (SILVA, 2000). Contudo, a abordagem sobre as UCs no estado do Amazonas não pode se limitar a perspectiva dos agentes que se posicionam favoravelmente a elas, assim é necessário problematizá-los para além da eficácia do discurso ambiental a partir do campo de poder agora em um campo mais amplo formado pelo contexto das mudanças climáticas( BOURDIEU, 2007). De fato o estudo das UCs, no âmbito das mudanças climáticas enquanto projeto ambiental, traz à tona o fator motivador das diferentes ações ambientais e não apenas sua funcionalidade em relação ao uso ou conservação dos recursos ambientais. Neste sentido, historicamente as implementações e operações de UCs caracterizam-se por incorporarem como preocupação central a preservação ou conservação7 do ambiente, relegando ao segundo plano os agentes sociais locais, ou seja, os projetos de implementação das UCs em geral não são gerados a partir de demandas das comunidades residentes do local, “mas produto de 6 A terminologia Unidades de Conservação vem sendo historicamente utilizada no Brasil para designar todas as diferentes áreas criadas no país, à exceção de Terras indígenas, seja pelo poder público, seja pela sociedade civil, para atender os objetivos específicos da proteção dos recursos renováveis. Mas apenas recentemente, através da Lei 9985/2000, essa terminologia teve sua conceituação legal definitivamente estabelecida. (MEDEIROS et al 2006, p. 23). 7 Os preservacionistas inspirados por Muir adotavam visão mais radical preservando áreas de qualquer uso permitindo que essas fossem usadas apenas para fins recreativos e educacionais. Os conservacionistas guiados por Pinchot contrapunham as propostas de Muir, acreditavam que os recursos naturais poderiam ser explorados de forma racional de maneira que não causasse degradação (LEIS, 2004). O Preservacionismo estava voltado para a reverência da natureza no sentindo espiritual de apreciação, pretendia proteger a natureza do desenvolvimento em massa, causados pelo crescimento econômico. A divergência de idéias entre Gifford Pinchot e John Muir ficou conhecida nos Estados Unidos por representar claramente as diferenças entre a conservação dos recursos e a preservação pura da natureza (DIEGUES, 2000). 25 intervenção de interesses de agentes globais, ou mesmo passando a figurar como importantes instrumentos de política de gestão territorial para compensação de usos ambientais industriais, extrativistas e agrícolas” (AUDIBERT, 2004, p. 34). Do ponto de vista político, Menarin (apud Becker 2009 p.19) enfatiza que o estudo das UCs deve contribuir para um questionamento sobre o modo como a sociedade e o Estado brasileiro vêm por muito tempo tratando o ambiente, seja via mera extração predatória de recursos para atender a mercados globais, seja apenas via conservação generalizada, que pouco ou nada beneficia a população. Uma das questões de fundo é reconfiguração das dinâmicas de expansão do capital na Amazônia que fazem com que as populações rurais/florestais sejam ainda necessárias ao capital sob os laços de subordinação, sobretudo por sua imagem atualmente associada ao imaginário da natureza conservada com suas exóticas populações (LEROY, 2010. p. 100). a dificuldade e a importância da gestão dessas áreas para que se tornem indutores de ações voltadas para o desenvolvimento sustentável local8 e a equidade social. De uma maneira geral, a partir de uma leitura mais desmistificadora do papel das Unidades de Conservação de Uso Sustentável, para a necessidade de conservar a floresta e a sua biodiversidade que antes poderiam ser um obstáculo as ambições da expansão capital, converteram-se como um fator para a acumulação do capital e dos governos do Norte na ultima fronteira como espaços de diferentes territorialidades9, levando em consideração as múltiplas territorialidades que só podem ser melhor operacionalizadas se vistas sob a perspectiva diacrônica, pois as diferentes temporalidades expressas nessas territorialidades podem informar sobre as diversas racionalidades e identidades culturais das distintas organizações sociais estabelecidas ao longo da história com esses espaços. O que deve contribuir para uma renovada interpretação sobre as mudanças ambientais para além da insuficiente visão do ser humano essencialmente destruidor e da idealização da natureza em estado puro dotada de uma organização e racionalidade intrínseca (BECKER, 2009). 8 A noção de desenvolvimento sustentável local é polissêmica e apresenta muitas controvérsias. Apesar de polêmica, a noção sobrevive latente nos embates acadêmicos, nos setores público e privado. Pode-se afirmar que os pontos de convergência centram-se no entendimento sobre a difícil relação entre economia e ecologia. (LEIS, 1995). 9 Cf Paul Little: argumenta que territorialidade é o esforço coletivo de um grupo social para ocupar, usar, controlar e se identificar com uma parcela especifica de seu ambiente biofísico, convertendo-a assim seu Território (LITTLE, 2002). 26 A Agenda 2110 e PPG7 representam a iniciativa de integração entre governo e sociedade nacional e internacional, na busca pelo desenvolvimento local e global. Percebe-se com isso, que o governo brasileiro adota uma nova postura diante dos interesses voltados para a Amazônia, desarticulando a administração centralizadora e paradoxalmente propondo um modelo de desenvolvimento com base no crescimento econômico, participando de um novo contexto de operacionalização baseado na governança ambiental. Entretanto, devemos considerar que a participação da sociedade na construção de um futuro socio-ambiental, deverá ser confirmada na prática, pois só assim será possível reavaliar a participação de entidades representantes da sociedade civil, a exemplo de ONGs, na governança ambiental e local. No cenário local, podemos levar em consideração que o Estado do Amazonas apresenta atualmente uma das maiores áreas de florestas tropicais preservadas do mundo (MARINELLI et al, 2007), com pequenas taxas de desmatamento e reconversão do uso do solo em relação ao percentual total da sua extensão. Isso significa não só uma pressão internacional para conservação da biodiversidade de tais florestas, mas um atrativo de processos de mercantilização do ambiente pelo capitalismo. É frente a essa pressão, que o governo do estado do Amazonas implantou uma política ambiental, configurada na elaboração de um Sistema Estadual de Unidades de Conservação (SNUC) e na criação do Centro Estadual de Unidades de Conservação-CEUC. Não obstante, estão surgindo estratégias de integrar as Unidades de Conservação `a problemática das questões climáticas globais, contudo tais ações são traçadas dentro do processo de racionalização do mundo do qual emerge a crise climática, ou seja orientada pelas forças cegas do mercado (LEFF, 2002). Estas estratégias parecem romper com a inexistência de estratégias definidas das Unidades de Conservação às questões globais, embora ainda não expressa de forma clara, principalmente no que diz respeito à dinâmica local e as prováveis dissonâncias das políticas públicas. É preciso ressaltar que o ano 2000 marca a modificação na estrutura de grande parte das áreas protegidas, pois é quando se concretiza a idéia que surgiu no fim da década de 1970, ou seja, de estabelecer o Sistema Nacional de Unidades de Conservação –SNUC, este 10 Mais que uma simples decisão consensual extraída de documento de quarenta capítulos durante a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento (CNUMAD), realizada no Rio de Janeiro em 1992, a Agenda 21 traduz em ações o conceito de desenvolvimento sustentável que não pode se limitar apenas à visão tradicional de estoques e fluxos de recursos naturais e de capitais (SACHS,1993). 27 subordinado ao Ministério do Meio Ambiente, sob a forma de lei a qual estabelece critérios e normas para a criação, implantação e gestão das unidades de conservação. Irving (2002) citado por Medeiros et al (2006, p.24) aborda que: Inicialmente objeto de diferentes leis, criadas em distintos momentos como resposta às demandas nacional e internacional de proteção, as categorias de manejo de Unidades de Conservação foram, em 2000, reconceituadas, agrupadas e apresentadas segundo uma visão estratégica e sistêmica, dirigida à gestão, em um único instrumento legal, o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC), resultado de aproximadamente dez anos de discussões entre governo e sociedade. O SNUC11 é regulamentado pela lei federal Nº 9985/2000 que descreve as tipologias e categorias de manejo de áreas protegidas e estabelece critérios e normas para a criação, implantação e gestão das mesmas. Assim, o SNUC definiu que: “Uma Unidade de Conservação é um espaço territorial e seus recursos ambientais, incluindo as águas jurisdicionais, com características naturais relevantes e legalmente instituído pelo poder público, com objetivos de conservação e limites definidos, sob regime especial de administração, ao qual se aplicam garantias adequadas de proteção (BRASIL, 2000, p.1). Além de normatizador dos espaços territoriais, o SNUC estabelece diretrizes para o planejamento de criação e implantação das Unidades de Conservação, refletida nos critérios e usos dessas áreas, divididas em dois grupos, com características específicas, os de Proteção Integral e os de Uso Sustentável (quadro 01). Observa-se a predominância do pensamento preservacionista e conservacionista discutido no século XIX como sendo um modelo para pensar o ambiente e o manejo das áreas protegidas nos Estados Unidos (DIEGUES, 2000). Quadro 01: Grupos e Categorias de Unidade de Conservação estabelecidas pelo SNUC Unidades de proteção integral Estação Ecológica Reserva Biológica 11 Unidades de uso sustentável Área de Proteção Ambiental Área de Relevante Interesse Ecológico Parque Nacional Floresta Nacional Monumento Natural Reserva Extrativista Em 1992 foi encaminhado ao Congresso Nacional o projeto de lei referente ao Sistema de UCs, após vários anos de tramitação no Congresso Nacional, em 2000 foi sancionada a Lei Federal Nº 9.985, que instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação-SNUC, instrumento legal que dispõe sobre as Unidades de Conservação no país (BRASIL, 2000). 28 Refúgio da Vida Silvestre Reserva de Fauna ___________ Reserva de Desenvolvimento Sustentável ___________ Reserva Particular do Patrimônio Natural Fonte: ( IRVING, 2002). De todas as tipologias de Áreas Protegidas, a Unidade de Conservação é a que apresenta maior visibilidade. Este fato pode estar relacionado principalmente a dois fatores: em primeiro lugar, porque ela concentra em um único instrumento e terminologia todas as principais tipologias anteriores de Áreas Protegidas que foram criadas no país desde os anos 30; em segundo lugar, porque, por meio de uma reorganização, foi possível ordenar de maneira mais clara, o processo de criação, gestão e manejo destas áreas (MEDEIROS, 2006). Neste sentido, as ciências humanas procuraram demonstrar que o conceito de natureza não é universal argumentando que diversas comunidades interagem com o seu meio de acordo com os valores e significados desenvolvidos em sua cultura. Conforme demonstra Leff (2001, p. 79) “As práticas de uso dos recursos dependem do sistema de valores das comunidades, da significação cultural de seus recursos, dialógica social e ecológica de suas práticas produtivas e de sua capacidade para assimilar a estas, conhecimentos científicos e técnicos modernos”. Partindo do argumento cultural, muitos teóricos passaram a intervir em favor destas populações, e travaram um grande debate com os preservacionistas que consideram apenas o meio ambiente natural biológico. “Para eles, a natureza selvagem é intocada, intocável e é impensável que uma unidade de conservação (parque nacionais e reservas ecológicas) possa proteger, além da diversidade biológica a diversidade cultural”. (DIEGUES, 1993 p. 236). Para Salomon (et al 2005 p.7), cabe ressaltar que as UCs ganharam maior visibilidade para alguns teóricos e estudiosos, Ongs e membros do movimento social, quando questionaram o grande número de pessoas que estavam sendo expulsas de suas terras, umavez que em muitos lugares que foram transformados em UCs no Brasil, obedeceram a lógica de uso restrito das terras, o que obrigou várias famílias a saírem do local onde viviam há várias gerações, gerando um contingente de pessoas que, desvinculadas de suas terras, tiveram abaladas suas bases de subsistência material e cultural. Neste sentido, o território pode ser entendido como um espaço de sobrevivência que recebe inúmeros significados simbólicos; além de ser um lugar para a reprodução biológica do grupo, é o lugar de reprodução de cultura. A ligação do território com o ambiente é explicita, 29 pois o território se torna, antes de mais nada uma fonte de recursos, “meios materiais de existência” (HAESBERT, 2006, p.47). Contudo, os processos de acumulação do capital impõem regras que externamente definiram formas de territórios estranha a sua compreensão e uso do espaço. Aliás, muitos grupos sociais começaram a partir dos anos de 1990, a buscar formas jurídicas as quais poderiam se enquadrar para afirmar e manter suas territorialidades, dessa forma emerge uma permanente negociação entre a territorialidade expressa pelo Estado e territorialidade vividas por eles (LEROY, 2010). Segundo Valêncio (2010), a eficácia performativa dos órgãos ambientais produziram determinados mecanismos institucionais que tem a seu modo absorvido as linguagens e movimentações políticas (tanto da esfera federal como estadual) ainda que não tornem visíveis situações contraditórias em suas ações: que, de um lado, mantém aspectos de marginalização das comunidades tradicionais estabelecidas agora dentro das Unidades de Conservação de Uso Sustentável; e, no outro, a retórica que combina o apelo à “conservação” do ambiente com a valorização da participação e dos conhecimentos das populações locais. Supostamente, este parece ser um movimento progressista que pretende repensar o papel daqueles que, durante muito tempo, foram tidos apenas como apêndices de políticas ambientais transformando a postura preconceituosa adotada desde a criação dos primeiros parques públicos. A partir do III Congresso Mundial de Parques Nacionais, realizado em Bali na Indonésia, em 1982, firmou-se uma nova estratégia que as Unidades de Conservação só teriam sentido com a elevação da qualidade de vida da população dos países em vias de desenvolvimento. Reafirmam-se os direitos das sociedades tradicionais e sua determinação social, econômica, cultural e espiritual, recomendado-se aos responsáveis pelo planejamento e manejo das áreas protegidas que respeitassem a diversidade dos grupos étnicos. Dessa forma questionou-se definitivamente a visão romântica das áreas de preservação como paraísos protegidos, um dos ideais norteadores da criação do Parque Nacional de Yellowstone (DIEGUES, 2000). No Brasil, a criação de UCs foi marcada por altos e baixos, crises e protestos. Podemos dizer que as áreas de preservação, no país, foram conduzidas ao desenvolvimento de políticas públicas voltada para a proteção da natureza, e atualmente esse modelo de proteção esta centrado no SNUC (Lei 9985/2000). Deste modo, pode-se dizer que tais mudanças influenciaram o cenário de construção das áreas de conservação no país. 30 No entanto, a construção do arcabouço político institucional que funciona atualmente no Brasil, para além de uma ação isolada ou imposição do Estado, caracteriza-se por diversas exigências de setores e atores que se somaram e formaram uma complexa rede de interesses e demandas, atuando em diferentes níveis nacionais e internacionais (MEDEIROS et al, 2006). A partir da segunda metade da década de 1980, consolidam-se os cenários de conservação dos recursos naturais. O ambientalismo nacional se fortalece delineando a construção de uma gestão compartilhada do ambiente em unidades de conservação. O surgimento das organizações não-governamentais (consequência dos movimentos sociais), o aparelhamento institucional da política de áreas protegidas brasileiras, a participação de grupos sociais antes excluídos na articulação de novos paradigmas de desenvolvimento e conservação dos recursos naturais, e a instituição de grandes projetos/programas de cooperação técnica-financeira firmados com agências multilaterais, para a conservação da biodiversidade brasileira, são produtos desta gestão compartilhada, que redefine um novo momento na gestão do território (DUTRA, 2008). Nesse contexto, no I Encontro Nacional de Seringueiros, em 1985, é concebido o ideário das Reservas Extrativistas (RESEX) “como uma alternativa ao desenvolvimento sustentável” (ALLEGRETTI, 1994 e DIEGUES, 2004), enquanto unidade territorial de uso comunitário para fins de reprodução continuada do modo de vida dos extrativistas, no sentido de estabelecer a posse da terra e justiça social, ao passo que são apoiados por agências multilaterais, como o Banco Mundial. Assim sendo, em 1990, dois anos após o assassinato de Chico Mendes, as reservas extrativas são regulamentadas como “espaços territoriais destinados à exploração autosustentável e conservação dos recursos naturais renováveis, por população extrativista” (BRASIL, 1990) sendo criadas as primeiras RESEX’s, do Alto Juruá, Chico Mendes e Rio Cajari, todas no Acre. De acordo com Araujo (2007), a partir da Conferência das Nações Unidas sobre Ambiente e Desenvolvimento, a Rio-92 o plano da cooperação internacional dá os primeiros passos para concepção da “gestão de classe mundial” da biodiversidade, torna-se um marco estratégico para regulação da preservação da biodiversidade Mundial, notadamente para o 31 Brasil, pois, ratifica-se a Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB)12, e é assinado o projeto Programa Piloto para a Proteção das Florestas Tropicais Brasileiras (PPG7). De acordo com os objetivos da Convenção sobre Diversidade Biológica, cada parte deve se responsabilizar em implementar programas e projetos visando a “conservação da diversidade biológica, a utilização sustentável de seus componentes e a repartição justa e eqüitativa dos benefícios derivados da utilização dos recursos genéticos” estabelecendo um sistema de áreas protegidas visando manter a integridade dos processos ecológicos (MMA, 2000). Em 1996 é instituído no PPG7, o Projeto Corredores Ecológicos, financiado pelo Banco Mundial, países do G7 e Fundo para o Meio Ambiente Global (GEF), com uma estratégia inovadora para conservação da biodiversidade no território brasileiro, por intermédio da delimitação de extensos corredores de preservação das florestas tropicais nos dois biomas brasileiros mais importantes: a Floresta Amazônica (com área aproximada de 52 milhões de hectares) e a Mata Atlântica (com aproximadamente 12,5 milhões de hectares), composto por Unidades de Conservação, terras indígenas e áreas de interstícios, formando um extenso tapete verde visando conter as forças de fragmentação da floresta, resguardando a integridade conectividade ecológica da paisagem, com recursos da ordem de R$ 100 milhões para 2008 ( MMA, 2007). Essa nova estratégia política de proteção da natureza se consolida de maneira mais evidente, a partir dos anos 90, configurando de forma definitiva a criação de um Sistema Nacional de Unidades de Conservação (Lei no 9.985/2000) capaz de criar e gerir áreas protegidas no território nacional. Antes disso, já vinha se discutindo os avanços para definição de duas novas categorias de unidades de conservação. Primeiramente, por volta de 1996 surge nas planícies de inundações do médio Solimões no estado do Amazonas, a Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) Mamiraúa, proposta pelo pesquisador Márcio Ayres, com fins científicos, 12 a CDB tem por objetivo a conservação da diversidade biológica, o uso sustentável de suas partes constitutivas e a repartição justa e eqüitativa dos benefícios que advêm do uso dos recursos genéticos. Ora, se trata de incentivar o uso sustentável e a conservação da diversidade, além de negociar com os governos, deve-se evidentemente tratar com as populações que habitam as áreas detentoras de recursos genéticos e que são suas guardiães efetivas. Quando mais não fora, e dentro de uma estrita perspectiva economicista, seria necessário convencer tanto os governos quanto as populações locais das vantagens da conservação e do uso sustentável sobre outras opções possíveis - criação de gado, extração de madeira etc. - mas destrutivas da biodiversidade. Ou seja, levar em conta o que os economistas chamam de custo de oportunidade. A CDB é um instrumento de direito internacional, acordado e aberto a adesões durante a reunião das Nações Unidas realizada no Rio de Janeiro em junho de 1992. (CUNHA 1999) 32 inserindo a Amazônia na concepção de alternativas para conservação dos recursos naturais (QUEIROZ, 2005 e BORGES et. al, 2007). 1.2 – A expansão das Unidades de Conservação no estado do Amazonas e as mudanças climáticas. No Brasil, existem 304 Unidades de Conservação Federais, sob os cuidados do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBIO)13, sendo 131 de Proteção Integral e 173 de Uso Sustentável. Assim nota-se o considerável aumento quantitativo de Unidades de Conservação sendo criadas na Amazônia, conforme a (figura1). No entanto, a simples criação não é garantia da realização dos objetivos para o qual essas áreas foram criadas, pois muitas não possuem plano de gestão e manejo ou ainda caracterizam-se pela ausência ou escassez de recursos humanos e financeiros para implementação dos mesmos (ICMBIO/MMA, 2008). 125 100 RDS APA 75 ARIE RESEX FLONA PARNA 50 EE REBIO 25 0 1974 -1979 1979 -1985 1985 -1990 1990 -1995 1995 -2003 2003 -2009 Figura 1- Unidades de Conservação criadas na Amazônia por categoria. Fonte: Pereira (2009). A expansão das Unidades de Conservação no estado do Amazonas nos últimos anos aponta para a criação de mais Unidades estaduais que federais. Este avanço quantitativo não apaga as dificuldades e contradições materializadas na cultura política da população envolvida nos processos participativos. Observa-se segundo as regras estabelecidas pelo sistema que estes processos são marcados pelo baixo índice de organização e representação. 13 Órgão ambiental do governo Brasileiro, responsável pela conservação e gestão ambiental federal, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), criado pela lei 11.516, de 28 de agosto de 2007. Disponível em http://www.icmbio.gov.br/menu/institucional, acessado em 22/06/2010 33 Notoriamente, o governo do Estado do Amazonas apoiado nas estratégias de captação de recursos nacionais e internacionais, consolida uma rede de conservação do Amazonas, composta por “um conjunto de instituições e iniciativas integradas” principalmente a partir das ações do Sr.Virgílio Viana14, Secretário de Estado do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável – SDS, criada em 2003, no Governo Eduardo Braga. Nesta função (2003-2008), coordenou o processo de concepção e implementação do Programa de Desenvolvimento Sustentável Zona Franca Verde, do Programa Bolsa Floresta e da primeira Lei de Mudanças, como veremos adiante (AMAZONAS, 2007, p.2). Essa tendência aparentemente tem sido distinta da União, uma vez que prioriza a criação de Unidades de Conservação de Uso Sustentável muitas vezes voltada para interesses políticos específicos em detrimento aos reais interesses da sociedade local. Entretanto, o governo estadual vem contendo sistematicamente a criação de áreas de proteção integral, pois, em muitos casos, após estas serem decretadas, origina-se uma infinidade de problemas institucionais, jurídicos e socioculturais como, por exemplo, a sobreposição de terras tradicionalmente ocupadas. A cooperação com instituições como a World Wildlife Fund (WWF) – Brasil, a Foundation Moore vinculado ao Programa Áreas protegidas na Amazônia (ARPA) contribuíram para a composição do atual sistema de unidades de conservação estaduais, com suas quarenta e uma Unidades de Conservação regulamentadas e delimitadas, cobrindo uma área de 19 milhões de hectares (tabela 01), um incremento considerável na evolução das unidades de conservação no Amazonas. Tabela 01: Expansão das Unidades de Conservação no Amazonas 14 Ano Área acumulada (ha.) Até 2002 2003 2004 2005 7.938.661.82 11.470.529.70 11.894.959.70 15.233.615.90 Número de UCE Criadas 12 6 1 12 Número de UCE (acumulado) 12 18 19 31 Atualmente o Sr. VirgílioViana ocupa o cargo de Diretor geral da Fundação Amazonas Sustentável. 34 2006 2007 2008 2009 Total 16.106.344.18 16,583.386.48 16.583.386.48 19.007.032.62 19.007.032.62 2 1 1 6 41 33 34 35 41 41 Fonte: ( DOMINGOS, 2010) Como se sabe a relevância da mobilização ambientalista que se intensificou na década de 1990, a partir da Eco - 9215, consolidou a Amazônia brasileira16 num cenário para o qual diversos olhares internacionais direcionaram sua atenção, projetando-a em nível mundial como patrimônio da humanidade em risco, assim: As potencias mundiais passaram a financiar programas e projetos, (como por exemplo o PPG7) com o objetivo de promover ações direta e indiretamente, de desenvolvimento sustentável, por meio de cooperação técnica internacional, para os países do chamado terceiro mundo, como via de conter crises ambientais futuras. Concomitante as interpretações preservacionistas, a discussão da sustentabilidade social abarcou os chamados povos tradicionais enquanto agentes de proteção ambiental, mas que nem sempre estão nas mesas de construção destas discussões” (CASTRO, 2000). A institucionalização das questões que envolvem as mudanças climáticas começa a se expandir em um movimento que não está restrito ao escopo global, mas que parece espraiar-se por mecanismos e instrumentos conectados ao nível nacional e local, assim todo este processo pode constituir uma nova geopolítica ambiental capaz de servir aos interesses envolvidos em uma disputa pelo poder de acesso e escolha dos processos que envolvem os recursos naturais, de lutas internas no campo de produção dos debates das mudanças climáticas. Esta não mais visa à apropriação direta dos territórios, mas à influencia na decisão das esferas governamentais sobre o uso de seus recursos naturais (BECKER, 2004). No estado do Amazonas, esta influência é marcadamente caracterizada pela criação das condições jurídicas e institucionais como o Programa Zona Franca Verde e a Lei de mudanças Climáticas, este ultimo com o objetivo em um só tempo a obtenção dos almejados 15 A Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente ou Conferência Rio 92, teve como objetivo regular a ação humana em relação a emissão de gases que afetam o efeito estufa e o acesso a informação genética. Deste encontro resultaram as Convenções Sobre Mudanças Climáticas e Sobre Diversidade Biológica. Esta Convenção foi assinada no dia 04/06/1992 e ratificada pelo Senado da República 04/02/1994.Decreto Legislativo n 01, Diario Oficial da União. 16 De acordo com Silva (2000), a Amazônia já estava integrada ao mundo desde sua entrada na história ocidental. O “esquecimento da região Norte pelo Brasil correspondeu a lembrança crescente das forças mundiais pela Amazônia. O mundo está presente na Amazônia desde sua “descoberta”, a ação mundial nas realidades regionais precisa ser percebida nos períodos de estagnação, crise e prosperidade econômica. 35 recursos da comercialização de carbono ou mesmo “doações internacionais”. É importante ressaltar que estão previstos em lei que todo e qualquer rendimento proveniente da comercialização dos serviços e produtos ambientais deverão, obrigatoriamente, serem investidos na implementação dos Planos de Gestão das Unidades de Conservação nos termos do artigo 49 da Lei Complementar nº. 53, de 05 de junho de 200717 (AMAZONAS, 2007). Portanto, identificar com melhor precisão essas dificuldades e contradições no atual processo de estabelecimento e expansão de UCs no Estado do Amazonas permeia a esfera política local, onde as escolhas que estão sendo feitas, dificilmente revelam as interseções entre os interesses, a cultura e a economia, mas nitidamente estão inseridas na racionalidade que dirige as ações como o PBF, assim como para políticas de conservação no Estado. Diante deste cenário, configuram-se novos processos desagregadores na articulação do envolvimento do local com o global, ou seja, os efeitos desta relação podem ora impulsionar, ora imobilizar as dinâmicas socioculturais das populações locais, não só geograficamente, mas alterando ritmos de vida, dos recursos e das escolhas. Neste sentido as famílias rurais das Ucs no Estado do Amazonas podem ser as primeiras a serem atingidas pelos danos ao ambiente e as últimas a se beneficiarem das políticas de conservação ambiental (ARRUDA, 1999). Neste sentido, as UCs tem um papel importante, seja na inclusão dos debates das mudanças climáticas, como também passaram a encontrar lugar nas ações e propostas de planos de desenvolvimento no estado do Amazonas na administração do ex governador Eduardo Carlos Braga, como por exemplo, a criação do Programa Zona Franca Verde, como veremos a seguir. 1.2 - O Programa Zona Franca Verde O programa governamental Zona Franca Verde (PZFV) criado pelo governo do Estado do Amazonas em 2003, de acordo com o discurso oficial trata-se da iniciativa de 17 A Lei n.º 3.184, de 13 de novembro de 2007 publicado no Diário Oficial do estado do Amazonas de 13.11.07 altera, na forma que especifica, a Lei n.° 3.135, de 05 de junho de 2007, e dá outras providências, por exemplo, no Art. 1.° A Seção I do Capítulo VI da Lei n.° 3.135, de 05 de junho de 2007, que "INSTITUI a Política Estadual sobre Mudanças Climáticas, Conservação Ambiental e Desenvolvimento Sustentável do Amazonas, estabelecendo outras providências: passa a vigorar com a seguinte redação no Art. 6.° assim fica o Poder Executivo Estadual autorizado a participar de uma única fundação privada(Fundação AS, sem fins lucrativos, cuja finalidade e objeto se destinem ao desenvolvimento e administração dos Programas e Projetos de Mudanças Climáticas, Conservação Ambiental e Desenvolvimento Sustentável, conforme previstos na Lei n° 3.135, de 05 de junho de 2007, e na Lei Complementar n.° 53, de 05 de junho de 2007, bem como gerenciar serviços e produtos ambientais, definidos nesta lei(Amazonas, 2007, p. 1). 36 implementação do Desenvolvimento sustentável18 no Estado do Amazonas após a Eco-Rio de 1992, sobretudo, uma estratégia de ação do então Governador Carlos Eduardo Braga para a prevenção e controle do desmatamento na região. Contudo, o PZFV compreende uma ação estadual que não está articulada com o Plano de Ação para a Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Brasileira, criado e desenvolvido pelo Grupo Permanente de Trabalho Interministerial do Governo Federal com a finalidade de propor medidas e coordenar ações que visem à redução dos índices de desmatamento na Amazônia (AMAZONAS, 2003, p.6). O referido plano apresenta estimativas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) de Junho de 2003 sobre o alarmante desmatamento na Amazônia Brasileira, menciona que foram desmatados cerca de 25.500 km2 na Amazônia Legal no período entre agosto de 2001 e agosto de 2002. Um aumento de 40% em relação ao período anterior. De acordo com esta projeção, a área cumulativa desmatada na Amazônia Legal chegou a 631.369 km2 em 2002, correspondente a 15,7% de toda floresta amazônica brasileira, também ressalta que o ritmo do desmatamento na Amazônia tem sido muito superior à criação de novas unidades de conservação, resultando em pressões crescentes sobre áreas identificadas como prioritárias para a conservação, desta forma, chama a atenção para a “ausência de ações efetivas de implantação destas áreas protegidas (demarcação, sinalização, atividades educativas com populações de entorno, planos de manejo e atividades sustentáveis com populações locais” (BRASIL, 2004, p.9). Assim é possível identificar como expressão da articulação do PZFV e o Plano de Ação para a Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal do Governo Federal, o fortalecimento e ampliação do Sistema Estadual de Unidades de Conservação, tendo como meta a criação de 4,2 milhões de hectares de novas unidades de conservação constitui uma das principais medidas dentre as ações do PZFV19, primeiro por esta adoção de medidas 18 A noção Desenvolvimento Sustentável é consideravelmente recente, que embora germinada na década de 1960, ganha força nos anos de 1970, nos anos de 1980 ele aparece nos relatórios da União Internacional para a Conservação da Natureza ( IUCN em suas iniciais inglesas), em 1987 ganhou popularidade pelo chamado Relatório Bruntland ( Nosso Futuro Comum), que o define da seguinte forma: “Desenvolvimento Sustentável é o desenvolvimento que satisfaz as necessidades do presente sem comprometer as capacidades das gerações futuras de satisfazer as suas próprias necessidades. Neste sentido, um dos fatores preocupantes é o aparente consenso que existe a respeito do termo, ainda que o conteúdo seja diferente segundo o grupo social que o utiliza. Para certos setores orientados pelo “novo marketing” significa uma proteção do "verde" independente da realidade social envolvida. Para os empresários trata-se, no fundo, do desenvolvimento que possa garantir a "sustentabilidade da taxa de lucro" baseada, sobretudo na criação e venda de equipamentos contra a poluição. Para certos governos, o termo muitas vezes constitui o preâmbulo de documentos oficiais para solicitação de empréstimos internacionais a organismos financeiros que foram obrigados a introduzir em seus critérios de aprovação de projetos as variáveis ambientais (”(CMMAD, 1991 e DIEGUES 2000 ). 37 voltadas para mudanças estruturais que visam corrigir os erros de políticas governamentais pretéritas destacam-se: -Assistência técnica florestal, com a criação da Agência de Florestas e Negócios Sustentáveis do Amazonas – Florestas do Amazonas/Secretaria de Desenvolvimento Sustentável; -Assistência técnica para a agropecuária e piscicultura sustentáveis, com a reformulação do Instituto de Desenvolvimento Agropecuário do Amazonas – IDAM; e da Agência de Agronegócios do Amazonas – Agroamazon; -Regularização fundiária, com a criação do Instituto de Terras do Amazonas – ITEAM; -Programa de etnodesenvolvimento indígena sustentável, com a reformulação da Fundação Estadual de Política Indigenista – FEPI; - Incentivos econômicos para sistemas de produção sustentáveis, com a reformulação da Lei Estadual de Incentivos Fiscais; - Crédito para sistemas de produção sustentáveis, com a reformulação da Agência do Fomento do Estado do Amazonas – AFEAM e a criação do Cartão Zona Franca Verde e programas setoriais de crédito; - Modernização e desburocratização do licenciamento ambiental do manejo florestal, com o fortalecimento do Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas – IPAAM; - Reformulação do processo de licenciamento ambiental de projetos de infraestrutura, sob a coordenação da Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável – SDS; Para além de seu caráter discursivo, O PZFV encaixa-se no ideário do desenvolvimento sustentável que não se traduz em ações práticas, constrói a imagem baseada no marketing verde ao afirmar adoção de medidas voltadas para mudanças estruturais que visam a corrigir os erros de políticas governamentais pretéritas. De fato, torna-se indissociável o entendimento do PZFV do processo de intervenções governamentais que historicamente marcaram as relações dos interesses do grande capital nacional e internacional subalternizando os povos e comunidades na Amazônia a apêndices de planos, programas e projetos econômicos e empresariais, geralmente cobertos com o véu do falso caráter redentor das ausências e ineficiências das políticas de desenvolvimento para região (SILVA, 2000). 19 Os dados do Programa Zona Franca Verde foram extraídos do site da Secretária de Estado do Meio Ambiente e Direito Sustentável. Disponível em: http://www.sds.am.gov. Acesso em: 22 de novembro de 2009. 38 Neste sentido, a criação no final da década de 1960, da Zona Franca de Manaus, constitui-se como uma das ações do Estado em posse do governo da ditadura militar com objetivo de desenvolver economicamente o Estado do Amazonas a partir do fortalecimento do comércio, da implantação de um parque Industrial e de elevação da eficiência técnica e econômica das atividades associadas ao setor primário. No entanto nem sua originalidade nem o compromisso com o desenvolvimento regional faziam parte das dinâmicas historicamente produzidas conhecidas das zonas francas, mas que ponto pacífico a sua natureza de dinamização e desenvolvimento de setores da economia mundial em regiões em processo de integração do sistema capitalista (SILVA 2000 apud PINTO 1986, p. 20). As políticas de desenvolvimento econômico propostas pelo governo federal do setor primário mostraram-se ineficazes e, ao contrário do esperado, constatou-se um esvaziamento do interior do Estado, grande queda na produção estratégica de alimentos e crescente processo migratório para a capital, induzindo ao surgimento de favelas na cidade de Manaus com o aparecimento de precárias condições de moradia. O esvaziamento tendêncial dos municípios também reflete a centralização dos investimentos de grande porte no centro urbano desenvolvido dotado de infra-estrutura para atender as necessidade de acumulação e circulação do capital (BENTES, 1993). Para Moura (2002), todo o processo do modelo de desenvolvimento ao Pólo Industrial de Manaus, desencadeou uma concentração de capital na capital do Amazonas, relegando os municípios a enormes problemas como a migração determinada pelas condições de vida das pessoas que vivem na área rural dos pequenos municípios do Estado do Amazonas. Contudo, para Singer (1998), as migrações campo-cidade são caracterizadas através de fatores de expulsão e fatores de atração correlacionados com o modo de produção capitalista, que desemprega no campo e cria esperança de trabalho na cidade. Nesta perspectiva, emerge o espaço não mais apenas como lugar de partida e destino ou como superfície de medida entre estes dois pontos. Diante desse problema, o governo do estado do Amazonas, em 1998, criou um programa de desenvolvimento voltado para o interior, denominado Terceiro Ciclo (alusão aos dois primeiros ciclos o da Borracha e o da Zona Franca de Manaus). Mas, os resultados alcançados por esse programa não corresponderam às expectativas e o interior continuou sua fase de estagnação. 39 O PZVF deveria ser direcionado na resolução dos gargalos da cadeia produtiva no interior do Estado do Amazonas (produção, transporte, beneficiamento e industrialização, comercialização). Assim, uma obtenção de linha de credito para incremento da produção do pequeno agricultor era tido pelo governo como um dos principais problemas a ser enfrentados. E por meio do Cartão Zona Franca Verde, priorizando suas ações nas RDS localizadas no Estado do Amazonas. Para Oliveira (2008), os projetos como Terceiro Ciclo e Zona Franca Verde ocorridos no Estado do Amazonas, na verdade acabam por favorecer apenas uma camada econômica (elites locais) e estão totalmente voltados para o incremento da atividade agrícola de grande porte que compreende a monocultura de grãos ou a pecuária de extensão. O grande problema é que este setor de atividades é o que justamente o que menos emprega e menos investe no desenvolvimento local onde se instala. É nesta breve reconstituição do processo político econômico em que se delineou o PZFV, em concomitância à criação em 2004, da Unidade de Conservação de Uso Sustentável Uatumã, conforme abordaremos a seguir. 1.3 - A Reserva de Desenvolvimento Sustentável Uatumã A Reserva de Desenvolvimento Sustentável Uatumã foi criada pelo governo estadual em 25 de Junho de 2004 (pelo Decreto nº 24.295 de 25/06/2004) com 402 mil hectares, abrangendo os municípios de São Sebastião do Uatumã, Itapiranga e Presidente Figueiredo, estando localizada a nordeste do Estado do Amazonas distante 243 km de Manaus, sendo cortada em toda sua extensão pelo Rio Uatumã. Existe na Unidade de Conservação 20 comunidades rurais, alcançando cerca de 257 famílias, distribuídas em 38% do território da RDS. Contudo, existem aspectos contraditórios da explicação oficial dos órgãos governamentais estaduais em que pese sobre processo de criação da UC Uatumã que envolve os antecedentes históricos da criação da RDS Uatumã20, remontam o ano de 1996, quando estudos feitos por agentes do Centro de Preservação e Pesquisa da Usina Hidrelétrica de 20 No ano de 2000, em Assembléia Geral realizada pela então Associação Agroextrativista das Comunidades da Bacia do Rio Uatumã (AACBU), entidade representante dos moradores da Reserva, optando pelo processo de criação da RESEX do Rio Uatumã. Em 2004, servidores do Centro Nacional para o Desenvolvimento Sustentável das Populações Tradicionais (CNPT) e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) realizaram viagem de reconhecimento da região do rio Uatumã para avaliação e identificação das comunidades a serem inseridas na RESEX. Posteriormente a essa atividade, o CNPT/IBAMA, através de sua Coordenação Geral em Brasília, repassou para os Governos Estaduais a responsabilidade pela conclusão dos estudos e a criação e implantação de Reservas Extrativistas, passando de instância federal a estadual (AMAZONAS, 2008). 40 Balbina, Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), Instituto Nacional Pesquisas na Amazônia (INPA), Instituições Ambientais Estaduais e Municipais e Organizações Não Governamentais (ONG’s), propunham a criação da Reserva de Desenvolvimento Sustentado do Baixo Rio Uatumã/RDSBRU, incorporada ao Projeto Parques e Reservas/Corredores Ecológicos do Brasil, do Ministério do Meio Ambiente (MMA-PPG7), visando a proteção e ao uso dos recursos naturais da região (AMAZONAS, 2008). A partir do ano de 2003 a Secretaria do Estado de Desenvolvimento SustentávelSDS, criada no governo Eduardo Braga, após estudar a região, resolveu que seria criado outra categoria de Unidade de Conservação e não mais uma RESEX, mas sim uma RDS. Segundo fontes orais, junto aos moradores mais antigos da RDS, foi dito que a primeira escolha feita pela comunidade teria sido a modalidade Reserva Extrativista. No entanto, todo o processo que desembocou na criação RDS Uatumã, e no momento subseqüente, por meio de manobras burocráticas com a intenção de atender a interesses diversos, por exemplo, de empresas madeireira Precious Woods e Itautinga existentes nos limites da RDS Uatumã (IDESAM, 2008). Neste sentido, Bentes (2005) argumenta que a legislação 21 no disposto no artigo 20, §2°, estabelece que a RDS seja de domínio público. Todavia esta categoria de UC prevê a desapropriação de áreas particulares em seu interior, quando for necessário. Neste sentido, deverá ser verificado se o uso da propriedade particular nos limites da Reserva não irá colidir com o objetivo da exploração sustentável dos recursos ambientais, identificando essa possibilidade, o caminho é a desapropriação da área particular. Na tentativa de evitar esses problemas, o governo do Amazonas, como mencionado anteriormente, vem determinando nos decretos de criação das UCs, que ficam excluídas as possíveis propriedades privadas nas reservas. Esta atitude também pode nos indicar a ausência de um estudo anterior à criação da reserva, que versa sobre a situação fundiária do local, que estabelece a possibilidade de existir propriedade privada, ou que seja comprovada a titularidade da área. No propósito aqui é registrar aspectos sociohistoricos do processo de morfologia social da RDS Uatumã. O acesso pode ser feito por via fluvial nos trechos Manaus/São 21 A lei do SNUC, caracterizada principalmente pela ideologia conservacionista, que impregnou dispositivos legais, que tratam sobre categorias defendidas pelo socioambientalismo. A Unidades de Conservação de uso sustentável, por exemplo, mencionada no artigo 20, §1°, que dispõe sobre RDS, cujo objetivo básico é a “preservação da natureza”. Conservação e preservação são vocábulos advindos da concepção conservacionista, marcando a norma jurídica com o valor de “natureza intocada e intocável” (DIEGUES, 2001). 41 Sebastião do Uatumã ou Manaus/ Urucará, seguindo de barco estilo (voadeira). Pela via terrestre o acesso pela rodovia BR-174, até a AM-240 de Presidente Figueiredo. A partir desta via segue-se até a estrada da Morena localizada próximo à barragem da hidrelétrica. Uma outra alternativa bastante utilidade é ir pela rodovia AM-010 até o município de Itapiranga. A partir desse trecho o acesso à Reserva é feito por via fluvial pelo rio Uatumã. O ambiente RDS Uatumã caracteriza-se pela presença de Floresta de Terra Firme, havendo também áreas de igapó, baixio, campinas e campinaranas, mas principalmente uma rica fauna e ambiente que favorece o extrativismo de frutos de plantas nativas, como o cupuaçu, açaí, bacaba, castanha e outros. É importante ressaltar que a reserva é um dos remanescentes do ambiente que foi perdido com a construção da hidrelétrica de Balbina22. O modo de vida das comunidades rurais do Uatumã – também chamados pelo discurso oficial de guardiões das florestas, está condicionado ao ciclo do ambiente, pois o fenômeno da enchente e da vazante regula em grande parte o cotidiano destes grupos sociais, de tal modo que o mundo do trabalho obedece o ciclo sazonal quando desenvolvem as atividades de extrativismo vegetal, agricultura, pesca e caça. Na época da enchente dos rios a cultura da roça, o cultivo da agricultura, para subsistência bem como a pesca e a caça, ficam em grande parte comprometida (NODA et alii, 2001). De acordo com o Plano de Gestão 23 da RDS Uatumã aprovado pela SDS em 2008 a questão fundiária constitui um grande desafio, (a exemplo do que ocorre na maioria das localidades na Amazônia) a situação das famílias residentes em sua totalidade não possui documentação alguma em relação a posse de terra. Os cartórios municipais de Itapiranga e São Sebastião do Uatumã não possuem informação sobre os títulos fundiários concedidos nas áreas da Reserva. Até 2004 a empresa madeireira Precious Woods24 possuía uma área titulada correspondente a 27,57% da RDS Uatumã (AMAZONAS, 2008). 22 A usina hidrelétrica de Balbina, localizada no Estado do Amazonas, teve seus primeiros indícios no início da década de 70 e entrou efetivamente em funcionamento em 1989. A integração da Amazônia ao território nacional foi uma das principais metas do regime implantado. A instalação dos "Grandes Projetos" na região foi considerada o principal meio para viabilizar o objetivo. A usina hidrelétrica de Balbina é parte desse plano. Os impactos do projeto tomaram proporções assustadoramente negativas, como, mínima capacidade de gerar energia, por área florestal destruída e invasão de territórios das comunidades tradicionais e indígenas (THOMÉ, 1993, p. 18). 23 O Plano de Gestão é um “documento técnico e gerencial, fundamentado nos objetivos da Unidade de Conservação, que estabelece o seu zoneamento, as normas que devem regular o uso da área e o manejo dos recursos naturais, inclusive a implantação da estrutura física necessária à gestão da Unidade” (SEUC, 2007). 24 A Empresa madeireira multinacional Precious Woods possui uma área correspondente a 27, 57% da RDS Uatumã, uma sobreposição de títulos de terras com a UC, esta representa uma ameaça de impacto constante na qualidade da água pela exploração de madeira, o que aponta a necessidade de monitoramento constante (IDESAM, 2008) 42 As atividades ligadas ao turismo encontradas na RDS Uatumã são relacionadas à pesca, seja ela amadora, esportiva ou recreativa. O período em que se desenvolvem essas atividades é de agosto a dezembro, época em que o nível da água está baixo e proporciona melhor pescaria. A RDS Uatumã possui uma população de aproximadamente 1.222 moradores, distribuídos em 257 famílias, organizadas em 20 comunidades, conforme tabela 02: Tabela 02 - Aspectos demográficos da RDS Uatumã. Unidade de Conservação RDS Uatumã Área Municípios Nº de Comunidades Nº de Famílias Nº de moradores 424.430,75 há Itapiranga, São Sebastião do Uatumã 20 257 1222 Fonte: ( FAS, 2009) As comunidades presentes na RDS estão distribuídas ao longo dos rios Uatumã, Jatapú e nas margens dos principais igarapés da região. Geralmente as casas são construídas nas áreas mais altas, local onde se assenta o núcleo comunitário (centro social, igreja, escola) que servem de espaço para os principais eventos sociais, como celebrações religiosas e reuniões comunitárias (figura 02). No caso da RDS Uatumã, as reuniões também são realizadas na base da administração da Reserva localizada na entrada da reserva, principalmente quando reúnem os diferentes agentes sociais envolvidos na vida cotidiana da UC. Figura 02 – Local das reuniões comunitárias 43 Os dados da pesquisa indicam certa precariedade no sistema de comunicação da RDS Uatumã. A telefonia pública é inexistente ou não funciona em todas as comunidades envolvidas na pesquisa. Os principais meios de transportes utilizados pelos moradores locais são o barco popular, conhecidos como “barco de linha” que fazem o transporte para os núcleos urbanos -, a voadeira, o barco comunitário, e o motor rabeta, utilizados geralmente para o transporte intercomunitário. A época de maior dificuldade de acesso às comunidades concentra-se nos meses de setembro, outubro e novembro, o período do verão amazônico e da vazante dos rios. Na saúde, os principais problemas relacionam-se a falta de posto médico, equipamentos e pessoal capacitado para o atendimento de doenças mais graves. Apesar da presença de agentes de saúde em algumas comunidades, nem todas possuem seus próprios profissionais. A incidência de malária se apresenta como principal causa de doenças na RDS, responsável por 95% dos casos, provavelmente em função do uso da água, já que a maioria das comunidades utiliza o rio como principal fonte de banho e captação de água. O acesso à energia na RDS Uatumã é garantido e restrito pelo uso de geradores comunitários, movidos a diesel ou gasolina. Além dos grupos informais, as comunidades rurais precisam se organizar juridicamente, através de Associações Comunitárias, principalmente a fim de garantir o acesso a determinados benefícios sociais como o Programa Bolsa Floresta(BFA) do governo do Estado do Amazonas. A escolha dos presidentes das Associações Comunitárias geralmente ocorre de forma democrática, por eleição ou indicação. Como o processo de legalização das Associações é burocrático e custoso, muitas comunidades, acabam ficando na ilegalidade ou dependentes da atuação de instituições/organizações externas, que atuam na maioria das vezes no processo de organização comunitária ou potencialização das atividades produtivas sustentáveis. Dentre as instituições/organizações mais citadas pelos entrevistados atuantes na Reserva destacam-se: CEUC, Fundação Amazônia Sustentável (FAS)25, Instituto de Desenvolvimento Sustentável do Amazonas (IDESAM), Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (IPAAM), Fundação de Vigilância Sanitária (FVS), Prefeitura Municipal de São Sebastião do Uatumã e Prefeitura Municipal de Itapiranga. 25 A Fundação Amazonas Sustentável gerencia o PBF. A gestão do programa cabe à Fundação Amazonas Sustentável, criada, nos termos do artigo 6º da Lei 3.135/2007, especificamente para fornecer suporte à implantação da política estadual sobre mudança climática. A Fundação capta recursos privados que, posteriormente, são investidos em fundos fiduciários, de modo que somente os rendimentos do capital aplicado são utilizados para financiar o programa. Desta forma, o número de unidades de conservação abrangidas pelo programa aumenta de acordo com o volume de recursos captados pela Fundação. 44 Como as condições de vida dos moradores da Reserva estão condicionadas quase sempre pelo acesso a determinados benefícios sociais oferecidos pelos governos federal, estadual e municipal, a maioria das comunidades está organizada legalmente em Associação Comunitária. 1.4 - A Lei Estadual de Mudanças Climáticas: A Lei Estadual nº 3135/2007 do Amazonas de Mudanças Climáticas e Conservação Ambiental é tida pela mídia como a primeira lei do Brasil a estabelecer uma política para mitigação das mudanças climáticas, aproveitando a condição de Estado com as florestas mais conservadas da Amazônia, aliado ao fato de esta constituir-se como principal signo ecológico do mundo contemporâneo. Apresentada pelo governo do Estado do Amazonas com o objetivo especialmente voltado para a redução de emissões decorrentes do desmatamento e, em menor escala, no uso de energias renováveis, como forma de contribuir para a mitigação das mudanças climáticas. Mas acima de tudo, pela percepção que a edição de um arcabouço jurídico voltado para inclusão das mudanças climáticas em consonância com os interesses políticos locais26, ou seja, aqueles reorientados a criar as condições favoráveis para obter ganhos políticos e econômicos, principalmente, aqueles que se configuram no uso da lógica capitalista para enfrentar os riscos de uma crise ambiental. Esta lei tem como principal carro chefe o Programa Bolsa Floresta-PBF instituído em seu art. 3º, um mecanismo de pagamento por serviços ambientais criado para prover incentivos econômicos para a conservação. De fato, esta Lei projetou o Amazonas internacionalmente, mas direcionando as atenções da opinião pública, para o fato de a referida lei ter sido uma iniciativa do ex-governador Eduardo Carlos Braga, também tido como o criador da Fundação Amazonas Sustentável, empresa privada, principal esteio de sustentação da política de combate às mudanças climáticas implementada pelo Governo do Amazonas. O governo do Estado do Amazonas apresenta nos fóruns internacionais, nacionais e locais a referida Lei, focada na redução de emissões decorrentes do desmatamento e, em menor escala, no uso de energias renováveis, como forma de contribuir para a mitigação das 26 No âmbito econômico, a criação desse arcabouço jurídico pelo estado permitiu a parceria da FAS e empresas privadas, na prática, a existência de projetos de redução de emissões decorrentes do desmatamento em áreas de proteção estaduais, de modo que os habitantes destas áreas só poderão vir a receber recursos se evitarem a derrubada da floresta. Isto já ocorre na Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Juma, na qual a cadeia internacional de hotéis Marriott é um dos principais parceiros da FAS na remuneração dos habitantes da reserva para que eles não promovam e não deixem que outros promovam o desmatamento na área. 45 mudanças climáticas. O que é importante assinalar é que, a geopolítica da noção de “desenvolvimento sustentável” empregada no Estado do Amazonas expressa na edição de um arcabouço jurídico voltado para as mudanças climáticas em consonância com os interesses locais. Ou seja, elaboraram-se instrumentos econômicos para a gestão ambiental que continuaram a estabelecer direitos de propriedade e valores econômicos para os bens e serviços ambientais. (LEFF, 2010). No artigo 5º, são criados os programas estaduais para a implementação da Política Estadual: Programa Estadual de Educação sobre Mudanças Climáticas; Programa Bolsa Floresta; Programa Estadual de Monitoramento Ambiental; Programa Estadual de Proteção Ambiental; Programa Estadual de Intercâmbio de Tecnologias Limpas e Ambientalmente Responsáveis; Programa Estadual de Capacitação de Organismos Públicos e Instituições Privadas; Programa Estadual de Incentivo à Utilização e Energias Alternativas Limpas e Redutoras da Emissão de Gases de Efeito Estufa (AMAZONAS, 2008). Concordamos com a reflexão de Lefebre (2002), que no jogo das regras e normas estabelecidadas nestas iniciativas constituem justamente uma nova estratégia do capital de garantir sua sobrevivência. Pela mão do markenting, principalmente, na captação de recursos privados que constitui um dos alicerces da gestão feita pela FAS do PBF, que a partir das imagens vinculadas dos chamados guardiões das florestas ao apoio de empresas como a Cocacola Company, o Banco Bradesco S. A. e outros com o pseudo compromisso com o desenvolvimento sustentável, mas que absorvem a sua maneira o discurso de conservação ambiental subordinado a imagem diferenciada em um cenário de competitividade global, trata-se de uma apropriação simbólica, no caso da “valorização da floresta em pé.” De acordo com Roessing (2009), ainda que as ações empreendidas pelo Estado do Amazonas, notadamente a edição do Decreto n. 26.581/2007 e da Lei Ordinária Estadual nº 3135/2007, sejam pioneiras no Brasil, elas incluem-se num conjunto de ações que estão sendo adotadas por entes subnacionais ao redor do mundo, notadamente nos Estados Unidos, em decorrência da percepção de que os esforços empreendidos pelos governos nacionais e as obrigações constantes na Convenção-Quadro sobre Mudança do Clima e no Protocolo de Quioto são insuficientes. Ao que parece até agora a referida Lei tem se limitado ao forte marketing publicitário e que as condições institucionais não têm viabilizado a implantação integral da Lei. A legislação amazonense é, excessivamente, focada na redução de emissões decorrentes do desmatamento, de modo que não há incentivos suficientes para a execução de outros tipos de 46 projetos de redução de emissões no Estado, notadamente na área de energia renovável (AMAZONAS, 2007). Os altos custos logísticos existentes no Estado para a implantação de tais projetos demandariam incentivos além dos estabelecidos pela Lei 3135/2007 para que ocorressem em maior escala. Um exemplo disso é o inventário de emissões de gases de efeito estufa no Amazonas, que ainda não foi realizado, a despeito de previsão legal sobre sua realização anual. A questão da neutralização de emissões decorrentes de viagens aéreas custeadas pelo estado, prevista no Decreto n. 26581/2007, também não foi operacionalizada e mesmo incluída na Lei 3135/2007. Ainda, os incentivos tributários para atividades econômicas que auxiliem na redução de gases de efeito estufa ainda não foram regulamentados. De acordo com Roessing e Rubens (2009), o Programa Bolsa-Floresta, internaliza uma lógica de prevenção do dano ambiental, mais especificamente do desmatamento, com o intuito de manter inalterados os serviços ambientais prestados pelas Unidades de Conservação amazonenses, tais como manutenção do estoque de biodiversidade, regulação climáticas, preservação da qualidade da água, sequestro de carbono atmosférico. Ainda, por meio do programa, evita-se a emissão de gases de efeito estufa resultante do desmatamento. Para além desta limitada visão delineada pelo discurso oficial, outro aspecto importante e que merece destaque, diz respeito ao fato de que a Lei de Mudanças Climáticas foi cunhada em um contexto Internacional onde a preocupação com as mudanças climáticas globais e locais, em função da ação antrópica, passou a fazer parte da agenda política dos elaboradores e gestores públicos. Assim, a inquietação da sociedade quanto às questões sócio-ambientais trouxe um alerta no estabelecimento de políticas governamentais, exercendo forte pressão de âmbito internacional, onde o tema das mudanças climáticas ganhou espaços consideráveis nos países nos últimos tempos, principalmente as discussões em torno de iniciativas de mercado como os créditos de carbono, mecanismo que envolve uma série de empresas que começam a aderir de acordo com seus interesses a metas de redução de emissões, antevendo ganhos em termos de mercado, tecnologia e imagem. E avançam como opção para captação de recursos financeiros sob a emblemático marketing verde que se apresenta na forma de diminuir as mudanças climáticas causadas pelo processo civilizatório capitalista. Desta forma, o estabelecimento da Lei Estadual de Mudanças Climáticas no Amazonas não pode ser entendida de forma desconectada da ordem global contemporânea, pois faz parte da moldura histórica do processo civilizatório capitalista, cujas bases do 47 processo produtivo encontram-se firmados em fontes energéticas não renováveis que, por sua vez, retroalimentam a força motriz para modelo atual de desenvolvimento econômico. Entende-se que este é certamente o maior produtor da crise ambiental, contudo também entendemos que emergem na Amazônia, “novas” estratégias orientadas à necessidade de controle de territórios e recursos naturais. Pode-se observar que essa nova política ambiental de ordenar e gerir o Estado do Amazonas, por meio da criação de unidades de conservação sob a roupagem do enfrentamento das mudanças climáticas globais mas encarnado na lógica objetiva da acumulação, desconhece as formas de produção e reprodução das comunidades rurais da RDS Uatumã, supostamente responsáveis pelo desmatamento no Amazonas. Assim a relação entre efeito estufa e desigualdades sociais é algo direto e local, e não apenas relacionado com políticas globais. E está vinculado ao fato de que em uma sociedade “democrática” existem lutas concretas pelo acesso a bens públicos, como no caso do acesso à água e a outros bens de uso comum (KRISCHKE, 2004). É possível afirmar a partir do argumento de Ferreira (1988), que os esforços e as experiências que têm sido levados adiante pelas políticas públicas brasileiras em torno da absorção das questões ambientais e sua relação com categorias como globalização e mundialização tornam-se cada vez mais significativas para a qualificação da dinâmica político-decisória da própria vida cotidiana, em que a consciência de que nossas possibilidades de reprodução da vida material encontram-se inexoravelmente atreladas a limites. A tentativa de abordar a nova configuração de poder capaz de, com sucesso, concretizar a tarefa de institucionalizar políticas ambientais em um momento cada vez mais marcado pelo fato de muitas das questões políticas mais candentes e significativas estarem se desenrolando fora da esfera política até então concebida como "oficial", ou seja, fora de um espaço passível de ser controlado pelo Estado. Também é patente a generalização de um “discurso verde”, expresso no discurso do poder estatal, compartilhada por ONGs e entidades da sociedade civil no estado do Amazonas. Contudo, a adesão destes valores ditos “verdes’ não se expressam em práticas que possam minimamente vedar posições ambientalmente incorretas existentes mesmo na difusão do discurso sustentabilista que muitas vezes nos cegam para o que há para ver em Programas como por exemplo PBF (FERREIRA, 1988). 48 No entanto se mantém a estrutura dos fundamentos das relações de propriedade e de dominação capitalistas situadas nas origens de sua relação com os recursos naturais e a biosfera. Se destruir ou danificar gravemente o ambiente, não decorre daí que o capital ponha em perigo suas próprias condições de reprodução e de funcionamento. Segundo nossa compreensão, por essas destruições cada vez mais graves e, em alguns casos, irreversíveis, o capital põe em perigo as condições de vida e até a própria existência de certas comunidades, e até mesmo de certos países. Mas ele não coloca diretamente em perigo as condições de sua dominação (CHESNAIS e SERFATI, 2003). Ao observarmos o processo de institucionalização das políticas ambientais no Brasil, é possível afirmar que estas estiveram mais fortemente associadas ao momento de redemocratização do país na década de 1980. No momento em que os processos sociais estariam orientados pelo respeito ao ambiente. Aliás, tal fato é perfeitamente expresso no momento em que o Congresso Nacional promulgou uma série de leis ambientais de garantia à proteção do ambiente e sua sustentabilidade. Entre as normas ambientais existentes no Brasil, podem-se destacar aquelas que têm sido enfocadas como princípios de sustentabilidade (KRISCHKE e ALEXANDRE, 2006). Na esfera internacional as discussões sobre as mudanças climáticas ganharam força na década 1980. Tal processo resultou na realização da Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e Desenvolvimento – CNUMAD, realizada no Rio de Janeiro em 1992, que gerou, entre outros documentos, a Convenção Quadro de Mudanças Climáticas - CMC. Passados cinco anos, houve o estabelecimento do Protocolo de Quioto que, diferente da Convenção, estabeleceu normas mais claras sobre a redução de emissões de gases de efeito estufa e metas a serem atingidas por países que emitiram mais gases no passado. Ribeiro (2005), argumenta que estamos diante de uma nova ordem ambiental global que a partir dos debates das mudanças climáticas globais nas Convenções ambientais mundiais , e, por conseguinte os riscos que o aquecimento global passou a representar à sociedade, coube ao Estado propor ações preventivas por meio de políticas públicas. A partir do contratualismo gerou tal expectativa, sendo um dever do Estado indicar alternativas que possam diminuir as consequências sobre à população do Brasil, porém, não resta dúvida de que diversas forças sociais integram o Estado. “Elas representam agentes com posições muitas vezes antagônicas. Também é preciso ter claro que as decisões acabam por privilegiar determinados setores, nem sempre voltados à maioria da população brasileira”. 49 A adaptação às mudanças climáticas é uma preocupação governamental recente, embora deva ser um assunto cada vez mais presente, em especial, devido às carências sociais brasileiras. O seu agravamento pode gerar dificuldades em diversas escalas, que devem ser ponderadas quando se avaliam tais consequências (RIBEIRO, 2008. p.6). A estrutura de oportunidades políticas que permite a atual constituição de uma pauta ambientalista agora centrada no marketing verde e no âmbito das mudanças climáticas no Estado do Amazonas se configurou a partir de uma agenda ambiental brasileira delineada pelas mudanças no cenário internacional, com a crescente generalização de um discurso em favor da conservação ambiental. Assim uma série de conferências da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre questões sociais, e particularmente a Rio-92, ilustra como o contexto político internacional condicionou a problemática brasileira. Este processo político de transformações gerou um espaço público que passou a absorver as demandas ambientalistas a partir de uma nova ordem constitucional que produziu o arcabouço jurídico-institucional regulamentando a questão ambiental no Brasil, resultando nas agências de controle ambiental, legislação ambiental de punição de delitos ambientais fóruns “participativos” de tomadas de decisão. Com isso emerge a chamada arena de disputas ambientais com a participação, ainda que limitada, de diferentes agentes sociais agora diante de uma rede institucional de controle e fiscalização de seu cumprimento. Cabe ressaltar uma dimensão fundamental expressa sob o ideário à inclusão do direito a um ambiente saudável como parte dos direitos “difusos”, coletivos (BURSZTYN, 2007). A pressão internacional para transformar a Amazônia numa grande unidade de conservação no âmbito global e combater o desmatamento crescente e vem dando ao governo amazonense um consenso logrado na expressão de Oliveira ( 2007, p. 16). E, ao que parece, cabe a Fundação Amazonas Sustentável; o Programa Bolsa Floresta e seu marketing verde, dá sua contribuição contra o desmatamento da maior floresta tropical do planeta. Pode ser um equivoco pensar que a lei Estadual tenha nascido exclusivamente em razão de um evento climático de uma grande seca27 que assolou o Estado do Amazonas em 2005. Consideramos esta idéia. A Lei de Mudanças Climáticas estadual é primeiramente resultante de escolhas políticas ou econômicas feitas na esfera internacional, nacional e local 27 A seca de 2005 é tida pelo discurso oficial como a principal razão para formulações políticas direcionadas às mudanças climáticas. Esta afetou boa parte da região Amazônica, especialmente o setor sudoeste do Amazonas e Estado do Acre, ultrapassando os períodos de 1925-1926, 1968-1969 e 1997-1998, até então considerados os mais intensos. Disponível em http://www.inpe.br/noticias, acessado em 30/11/2009. 50 em um processo gradativo fruto das formulações da relação sociedade e ambiente orientado pelo processo produtivo do sistema capitalista. Desta forma, a tentativa de sustentar uma postura ideológica do receio de que os efeitos das mudanças climáticas acarretem ainda mais prejuízos para o Estado do Amazonas constitui frágil consistência, uma vez que as movimentações institucionais são marcadamente desenvolvidas para a possibilidade de obter recursos para financiamento de programas de desenvolvimento econômico do estado. Contudo o governo estadual, por meio da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável - SDS, “passou a formular ações relacionadas com as mudanças climáticas e a conservação ambiental e, por fim, estabelecer uma política estadual para mudanças climáticas, desta forma, as seguintes ações foram tomadas” (AMAZONAS, 2008, p. 92): - Participação, em 2005, da COP11 em Montreal, na qual o governo do Estado apresentou uma proposta de criação de um Mecanismo de Compensação por Redução de Emissões de gases de efeito estufa através da conservação da cobertura florestal no Amazonas; - Apresentação, em 2006, na COP12, em Nairóbi, da “Iniciativa Amazonas”, uma versão revisada e aprofundada da proposta apresentada no ano anterior; - Organização de um evento paralelo na COP13, em Bali, em 2007, no qual foi reapresentada a “Iniciativa Amazonas” e o próprio governador do Estado, Eduardo Braga, divulgou as ações do Estado para a redução do desmatamento; - Participação, por representantes do Estado, em seis eventos diferentes durante a COP13. Pode - se notar que as ações empreendidas nos foros de negociação do regime de mudanças climáticas, de certa forma forneceram elementos que contribuíram para a construção de um arcabouço jurídico específico para a questão, pois em 2007editou-se o Decreto n. 26581, de 25 de abril de 2007, que estabeleceu critérios para uma futura política estadual de mudanças climáticas e fixou em noventa dias o prazo para que se encaminhasse projeto de lei instituidor dessa política para o Poder Legislativo. Posteriormente, foram promulgadas, ambas no dia 5 de junho de 2007: Lei Complementar Estadual n. 53, que instituiu o Sistema Estadual de Unidades de Conservação – SEUC ; Lei Ordinária Estadual nº 3135, que instituiu a Política Estadual sobre Mudanças Climáticas, Conservação Ambiental e Desenvolvimento Sustentável do Amazonas. Sem 51 qualquer forma de consulta pública preliminar, o governo estadual aprovou em regime de urgência e por unanimidade na Assembléia Legislativa do Estado do Amazonas, o projeto oriundo de mensagem governamental, que institui a Lei Estadual ordinária nº 3.135 de 05/06/2007 de Mudanças Climáticas, Conservação Ambiental e Desenvolvimento Sustentável do Amazonas. Esta lei estabelece a Política Estadual sobre Mudanças Climáticas e Conservação Ambiental. Em seu interior está o Programa Bolsa-Floresta, cujo objetivo é instituir o pagamento por serviços e produtos ambientais às comunidades tradicionais pelo uso sustentável dos recursos naturais e incentivo às ações voluntárias de redução de desmatamento. Nas falas do poder, “o Programa Bolsa Floresta marca o início de um novo tempo e de uma nova relação entre homem e natureza” no Estado do Amazonas (Jornal A Critica14/09/2007). Nesse momento (2007), fez-se o pagamento das primeiras 100 famílias cadastradas no Programa Bolsa-Floresta residente nas comunidades da RDS do Uatumã, que, como observamos, objetiva instituir o pagamento por serviços e produtos ambientais às comunidades tradicionais pelo uso sustentável dos recursos naturais e incentivo às ações voluntárias de redução de desmatamento. Mas o que se pode perceber, em decorrência da enchente dos rios em 2009, quando as famílias foram afetadas na produção de suas roças e em decorrência impactou por seu turnos as suas formas de reprodução social. Em casos como esse não se pode criminalizar as famílias pelos possíveis, agora, ilegalismos que poderão ser praticados para suprir as suas necessidades básicas; construindo roças e buscando outras estratégias de sobrevivência ( retirada ilegal de madeira, por exemplo ) em lugares que sempre foram considerados naturais portanto legais. Isso significa que hoje as comunidades tradicionais vivem na linha tênue entre o legal e o ilegal e que por isso mesmo poderá surgir uma série de ilegalismos na apropriação dos recursos naturais. Cabe ressaltar que após o decreto da Lei, o governador do Estado do Amazonas assumiu uma posição de relativo destaque nacional e internacional na temática das mudanças climáticas e Unidades de Conservação. Nesta ação identifica-se além do caráter visivelmente sensacionalista, a reorientação do discurso dominante do chamado capitalismo verde, que visa a assinalar o impacto e a responsabilidade do atual modelo de produção, distribuição e consumo capitalista e vincular a ameaça climática global com os problemas sociais cotidianos. Há de se registrar que o Decreto de criação da Lei foi oportunamente no Dia Mundial do Meio Ambiente 05/06/2007, 52 que se iniciou uma forte campanha de marketing verde com a intenção de colocar o Amazonas no centro das atenções nacionais e internacionais, Esta notícia foi veiculada nos principais jornais do país, e diversas agências de notícias internacionais. Todo este processo está marcadamente articulado com a implementação do Programa Zona Franca Verde, e com a criação da Secretaria de Meio Ambiente do Estado do Amazonas em 2003, somada a viagens do ex-governador Carlos Eduardo Braga para conhecer o programa de serviços ambientais da Costa Rica, e ainda da participação em diversos eventos no Brasil e no exterior, aproveitando nessa ocasião a exposição da proposta de vincular a redução do desmatamento ao pagamento pelas toneladas de carbono de emissão evitada (VIANA, 2008). Embora não expresso de forma explícita neste processo em curso no Estado do Amazonas, porém vivenciado pelas famílias rurais residentes na RDS Uatumã o ambiente é entendido meramente como uma variável a ser manejada, administrada e gerida, na velha tradição racionalista burocrática, de tal forma a não obstaculizar a concepção hegemônica do processo civilizatório capitalista de acumulação. mas as populações locais e quem as acompanha de perto provavelmente fariam um balanço diferenciado do que há por traz do marketing verde, pois imprime novos contornos agora no âmbito das mudanças climáticas, podemos perceber o ambiente enquanto realidade externa à sociedade e às relações sociais, sendo então assimiladas e equacionadas apenas como recurso para a produção. No sentido de legitimar esse discurso oficial, muitas ONGs e movimentos ambientalistas, antes portadores de um contra-discurso ao desenvolvimentismo, agora convidados à participação e à parceria, ou seja, o ambientalismo de resultados incorporou a negociação como palavra de ordem (ZOURI, 2004, p. 2). 53 CAPÍTULO II - O Programa Bolsa-Floresta: serviços ambientais e as mudanças climáticas. Neste capitulo, realizo uma abordagem sobre as interfaces que formam o campo de interesses no quadro das mudanças climáticas no Estado do Amazonas. A partir da emergência do chamado socioambientalismo, mas precisamente, a partir dos anos 80, os saberes dos grupos indígenas e comunidades tradicionais sobre o ambiente, começaram a ser valorizados sob a luz de uma orientação proveniente do debate sobre conservação de ecossistemas e da biodiversidade. Assim, percebe-se esses saberes e formas de manejo pertinentes as suas especificidades culturais, como fundamentais na conservação da biodiversidade e que lhes garantiu até hoje a produção e reprodução de seu modo de vida. (CASTRO, 1997). 54 Até a década de 1980 a razão instrumental28 conduziu a hegemonia dominante das sociedades ocidentais subordinando os saberes dos povos tradicionais sobre o ambiente e às diferentes formas pelas quais o seu trabalho é realizado. Por outro lado, o processo de acumulação de conhecimento tradicional gerou uma magnífica adaptabilidade a um ambiente de alta complexidade, este foi realizado graças as suas formas múltiplas de atividades ligadas a rituais sacros, de festividades e outras manifestações de acordo suas representações simbólicas e míticas defrontadas com as capacidades e os limites dos saberes dos interesses de cada grupo (CASTRO, 1997.) A Convenção Sobre Mudanças Climáticas e Diversidade Biológica (CDB)29 de 1992 foi o primeiro acordo multilateral a regularizar a conservação e o acesso aos recursos genéticos e a reconhecer o papel das comunidades tradicionais nas áreas protegidas. De acordo com a CDB a estreita e tradicional dependência dos recursos biológicos de muitas comunidades locais e populações indígenas com estilo de vida tradicionais, sendo desejável repartir equitativamente os benefícios derivados da utilização do conhecimento tradicional e práticas relevantes para a conservação da diversidade biológica assim como a utilização sustentável de seus componentes (MMA, 2000). Por esta razão, torna-se importante neste capítulo retomar esta discussão. 2.1 – As comunidades locais e os conhecimentos tradicionais Ao longo de décadas e séculos, as comunidades tradicionais30 vêm contribuindo para a conservação e o desenvolvimento in situ31 de muitas espécies florestais importantes, por meio de seu conhecimento empiricamente acumulado sobre os habitat naturais, bem como de suas práticas agrícolas e modos de vida adequados ao ambiente local, atuando como 28 A civilização da razão científica e instrumental, efetivada com a sociedade industrial, trouxe consigo o distanciamento do homem com o seu aspecto orgânico, em prol do desenvolvimento da tecnologia como manipulação inorgânica. A objetificação dar-se-á junto ao desenvolvimento abrangente da atitude de dominação materializada do homem em relação ao ambiente natural ( PELIZZOLI, 2002, p. 49). 29 A Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente ou Conferência Rio 92, teve como objetivo regular a ação humana em relação a emissão de gases que afetam o efeito estufa e o acesso a informação genética. Deste encontro resultaram as Convenções Sobre Mudanças Climáticas e Sobre Diversidade Biológica. Esta Convenção foi assinada no dia 04/06/1992 e ratificada pelo Senado da República 04/02/1994.Decreto Legislativo n 01, Diário Oficial da União. 30 Optamos por utilizar o termo comunidades tradicionais, por reconhecer que a população moradora das zonas rurais do interior do Amazonas, especificamente, na Unidade de Conservação Uatumã tem como características: formas de organização comunitária, de unidade política administrativa e unidade produtiva, mas principalmente, à reivindicação de terras ou outros benefícios ao Estado. 31 Os métodos in-situ referem-se à manutenção de plantas e animais em seus hábitats originais, inclusive nas lavouras de agricultores tradicionais, no caso de variedades domesticadas. Os governos dos países tropicais têm adotado medidas e atitudes a título desta modalidade de conservação (PEREIRA, 2003) 55 verdadeiras guardiães do patrimônio biogenético do planeta. No entanto, a conversão e a degradação das florestas têm sido acompanhadas da desagregação dessas comunidades, de suas práticas e de seus conhecimentos. Ou seja, à perda de biodiversidade tem também correspondido uma significativa perda de diversidade sócio-cultural (ALBAGLI, 2006). A luta das comunidades tradicionais pela terra e pela floresta, para assegurar seu modo de vida, sua reprodução sociocultural busca romper com a hegemonia do paradigma preservacionista (wilderness)32, fazendo com que projetos de conservação reconhecessem a importante contribuição das comunidades tradicionais para a conservação e manutenção da floresta. Os conhecimentos das comunidades tradicionais, ainda que produzidos localmente, são objeto de discussão de nível global. É cada vez maior o reconhecimento da contribuição que os povos tradicionais têm desempenhado na conservação e no uso sustentável da diversidade biológica (DIEGUES, 2000). Para Almeida (2007), os símbolos também politizam a propriedade intelectual dos saberes tidos como “tradicionais”, que não podem ser reduzidos a uma simples oposição ao “moderno”, alargando os tipos de reconhecimento para além das identidades regionais, que vinculam as identidades coletivas a unidades da federação, a bacias hidrográficas, a ecossistemas determinados e a acidentes naturais. Em suma, trata-se de uma politização da natureza, vinculada de maneira múltipla à emergência de identidades coletivas, que nos levam a redefinir a abrangência do significado dos movimentos sociais e das territorialidades específicas que lhes correspondem. A humanização dos recursos naturais pelas classificações coletivas e de parentesco evidencia a profundidade de tal politização. Assim, alguns povos privilegiam em sua denominação um determinado elemento destacado do quadro natural, tal como: “floresta” em “guardiões das florestas” ou “cerrado” em “povos do cerrado” ou ainda “povos da água”. O termo Guardiões da Floresta surge acoplado às experiências de parcerias dos povos tradicionais com instituições governamentais e ONGs voltadas para a promoção do uso sustentável dos recursos naturais. Tal interesse se deve ao momento em que eles percebem a escassez de recursos naturais fundamentais para sua reprodução. Neste sentido Muniz (2009), esclarece que a duvidosa legitimidade em ter o poder de escolhas torna-se mais que evidente diante da rede de articulações que através de formas desiguais de relação de poder promovem o processo de institucionalização público-privado do 32 A noção de wilderness popularizada através das discussões acerca das áreas protegidas nos Estados Unidos contribui para uma nova fase do ambientalismo baseadas no debate entre preservacionistas e conservacionistas, o qual foi bem sintetizado no conflito entre as propostas de Gifford Pinchot e John Muir (LEIS, 2004). 56 direito e acesso aos recursos naturais, reduzindo as populações locais a condição de atores coadjuvantes subalternizando o direito legítimo das comunidades tradicionais aos ditames de novas (velhas) lógicas de acesso aos bens de uso comum. As formas de uso comum designam situações nas qual o controle dos recursos básicos não é exercido livre e individualmente por um determinado grupo doméstico de pequenos produtores diretos ou por um de seus membros. Tal controle se dá através de normas específicas, combinando uso comum de recursos e apropriação privada de bens, que são acatadas, de maneira consensual, nos meandros das relações sociais estabelecidas entre vários grupos familiares, que compõem uma unidade social. Tanto podem expressar um acesso estável à terra, como ocorre em áreas de colonização antiga, quando evidenciam formas relativamente transitórias características das regiões de ocupação recente. Tanto podem se voltar prioritariamente para a agricultura, quanto para o extrativismo, a pesca ou para o pastoreio realizados de maneira autônoma, sob forma de cooperação simples e com base no trabalho familiar. As práticas de ajuda mútua, incidindo sobre recursos naturais, revelam um conhecimento aprofundado e peculiar dos ambientes locais de referência (ALMEIDA, 2006). Para Muniz (2009), a problematização da questão ambiental através da questão do uso dos recursos naturais e de sua inevitável escassez atribui aos elementos da natureza uma utilização econômica que deve considerar o controle e a proteção dos recursos naturais como a principal via de resolução da “crise ambiental”. Essa ótica considera a gestão do ambiente como resultante da participação de agentes sociais, da construção de sujeitos coletivos, da constante composição e oposição entre interesses individuais e coletivos em torno da apropriação dos bens naturais. Assim, travam-se, em torno de problemas sócio-ambientais, confrontos entre atores sociais que defendem diferentes lógicas para a gestão dos bens coletivos de uso comum. De acordo com Santilli (2005), as discussões em torno do socioambientalismo no Brasil surgiram a partir da segunda metade dos anos de 1980, em virtude de articulação do campo de estudo dos conflitos sócio-ambientais e ações políticas entre os movimentos sociais e o movimento ambientalista, uma tendência histórica que teve como marco inicial a conferência sobre meio ambiente promovida pela ONU em Estocolmo, em 1972. A referida autora ressalta que o socioambientalismo fundamenta-se na concepção de que um novo paradigma de desenvolvimento deve promover não somente a sustentabilidade estritamente ambiental, como também a sustentabilidade social. Parte do pressuposto de que 57 as políticas públicas ambientais somente têm eficácia social e sustentabilidade política quando incluem comunidades locais e promovem uma repartição socialmente justa e eqüitativa dos benefícios derivados da exploração dos recursos naturais. Na década 1970, os seringueiros surgiram como guardiões das florestas no mesmo momento em que intensificaram-se os conflitos de terra na Amazônia. Os Fazendeiros imprimiram um processo de desmatamento da floresta e expulsão dos Seringueiros das florestas da região de Xapuri no Estado do Acre. Diante disso, os seringueiros começaram a se organizar em cooperativas e sindicatos, surgindo deste modo grandes lideranças dos seringueiros como Chico Mendes, assassinado em dezembro 1988 pelos fazendeiros Darly e Darcy Alves da Silva. Nestes conflitos os seringueiros se mostraram como até hoje sua convivência com a floresta, mostrando que os povos tradicionais mantêm uma relação mais harmoniosa com o ambiente (SOUZA, 1990). É possível afirmar que a década de 1980 marcou significativamente os destinos da região amazônica, seja pelo impacto do desmatamento, seja pela pressão resultante do assassinato do líder seringueiro Chico Mendes (MMA, 1997). Torna-se relevante destacar que a questão ambiental aparece com grande destaque em decorrência dos projetos governamentais para a região, caso da construção da BR 364; das reservas extrativistas, representadas pelo líder seringueiro Chico Mendes; das preocupações globais com o clima, com a biodiversidade entre outras. Além disso, o episódio em 1987 em que Chico Mendes havia denunciado em encontro anual do Banco Interamericano de Desenvolvimento - BID, os sérios problemas relacionados a BR- 364 e os riscos para os seringueiros se esta alcançasse o Estado do Acre. O Banco suspendeu os financiamentos para os projeto de expansão da BR364 devido a denúncia, passando a submeter os projetos brasileiros ao crivo de equipes especializadas em analisar impactos ambientais de tais projetos (SOUZA, 1990). Algumas instituições governamentais a SDS, CECLIMA e outras começaram a absorver as linguagens dos movimentos sociais, sendo perceptível, por exemplo, no Decreto presidencial de 27 de dezembro de 2004, onde a Comissão Nacional de Desenvolvimento Sustentável de Comunidades Tradicionais e o Reconhecimento a partir do (Decreto nº 6040, de 7 de fevereiro de 2007), que criou a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais. Para fins deste decreto compreendem-se por povos e comunidades tradicionais grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, 58 utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição. A adoção do termo comunidades tradicionais será utilizada de modo a incluir elementos de identidade política e reafirmação de direitos. Populações que vivem em estreita relação com o ambiente, dependendo de seus recursos naturais para a sua reprodução sociocultural, por meio de atividades de baixo impacto ambiental (SANTILLI, 2002). Segundo Almeida (1994), os chamados povos e comunidades tradicionais organizam-se em diversos movimentos sociais. A luta ecológica dos povos e comunidades tradicionais da Amazônia tem uma dimensão marcadamente política e ideológica. A ressignificação dessas identidades coletivas sugere a conservação dos recursos naturais, vinculado a produção e manutenção do seu modo de vida. Enxergando no ambiente a oportunidade de mobilizações centradas na defesa de seus territórios. Assim trata-se, antes de tudo, de mobilizações pela manutenção de condições de vida preexistentes a projetos e programas governamentais induzidos pelo governo e pela garantia do efetivo controle de domínios representados como territórios fundamentais à identidade desses atores sociais. De acordo com Almeida (2008), o conceito de tradição está mudando, ele não está necessariamente ligado a história, ao contrário, este se tem mostrado ligado a reivindicações contemporâneas. O referido autor destaca que o próprio termo “população tradicional está sendo deslocado para o “povo” ou para “comunidades tradicionais”, enfatizando que o tradicional é social e politicamente construído a partir de mobilizações e conflitos reconfigurando as dinâmicas sociais. Assim os chamados povos tradicionais não são definidos como uma invenção ou ainda necessariamente definidos pela origem. Mas sim, por mobilizações que buscam reivindicar o direito de autodefinição. O surgimento de parcerias das instituições que promovem o modelo sócio- ambiental com as chamadas comunidades tradicionais, buscam apoiar as iniciativas de manejo dos recursos naturais e a proteção das áreas preservadas para manter em estoques viáveis as espécies mais importantes para sua economia familiar. Na esteira destas parcerias emergem novas redes de mediação, políticas públicas de apoio a sistemas de manejo, movimentos sociais articulados em torno da defesa de seus territórios com exploração regulada (LIMA, 2009). Aqui interessa fazer algumas distinções para os caminhos desejados de nosso estudo, pois podem existir nas parcerias (como a exemplo a parceria feita entre a ONG FAS e as comunidades da RDS Uatumã) o emprego do socioambientalismo sob a orientação de cada um dos parceiros, o sócio e o ambiental que muitas vezes aparecem unidos sem uma devida 59 discussão satisfatória a respeito da sua restrição à grupos sociais muitas vezes excluídas do processo. Assim a existência da convergência de interesses, de um lado em apoiar um modo de vida com baixo impacto ambiental e, por outro, uma tradução ecológica de reivindicações sociais mais antigas. “Seria também a soma das resistências a uma lógica sócio-econômica que justifica e incentiva uma exploração depredatória de ambiente” (LIMA, 2008, p. 39). O termo “guardiões das florestas” é instrumentalizado pelo discurso governamental no sentido de coresponsabilidade das comunidades tradicionais para cuidar da floresta e, ao mesmo tempo, o papel que tem desempenhado desde os tempos imemoriais para a conservação da Amazônia. Este tem sido o mote de destaque do estabelecimento do Programa Bolsa-Floresta como veremos a seguir. Entretanto, Loureiro e Azaziel (2006), argumentam que é crucial o entendimento que embora o termo socioambiental tenha sido criado para se pensar à unidade entre o social e o natural, este não pode se limitar ao interacionismo, acarretando a perda de sua unidade dialética, posto que normalmente o social é pensado como à parte do natural, o que é perfeitamente evidenciado no uso recorrente de palavras “entre” ou “com” a ligar os dois. A esta dicotomia, considerada a principal quando se reflete sobre o processo de gestão, existem outras, dentre as quais pode ser destacada a relação Estado e sociedade civil. Neste sentido, é importante observar que os direitos que se reconhecem atualmente, a povos tradicionais em geral se fundamentam nos serviços ambientais que eles prestam. A exceção são os povos indígenas cujos direitos têm um fundamento diferente: baseiam-se no fato histórico de que são eles os primeiros ocupantes. Tendo isso em mente, a definição de povos tradicionais torna-se simples. São os povos que aderem a uma tecnologia e a práticas semelhantes às que vigoravam tradicionalmente e que não são lesivas ao ambiente. Assim a imagem que temos, pré-concebida do que seriam povos tradicionais passaria por uma ressignificação passível de ser repensada, onde o fato de terem no passado adotado essas práticas garante que o farão no futuro? A exemplo da Bolsa de Valores, o desempenho passado não garante o futuro. Esse futuro é garantido por um compromisso a partir do presente que a população assume. “Ser um povo tradicional é, no fundo, um contrato, um pacto de não agressão ao ambiente, na medida em que tem de firmar um pacto (implícito ou explícito) sobre a forma futura de uso de seu território, são sempre neo-tradicionais” (CUNHA, 2009, p.49). Vejamos o que significa os serviços ambientais. 60 2.2- Serviços ambientais e a utopia de manutenção da floresta em pé. A problemática em torno da inclusão dos debates sobre os impactos das condições climáticas da Amazônia na Atmosfera e na biosfera planetária além de ser carregada do jogo ideológico (pessimistas ou catastrófico), de interesses que divergem e se articulam de escopo local e global, mas que também constitui oportunidades e ameaças das chamadas novas atividades econômicas dos serviços ambientais, neste “campo complexo de disputa dos interesses” que ora lutam e ora são orientados pela lógica do mercado. Para Chesnais (1991), um dos fundamentos da acumulação de capital consiste em reduzir as "despesas supérfluas", a "externalizá-las", isto é, fazer com que outros se encarreguem daquilo que ele só reconhece como "custos". A anarquia do modo de produção capitalista não se manifesta somente nas crises, que são os momentos de paroxismo desse processo. Ela se manifesta permanentemente no desperdício das forças produtivas, das quais o capital tenta descarregar a responsabilidade e o custo sobre a sociedade. A exploração do homem e da natureza até o esgotamento não reflete uma contradição do capitalismo, mas o antagonismo profundo entre esse e as necessidades da humanidade. A "crise ecológica" é a manifestação da destruição das forças produtivas, entre as quais os recursos naturais, para as necessidades da acumulação e num contexto hoje agravado pela dominação do capital financeiro. Segundo Becker (2009), a idéia de manter a floresta em pé interessa a todos que tenham um mínimo de sensatez, ou seja, torna-se extremamente forçoso reduzir a questão ambiental, o caso do Estado do Amazonas há uma lógica maniqueísta, que carrega a face oculta do falso dilema entre conservação e desenvolvimento econômico. Falso porque trata a conservação como sinônimo de preservação intocável e cria uma imagem que identifica o desenvolvimento com produção destrutiva, respaldado em um histórico de agropecuária causador de gigantesco passível ambiental na Amazônia. Outro elemento importante é atentarmos para o Plano de Gestão da Reserva de Desenvolvimento Sustentável Uatumã, sendo possível observar que este propõe que sejam exploradas de forma intensiva as oportunidades advindas do arcabouço estratégico criado pelo Programa Estadual de Mudanças Climáticas para a operacionalização de projetos baseados no pagamento por serviços ambientais e na redução de emissões de gases do efeito estufa (GEE) do desmatamento (IDESAM, 2008). 61 O Programa Bolsa Floresta tem o papel de um incentivo econômico para a conservação da floresta, apresentado pela FAS como um mecanismo de remuneração pela prestação de serviços ambientais. Entretanto, o que seria este serviço ambiental e as prováveis implicações orientadas pelo pagamento de serviços ambientais nas realidades locais das UCs no Estado do Amazonas. Conforme Seiffert (2009), os Serviços ambientais são as atividades, produtos e processos que a natureza nos fornece e que possibilitam que a vida como conhecemos possa ocorrer sem maiores custos para a humanidade. Assim diversos são os serviços ambientais prestados de forma natural e gratuita pelos ecossistemas para a manutenção de condições ambientais adequadas `a vida no Planeta. Para Izco e Burneo (2003), os serviços ambientais são toda a remuneração monetária relativa ao pagamento de um serviço e/ou produto da própria natureza que pode ser pago para quem explora diretamente e indiretamente seus benefícios. Assim os serviços ambientais referem-se frequentemente às diferentes classificações existentes (usos diretos ou indiretos, presentes ou futuros). Mas além do valor atribuído a cada espécie ou função ambiental, existe uma realimentação permanente entre as diferentes dimensões ambientais (biodiversidade, espécies, serviços, relações entre ecossistemas florestais e agroecossistemas). Já Silva (2003), destaca que os recursos físicos são resultantes de ciclos naturais do planeta. Assim, o que determina a sua classificação quanto renovável ou reprodutíveis e não -renovável ou exaurível (petróleo e gás natural), depende da capacidade de recomposição no horizonte de tempo humano (compatível). Desse modo, as águas, os solos, o ar, as florestas, a fauna e a flora são considerados recursos renováveis. É interessante perceber que a remuneração pela prestação de serviços que geram melhorias ambientais, com consequentes benefícios ao conjunto da sociedade, ganha cada vez mais espaço em diferentes esferas. No entanto, a delimitação do conceito de serviços ambientais tem-se mostrado uma tarefa difícil, devido, entre outros fatores, às disputas em torno de um mercado bastante promissor, pois: Observa-se na Organização Mundial do Comércio (OMC) uma tendência de enquadrar os serviços ambientais no rol dos demais serviços, vinculados a bens de consumo tradicionais. Por sua vez, países em vias de desenvolvimento, ricos em recursos naturais, atuam, no âmbito da organização, no sentido de vincular o comércio internacional dos bens e serviços ambientais a objetivos de sustentabilidade.Assim países como o México, Costa Rica elaboraram leis específicas sobre o tema dos serviços ambientais. No Brasil este assunto ainda não foi enfrentado. Sem uma lei que estabeleça claramente o que se considera por serviço ambiental, quem são os provedores e/ou beneficiários, quais provedores 62 devem ser remunerados diretamente a partir de recursos públicos, quanto devem receber segundo cada tipo e quantidade de serviços prestados, entre outros, não há como implantar uma política sustentável de fundos para o pagamento de serviços ambientais no Brasil (ALTAFIN e OLIVEIRA, 2009, p. 3). No Brasil ressaltamos a experiência do projeto Proambiente33, Programa que procura vincular a prestação de serviços ambientais a determinadas atitudes desejáveis do agricultor, como a recuperação de nascentes e matas ciliares, e redução do uso do fogo no preparo de áreas. Não se trata, portanto, de abandonar os sistemas de produção executados pelas famílias em favor da implantação de florestas. Ao lado da proteção e ampliação de áreas florestadas, deve-se buscar tornar esses sistemas familiares ainda mais diversificados, enfatizando a função ambiental da propriedade, os serviços ambientais são entendidos como produtos adicionais do processo produtivo da agricultura familiar. As técnicas de cultivo e de manejo dos recursos naturais disponíveis, empregadas na unidade de produção, são vistas como determinantes para que esta venha a ser considerada produtora de serviços ambientais ou não (ALTAFIN e OLIVEIRA, 2009). A falta de uma legislação específica, definindo o conceito de serviços ambientais e autorizando o uso de recursos públicos para essa finalidade, foi apontada pela maioria dos entrevistados como um obstáculo para o pagamento de serviços ambientais a partir do Proambiente. Becker (2003), argumenta que dois fatores são importantes para a crescente valorização dos serviços ambientais: a pressão internacional para transformar a Amazônia numa grande unidade de conservação no âmbito global e o desmatamento crescente, mas emerge verdadeiramente enquanto oportunidade na medida em que as trocas de carbono previstas pelo Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) não tiveram expressão na região, assim é, que neste contexto a Fundação Amazônia Sustentável (FAS) e o estado do Amazonas em 2008, promovem a gestão do projeto do Estado do Amazonas, que visa 33 a demanda por um novo modelo de crédito rural, que incorporasse no próprio desenho dos projetos a preocupação com a conservação dos recursos naturais, fruto da discussão entre as Federações dos Trabalhadores na Agricultura (FETAGs) da Amazônia Legal, da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG), do Grupo de Trabalho Amazônico (GTA), do Conselho Nacional dos Seringueiros (CNS), do Movimento Nacional dos Pescadores Artesanais (MONAPE) e da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB). A Proposta Inicial do Proambinete foi aprovada em 2002 pelo Conselho Gestor Nacional provisório. Instalação da Secretaria Executiva, em Brasília, com o apoio do Programa Demonstrativo (PDA) da Secretaria de Coordenação da Amazônia (SCA/MMA). Inclusão do PROAMBIENTE no Plano Plurianual (PPA – 2004/2007), como Programa da Secretaria de Políticas para o Desenvolvimento Sustentável do MMA. Assinatura da Portaria nº 211, de 06 de maio de 2003, instituindo um Grupo de Trabalho (GT) com a finalidade de promover a institucionalização do Proambiente. 63 introduzir de modo abrangente a valorização dos serviços ambientais na região, inserindo-se no mercado internacional do carbono. Contudo, a referida autora chama a atenção para alguns riscos desse processo, como por quem é decidido e impulsionado as finanças globalizadas que são as grandes beneficiárias desse mercado localizado fora da região e do país, pouco restando de benefícios para as populações locais? Ou ainda, por que a globalização das finanças tem dois tipos de serviços ambientais: um avançado, calcado na informação e gestão especializadas envolvendo as atividades dinâmicas, e outro que perde as características de serviços, comparando-se à comercialização de “commodities”, sem irrigar outras atividades (BECKER, 2003). Neste sentido, Fearnside (1989), afirma que avaliando valores monetários para a manutenção da Unidade de Conservação e suas práticas de geração de renda das populações residentes utilizando apenas índices econômicos habituais para valorar a floresta, sem mensurar os benefícios ambientais como a reciclagem de água na atmosfera para manter a regularidade das chuvas, o controle climático. Desta forma, é que o mercado de carbono é tido como um promissor e “seguro” novo negócio, do ponto de vista econômico, haja vista o suporte das condicionantes políticas e jurídicas em processo na modernidade, que aliás, não estão alheias à relação da produção e reprodução de modos vida insustentáveis (na liberação de gases de efeito estufa (GEEs) na atmosfera em decorrência, principalmente, da queima de combustíveis fósseis) que estruturam as sociedades modernas. Para Cunha (2010), historicamente, a visibilidade ou invisibilidade de populações locais tradicionais dependeu muito do Estado e do mercado. Até recentemente, o que estes viam era só a “produção” de bens, que se media no PIB e se computava nos censos. Serviços e desserviços ambientais eram apenas o que os economistas chamam de “externalidades”, efeitos colaterais, bons ou ruins, mas que não são computados e que não têm preço. Está se criando um mercado do que eram as antigas externalidades, por exemplo, o da emissão de carbono. Isso tem o efeito de as tornar visíveis. “Poluir agora tem preço, aliás despoluir também. Mas essa visibilidade incipiente ainda é muito limitada. Os direitos que se reconhecem hoje a povos tradicionais, em geral, se fundamentam apenas nos serviços ambientais que eles prestam. De fato de as questões climáticas tornaram-se uma das formas mais globais de como a economia intervêm no mundo, passando a abranger inúmeras problemáticas e podendo ser tratada sob diversos enfoques. Todavia optamos pela abordagem que busca trazer para o 64 debate o processo de institucionalização e suas implicações que de alguma forma estiveram condicionadas, de um lado, pela consciência da limitação ecológica do ambiente físico, mas, por outro também pelo seu contexto político, econômico e social. Ressalta-se o marketing verde em torno da criação do Programa Bolsa-Floresta tem demonstrado que a estratégia de comprometer recursos públicos como contrapartida para atrair recursos de terceiros, por meio de acordos, podem apresentar alto potencial para captação de recursos internacionais no setor privado no âmbito nacional e internacional (Coca- Cola Company e Banco Bradesco), ainda que estas últimas assumam caráter de doação, devido ao fato de inexistirem mecanismos nacionais de incentivo 34 a investimentos privados que se revertam em benefícios ambientais (FAS, 2008). Entretanto, tal estratégia pode encontrar uma maior inserção em determinados nichos de mercados, já visíveis nas iniciativas de algumas empresas dispostas a investir no segmento dos chamados novos negócios agora com um viés na conservação de ecossistemas naturais. “Estas experiências por sua vez tem potencializado aspirações objetivas para se consolidar enquanto fonte de recursos para os chamados pagamentos por serviços ambientais”. (WUNDER, 2008, p.51). Dessa forma, acordos nacionais e internacionais entre provedores públicos ou privados e compradores (setor privado) podem se tornar uma fonte significativa para transações com caráter de PSA, como demonstram alguns exemplos de atuação de empresas privadas e outras entidades na Amazônia brasileira. No caso do Amazonas, trata-se de um estado com considerável território coberto por florestas onde vivem indígenas e comunidades tradicionais que dependem de suas relação com os recursos naturais para sua produção e reprodução de vida social e cultural, particularmente vulnerável às mudanças climáticas mas que, ao mesmo tempo, possui um grande potencial de contribuição para a conservação ambiental da floresta amazônica. De acordo com Fearnside (2005), em 1995 e 1996, pensava-se que a floresta amazônica pudesse ser um grande sumidouro de carbono, pois havia estudos que apontavam a absorção de cinco toneladas de carbono por hectare. Esta informação estimulou o projeto Programa de Grande Escala da Biosfera-Atmosfera na Amazônia – LBA, com este experimento, foi descoberto que a absorção é muito menor, variando entre meia e uma 34 Atualmente tramitam sete Projetos de Lei na Câmara dos Deputados do Congresso Brasileiro Disponível em: http<www.camara.gov.br Acesso em: 15 de dezembro de 2009. 65 tonelada de carbono por hectare de floresta, e também se constatou que a absorção de carbono varia de acordo com o clima. No entanto, isto não muda o fundamento da relação entre conservação da floresta e economia de redução de emissões de gases de feito estufa. O benefício essencial permanece o mesmo, ou seja, as florestas exercem o papel de sumidouros de carbono. Dessa forma, evitar o desmatamento significa não emitir carbono com a queimada, e o apodrecimento da madeira que não queima e emite mais do que a própria queimada. Deste modo, é uma falácia insinuar que se a floresta não absorve cinco toneladas de carbono por hectare não é importante conservá-la para o equilíbrio do clima (FEARNSIDE, 2005). Entende-se por bens públicos ou bens comuns aqueles em que todos têm livre acesso, isto é, por cujo uso ninguém paga, já os bens privados são aqueles que têm a característica de serem exclusivos, isto é, o consumo de um bem é internalizado por aqueles que pagam para tê-lo. Portanto, enquanto os bens públicos são não rivais e não exclusivos, os bens privados são exclusivos e rivais (HERNANDES, 2009). A continuidade ou manutenção desses serviços, essenciais à sobrevivência de todas as espécies, depende, diretamente, de conservação ambiental, bem como de práticas que minimizem os impactos das ações humanas sobre o ambiente. Isto é, os povos e comunidades tradicionais, que historicamente mantiveram uma relação de uso consideravelmente sustentável dos recursos ambientais, por conseguinte, são também responsáveis pelo fornecimento desses serviços ambientais, são os chamados provedores de serviços ambientais. Para efeito deste estudo se restringe a abordagem do sistema de pagamentos por serviços ambientais relacionados ao carbono e à biodiversidade, isto por representarem as oportunidades discutidas com maior frequência no contexto da Amazônia. Por conseguinte, por representarem interesses que norteiam o campo de perspectivas em torno das Unidades de Conservação do Estado do Amazonas. O pagamento por serviços ambientais (PSA) são definidos como pagamentos diretos aos provedores de serviços, por sua vez os PSA internacionais, um país ou entidade administrativa receberia pagamentos para implementar políticas voltadas à provisão de serviços ambientais sob seu domínio. Atualmente, os pagamentos por serviços ambientais estão sendo discutidos como medidas para o desmatamento evitado ou Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal – REDD (WUNDER, 2008). 66 Dada a concepção crítica das condições necessárias para o sistema de pagamento por serviços ambientais, que Wunder (2008), defende em seus trabalhos, a definição de serviços ambientais caracteriza-se pelos seguintes critérios: 1) uma operação voluntária, onde bem definidos (serviço ambiental) está sendo comprada por um período mínimo de um comprador 2) a partir de um mínimo de um prestador de serviços ambientais, e somente se o prestador de serviço ambiental assegura a prestação do serviço. Enfatiza ainda que a maior freqüência dos pagamentos por serviços ambientais existentes compreende aos serviços ambientais associados a uma das quatro categorias distintas representadas pela: a). retenção ou captação de carbono; b) conservação da biodiversidade;c) conservação de serviços hídricos e d) conservação de beleza cênica( WUNDER, 2008, p.12). Dessa forma, dentre as disposições assumidas pelo referido autor, merece atenção para nossos propósitos, a importância dos incentivos econômicos enquanto núcleo estruturante dos pagamentos por serviços ambientais. Ou seja, se considerarmos a presença de prestadores de serviços ambientais pouco motivados pelo recebimento de pagamentos ou mesmo considerá-los socialmente inadequados, então o sistema de pagamento por serviços ambientais pode comprometer seus objetivos de funcionamento e eficiência. (WUNDER, 2008). A relação dos pagamentos por serviços ambientais e seus reais efeitos sobre seus participantes no caso as populações rurais requerem atenção especial com o alicerce do modo de vida destas comunidades assim como a justa distribuição de seus ganhos, ou seja, a relação da cultura de subsistência com os recursos naturais para manutenção e reprodução do seu modo de vida. As povos que habitam nas áreas rurais da Amazônia são desprovidos e sofrem de um descaso público/estatal desde os tempo da colonização. Neste sentido, durante 11ª Conferência das Partes – COP 1135sobre as Mudanças Climáticas de 2005, em Montreal as Partes Papua Nova Guiné e Costa Rica propuseram a inclusão da Redução de Emissões pelo Desmatamento e Degradação em países em Desenvolvimento (REDD) ao Protocolo de Quioto como alternativa para evitar o desmatamento em países tropicais em desenvolvimento. De acordo com Higuchi et all (2009), a modalidade REDD foi baseada no fato que o desmatamento em países em desenvolvimento contribui com uma quantidade significativa de emissões de GEEs partindo das seguintes premissas: 35 Em de dezembro de 2005, foram realizadas em Montreal, Canadá, a 11ª Conferência das Partes na ConvençãoQuadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP 11), Ficou decidido que serão iniciados dois processo de discussão sobre o futuro: um processo para o estabelecimento de novas metas de redução pós-2012 das emissões de GEE para os países desenvolvidos dentro do Protocolo de Quioto. Disponível em: <http://www.m.ma.gov.br> Acesso em 12de dezembro de 2009. 67 - A Convenção do Clima é omissa em relação à redução de emissões por meio do desmatamento; - Não há como os países em desenvolvimento se engajarem ao Protocolo de Quioto para reduções de suas emissões; - Na ausência de rendas para florestas em pé, as comunidades e os governos de países em desenvolvimento têm pouco incentivos para impedir os desmatamentos; - As nações em desenvolvimento estão preparadas para estimar suas contribuições à estabilidade do clima global baseado no acesso junto e igual aos mercados de emissões de carbono; - A estabilidade climática da expansão igual dos sistemas de mercados iniciados pelo Protocolo de Quioto devendo facilitar e integrar a participação dos países em desenvolvimento. De acordo com Lopes (2002), dois conceitos são fundamentais para elaboração do REDD36: linha de base e adicionalidade. Sendo esta última, o cenário que representa, de forma razoável, o possível cenário de emissões que ocorreria na ausência das atividades do projeto proposto. Comumente, utilizam-se os termos “cenário de referência”, ou “cenário sem projeto”. Adicionalidade consiste na redução de emissões de gases de efeito estufa ou no aumento de remoções de CO2 de forma adicional ao que ocorreria na ausência de tal atividade. É importante ressaltar que a resistência dos países desenvolvidos em avançar nas negociações no campo dos serviços ambientais se explica pelas profundas assimetrias no comércio mundial de bens e serviços ambientais. O tamanho expressivo do mercado ambiental global, estimado em US$550 bilhões em 2003, podendo ser superior a US$ 600 bilhões em 2010, está concentrado nos países desenvolvidos, que perfazem cerca de 90% desse mercado. Mas o potencial de crescimento nos países em desenvolvimento é mais alto do que nas nações industrializadas;( OLIVEIRA; ALTAFIN, 2008, p.18). De acordo com a Tacconi e Mahanty (2009), a abordagem dos diversos aspectos do pagamento por serviços ambientais está relacionada às experiências concretas existentes em curso. Assim, os fundamentos econômicos necessários para compreender a questão, e mesmo o papel dos chamados guardiões da florestas (indígenas, quilombolas, seringueiros) devem ter 36 O REDD voltou a ser considerado como uma importante opção de mitigação no quarto relatório do IPCC, conseqüentemente, a ONU criou o UM-REDD Programe, isto é, o Programa REDD da Organização das Nações Unidas (ONU), em setembro de 2008. Este programa é uma iniciativa de três agências da ONU: Organização para a Agricultura e Alimento (FAO), Programa da ONU para o Meio Ambiente (UNEP) e Programa da ONU para o Desenvolvimento. A declaração do Sr. Ban Ki-moon, secretário geral da ONU expressa claramente a campanha para a inclusão do REDD no pós- Quioto a partir de 2013(HIGUCHI, 2009). 68 num sistema de pagamento de serviços a distribuição justa dos ganhos destes recursos e os impactos que esses esquemas têm sobre aqueles tidos como guardiões das florestas, contudo tais questões estão muitas vezes subsumidas nos discursos governamentais em curso na esfera local e global. Outro ponto que merece destaque está associado à quantidade de dinheiro apresentada como necessária para financiar esquemas de REDD e pagar a compensação aos países, é altamente variável, mas apoiadores do REDD sugerem que grandes recompensas pelo desmatamento evitado poderiam existir. “Conforme um estudo solicitado pelo Relatório do Stern37 que envolveu oito países responsáveis por 70% das emissões resultantes da mudança no uso da terra, o custo de oportunidade de renda a partir de usos alternativos de terra seria na ordem de US$ 5-10 bilhões anualmente, isto se houvesse uma paralisação total do desmatamento” (GRIFFTINS, 2008, p.132). Ainda que questão social e de redução da pobreza apareçam na maioria das propostas de desmatamento evitado, elas geralmente são deficientes em termos de detalhes sobre como os direitos dos guardiões das florestas serão integralmente respeitados e garantidos, ou seja, os discursos sob o ideário de novas oportunidades econômicas encobrem muitas vezes a maneira (o método) que o mecanismo REDD, dependendo das escolhas políticas, podem realmente assegurar os benefícios em locais de vulnerabilidade social. Os esquemas de pagamento por serviços ambientais propostos inserem-se espaço de disputas (muitas vezes desiguais) de “interesses” que têm aumentado de certa forma o controle estatal sobre florestas, e por sua vez, aumentado intervenções governamentais apartadas dos sistemas de produção e reprodução do modo de vida material e social, de posse da terra e manejo de recursos naturais (GRIFFTINS, 2008). Os intermediários desempenham um papel importante nos sistemas de pagamento por serviços ambientais uma vez que tais serviços ambientais são normalmente mal-definidos e muitas vezes têm a características de bens públicos e, portanto, exigem a intervenção de um mediador para regular o uso e estabelecer os preços que não são definidos pelo mercado (WUNDER, 2008). 37 O relatório Stern propõe que uma medida chave que a comunidade internacional deve tomar para frear as mudanças climáticas, é enfrentar as “emissões não-energéticas” compensando países em desenvolvimento por reduções no desmatamento. O relatório prevê que emissões de desmatamento podem alcançar 40 gigatoneladas de dióxido de carbono (CO2) entre 2008-2012, aumentando a concentração de CO2 na atmosfera em 2 partes por milhão. O relatório declara que:“As emissões não-energéticas somam um terço de todas as emissões de gases de efeito estufa; enfrentar essas emissões será uma contribuição importante. Uma grande quantidade de provas sugere que ações para prevenir a continuidade do desmatamento seriam relativamente baratas comparadas com outros tipos de mitigação, se as políticas e estruturas institucionais certas fossem implementadas (GRIFFTINS, 2008). 69 Se é possível captar os sistemas de serviços ambientais como parte das estratégias de conservação da Amazônia, é necessário evocar a discussão das consequências onde estas atividades possam ter, principalmente, os impactos sobre os meios de subsistência rural, seja, restringindo o acesso da população rural aos recursos florestais, seja integrando as comunidades locais às formas subalternas de um mercado de carbono com ideário de controle social. Quando nós falamos de sistemas de pagamento de serviços ambientais, alguns acabam por sobrepor a questão ambiental como ela não fosse social. Neste sentido, a obra o desmatamento evitado e os direitos dos povos indígenas e comunidades locais de Griffittim (2008), demonstra no exame de experiências concretas dos efeitos dos esquemas de serviços ambientais sobre as comunidades locais, os riscos para os povos indígenas e comunidades locais que dependem da floresta, no momento em que as florestas se tornem parte de um esquema internacional para reduzir emissões de gás de efeito estufa do desmatamento, entre eles destacamos: - A maioria das propostas REDD existentes faz menção à necessidade de “participação” comunitária e ao fornecimento de benefícios locais para comunidades da floresta. Contudo, ocorre que em muitos países, a exemplo do Equador com florestas tropicais, os Estados falham em reconhecer os direitos costumeiros coletivos dos povos indígenas sobre suas terras ancestrais, ou apenas reconhecem uma pequena porção de suas terras tradicionais – definindo legalmente as florestas restantes como “terra do Estado”. Este assunto é de uma importância crucial, porque provavelmente o zoneamento de florestas de acordo com qualquer esquema de pagamento REDD pode ser, em parte, determinado pela posse de terra e direitos de propriedade. Existe o receio de que governos, empresas e ONGs de conservação poderão “zonear” florestas através da demarcação de áreas protegidas, reservas florestais e zonas de manejo florestal sustentável (desmatamento certificado) para receber pagamentos de desmatamento evitado, excluindo ou prejudicando povos indígenas e comunidades tradicionais. - Há também o perigo que taxas de compensação por hectare de floresta relativamente lucrativas, possam estimular a especulação de terra nas fronteiras das florestas e até em áreas mais remotas de floresta. Assim, estes esquemas de REDD correm o risco de incentivar a expropriação de terras tradicionalmente ocupadas. - Outra questão são as iniciativas de inclusão das Florestas dentro dos esquemas REDD de demarcação, geralmente são feitos de cima para baixo, sem medidas cuidadosas 70 para assegurar benefícios eqüitativos em áreas rurais, pagamentos de desmatamento evitado podem criar rachas entre as comunidades ou famílias que recebem pagamentos e aquelas que são excluídas. “Essas últimas podem incluir comunidades sem o título legal das suas terras. Em outras palavras, compensação de desmatamento evitado pode incrementar a desigualdade em áreas rurais florestais e corre o risco de criar conflitos dentro e entre comunidades” (GRIFFTTIM, 2008). Assim existem questões éticas em relação aos povos indígenas e comunidades tradicionais quando se trata de receber renda através de empresas e do mercado global de carbono, primeiro porque estes vêm se processando em sua grande maioria em pagamentos de créditos de carbono, que guardam em sua origem dos mesmos interesses corporativistas e industriais que continuam a extrair combustíveis fósseis em outros lugares, às vezes em terras ancestrais de povos indígenas – fortemente à custa do seu ambiente, bem-estar e saúde. Na realidade, estas mesmas empresas transnacionais de energia têm se envolvido com o comércio de carbono, sobretudo para comprar direitos para continuar poluindo (op cit , 2008). Ainda que em muitos casos seja demasiado cedo para chegar a resultados conclusivos sobre os prováveis efeitos dos programas de pagamento por serviços ambientais, nos interessa os aspectos estruturais significativos dos argumentos de Norton Griffttin para explicação dos aspectos socioeconômicos e políticos de outro, ou seja o fio condutor que leva o esclarecimento de questões que não estão postas no contexto das propostas de pagamento de serviços ambientais na Amazônia. Se pensarmos a partir do âmbito regional, as informações do Documento intitulado Carta de Belém em 03 de outubro de 2009 é uma valiosa posição neste campo de interesses em torno dos serviços ambientais na Amazônia: A legítima reivindicação dos povos tradicionais, no sentido de que o governo brasileiro rejeite a utilização do REDD como mecanismo de mercado de carbono e que o mesmo não seja aceito como compensação às emissões dos países do Norte. Vejamos o que diz a carta de Belém. Rechaçamos os mecanismos de mercado como instrumentos para reduzir as emissões de carbono, baseados na firme certeza de que o mercado não é o espaço capaz de assumir a responsabilidade sobre a vida no planeta. A Conferência das Partes (COP) e seus desdobramentos mostraram que os governos não estão dispostos a assumir compromissos públicos consistentes, transferem a responsabilidade prática de cumprimentos de metas, além do que notoriamente insuficientes, à iniciativa privada. Isso faz com que, enquanto os investimentos públicos e o controle sobre o cumprimento de metas patinem, legitima-se a expansão de mercado mundial de CO2, que aparece como uma nova forma de investimento de capital financeiro e de sobrevida a um modelo de produção e de consumo falido. (BELÉM, 2009). 71 De acordo com Bourdieu (2001), o poder dos agentes e dos mecanismos que dominam atualmente o mundo econômico repousa em uma concentração extraordinária de todos os tipos de capital, econômico, político, militar, cultural, científico, base estruturante de uma dominação simbólica através do controle das mídias pelas grandes agências internacionais. Se pensarmos do ponto de vista do uso social dos serviços ambientais, esta posição que se expressa sob o ideário identitários e de lutas políticas e se justifica por perceber que as propostas de REDD em debate não diferenciam florestas nativas de monoculturas extensivas de árvores, podendo permitir aos atores econômicos, que historicamente destruíram os ecossistemas e expulsaram as populações que vivem neles – encontrarem nos mecanismos de valorização da floresta em pé maneiras de continuar a fortalecer seu poder econômico e político em detrimento dessas populações. Além disso, apontam para o risco de que os países industrializados não reduzam drasticamente suas emissões pela queima de combustíveis fósseis e mantenham um modelo de produção e de consumo insustentáveis. Outra posição que merece ser ressaltada neste documento argumenta: Para o Brasil, as negociações internacionais sobre clima não podem estar focadas no debate sobre REDD e outros mecanismos de mercado e sim na transição para um novo modelo de produção,distribuição e consumo, baseado na agroecologia, na economia solidária e numa matriz energética diversificada e descentralizada, que garantam a segurança e soberania alimentar.(BELÉM, 2009). O documento que dá voz às comunidades tradicionais através de suas instituições representativas emerge na luta a partir de premissas de um núcleo duro que afirma as condições estruturantes para que o mecanismo de redução do desmatamento e degradação seja dimensionado a partir de políticas públicas e fundos públicos voluntários que possam viabilizar seus direitos de cidadania. Na verdade, essas de disposições assumidas constituem em um só tempo visões diferentes de desenvolvimento, território e economia, e um campo dinâmico estruturado de regras e agentes que adotam diferentes estratégias de controle da dimensão simbólica da dominação (BOURDIEU, 2000). O Programa Bolsa-Floresta é considerado pelos gestores (coordenadores dos componentes do PBF) entrevistados, um serviço ambiental. Primeiro, porque é baseado no modelo da experiência de Costa Rica, ao mesmo tempo em que também é um reconhecimento do papel dos guardiões das florestas; mas acima de tudo, uma alternativa de 72 renda em detrimento das práticas agrícolas de degradação. É um apoio ao extrativismo e desta forma, um novo modelo de serviços ambientais. 2.3 - O Programa Bolsa-Floresta na RDS Uatumã e a manutenção da floresta em pé. Em 05 de junho de 2007, no âmbito da discussão sobre as mudanças climáticas e a pressão internacional cria-se a Lei Estadual de Mudanças Climáticas nos seus considerandos reconhece a importância da conservação das florestas diante das atividades antrópicas que provocam efeitos nocivos da mudança global do clima. Por isso, o governo estadual assume, naquele momento, o compromisso com o desenvolvimento sustentável da economia, do meio ambiente, da tecnologia e da qualidade de vida das presentes e futuras gerações. Reconhece e valoriza ainda as populações tradicionais em suas lutas pela conservação das florestas (DO 04/09/2007). Razão para instituir o Programa Bolsa-Floresta - PB que objetiva a um só tempo compensar financeiramente as comunidades tradicionais pelo uso sustentável dos recursos naturais e incentivo às ações voluntárias de redução de desmatamento comunidades das Unidades de Conservação – UC, com a intenção de manutenção da floresta em pé, nos territórios mais conservados da chamada Amazônia profunda, caracterizada por baixo índice de desmatamento. Em setembro de 2007 foram pagos as primeiras compensações do PBF aos moradores da RDS Uatumã. A Fundação Amazonas Sustentável (FAS), desde dezembro de 2007 passou a ser responsável pelo Programa Bolsa Floresta, iniciando formalmente suas atividades em março de 2008, recebeu inicialmente doações do Governo do Estado do Amazonas e o Banco Bradesco S.A. A Reserva de Desenvolvimento Sustentável Uatumã foi à primeira UC a receber o processo de implementação do Programa Bolsa-Floresta, e está localizada na área focal escolhida pelo governo do Amazonas para a execução do programa, esta corresponde a parte mais conservada da região, a chamada “Amazônia profunda” dentro da qual está situada a maior parte do Estado do Amazonas, sendo uma região caracterizada por baixa taxa de desmatamento, grande número de áreas protegidas (Terras indígenas e Unidades de Conservação) presença de comunidades tradicionais e etnias indígenas e dificuldades de acesso por estradas (VIANA, 2007), conforme a figura4 na pagina 96. 73 No entanto, os estudos de Soares Filho et al.(2006), afirmam a possibilidade de ocorrência de desmatamento, segundo o modelo de simulação SimAmazônia I38, o posicionamento geográfico da RDS do Uatumã a coloca como porta de entrada do desmatamento provindo do nordeste do Estado do Amazonas. Como vimos anteriormente, o Programa Bolsa-Floresta que concede o credito de R$50,00 (cinquenta reais), atualmente a 365 famílias na RDS Uatumã não pode ser visto como mera vitória dos populações que lá vivem, mas sim, de um lado, deve ser compreendido como produto das relações contraditórias entre as diferentes esferas da produção e reprodução social do capital, e, de outro lado, a re-definição de novos elementos norteadores das políticas socioambientais. Estas, por sua vez, envolve mediações complexas sócio-econômicas, políticas, culturais, sujeitos políticos e forças sociais que se movimentam e disputam hegemonia nas esferas estatal, pública e privada (FALEIROS, 1986). Atualmente, a Fundação Amazonas Sustentável (FAS) garante que a evolução do Programa Bolsa-Floresta em quatro modalidades tidas como parte integrante de um sistema mais amplo de compensação ambiental, como se pode observar na tabela 03 correspondentes aos valores de PBF Renda, Social e Associação referem-se ao total em realização durante o período de junho/2009 a junho/2010. Tabela 03: componentes do Programa Bolsa-Floresta UC FAMILIAR RENDA SOCIAL ASSOC. TOTAL RDS Anamã 258.450,00 116.900,00 116.900,00 20.040,00 512.290,00 RDS Amapá RESEX Catuá – 166.200,00 87.000,00 88.300,00 47.580,00 389.080,00 Ipixuna 127.800,00 78.050,00 78.050,00 52.565,00 336.465,00 RDS Mamirauá 1.063.650,00 628.700,00 628.600,00 127.840,00 2.448.790,00 RDS Juma 184.700,00 118.375,00 118.350,00 52.080,00 473.505,00 RDS Cujubim 8.250,00 46.399,00 186.823,00 61.256,00 302.728,00 RESEX Rio Gregório 59.850,00 41.000,00 159.600,00 58.098,00 318.548,00 RDS Rio Negro 160.650,00 78.000,00 103.580,00 60.660,00 402.890,00 RDS Uacari 135.250,00 114.000,00 111.400,00 58.060,00 418.710,00 38 As taxas regionais produzidas por esse modelo são então passadas para um simulador de mudanças espaciais – dinâmica. Esse modelo corresponde a um sistema de informação geográfica (SIG) de caráter dinâmico, o qual utiliza mapas de infra-estrutura (rodovias, estradas vicinais, estradas de ferro, gasodutos, canais fluviais e portos), unidades administrativas (estados, países e macrorregiões), áreas protegidas (unidades de conservação federal e estadual e terras indígenas), e aspectos biofísicos (vegetação, solo e topografia) para localizar as áreas mais prováveis a serem desmatadas (Soares-Filho et al., 2004) e assim reproduzir os padrões de progressão do desmatamento a través do território amazônico (Soares-Filho et al., 2005). 74 RDS Uatumã RDS Piagaçu 205.750,00 115.342,00 117.795,00 45.940,00 484.827,00 Purus 322.100,00 118.234,00 - - 440.334,00 FLOREST Maués 339.800,00 154.000,00 222.000,00 60.154,00 775.954,00 RDS Canumã 57.200,00 - - - - RDS Rio Madeira 366.300,00 - - - - TOTAL 3.455.950,00 1.696.000,00 1.931.398,00 644.273,00 7.727.621,00 Fonte: FAS, (2010). De acordo com (FAS, 2008), existem outros componentes do PBF, como: - O Bolsa-Floresta Renda (BFR) possui o objetivo de incentivar a inserção das populações locais nas cadeias produtivas de produtos florestais sustentáveis, óleos, castanhas, madeira, frutas e outros. Os investimentos do Bolsa-Floresta Renda, equivalem , em média, a cento e quarenta mil reais (R$ 140,000) por Unidade de Conservação ao ano. Contudo, é possível afirmar que quando consultados, as lideranças comunitárias demonstraram um profunda desinformação quanto a aplicabilidade e transparências dos recursos destinados a esse componente. - O Bolsa-Floresta Social (BFS) deve ser direcionado a investimentos locais como educação, comunicação, saúde, transporte. No que se refere à educação a totalidade dos entrevistados consideraram uma das principais demandas, pois o acesso ao ensino médio é considerado uma grande dificuldade que os jovens enfrentam tendo que se deslocarem para o município mais próximo, de acordo com a localização da comunidade ou ainda da disponibilidade de parentes que lá residem. - O Bolsa-Floresta Familiar (BFF) é apresentado como uma recompensa mensal, paga às mães das famílias que residem nas Unidades de Conservação já cadastradas e que assumiram o compromisso de não desmatar a floresta. Quanto a este componente, é possível dizer que é considerado uma pequena ajuda, mas que não garante que quando necessário algumas pessoas continuam com atividades ligadas a lógica mercantil do desmatamento, também é relevante mencionar a ineficiente ou ausente fiscalização das regras então estabelecidas pelo Programa. - O Bolsa-Floresta Associação (BFA), equivale a 10% da soma de todas as Bolsas Floresta Familiar, destinado a promover o associativismo no sentido de promover a organização social a partir das associações dos moradores das Unidades de Conservação para fortalecer o controle social do programa. 75 Destacamos ainda que ao compararmos cada componente apresentado pelo discurso institucional da FAS, com a observação direta nas comunidades do Uatumã, pudemos observar que em certa medida aquilo que está sendo divulgado enquanto planejamento e execução passa por um processo de pulverização desde a implementação e execução do Programa, por exemplo, o Bolsa-floresta Associação apresenta-se em um processo incompleto, caminhando contrariamente a retórica de uma existência eficiente de organização social. Ora, não basta apenas proporcionar cursos sob o ideário da capacitação, que na contramão da criação das desejáveis condições de vida nas comunidades, desconhece a história da organização social local e tão pouco busca reconhecer os conflitos que se apresentam da vida cotidiana do local. Seja nos interesses que condicionam as regras que restringem o acesso das populações locais, seja nas formas de interação social entre as comunidades e sua relação com as lógicas do mercado. Trata-se da titularidade do pagamento ou não do que a floresta produz. Antecipadamente afirmamos que efetivamente “ninguém está pagando nada a ninguém”, se levarmos em consideração que esta floresta é pública e que são legítimos os direitos sociais das populações que vivem na RDS Uatumã. Assim, emergem as controvérsias relativas à possibilidade do ambiente natural vir a ser um produto como outro qualquer, as teorias que estão por trás do uso do ambiente enquanto um produto ou mercadoria que pode ser comercializado. Assim, é crucial fazer a distinção entre bens públicos e bens privados. Segundo o Art. 1º do Código Florestal (Lei nº 4771 de 15/09/65) as florestas existentes no território nacional e as demais formas de vegetação, reconhecidas de utilidade às terras que revestem, são bens de interesse comum a todos os habitantes do país, exercendo-se os direitos de propriedade com as limitações que a legislação estabelece (HIGUCHI et al. 2009). Segundo O’Connor (2002), existe um forte movimento em curso a idéia de bem -comum, e dando especial atenção à história da comunidade, mas se atentarmos para as principais correntes ambientalistas em curso, e aqui nos interessa aquela por detrás do PBF, estas estariam aliadas a interesses nacionais e internacionais, no máximo, reformistas. A estrutura própria do capitalismo, sustenta o referido autor mascara suas crises, pela progressiva externalização dos custos sociais e ambientais, e, ao mesmo tempo, depende delas para aumentar seus lucros e ampliar seus mercados, contradizendo diretamente os requisitos ambientais. Além desse motivo, está diretamente relacionado ao capitalismo. 76 Para Cunha e Coelho (2003), o desenvolvimento de ações voltadas para gestão dos recursos naturais, que objetivam o controle e a superação dos conflitos de interesse de acesso e uso pelos diferentes agentes, não deve ficar apenas nas mãos de uma instituição (como por exemplo a FAS) especializada do Estado. Mas permitir a possibilidade de uma contínua participação das comunidades diretamente envolvidas pela dependência do ambiente para sua reprodução social, ou seja, sociedade civil em parceria com essas instituições públicas, nos processos de implementação das políticas ambientais. Na Amazônia, no âmbito das mudanças climáticas globais e especialmente no Estado do Amazonas, as transformações que se processam em campos, esferas e tempos diferentes, de acordo com os interesses de poder sobre o acesso aos recursos naturais, aqui se encaixa o conceito de “campo ambiental”, inspirado na noção de campo (Bourdieu, 2002), agregam um confronto entre representações e classificações enunciadas por agentes sociais distintos. Este campo ambiental que se configura é constituído por empresas internacionais, bancos, entidades ambientalistas, comunidades atingidas, assessorias, empresas de consultoria, e aqueles agentes que procuram angariar os “méritos” políticos da obra e que procuram se beneficiar dos investimentos e do poder simbólico. De acordo com O’Connor (1998), temos de um lado, a natureza apropriada como significados da reprodução do capital e, do outro, significados da reprodução das sociedades, transportando para a esfera local, a RDS Uatumã estaria fundada na simplificação da pluralidade de usos fundadas tradicionalmente nas especificidades do ambiente e da cultura. Contudo os sentidos que são dados para os usos destes espaços (comunidades) podem manifestar o caráter conflitivo da questão ambiental, cujos agentes sociais participariam de uma luta política pela: Redistribuição do poder sobre os recursos territorializados, pela legitimação/deslegitimação das práticas de apropriação da base material das sociedades e/ou de suas localizações. As lutas por recursos ambientais são, assim, simultaneamente lutas por sentidos culturais (ACSELRAD, 2004, p. 19). Para uma breve reflexão sobre o conceito de comunidade, Max Weber nos informa que a comunidade funda-se em qualquer tipo de ligação emocional, afetiva ou tradicional, portanto a organização sociopolítica de uma comunidade baseia-se na orientação da ação 77 social que se articula com as atividades produtivas, praticas socioambientais locais e no atendimento das necessidades básicas. Assim, para o referido autor, comunidade: É uma relação social na medida em que a orientação da ação social, na média ou no tipo ideal, baseia-se em um sentido de solidariedade: o resultado de ligações emocionais ou tradicionais dos participantes (WEBER, 1987, p. 77). É importante o trato dado ao conceito de comunidade por Tonnies (1947), o sentido de comunidade estaria em oposição à sociedade. Entende-se a comunidade como um tipo de grupo social em convivência real e orgânica, cujas ações seriam frutos da tradição, dos costumes, enquanto que a sociedade tem outro sentido de agregado mecânico e artificial, cujas metas e ações, oriundas de uma convenção, de uma lei, são definidas através das formas de adequação dos meios ao fim. Pode-se perceber que o argumento de Tonnies sobre o conceito de comunidade, em parte, está presente nas contribuições de Weber, mas que, em certa medida imprime alterações no que se refere abrir mão da exigência de uma territorialidade comum por parte dos indivíduos, valorizando o caráter corporativo, o sentimento de comunidade e os interesses Outra contribuição para o debate sobre comunidade é o argumento central de Fraxe (2004, p.19), pois destaca que as comunidades “ribeirinhas” estabelecem uma multiplicidade de trocas materiais e simbólicas com o centro urbano, ela afirma que: “As manifestações das práticas culturais do mundo ribeirinho espraiam-se pelo mundo urbano”. Para Florestan Fernandes (1972, p. 56), a definição de comunidade possui como referência os fatores intrínsecos de estabilidade física, mas argumenta que se considerarmos a comunidade como uma cidade, um bairro, estabelecendo novos elementos ao conceito, a exemplo do espaço físico e da dinâmica dos padrões, pode-se depreender dessa posição que a comunidade se estabelece como um sistema vivo, mutável e variável, que possui um sistema de interrelações de sistemas menores, podendo vir a ter uma configuração geográfica e funcional. A especificação geográfica compreende o povo de uma vila, de um bairro. A comunidade funcional se expressa pelas pessoas que têm interesses comuns. Segundo Almeida (1994), os chamados povos e comunidades tradicionais, passaram se organizar em diversos movimentos sociais, contudo tem tido maior destaque a crise ecológica e este desafio das comunidades tradicionais da Amazônia tem uma dimensão marcadamente política e ideológica. Trata-se, antes de tudo, de mobilizações pela manutenção de condições de vida pré-existentes a projetos e programas governamentais induzidos pelo 78 governo e pela garantia do efetivo controle de domínios representados como territórios fundamentais à identidade desses atores sociais. É inegável o destaque que a representatividade das comunidades tradicionais constituem elemento central em um só tempo, nas tomadas decisões relacionadas ao acesso de recursos naturais e nos contornos das políticas públicas, pois o conhecimento dos espaços e lugares que habitam e trabalham são fundamentais em qualquer atitudes de órgãos governamentais. Sendo preciso reconhecer, que estas comunidades inventaram e reinventaram formas adaptativas diante das condições adversas, sendo importante salientar que tais formas já existiam antes mesmo da criação da RDS Uatumã (FRAXE, 2006). Para uma entrevistada que mora com seu marido e mais seis filhos na comunidade Jacarequara da RDS Uatumã , sua vida cotidiana pouco mudou do ponto de vista das condições básicas de vida a partir do Programa Bolsa- Floresta. Apesar de estabelecer regras como o cultivo da roça agora restrita a dois hectares de floresta, ainda enfrenta a ausência de serviços básicos: como saúde, educação, comunicação, acompanhamento técnico agrícola, desde que passou a receber o valor de R$50,00 (cinquenta reais) por mês, assinou um contrato com a FAS, com compromisso de não abrir nenhum tipo de atividade na floresta que desmate, nas suas palavras: Eu acho que mesmo com o Bolsa-Floresta continuamos dependendo da floresta para sobreviver, enfrentando enchentes, ainda falta muita coisa para melhorar nossa vida, aqui não temos um serviço de saúde descente, tenho que mandar meus filhos maiores estudar fora da reserva, o que a gente recebe do governo (cinqüenta reais) não mudou quase nada. (C.S.G. 39, em fevereiro de 2010). De acordo com um dos gestores entrevistados o PBF tem como objetivo manter a floresta em pé a partir da remuneração pela prestação de serviços ambientais feito diretamente as comunidades que residem nas florestas, especificamente as Unidades de Conservação. Tenta-se prover uma alternativa econômica ao desmatamento, de modo a reduzir as emissões de gases de efeito estufa dele decorrentes. Assim o PBF é tido como um serviço ambiental, baseado na experiência de Costa Rica, ao mesmo tempo que também é um reconhecimento do papel dos guardiões das florestas, mas acima de tudo no que se refere a RDS Uatumã, uma alternativa de renda em detrimento às praticas agrícolas de degradação, é um apoio ao extrativismo, que pretende nas palavras do entrevistado uma espécie de “novo modelo de serviços ambientais”. Deve ser levado em consideração o entendimento da FAS representado por coordenador geral a relação do PBF e as mudanças climáticas: 79 “um dos grandes responsáveis pela emissão de gases são as queimadas (desmatamento na Amazônia), e as queimadas oriundas pela agricultura em pequena escala têm sua parcela de contribuição. Nosso desafio manter a atividade de quem utiliza agricultura exclusivamente para subsistência, e substituir a atividade de quem utiliza agricultura pra subsistência gerando o excedente pra comercialização, pois entendemos que este precisa desmatar um pouco mais para vender. Assim, Ou seja nosso desafio é manter a floresta em pé. Se nós conseguirmos substituir essa agricultura que gera excedente para comercialização por uma outra atividade com rentabilidade e com um esforço menor, poderemos evitar o desmatamento e dessa forma manter a floresta em pé” (F. P. 34. entrevistado em dezembro de 2009) Atualmente o Programa Bolsa-Floresta possui na RDS Uatumã 365 famílias cadastradas e 322 que já recebem a quantia de R$50,00 (cinqüenta reais). Embora a Fundação Amazonas Sustentável tente deixar bem claro em seus informativos o propósito de diminuir o índice de desmatamento, não estão explícitas as ações de substituição da base produtiva agrícola ou pecuária por uma base extrativista baseada na estratégia instrumental que se utilize a floresta mais mantendo a em pé, por sua vez no combate das questões das mudanças climáticas. Se realmente o propósito do PBF é reconhecer o papel dos chamados guardiões das florestas, por que não construir as condições estruturantes que possam garantir o legítimo direito de acesso aos recursos naturais, assim como o as garantias fundamentais que compreende a cidadania? Até que ponto as populações rurais da RDS Uatumã são mais responsáveis que os países desenvolvidos pela histórica emissão de gases poluentes, comprovadamente causados em sua totalidade pela civilização movida pelos combustíveis fóssil? Um dos fatos que marcaram o PBF, momentos depois de seu lançamento na RDS Uatumã, foram as críticas direcionadas a natureza de sua criação, supostamente com vestes eleitoreiras e de cunho oportunista dos interesses locais que norteiam o cenário político do Estado do Amazonas. Estes entram em cena de acordo com seus interesses como salvadores (com distribuição de ranchos) ora na cheia ou no período de seca, mas inteiramente omissos, principalmente no sentido de negligenciar as condições objetivas e subjetivas para a inserção social das populações rurais que historicamente esteveram excluída dos projetos desenvolvimentistas, ou seja, sem a possibilidade de alcance de uma autêntica política pública que lhes permitisse acesso aos direitos constitucionais garantidos na Constituição de 1988, são previstos no Art.6 os direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. 80 Ainda que os aspectos estruturantes da implantação do Programa Bolsa-Floresta tenham passado pela definição técnica que envolveu grupos de trabalhos com representantes das Ong Greenpeace, Amigos da Terra, Conservation Brasil e do Instituto Nacional de Pesquisas (INPA), Universidade do Estado do Amazonas, é possível dizer que estes critérios podem não nortear as especificidades locais de cada realidade vivida e muitas vezes podem estar alheias às escolhas tradicionais das populações das UCs. Neste sentido é necessário destacar que as diretrizes e ideológicas, da empresa FAS podem ser lidas a partir de um problema epistemológico como, por exemplo: como resultado das restrições estruturais impostas pela lógica política e de acumulação da modernidade capitalista ou como ajuste gradual da “learning institutional” da modernização ecológica. Cabe ressaltar que este não é nosso ponto de chegada da análise, mas como um ponto de saída: ter como objeto a própria incapacidade da política, ou melhor, sua produção e manutenção. Seu caráter conflitivo da apropriação social dos recursos naturais, e portanto, a sua função de recurso de poder o que o torna objeto de disputas e lutas sociais e políticas, inclusive e sobretudo nas instâncias institucionais que atribuem significados e regulamentam estas formas de apropriação (BORINELLI, 2008). O estabelecimento do componente Bolsa-floresta social sinaliza para indicarmos este momento como o início da absorção de apenas uma das reivindicações dos moradores da RDS Uatumã, de universo mais amplo das demandas sociais facilmente identificadas, sendo concretizado no componente social o transporte para atendimento emergencial, disponibilizando uma lancha em comunidades estrategicamente localizadas (chamados pólos comunitários), contudo cabe salientar que a ausência de escolas de ensino médio, e a inexistência de atendimento médico local são apontados como problemas sociais. Outro aspecto é que até agora o PBFS não conseguiu realizar a instalação de serviço de comunicação como divulgados, e tidos pelas comunidades como fundamentais para interlocuções na RDS Uatumã. Destaca-se como mais emblemática ação do Programa a transferência de renda, atribuída à Bolsa-Floresta familiar, porém este por si só não tem sido capaz de estimular, promover ou concretizar receita eficiente para reprodução social, ou para o enfrentamento das mudanças climáticas, nem tampouco garantir o desenvolvimento de ações geradoras de renda baseadas no trabalho tradicionalmente ligado a terra e ao rio. É possível identificar em propostas como o PBF, em curso na Amazônia, diretrizes de controle disciplinar do acesso aos recursos naturais. Ao passo que ao contrário do que 81 parece, existem manifestações locais de um entendimento que o Bolsa-Floresta é apenas mais uma tentativa de controle dos recursos naturais orientadas pelos interesses em um campo político e ambiental complexo, compreende como sua expressão legítima o relato de um morador da comunidade Bom Jesus: “Eu entendo o pagamento dos 50,00 reais como uma maneira do governo controlar nossas práticas, a própria criação da RDS Uatumã, de certa forma também tem o mesmo propósito, como se sabe, com essa imagem o governo vem recebendo recursos para conservar a mata” (M.T. 52 entrevistado em março de 2010). O Programa Bolsa Floresta, em sua modalidade Associação, como vimos tem como objetivo fortalecer a organização, ao mesmo tempo em que fortalece a base comunitária estimula o controle social do Programa em termos de cumprimento de suas regras e compromissos assumidos. Se isso é inovador e interessante, coloca, a nosso ver, uma dificuldade. As formas de organização comunitária dos povos tradicionais em outros tempos são outras... E agora parece ter-se instituído, sem pretensão de exagerar um poder disciplinar, uma vigilância que disciplina não só as ações do presidente da Associação Agroextrativista que sofre cobrança pela proteção da floresta, de um lado, pelos gestores da UC para que atuem diretamente na fiscalização da Unidade, coibindo a pesca predatória e a retirada ilegal de recursos naturais madeireiros e não-madeireiros. E, de outro, dos moradores que buscam nos recursos naturais suas formas de reprodução social. Este tem demonstrado ineficiência na promoção do desenvolvimento da organização e participação das associações, especialmente a atuação da Associação Agroextrativista das Comunidades da Bacia do Rio Uatumã - AACBU reconhecida como representante das demais associações comunitárias da RDS Uatumã. De acordo com o presidente da Associação, o número de comunitários que contribuem com a taxa da Associação é praticamente inexpressivo, seja pela ausência de participação direta nas decisões, seja porque anteriormente a Associação não desfrutava de legitimidade representativa. Assim, diante do quadro exposto, torna-se necessário um recorte sobre a forma e concepção da apropriação do associativismo nas relações entre o seio da produção rural familiar das comunidades da RDS Uatumã e a instituição responsável pelo PBF, partindo da perspectiva de um exame das formas de uso dos recursos naturais, percebendo como ocorrem as manifestação do capital social que se dá nas formas de organização das comunidades da RDS Uatumã. Em uma breve digressão o conceito de capital social pode ter diversas acepções ajustando-se às mais variadas orientações teóricas e metodológicas, mas que nos interessa diz 82 respeito a sua utilização sociológica, ou seja, a abordagem sistemática que tem como foco as estratégias de reprodução ou mudança de posição na estrutura social (BOURDIEU, 1980). Putnam (2007), entende o capital social com ênfase na organização política e no processo de ajuda mútua que se baseiam na regra de reciprocidade e na confiança, sendo esse um dos caminhos para a manifestação e compreensão deste conceito. É importante também considerar-se a cooperação espontânea, a participação e organização social como mecanismos para acionar esse capital, que se materializa, dentre outras instâncias, na vida associativa. Deste modo, pode-se perceber uma diferença entre as considerações de Putnam (2007) e Bourdieu (1998)39 no que se refere ao capital social, pois a primeira abordagem considera que a dimensão do político não deve ser sobreposta pela econômica para acionar e entender o capital social. Já Bourdieu discute o capital em suas expressões (econômica, histórica, simbólica, cultural e social) com possibilidades de se projetar sob variados aspectos no capitalismo ou em outro modo de produção limitado as circunstâncias de sua produção. Apesar das nuanças conceituais, o capital social apresenta impactos em todas as esferas sociais e na capacidade dos cidadãos de criarem e desenvolverem suas redes de relações possibilitando a fluidez da informação de forma coletiva, dando abertura para a cooperação, visando sua reprodução futura. Assim é perceptível, que ambos tratam de forma particular o capital social desde as questões simbólicas, a exemplo da confiança mútua. Mas, a lacuna na abordagem de Putnam estaria na ausência de sua estrutura de análise do capital social o enfoque da noção de conflito (desigualdade) na acumulação de capital social como afirma Bourdieu (ABRAMOVAY, 2000 e MILANNI, 2003). O conceito de capital social na sua forma instrumental está centrado nos benefícios que são obtidos pelos indivíduos em função de sua participação em grupos e sobre a construção deliberada de sociabilidade com o objetivo de criar este recurso: O capital social é o conjunto de recursos atuais ou potenciais que estão ligados à posse de uma rede durável de relações mais ou menos institucionalizadas de interconhecimento e de inter- reconhecimento ou, em outros termos, à vinculação a um grupo, como conjunto de agentes que não somente são dotados de propriedades comuns (passíveis de serem percebidas pelo observador, pelos outros ou por eles 39 Pierre Bourdieu destaca também a criação do capital social através do conceito de habitus - as atitudes, concepções e disposições compartilhadas pelos indivíduos pertencentes à mesma classe – que configura redes sociais de relacionamentos entre os agentes. O volume de capital que um indivíduo possui depende então da extensão da rede de relações que ele pode efetivamente mobilizar e do volume do capital (econômico, cultural ou simbólico) associado a cada um daqueles a quem está ligado ( BOURDIEU 1980). 83 mesmos), mas também são unidos por ligações permanentes e úteis (BOURDIEU, 1980, p. 67). A partir das vozes de lideranças comunitárias da RDS Uatumã, é possível apontar o distanciamento dos dirigentes da Associação Agroextrativista em relação a certas comunidades, isto devido a problemas de natureza internas e externas acumulados em conflitos que já são históricos conforme relatos: A associação sempre teve como problema a ausência de apoio e participação, e até mesmo de direção, quando era utilizada em beneficio pessoal, isso com certeza causou desconfiança e diminuiu o interesse das pessoas de fazer crescer a associação. Agora que com o novo presidente eleito, um rapaz ativo que tem nos colocado mais a par das mudanças na RDS, as informações chegam, mas ainda com certas limitações (C. M. 51, entrevistado em março de 2010). As relações estabelecidas entre a associação e seus associados e não associados, podem nos levar a observar que o capital social que se materializa ou não a partir das relações construídas entre a Associação Agroextrativista, os comunitários e produtores rurais têm reflexos na organização política e econômica das comunidades da RDS Uatumã. Refere-se à idéia de que são os fatores culturais que explicam porque as sociedades se diferenciam em seus desempenhos econômicos e políticos. E assim, a existência de horizontalidade nas relações entre indivíduos, estão desenvolvidas de acordo com as particularidades locais através de uma tradição comunitária, determinaria a maior propensão para o envolvimento dos agentes em ações coletivas capaz, então, de potencializar o uso do capital material e do capital humano da coletividade. Ao contrário, relações hierárquicas calcadas em clientelismo, ausência de confiança, inibiriam o engajamento cívico, levando a uma performance inferior. (PUTNAM, 2007). De acordo com Giddens (2002), essa tendência de enfatizar a organização é a maior característica da sociedade moderna. No entanto, “Dizer modernidade é dizer não só organizações mas acima de tudo “organização”, ou seja, o controle regular das relações sociais dentro de distancias espaciais e temporais indeterminadas.” Seria então, a obrigatoriedade de existência de uma Associação AACBU representativa um reflexo da modernidade, como também um mecanismo de controle do Estado acerca dessas comunidades rurais? Por via dos discursos apresentados por representantes dos governos municipais, estaduais e federal, é possível entender esse encaminhamento. Quando um agrupamento se autodefine comunidade tradicional ou mesmo assume a identidade representativa de guardiões das florestas, torna-se prioridade nas linhas dos 84 recursos públicos. Assim, as políticas públicas têm sido uma busca por parte das populações e uma forma de controle dos donos do poder dos chamados guardiões das florestas. Isso promove uma mudança de comportamento social. As coisas mudam com uma velocidade jamais antes sentida. A moderna percepção da relação tempo e espaço promove, portanto, um rearranjo coletivo, mas que também atua sobre o indivíduo. (GIDDENS, 2002). No Programa Bolsa-Floresta o termo comunidade é uma unidade política, que de preferência deve se organizar também como uma unidade produtiva, na medida em que um dos objetivos do Programa é incentivar o desenvolvimento sustentável da comunidade. No entanto, essa unidade não se mostra assim tão definida que possa seguir critérios objetivos pré-determinados, fazendo-se sempre necessária uma certa maleabilidade para adequar caso a caso às demandas do programa. As comunidades nem sempre são unidades pré-existentes, organizadas em torno de questões ambientais de produção, ainda que tenha uma liderança política instituída. Assim, as especificidades das formas de organização das comunidades necessitam estabelecer negociações para que seja definido como deve ser desenvolvido o Programa Bolsa- Floresta de acordo com a comunidade. Deste modo, se considerarmos a articulação do Programa Bolsa-Floresta associação e o poder controle por parte do poder governamental do acesso dos recursos naturais no âmbito do associativismo40, encontraremos uma forma coercitiva em curso pelo Estado no sentido de organizar a população da RDS Uatumã em instituições de classe como associações de acordo com seus interesses. De acordo com relatos, as comunidades, nos últimos anos, vêm amargando problemas causados por um distanciamento dos tomadores de decisão e, em particular de problemas de estrutura política, econômica e social interna que exigem um forte capital social. A representatividade da Associação Agroextrativista da RDS Uatumã concentra-se na identidade de principal interlocutora nas relações com a Fundação Amazonas Sustentável. Mas também é relevante chamar atenção para a necessidade de um envolvimento direto dos agentes sociais (Presidentes de associação) na criação e desenvolvimento de associações sem estarem tão dependentes as amarras do Estado ou ainda instituições privadas como a FAS. De acordo com um dos o coordenadores (institucionais) do Programa Bolsa-Floresta são os moradores que decidem quem deve ser seu representante junto ao programa, principalmente 40 Para melhor entender o associativismo, há dois momentos marcantes para compreender-se o associativismo no Brasil. O primeiro diz respeito ao período que abrange as décadas de 1960 e 1980, quando a busca era o reconhecimento identitário das organizações alternativas pelo Brasil, como sindicatos e associações e outros. Nos anos 1990, sob a égide da globalização, eram emergentes as formas institucionais conjugadas na busca de uma participação cooperativa, atreladas as parcerias entre o Estado, Ong´s e o mercado, originando perfis diferenciados de associativismo dentro de concepções e funcionalidades diferenciadas (WARREN, 1998 2005). 85 naquelas situações em que existem comunidades com mais de uma associação, por exemplo, na RDS Uatumã, que possui mais de uma associação, é Associação Agro-Extrativista das Comunidades da Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Uatumã, a atual responsável por atuar em toda a reserva. Esta associação foi formada em 2007 com a intervenção e apoio de agentes externos, como CEUC, IDESAM e Manaus Energia, devido a necessidade de a Reserva ter um representante interlocutor entre as demandas comunitárias e os governos atuantes na região (IDESAM, 2008). Em alguns relatos de comunitários sobre a organização das comunidades no que tange os assuntos como o PBF, expressaram a visão das associações, como responsabilidade única e exclusiva do presidente, nas palavras do comunitário: Sinto que a associação ainda faz pouco, mas agora começou a melhorar com o atual presidente, até que ele tem lutado por nós junto ao governo, mas tem conseguido muito pouco, eu acho que ele até se esforçado, está dando conta do recado, da associação (S.M.42 entrevistado em março, 2010). O modelo de associativismo induzido no PBFA pela FAS na RDS Uatumã resulta em desenvolver como prática organizativa, o poder de interlocução do presidente da AACBU nas manobras para adquirir recursos. É claro que isso também implica, sobretudo, no seu reconhecimento político, que se expressa no poder de pressão e nos resultados das articulações junto aos órgãos oficiais (FAS, INCRA, SDS e outros). Contudo, também, observa-se que este poder tem baixa representatividade, observando-se a centralização das decisões na diretoria, que tende a concentrar poder e informações. Deste modo, a predominância da relação de dominação e dependência entre a Associação Agroextrativista do Uatumã, FAS e o Estado limita o poder de negociação da associação. É perceptível que a partir do processo de estabelecimento do Programa BolsaFloresta houve um considerável aumento de poder das lideranças comunitárias que representam as Unidades de Conservação contempladas pelo programa, a exemplo, o presidente da Associação no Uatumã, uma vez que é este quem se responsabiliza por monitorar as famílias em relação ao cumprido de obrigações, como não desmatar a floresta para fazer roças ou pastos. A associação pode fazer a denúncia a FAS do não cumprimento das regras pela família que participa do PBF, no entanto, se uma família é desligada do programa, os valores destinados a associação diminui. Com isso espera-se como atitude da liderança comunitária, no caso o presidente da Associação Agroextrativista das Comunidades da Bacia do Rio Uatumã, que dialogue e convença o responsável pelo desmatamento no sentido de que este não repita tal ação novamente. 86 Neste sentido, os dispositivos de controle e disciplina41 em curso em programas e planos socioambientais, a exemplo do PBF na Amazônia nos remete as abordagens de Foucault em Vigiar e Punir (1987). Uma das idéias é que as sociedades modernas podem ser definidas como sociedades disciplinares. Assim, temos no Bolsa-Floresta Associação uma vigilância hierárquica, onde existe um sistema de poder sobre o corpo alheio, integrado por redes verticais de relações de controle, exercidas por dispositivos/observatórios que vão desde reformulações do capitalismo quando incorpora e se apropria do enfrentamento das mudanças climáticas, nas parcerias entre instituições governamentais e não governamentais, até o monitoramento das comunidades da RDS Uatumã pelas lideranças comunitárias. Esta reprodução de vigilância geram efeitos de poder, como ocorre nas fábricas, por exemplo: permite o controle contínuo dos processos de produção e, assim, funciona como operador econômico inseparável do sistema de produção, da propriedade privada e do lucro. Associação Agroextrativista que sofre cobrança pela proteção da floresta, de um lado, pelos gestores da UC para que atuem diretamente na fiscalização da Unidade, coibindo a pesca predatória e a retirada ilegal de recursos naturais madeireiros e não-madeireiros. E, de outro, dos moradores que buscam nos recursos naturais suas formas de reprodução social. Aí parece residir, possivelmente, uma enorme dificuldade que se expressa pela falta de política pública no que se refere a infra-estrutura no interior da RDS. O presidente da Associação argumenta que ainda não conta com um sistema de comunicação (do qual o mais viável seria a radiofonia) e muito menos o Luz Para Todos. No caso acima anunciados é impossível notificar a tempo ao Instituto de Proteção Ambiental do Estado do Amazonas (IPAAM) ou IBAMA a ocorrência de infrações. Em vista disso, reclama que, por viver em áreas do conflito e denunciar atividades ilegais e não contarem com proteção policial, sofrem risco maior que os servidores do Centro Estadual de Unidades de Conservação CEUC da Secretaria da Desenvolvimento Sustentável e do IPAAM nas atividades de fiscalização, colocando em perigo inclusive membros de sua 41 O estudo do conceito de disciplina, como política de controle e domínio da energia produtiva individual nas sociedades modernas, é estruturado por elementos e princípios específicos. Na linguagem de Foucault, os elementos da disciplina são os seguintes: a) a distribuição dos corpos, conforme funções predeterminadas; b) o controle da atividade individual, pela reconstrução do corpo como portador de forças dirigidas; c) a organização das gêneses, pela internalização/aprendizagem das funções; d) a composição das forças, pela articulação funcional das forças corporais em aparelhos eficientes. Os princípios da disciplina são constituídos pelo método de adestramento dos corpos: a vigilância hierárquica, a sanção normalizadora e o exame. A disciplina é uma anatomia política do “detalhe”, é dispositivo tático de poder, sustentado por uma racionalidade econômica ou técnica. A disciplina torna-se arte e técnica de compor forças para obter um aparelho eficiente, no interior do qual o “corpo se constitui como peça de uma máquina multisegmentar” (FOUCAULT, 1987:148). 87 família. Além disso, mesmo com o Plano de Manejo, enfrenta dificuldades por exemplo na discussão de acordos de pesca e a divulgação de regras mais claras para o uso dos recursos naturais da RDS Uatumã. Fica evidente, que cabe aos guardiões a enorme responsabilidade, também, de dar conta da segurança da reserva. Dever este que deveria ser, sobretudo, de responsabilidade de guardas/polícia florestais, em sentido estrito e do Estado de suas responsabilidade clássicas de segurança com a fronteira territorial. Se do ponto de vista institucional a Associação-AACBU ainda não tem recebido a devida atenção, especialmente da FAS do ponto de vista político o Presidente registra um outro desafio: a participação dos comunitários nas Associações, nesse início de uma nova gestão na RDS. Nessa fase de reestruturação, segundo ele, busca-se dar mais força a organização social. Importa aqui registrar que, esse poder disciplinar está em descompasso com as formas centenárias de organização comunitária nos beiradões da Amazônia baseadas em princípios da solidariedade e do coletivismo, das práticas tradicionais do ajuri, do mutirão, nas formas de produção para a subsistência e venda do excedente. E de outras instâncias de organização como o grupos de catequistas, grupo de jovens e clube de mães. De acordo com Cruz (2006), a existência de organizações estruturadas verticalmente não contribui para o estabelecimento de práticas democráticas, onde o princípio é exatamente o oposto, o estabelecimento de relações mais igualitárias. No caso da RDS Uatumã, a experiência histórica vivenciada pela população pode estar sendo a assimetria das relações em todas as esferas da vida social, reforçada pela centralização do poder, estimulando um comportamento apático e desinteressado politicamente. De acordo com um dos coordenadores do PBF tal como ocorre nos programas de transferência de renda, uma das contrapartidas para aqueles que recebem o benefício BolsaFloresta Familiar é manter os filhos na escola, no caso específico da RDS Uatumã o controle tem sido feito pela fiscalização de técnicos da FAS através da freqüência em consulta com os professores das escolas que existem nas comunidades. Em muitas UCs ainda está em fase de articulação com as secretarias de educação dos municípios. Contudo, tanto a fiscalização da freqüência dos filhos daqueles que recebem o valor da Bolsa-Floresta, como o monitoramento de áreas de plantio que não podem ultrapassar dois hectares para plantio, geralmente fica nãos mãos do presidente da associação agroextrativista. Os recursos oriundos do Programa Bolsa-Floresta Renda e Associação devem ser investidos de acordo com as demandas discutidas nas assembleias gerais das comunidades. Esta decisão passa pelo crivo técnico da FAS, tal escolha deve possuir viabilidade, ter 88 potencial na comunidade, e aceitação no mercado. Depois disto a Fundação compra e entrega os equipamentos necessários, sendo feito um monitoramento do uso destes equipamentos trimestralmente. Para O’connor (2002), a maior ou menor ação em favor ou contra a degradação ambiental e o empobrecimento se referem sempre a busca de sustentabilidade do capitalismo para fazer frente a essas contradições. A diferença a se manifestar aí será sempre a ação política, de modo que os movimentos sociais e ambientalistas consigam tornar a sustentabilidade um problema político, porque geradora e produto de clivagens sociais e desequilíbrios ambientais. O quadro relacional do PBF e as mudanças climáticas globais podem ser resumidas da seguinte maneira, segundo um dos chefes de família da comunidade: “aqui eu escolhi viver e criar meus filhos e antes das pessoas aparecerem por aqui falando em cuidar da floresta ou mesmo da criação da reserva, já vivíamos conscientes da importância da natureza, plantamos para nosso sustento e colhemos aquilo que Deus nos dá, mas sei que a natureza está mudando, pois eu vivo aqui e em toda minha vida não tinha visto cheia tão grande, e somos nós é que sofremos com esta historia do clima, sendo que não somos os grandes responsáveis pela destruição da mata ou da mudança do clima. A vida aqui ainda é difícil, principalmente para os mais jovens, o dinheiro do PBF não cobre nem o mínimo das nossas necessidades, mas não podemos recusar esta oportunidade ( D. A. p. 34. entrevistado em março de 2010) É interessante observar que a Fundação Amazonas Sustentável tenta deixar claro em seus informativos o propósito de diminuir o índice do desmatamento, embora não esteja explícito a substituição da base produtiva agrícola ou pecuária por uma base extrativista baseada na cultura que se utilize a floresta mais mantendo-a em pé, por sua vez estaremos ajudando no combate às questões das mudanças climáticas. Conforme Karl Marx (2004), o que define o caráter de um modo de produção é a articulação existente entre as forças produtivas e as relações sociais de produção. Essa articulação visa a assegurar a própria reprodução do modo de produção. Com isso, podemos dizer que os modos de produção até hoje existentes se definem pela presença de classes sociais complementares e antagônicas que resultam da articulação entre determinado estágio de desenvolvimento das forças produtivas e suas correspondentes relações sociais de produção. No capitalismo, este processo implica o fato de que: a) todo produto social toma a forma de mercadorias (e não apenas uma fração excedente); b) a própria força de trabalho é uma mercadoria; c) o capital, que é uma relação social, cristaliza-se em meios de produção que são também mercadorias. Este processo possibilita a extração da mais-valia como 89 apropriação privada do valor gerado pelo trabalho social e potencializa a circulação do capital em base ampliada. Ou seja, o que define o capitalismo não é simplesmente a produção de mercadorias, mas, precisamente, o fato de que: As mercadorias são produto do capital; a produção capitalista é a produção de mais-valia 3) é, no fim de contas, produção e reprodução do conjunto da relação, e é através disso que este processo imediato de produção se caracteriza como especialmente capitalista” (MARX, 2004, p. 37). Com base nesta definição geral, pode-se dizer que as comunidades rurais do Uatumã aparecem sob a luz da teoria marxista como uma “exploração parcelar”, ou seja, que produz em uma parcela restrita de terra e que estão integrados parcialmente ao processo de divisão social do trabalho. A maior parte de sua produção é utilizada como meio de subsistência, logo, possui apenas valor de uso e não valor de troca, ao contrário do agricultor, que depende totalmente da venda de seu produto, que é mercadoria. Para Marx, o surgimento de formas estatais não está ligado à necessidade de perpetuar a luta de classes, como queria Engels. Para Marx, como dissemos, o Estado é uma forma de instituição que nasce naturalmente das necessidades das comunidades semi agrárias, ou recém-assentadas, de organizar as obras de produção e reprodução da vida material imediata. Assim, do ponto de vista de Marx, o Estado deixou de ser esta entidade comunal originária, organizadora das obras de necessidades mais imediatas para tornar-se uma entidade privada, ou seja, uma “entidade comunal” resguardadora dos interesses comuns de apenas uma parte da sociedade, contra os interesses de outra parte desta mesma sociedade, como pensava Engels, somente a partir do momento em que as riquezas da sociedade já não mais eram propriedade da entidade comunal originária, mas sim teriam se tornado já propriedade privada daquela pequena parcela da comunidade que controlava já, efetivamente, a entidade comunal. Segundo Marx, o Estado, como forma de entidade já contraditória, mas que ainda cumpre um papel apenas de mediador da luta entre as classes antagônicas e que evolui para a forma de entidade gerenciadora e organizadora dos interesses de uma única classe contra as classes expropriadas da riqueza social, caracterizaria o processo histórico ocidental clássico ( MARX, 2004). Podemos observar as coisas da lógica do processo de acumulação do capital a partir dos efeitos residuais da política estadual para o ambiente no Amazonas, pois nota-se que os discursos econômicos de apelo social, fundadores da proposta do chamado neo institucionalismo de escolha racional firmados na maximização da função utilitarista pelos 90 agentes sociais. Estes encontram sua expressão maior nas escolhas públicas, isto é, a intervenção do Estado não pode corrigir as externalidades negativas geradas pelas ações dos agentes sociais sem causar outras externalidades proporcionalmente indesejáveis, por exemplo: a apropriação de bens públicos (ANDREWS, 2005, p. 5). A relação entre a Fundação Amazonas Sustentável e o governo do Estado do Amazonas tida como única forma de dar continuidade ao PBF, expressando-se na forma de coerção, por meio de incentivos ou da imposição de sanções. O foco estaria no problema na ação coletiva do uso dos recursos naturais de acesso comum, desta forma a existência da Fundação Amazonas Sustentável e sua legitimidade em regular o uso de bem comum de modo a serem sustentáveis. Um relevante ponto de partida é o conhecido artigo de Garret Hardim, “The Tragedy of the Commons” ( na língua portuguesa A tragédia dos Comuns), no qual o autor afirma que a racionalidade da ação de cada indivíduo no uso dos recursos naturais compartilhados levaria necessariamente ao esgotamento dos mesmos, ou seja o argumento de Hardin pode ser sintetizado da seguinte maneira: a ação coletiva não seria possível exceto em pequenos grupos só acontecendo por meio de coação externa (ANDREWS apud, OSTROM, 1997). É possível identificar nas argumentações institucionais do Programa Bolsa-Floresta um forte apelo em manter a floresta em pé, mas do ponto de vista sociológico corresponde ao modelo da “tragédia dos comuns”, ou seja, a um modelo chamado por “Dilema do Prisioneiro” a partir da cooperação poderia deixar todos em melhor situação, mas isso não ocorre devido a incerteza que cada agente (comunitário da RDS Uatumã) tem em relação ao comportamento do outro, desta forma podendo produzir um resultado coletivo negativo (ANDREWS apud, OSTROM, 1997). De fato, os pressupostos destas teorias têm consequências para as políticas públicas uma vez que ao se referir a situações ambientais como a tragédia dos comuns, problemas de ação coletiva que envolve os recursos de propriedade comum, onde o Programa BolsaFloresta invoca uma imagem que internaliza uma imagem de indivíduos incapazes, enredados em um processo de destruição dos recursos naturais que necessitam para produzir e reproduzir deu modo de vida. Segundo Ostron (1997), a partir de tal concepção sobre o comportamento dos indivíduos, duas prescrições políticas geralmente são apresentadas. A primeira corresponde ao modelo de coerção externa exercida por instituições governamentais. A segunda diz respeito a privatização que considera que essas recomendações são contraditórias e excludentes. 91 Os indivíduos têm a capacidade de se organizarem para implementar objetivos comuns, para compreender tal constatação empírica, seria necessário desenvolver uma nova teoria da ação coletiva. Neste sentido o quadro referencial do PBF incorpora normas de interação social(oficinas de capacitação)como elementos muitas vezes coadjuvantes, faz essa incorporação sem qualquer menção ás diferentes orientações que estão subjacentes a questão, ou seja, as variáveis típicas de analises econômicas como custos, benefícios expressas em termos quantitativos sendo verificadas segundo a perspectiva que ignora a base interpretativa das interações sociais ( ANDREWS apud HABERMAS 1984, p. 10). Nessa conjuntura, a (re) discussão do espaço público e espaço privado e sua relação com o ambiente ainda que preliminarmente, constitui um passo importante para entender que, o Estado do Amazonas não está apartado das transformações vivenciadas pelo mundo contemporâneo, entre as quais se destacam a mudança do papel Estado e a ausência de uma distinção de espaços públicos e legitimidades dos espaços privados para discussão dos problemas locais, assim como no delineamento e na discussão da realização de políticas públicas. A emergência e o crescente número de atividades privadas relacionadas ao Estado e, de outra parte, a intervenção do Estado em atividades privadas, permite que, atualmente, afirme-se a realização de uma publicização do privado e uma privatização do público. Neste sentido, o Programa Bolsa Floresta, empregado no Estado do Amazonas, (não especificamente na RDS Uatumã), pode ser tomado como um mecanismo de PSA. Com base numa autorização constante nos artigos 6º a 10º da Lei Estadual n. 3135/2007, o estado do Amazonas instituiu, juntamente com parceiros privados, a Fundação Amazonas Sustentável (FAS), com o objetivo de desenvolver e administrar programas voltados para as mudanças climáticas; ainda, a FAS está autorizada a comercializar os serviços e produtos ambientais. Outra contradição identificada nesta abordagem da instituição responsável pela implementação, execução e planejamento do PBF, explora os efeitos discriminatórios, que ao sugerir que o controle e poder dos recursos naturais de bem comuns, deixa claro o conflito de interesses inerentes às questões distributivas, esta abordagem prega que as instituições podem ser entendidas em termos de seus benefícios sobre segmentos específicos da comunidade. Aqui, a imposição dos interesses dominantes, logo, necessários à sua manutenção, moldam as políticas para o ambiente no estado do Amazonas de tal forma que a adaptação do comportamento às mudanças nos ambientes social e econômico se torna não mais uma opção, mas uma necessidade ( BORINELLI, 2008). O aprofundamento das restrições dos recursos naturais na RDS Uatumã podem fatal mente afetar mais as comunidades tradicionais, esta privação do acesso ao ambiente aos 92 moldes do institucionalismo que de uma situação muito diferente da pintada na publicidade do verde politicamente correto, inviabiliza os desejos e perspectivas dos modos de vida das comunidades da RDS Uatumã. A dicotomia entre espaço público e espaço privado se transformou no transcurso histórico, sendo que, na contemporaneidade, verifica-se um estreitamento do seu significado. Na atualidade, público e privado tendem a se confundir de modo crescente ao mesmo tempo em que os significados e anseios comuns compartilhados pelos membros da sociedade são cada vez mais esquecidos (TESSMANN, 2006, p.25 ). 2.4 - O Programa Bolsa-Floresta: política governamental Para além das discussões sobre os reais e comprovados efeitos locais das mudanças climáticas, é um fato que vivemos sob o signo das contingencias: catástrofes, doenças e crises. A força que a idéia dos direitos sociais passam a se orientar pela lógica “pessoas que recebem alguma coisa do estado tem que pagar”, principalmente no sentido de substituir o direito de receber um serviço pelo mérito. Assim, o PBF constitui, a exemplo dos programas de transferências de renda, mínimos sociais com o objetivo de contribuir para o atendimento de necessidades sociais básicas da população da RDS Uatumã, ou seja, a busca da autonomia, que não se limita às necessidades biológicas, mas a necessidades entendidas como “a capacidade dos indivíduos do individuo eleger objetivos e crenças, de valorá-los com discenimento e de pó-los em pratica sem opressões (PEREIRA, 2000. p. 70). Neste campo político e ambiental encontramos divergências existentes entre os grupos e interesses que envolvem o direito de acesso aos serviços públicos sociais. Refiro-me ao PBF, PZFV e aos ganhos com a imagem das famílias que moram nas UCs e as perspectivas de lucros com os serviços ambientais. Estes elementos fazem parte da política ambiental do estado do Amazonas de enfrentamento das mudanças climáticas. Um campo desigual, onde temos de um lado a parcela da sociedade (grupos donos do poder como mecanismos de acumulação do capital) que tira de inúmeras formas proveito dos recursos naturais, por ter a propriedade dos bens naturais e por poder adquirir os produtos e serviços, ao passo que do outro lado resta a parcela (povos tradicionais cujo principal referencial compreende o acesso aos recursos naturais) que, além de não alcançar tal plenitude de acesso, ainda é obrigada a arcar com o passivo ambiental alheio. 93 Os fatores antrópicos relacionados às mudanças climáticas são hoje objeto de grande importância nas pautas políticas locais e internacionais, na maioria das vezes sem o reconhecimento das responsabilidades históricas diferenciadas, e no sentido de defender maior responsabilidade dos que historicamente contribuíram para a referida crise ambiental. A distribuição justa de benefícios oriundo de esforços de redução de emissões de gases de efeitos estufa por desmatamento no Brasil, especialmente às comunidades rurais e extrativistas residentes nas áreas protegidas pode esbarrar naquilo que chamamos de graves divergências existentes entre os diversos grupos e interesses que fazem parte deste suposto campo político e ambiental de inclusão das mudanças climáticas globais e seus efeitos locais. Configuram-se dinâmicas sociais próprias e mais amplas e muitas vezes contraditórias, na relação do global/local (BOURDIEU, 2007). Conforme a idéia de justiça ambiental proposta por Alier (2003), o direcionamento dos riscos das mudanças climáticas que procuramos mostrar que as comunidades tidas como guardiões das florestas são as verdadeiras vítimas das reformulações do desenvolvimento conservador que se inscreve na modernidade. Neste sentido, Guillermo Foladori expõe o seguinte: De acordo com o controle que uma classe tenha sobre os meios de produção, tanto o acesso à natureza e sua utilização quanto a responsabilidade sobre os resultados imprevistos por seu uso serão diferentes. Na sociedade capitalista, o acesso à natureza por quem representa a propriedade da terra e das fábricas e por quem somente dispõe de sua força de trabalho para viver não é o mesmo. As possibilidades de transformar o meio ambiente de modo planetário, como se colocam hoje em dia, estão nas mãos dos donos das fábricas que poluem a atmosfera, que fabricam automóveis movidos a energia fóssil, que produzem alimentos e matérias-primas utilizando insumos tóxicos e não biodegradáveis, que produzem armamento, que obtêm seus lucros com a geração de energia nuclear, que saqueiam os mares para incrementar seus lucros (FALADORI, 2001, p. 207). Pereira (2000), atribui à dificuldade do estabelecimento de necessidades universais ter sido contornada com a identificação, na prática, a partir daquilo que estas classes têm em comum no sistema capitalista, ou seja, à violação de suas necessidades básicas e dos direitos correspondentes à satisfação dessas necessidades. Diante das tendências contemporâneas da política social enquanto conceito polissêmico estaríamos diante de um programa de reformulações de políticas cerceadoras e reguladoras que pune os povos, onde a relação de estado e sociedade e que estão em descompasso, pois o primeiro tem a visão muitas vezes limitada de uma mera distribuição de serviços sociais enquanto que a sociedade busca uma legítima política pública, que não se 94 baseia no caráter punitivo ou mesmo tendo o foco no controle do direito de acesso dos recursos naturais. No estudo sobre necessidades humanas e os contenciosos que envolvem seus significados e conteúdos, para Pereira (2000), reportando-se a Len Doyal e Ian Gogh, autores da obra A theory of human need, em que a partir de diálogos com inúmeras concepções convencionais envolvidas com os significados dessas necessidades tratam de estabelecer com rigor a diferenciação entre o que são necessidades e o que se desenvolve no campo das vontades, dos desejos, “do querer para ser”, destaca: A chave da distinção entre necessidades básicas e as demais categorias mencionadas repousa num dado fundamental que confere às necessidades básicas (e somente a elas) uma implicação particular: a ocorrência de “sérios prejuízos” à vida material dos homens e à atuação destes como sujeitos (informados e críticos), caso essas necessidades não sejam adequadamente satisfeitas (PEREIRA, 2000, p.67) Outro ponto importante de ressaltar sobre políticas públicas pressupõe o olhar sobre interesses comuns, interesses conflitantes, jogos de poder, instituições, intervenções. Para tanto, lançaremos mão do conceito de campo simbólico nas abordagens feitas por Pierre Bourdieu (2007), esta dimensão simbólica é por excelência o campo da subjetividade onde ocorre parte significativa dos conflitos humanos, isso aparece por vezes explícita e implicitamente na contemporaneidade, nas disputas entre grupos sociais na arena imediática. Ou seja, a questão ambiental ou mais especificamente a sua dinâmica da política ambientalista encontra nesse pressuposto de relações instituintes, um lugar social para sua ação. Os conflitos resultantes da produção da ordem legítima não estariam centrados nas interações entre agentes individualizados (ou particulares), mas nos campos sociais relacionais. Campos de força que se configurariam por um arbitrário cultural, produto das relações entre o habitus42, - isto é, o sistema de disposições e posições sociais -, a ordem simbólica e o poder de nomeação por onde se impõe uma visão legítima do mundo social. É nesta arena imediática que os grupos sociais buscam elevar suas demandas particulares ou pessoais transformado-as em problemas sociais, influenciado nas agendas públicas, através de discursos, textos e imagens veiculados sob a máscara da objetividade dos fatos, apenas divulgados pela mídia, esta luta de imposição de uma visão de mundo particular, 42 Aprimorado por Bourdieu (2004) como conjunto de disposições duráveis com o qual o homem lida com o mundo, incorpora valores e imprime costumes a outros homens. 95 pela visão (e divisão) do mundo social segundo os parâmetros de determinados grupos sociais (BOURDIEU, 1989). Enfatizando as novas ou recorrentes demandas, percebe-se que as problemáticas ambientais atualmente têm sido objeto da agenda pública no momento de formulação, implementação e gerenciamento de políticas públicas. Neste sentido a abordagem das políticas públicas para os propósitos de nosso estudo indica ao mesmo tempo a natureza das estruturas das intervenções do Estado, e o conjunto de atores da sociedade civil presentes ou não (ONG, grupos empresariais, comunidades, entidades internacionais e outros), estas devem, necessariamente, contemplar um determinado fim ou uma área específica da realidade cotidiana (COUTINHO, 1989). A perspectiva generalista ignora a historiografia das realidades localizadas. No caso da Amazônia, implica o desafio de romper com o peso da visão colonial homogeneizante. Assim, o poder de construir políticas públicas está relacionado com as estratégias na disputa de poder dos diferentes interesses pretéritos e futuros responsáveis por marcas profundas nos processos históricos e políticos da região amazônica, isto é, o processo de ocidentalização do planeta conduzido pelos eixos civilizatórios em várias partes do mundo esteve ligado de maneira orgânica através da imposição de identidades reconfiguradoras. Num primeiro momento, pela colonização europeia e as companhias de comércio e suas formas de exploração, no momento subsequente e ainda em curso a imposição de formas de integração nacional pelos projetos carregados de imagens etnocêntricas e obsoletas, submetendo a todas as formas de exploração e violência os povos, classes e etnias (SILVA, 2004). Desta forma, não se pode refletir a relação Estado e políticas para Amazônia como um dado da realidade a histórica, e sim assumir o entendimento que o processo de formulação de políticas públicas tenha adquirido maior visibilidade com a emergência da sociedade moderna a partir do século XIX, com as tomadas de decisão sobre a gestão dos recursos naturais em curso na Amazônia. Estes guardam em sua configuração residual uma estreita relação com as condições pretéritas e presentes do processo civilizatório no qual nos inserimos atualmente materializado pelos fluxos globais, relações de dependência e interdependência, entrelaçamentos da economia capitalista mundial (SILVA, 2004). Para Bouschetti (2008), a principal marca definidora do conceito política pública 43 reside no fato de esta ser “uma coisa publica”, ou seja, de todos e, por isso, constitui a 43 Política pública é tida como o significado moderno da política social, o termo em sua versão denominada política pública, surge no segundo pós guerra, para entender a dinâmica entre governos e cidadãos, extrapolando o apego as analises de caráter empírico limitadas as ausências de avaliações mais densas da estrutura da maquina estatal (BOUSCHETTI, 2008). 96 presença e o compromisso tanto do Estado quanto da sociedade. Cabe esclarecer que não se trata de um sinônimo de política estatal ou mesmo que tenha identificação exclusiva com o Estado ou ainda com grupos particulares. O seu caráter público é explicado pelo fato de significar um conjunto de decisões e ações, resultado de, a só tempo, de ausências e ineficiências do Estado e da sociedade, mas que visa a materializar direitos sociais garantidos nas leis. Assim, para entendermos os desafios postos sobre as políticas sociais, em que pese aquelas foco de nosso estudo, desenvolvidas no capitalismo contemporâneo é necessário entender a articulação existente entre as políticas sociais e a política econômica. É exatamente neste cenário que emerge o papel do Estado na sua relação com os interesses das classes sociais, para identificar se ele privilegia as políticas econômicas em detrimento das políticas sociais. Além disso, torna-se importante identificar as forças políticas que se organizam no âmbito da sociedade civil e que interferem na formulação da política social. Contudo é parte também importante chamar a atenção para existência da dimensão cultural que está relacionada à política, uma vez que os agentes políticos são portadores de valores que interferem na formatação de políticas sociais (BOUSCHETTI, 2008). Quando transportamos esta idéia para o cenário do Estado do Amazonas, pode-se perceber que esta, embora não conquistada pela sociedade, somente encontra aplicabilidade via políticas públicas, que, por sua vez operacionalizam-se por meio de programas, projetos e serviços sociais. Contudo, não poderíamos esquecer-nos de enfatizar que toda e qualquer proposta de política pública concreta possui como núcleo matriz os serviços sociais, essa característica guia-se pelo princípio do interesse comum ou público, isto é, contrariamente aos interesses particulares, especialmente, aqueles orientados pela dinâmica do capitalismo. O processo de escolha desta estratégia de ação pensada, planejada e avaliada envolve Estado e sociedade em permanentes relações de reciprocidades e antagonismos ao mesmo tempo, aliás, podendo ser materializados na Amazônia, por exemplo, com o suposto problema da presença de grupos humanos em áreas protegidas. Para além de uma definição limitada e parcial de política pública como resultado de uma atividade política dos governos, torna-se relevante destacar o caráter universal dos bens públicos, com funções de consolidar direitos conquistados pela sociedade, incorporados nas leis e alocados na distribuição bens públicos. Em uma breve digressão também é interessante identificar a política social pública na sua classificação enquanto produção de arenas de conflito: a) arena regulamentadora 97 caracteriza-se pela política que consiste em ditar regras autoritárias que afetam o comportamento dos cidadãos, remete-se ao Estado que obriga e proíbe coercitivamente. Desta forma, a personificação dos interesses pessoais encontram comodidade nos decretos, que restringem as liberdades individuais; b) da arena distributiva, refere-se a política que busca melhor distribuição dos bens caracterizado-se pela situação em que o poder público estabelece critérios que permitem vantagens a casos ou pessoas em detrimento de outros. “É claro que dependendo daquilo que está em jogo, assim como dos custos para o confronto dos atores envolvidos, torna-se possível haver uma situação em que um lado não ganhe tudo e o outro lado não perca tudo, ou seja, cada um cede um pouco para resolução do conflito. É claro que sem grandes enfrentamentos, a acomodação pode ser uma estratégia com o objetivo de adiar o confronto para outro momento mais favorável a correlação de forças para o ator interessado” (BOUSCHETTI, apud RUA 2008). Ao retomarmos a década de 70, pode ser considerado o momento de maior frequência da expressão política pública que passou a se impor no discurso oficial e nos textos das ciências sociais, recobrindo o mesmo espaço empírico antes ocupado pela noção de planejamento estatal. “o termo política refere-se a: “Um conjunto de objetivos que formam determinado programa de ação governamental e condicionam sua execução”. Implica desta forma, a idéia de orientação unitária quanto as fins a serem atingidos. Também supõe uma certa hierarquia entre as diversas dimensões empíricas a serem presumidamente atingidas, pelo menos a nível dos benefícios que adviriam de sua implementação. A direção para a qual aponta e os objetivos que orientam a referida política manifestar-se-iam, de forma clara, no interior dos projetos e atividades que a constituem. Além disso, denotaria um conjunto articulado de decisões de governo, visando fins previamente estabelecidos a serem atingidos através de práticas globalmente programadas e encadeadas de forma coerente” (AUGUSTO, 1989, p.106). Já no momento subseqüente Ferreira (1998), identifica dois novos momentos em que se processa a configuração de institucionalização das chamadas políticas ambientais no Brasil: a) o momento em que muitas das questões políticas mais candentes e significativas estarem se desenrolando fora da esfera política até então concebida como “oficial”, ou seja, fora de um espaço passível de ser controlado pelo Estado. Assim empresários movimentos sociais, sociedades científicas, sindicatos, politizam e tornam públicas questões antes vistas seja como próprias dos âmbitos privados sejam como próprias única e exclusivamente do aparato político-administrativo oficial; b) outro momento refere-se ao fato das emergentes demandas sociais desafiarem os até então adequados códigos e instrumentos de gestão da vida pública, até não muito tempo capazes de proporcionar medidas de proteção aos cidadãos. 98 Aqui é importante destacar diante dos propósitos deste estudo que a formulação e a execução de programas sociais pelo Estado do Amazonas têm feito prevalecer os interesses econômicos sobre metas de maior equidade social: sua intervenção nessas áreas vem se fazendo, prioritariamente, através da articulação do aparelho governamental com o setor privado produtor de serviços ou bens. Como, por exemplo, a responsabilidade que o governo do Estado do Amazonas transferiu à empresa privada FAS, no que diz respeito ao poder de escolhas, do direito de acesso a bens de uso comum. Transformando e subordinando as necessidades da população local (UCs) de acordo com os interesses individuais dos imperativos da reprodução do capital. (AUGUSTO, 1989 apud KOWARICK, 1985). Um dos mais importantes momentos do processo decisório de uma política pública é quando se colocam claramente as preferências dos atores envolvidos a partir das manifestações de seus interesses. Nesse momento em que ocorre o confronto de diversas preferências, que por sua vez dependem das vantagens e desvantagens para cada ator em relação às diferentes alternativas propostas para solucionar um determinado problema. “As vantagens e desvantagens não se restringe a custos econômicos, mas por sua vez envolvem também elementos simbólicos, enquanto prestígio; elementos políticos, como ambições de poder e ganhos ou perdas eleitorais” (RUA, 1998, p.24,). Quando se trata de políticas com características de programas como o Programa Bolsa Floresta, é importante reconhecer que o fenômeno sobre o qual a ação incidirá requer negociação e compromisso, considerando que muitas políticas representam compromissos entre valores e objetivos conflitantes, ou ainda envolvem compromissos com interesses poderosos dentro das estruturas de implementação (exemplo: as políticas que ignoram os impactos das forças econômicas) podendo assim afetá-las e até mesmo comprometer a sua implementação. A implementação como formulação em processo, porém nem todas as decisões relevantes são tomadas durante a fase de formulação. Fica visível que diversas razões para que essas decisões tenham sido feitas ainda na sua implementação: a existência de conflitos que não foram resolvidos ainda no processo de formulação; o conhecimento limitado sobre o impacto efetivo das novas medidas (RUA, 1998). Por outro lado, existem atitudes de agentes públicos que ignoram todas as atitudes acima, Assim, muitos daqueles que decidem supõem que o fato de uma política ter sido definida, garante automaticamente, seja implementada, ou mesmo supõe-se que a implementação resume-se em executar o que foi decidido, logo, é apenas uma questão de os executores fazerem o que deve ser feito para implementar a política, tendo como 99 conseqüência a implementação é vista como uma atividade de menor importância e desprovida de conteúdo político. Na verdade, a concepção tradicional de planejamento, também chamada de “linear” predominou em todo mundo ocidental até pelo menos 1980 e, ainda hoje, é bastante generalizada em toda América Latina. Como se pode verificar, a realidade conhecida é muito mais complexa. As ausências e deficiências dos agentes públicos envolvidos têm como resultado último apenas algumas partes da política implementada contraditoriamente a decisão de seus objetivos, ou seja, podem ter partes implementadas diferentes daquela inicialmente prevista (MMA, 2005). De fato, nesse estágio mais recente do capitalismo, as políticas sociais continuam a se constituir em ação estatal estratégica na reprodução ampliada da força de trabalho, com vistas a reverter à queda tendencial da taxa de lucro capitalista. A diferença entre os anos de Estado neoliberal e os anos de Estado de bem-estar social, no que tange às políticas de reprodução ampliada da força de trabalho, consiste na redefinição da natureza de sua intervenção, e não na sua desobrigação. Quando o Estado produtor direto do aumento da produtividade da força de trabalho se transforma em Estado gestor da reprodução ampliada do capital e do trabalho, no capitalismo neoliberal, ele se desobriga da execução direta de parcela significativa das políticas sociais e amplia consideravelmente o número de parceiros na sua execução, garantindo a sua presença, ainda que indiretamente, pela direção e gestão das parcerias, nesse importante segmento de sua política econômica. Assim, com a privatização das políticas sociais a partir das intervenções da FAS, a legitimidade do direito a cidadania das populações que vivem nas UCs no estado do Amazonas não passou a configurar uma desobrigação do Estado pela questão social, mas sim uma ação do Estado capitalista neoliberal de reprodução ampliada do capital. A privatização, consubstanciada em empresariamento dos serviços sociais, se constitui concomitantemente em contra tendência à queda da taxa de lucro, no que tange à desvalorização de parcela do capital, e em aumento da produtividade do trabalho pelo incremento da superexploração da força de trabalho (POULANTZAS, 1986). O empresariamento dos serviços sociais em geral responde a importantes determinações político-ideológicas: 1) contribui para consolidar a ideologia neoliberal de liberdade de escolha dos consumidores dos serviços; 2) sedimenta a hierarquização e a desigualdade na prestação de serviços, diante dos novos imperativos técnicos e éticopolíticos 100 de expansão da cobertura; 3) reforça a ideologia do individualismo como valor moral radical; 4) prepara novos intelectuais orgânicos da nova sociabilidade do capital; e 5) auxilia decisivamente para concentrar a ação estatal nas políticas sociais focais (POULANTZAS op cit.). Assim, é possível afirmar que reduzem o patamar mínimo da responsabilidade estatal com a preservação da liberdade individual e a justiça social. Essas políticas vêm se constituindo ainda em instrumentos eficazes de cooptação molecular e de grupos ao projeto social e de sociabilidade das classes dominantes, por se constituírem em oportunidades de emprego e de remuneração em tempos de precarização das relações de trabalho e de desemprego funcional. Elas contribuem, ainda, para reduzir a participação política coletiva da classe trabalhadora ao nível econômico-corporativo mais elementar de defesa dos interesses específicos de natureza localista e, assim, inversamente, tornar mais efetiva a hegemonia do capital monopolista sob a direção intelectual e moral do capital financeiro em escala mundial. Nessa perspectiva, o Estado neoliberal, cujas funções econômicas se reduziram a gerir a privatização, a fragmentação e a focalização das políticas sociais, para investir mais diretamente nas políticas de reprodução e de rearticulação das várias frações do capital, vai se constituindo em “Estado necessário” (GIDDENS, 1996). Segundo Poulantzas (1980), em sua obra “Poder Político e Classes Sociais”, o Estado capitalista se difere de outros Estados (históricos)44 pelo fato de não possuir sujeitos enquanto agentes de produção. Difere-se, pois, do feudalismo já que não possui estamentos que formam a engrenagem do modo de produção. O Estado aparece como um Estado – nacional – popular - de - classe. A dominação política não se coloca pelas instituições, já que são organizadas em torno dos princípios de igualdade e liberdade dos indivíduos. A legitimidade do Estado provém justamente da soberania popular, do voto, da “vontade geral”. A lei e sua racionalidade (o sistema jurídico) substituem a ordem divina. A racionalidade abstrata e normativa da lei forma o “Estado de Direito”. Para este referido autor, no Estado capitalista moderno existe uma ideologia de representação, isto é, o Estado apresenta-se como representativo de um “interesse geral”, mas 44 Ao examinar alguns textos históricos de Karl Marx, Poulantzas observa que antes do processo de produção capitalista, isto é, no sistema feudal, os indivíduos “livres” estavam situados como “indivíduos nus”. Tais indivíduos tinham somente a força de trabalho e estavam fora dos direitos do Estado. Em contraste, no sistema capitalista aparece o “trabalhador livre” como “sujeitos-jurídicos”. Isso foi possível pelo fato de no Estado capitalista aparecer uma estrutura jurídica, política e ideológica, determinadas, em última instância, pela estrutura do processo de trabalho e aplicadas nos agentes de produção a fim de mascarar suas relações enquanto relações de classes. 101 na verdade negligencia o seu papel de interesse de classe (classe dominante). O Estado obscurece sistematicamente, ao nível das instituições políticas, o seu caráter classicista: trata de sua autenticidade de ser um Estado popular nacional de classe. “Este Estado apresenta-se como a encarnação da vontade popular do povo-nação, sendo povo-nação institucionalmente fixado como conjunto de cidadãos, “indivíduos”, cuja unidade o Estado capitalista representa, e que tem precisamente como substrato real esse fato de isolamento que as relações sociais econômicas dos meios de produção capitalista manifestam” (POULANTZAS, 1986, p.129) Assim, Poulantzas esclarece, que não há uma intenção racional de dominação de classe imposta, uma ideologia de dominação de classe. Ao contrário, são o modo de produção capitalista e a “individualização” dos agentes de produção que definem a forma do Estado. A instância ideológica decorre das relações de produção e não o contrário. A superestrutura 45 jurídico-política do Estado germina da estrutura das relações de produção. A separação entre o produtor direto e os meios de produção transforma agentes de produção em sujeitosjurídicos, em indivíduos-pessoas políticos. Forjam-se contratos de trabalho e a propriedade jurídica formal. Para além do Estado como simples instrumento de dominação de classe pela classe dominante. É preciso entendê-lo como resultado das relações do modo de produção capitalista que ao atomizar os agentes econômicos, retirar sua identidade de classe e transformá-los em agentes concorrentes; deslocam o caráter de sujeito da história ao conceito de povo-nação, que o Estado representa. Os interesses da classe dominante são, então, apresentados como interesses de Estado, gerais, nacionais, populares; não como interesse de classe. E mais do que simples forma de apresentação, o Estado é assim sentido. Aqui, o conceito de hegemonia46 de Gramsci melhor ilustra esse sentimento. 45 Entende-se por superestrutura a partir do estudo do sistema produtivo que é tão importante na visão marxista de vida social que os que dominam o sistema econômico são considerados também como dominando outros aspectos d a vida social, à sua imagem e interesse. As mais importantes dessas áreas são as superestruturas da sociedade, do Estado das instituições, meios de comunicações de massa, que desempenham um papel vital na criação da consciência coletiva. Isso é feito através de crenças, valores, normas e atitudes que juntos proporcionam a matéria- prima para a construção e interpretação da realidade social (JONHSON, 1997, p. 26) 46 Ver a obra de Gramsci: A hegemonia indica uma situação histórica em que a dominação de classe não se dá simplesmente pelo uso da coerção, da violência, da força; mas seu componente essencial é uma função ideológica particular pela qual a relação dominantes-dominados se baseia em um “consentimento ativo” das classes dominadas. 102 CAPÍTULO III - A RDS Uatumã: as comunidades e o Bolsa-Floresta Para além da noção de comunidade empregada no sentido de cunho conservador utilizada no PBF, que, aliás, pode-se dizer refere-se a uma imagem pré-concebida do que seriam povos tradicionais. Ao verificarmos as estratégias de produzir e viver destas comunidades poderemos confrontá-las com aquilo que o Programa Bolsa-Floresta apresenta, ou seja, como dados de uma realidade construída pelo governo e pela mídia, e como dados de um trabalho de campo realizado nas comunidades Nossa Senhora do Livramento, Nossa Senhora do Perpétuo Socorro do Maracaranã e Jaquereguara na RDS Uatumã. Buscamos aqui neste capítulo aproximar e desvelar o modo de viver e produzir das comunidades e sua relação com o programa. A escolha das comunidades se explica pelo fato de estas reuniren em poder elementos de afirmação ou mesmo de negação da rede de relações sociais, como por exemplo, a implantação dos componentes do PBF em diferentes estágios, que podem ser percebidas nas demais comunidades. 3.1-Comunidade Santa Luzia do Jacarequara Localização e infraestrutura A comunidade Santa Luzia do Jacarequara está localizada nos paralelos (S 02° 26’ 4”/ W 58° 16’ 7”) na margem esquerda do Rio Uatumã, no município de Itapiranga, sendo uma das mais antigas, fundada por volta da década de 1980. Na comunidade predomina o solo arenoso. Esta fica próxima à Serra Itapuca, sendo possível encontrar uma área de terra preta de índio47, onde se pode encontrar fragmentos de cerâmica ( IDESAM, 2008). A maioria das residências é construída com madeira, cobertas por telhas de amianto ou alumínio e, ainda, possuem áreas com quintais. As residências estão localizadas próximas a 47 A Terra Preta Antropogênica ou Terra Preta de índio é uma unidade de solo de origem antrópica, existente na Amazônia, solos que foram enriquecidos em nutrientes, pelo manejo dos restos orgânicos do fogo pelas populações pré-colombianas, são solos de coloração escura, altos teores de substancias húmicas, fragmentos de cerâmica e artefatos indígenas incorporados a matriz superficiais do solo, o que originou a terminologia Terra Preta de Índio (COSTA, 1997) 103 igreja ou a sede social da comunidade, A disposição das casas reflete o ambiente físico, especialmente, o ciclo hidrológico anual da cheia e da vazante. No que diz respeito aos serviços públicos essenciais à comunidade, esta não possui acesso à rede contínua de energia elétrica. Ainda assim, a comunidade possui um gerador de energia, com uma promessa de previsão no Plano de Gestão da RDS do Uatumã no SubPrograma de Apoio à Qualidade de Vida do Governo estadual o desenvolvimento de projetos para a implantação de sistemas alternativos de geração de energia, mais adequados à realidade das comunidades da Reserva (AMAZONAS, 2008). 104 Nº Comunidade Tabela 04- Comunidades com o numero famílias por pólos Conhecida como No.dedeFamílias Bela Vista 20 3 Maracaranã 28 3 São Benedito 13 3 Maanaim 12 3 Flechal 06 3 Abacate 06 2 Caranatuba 11 2 Pedras 14 9 Nossa Senhora do P. Socorro de Maracarana São Benedito do Araraquara Maanain Nossa Senhora de Aparecida do Flechal Santa Helena do Abacate Santa Luzia do Caranatuba Ebenezer (das Pedras) Cesaréia 2 Cesaréia 04 10 São Francisco das Chagas do Caribi 2 São Francisco 15 11 Nossa Senhora do Livramento 2 Livramento 13 12 Santa Luzia do Jacarequara 1 Jacarequara 22 13 Bom Jesus do Angelim 1 Bom Jeus 10 14 Nova Jerusalém do Amaro 1 Amaro 09 15 Deus Ajude – Boto 1 Boto 14 16 Nossa Senhora de Fátima do Caioé Grande 1 Caioé 18 17 18 Monte das Oliveiras Monte Sião – Leandro Grande 2 1 Monte das Oliveiras Leandro Grande 10 11 19 Nossa Senhora Aparecida do Lago do Arara 1 Arara 17 20 Emanuel da Serra do Jacamim 2 Jacamim 04 2 3 4 5 6 7 8 Total 9 3 Bela Vista 105 1 Pólo 1 Figura 04: Localização das Comunidades da RDS Uatumã Fonte: IDESAM, 2008. 257 106 105 Fonte: IDESAM (2008) 106 Com relação à educação a comunidade dispõe de uma escola, construída pelos próprios moradores com apoio da prefeitura do município de Itapiranga, que oferece ensino de 1ª a 9ª série do ensino fundamental.Conforme o depoimento de uma das moradoras mais antigas, os jovens, na maioria das vezes, se veem obrigados a continuar os estudos no município de Itapiranga. Como as demais comunidades do Estado do Amazonas, os moradores apresentam queixas que são comuns. Entre elas as principais estão à falta de um atendimento eficiente de saúde e de uma rede de comunicação externa, o único atendimento que dispõe cabe a um agente de saúde que realiza somente atendimentos básicos, portanto, problemas mais graves somente são tratados no município de Itapiranga ou Manaus. Desta forma, a ausência de serviços públicos de saúde na comunidade é evidente, pois tem atendimento médico permanente, restringe-se a um agente de saúde. As casas não possuem fossa céptica, a água utilizada nos afazeres domésticos vem diretamente do rio com o uso esporádico de hipoclorito, é importante ressaltar alguns relatos de proliferação de endemias. Atualmente a comunidade Santa Luzia do Jacarequara possui cerca de 22 famílias que possuem entre 4 (quatro) a 10 (dez) membros vivendo em casas com dois ou no máximo três cômodos. A maioria das famílias reside na comunidade há mais de 10 anos (50%), conforme a figura 05: Figura 05- Tempo de moradia das famílias entrevistadas. Sobre a origem das primeiras famílias na comunidade, D. Lourdes e Sr. Antenor afirmam que eram de outras localidades da própria região amazônica. Contudo não pudemos reconstituir isso com clareza tendo em vista que muitos já não moram mais na 107 comunidade e os que ficaram não sabem informar com precisão sobre a origem dos que se foram. No entanto, podemos afirmar que é possível que os primeiros moradores tenham sido mesmo da própria região amazônica. Não apenas do município de Presidente Figueiredo e da Vila de Balbina, mas de outros municípios dos interiores da Amazônia. Notamos que, pelo menos os primeiros moradores que permaneceram em Santa Luzia do Jacarequara, de fato, eram naturais do Amazonas e do Pará. Atualmente, a comunidade é formada, principalmente, por famílias vindas dos interiores da Amazônia, e também de uma porção significativa de famílias vindas de outras regiões do Brasil, sobretudo do nordeste. São famílias de mobilidade urbana rural que não advém de experiência com o universo rural, encontravam-se insatisfeitos com as possibilidades das cidades de origem; passaram antes por Manaus, e/ou outras cidades como Santarém, por exemplo, sem conseguir também fixar-se com satisfação, assim acreditaram na possibilidade de uma vida melhor e de serem donos de suas terras. Desta forma é possível notar que os moradores de Santa Luzia do Jacarequara expressam em suas relações cotidianas os interesses daqueles que escolheram residir na comunidade, através da obtenção do tão sonhado pedaço de terra (40%), logo depois outro motivo que predomina é o convite de amigos, como demonstra a figura: Figura 06 - Motivos dos moradores da comunidade tidos como condicionantes para residir na comunidade. A organização familiar na comunidade é estruturada no poder patriarcal, onde os chefes das famílias são os homens, no entanto algumas mulheres também desenvolvem as tarefas de agricultura e pesca. Os filhos mais velhos também desenvolvem atividades 108 domésticas, cuidam dos filhos e da casa. Pai e filhos mais velhos trabalham no cultivo da roça, as famílias muitas vezes compartilham a casa de farinha para o processo de preparação da farinha de mandioca. Os membros mais velhos de cada família são fonte de conhecimento do ambiente local, das áreas produtivas da floresta, além disso, no seio familiar é notória a sociabilidade das crianças com os mais velhos, há indícios de deterem o conhecimento tradicional das propriedades místicas e curativas de tratamentos com base em várias ervas medicinais. É possível afirmar que sua cultura e modos de vida são marcados de saberes associados ao tempo e aos ciclos da natureza. “Essa tradição, herdada dos antepassados, é constantemente re-atualizada e transmitida às novas gerações pela oralidade. (...) Os saberes tradicionais sobre os seres do rio e da mata desempenham papel fundamental na construção de sistemas de manejo da natureza, muitos deles marcados por grande engenhosidade.” (DIEGUES, 2004). É interessante notar o elo que une a comunidade santa Luzia do Jacarequara, presente principalmente, nas relações de vizinhança, parentesco, as tradições religiosas e culturais, algumas que continuam sendo mantidas por seus moradores e outras que são redimensionadas ou substituídas, como por exemplo, a criação da festa que comemora a soltura de quelônios. Tomando como base de análise os dados de uma representação da realidade local da comunidade, já se podem identificar as possíveis mudanças e efeitos dessa política governamental no modo de vida das famílias de Santa Luzia do Jacarequara, que de certa forma não foi material, mas sim identitária. Ao utilizarmos o conceito de identidade nos termos propostos por Hall (2005): como uma estratégia organizativa, um modo de construir sentidos que influencia e organiza nossas ações e a concepção que temos de nós mesmos. Pode-se perceber, entre os moradores de santa Luzia do Jacarequara, que eles guardam em sua maneira de viver certo sentido de bem comum, principalmente dos recursos naturais, pois é responsável pela sustentação de uma espécie de rede de sociabilidade na repartição da pesca e da caça. Contudo a comunidade, segundo relatos, vem passando por transformações socioculturais, como a mudança nas atividades produtivas de agricultores para pescadores, e outros que criavam gado e agora buscam o extrativismo. Contudo, aí parece residir, possivelmente, uma enorme dificuldade que se expressa pela falta de política pública no que se refere à infraestrutura. Cabe lembrar que o Bolsa-Floresta na sua modalidade Família é responsável pela recompensa econômica 109 mensal às mães das que residem nas Unidades de Conservação já cadastradas e que assumiram o compromisso de não desmatar a floresta. Essas famílias recebem há dois anos a quantia de RS 50,00. Desta forma podemos identificar logo na sua estrutura a contradição das condições já identificadas em relação à infraestrutura para o estabelecimento das regras do PBF. Tais contradições não aparecem diante da visão míope das proposições do PBF muitas vezes respaldadas pela mídia, em que a Fundação Amazonas Sustentável deixa bem claro em seus informativos o propósito de diminuir o índice desmatamento, muito embora não esteja explícito a substituição da base produtiva agrícola ou pecuária por uma base na cultura extrativista que se utilize a floresta mas mantendo-a em pé, por sua vez associado ao enfrentamento das questões das mudanças climáticas globais. A existência de dificuldades socioeconômicas na comunidade Santa Luzia do Jacarequara somam-se a ausência de ações do plano de manejo, diante da falta de condições básicas para seus moradores alcançarem uma vida digna. Nota-se que a implementação do PBF assim como algumas ações consideradas socioambientais atravessa ou naturalizam de maneira livre e desordenada dos problemas sociais A organização política da comunidade Jacarequara ocorre principalmente através da Associação Comunitária Jacarequara, entidade de caráter político, porém sem regularização legal, principal mecanismo na rede de relacionamentos que a comunidade mantém com organizações não-governamentais e com o IDESAM, FAS, a prefeitura de Itapiranga, Associação Agroextrativista e outras comunidades próximas. O Sr. A. S. mantém o cargo de presidente da Associação dos moradores de Santa Luzia do Jacarequara desde o ano 2000. Atualmente é o professor da Comunidade quem exerce atividade de tesoureiro. Na apresentação da proposta de pesquisa, como em outras ocasiões similares, percebi que o Sr. Antenor é sempre consultado sobre as decisões coletivas da comunidade. Portanto, ele possui liderança na esfera política. A comunidade é formada em sua maioria por adeptos da religião católica. A única igreja da comunidade possui o nome da comunidade, Igreja de Santa Luzia. Interessante característica é o fato de haver um espaço aberto para relações com outras igrejas evangélicas. O principal líder religioso da comunidade é o padre que não mora na comunidade, sendo que no momento de nossa visita estava no município de Itapiranga. Em entrevista com a principal liderança da comunidade e com algumas famílias, revelou-se que as atividades geradoras de renda são: agricultura com o cultivo de banana e ainda atividade de pesca, existem aqueles que também recebem aposentadorias e pensões. 110 Na agricultura, cada família desenvolve o plantio itinerante de mandioca geralmente em áreas de várzea, utilizando a técnica da coivara48. Primeiramente, escolhe-se uma área para plantio para posterior derrubada e queimada do “mato”, trabalho que geralmente é realizado pelos homens de forma individual ou em ajurí49. Em seguida, as mulheres ajudam no plantio de maniva de mandioca e durante o período de desenvolvimento da roça os homens praticam a limpeza do roçado. De acordo com professor da comunidade a comercialização de seus produtos é dificultada pela falta de transporte, dependendo de intermediários. A comunidade não dispõe de qualquer tipo de financiamento bancário para a produção da farinha e banana, situação esta que se reflete na negligência por parte dos dirigentes estatais por não proporcionar o acesso a apoio técnico ou mesmo ter uma estratégia frente a cheia dos rios no ano de 2009. A produção de farinha ficou comprometida pela cheia dos rios. Diante da escassez até mesmo de manivas de mandioca para o plantio do ano 2010 foram atingidas a base da alimentação e a renda da totalidade das famílias residentes no Jacarequara, como nos esclarece um comunitário “por causa do prejuízo da cheia tivemos que complementar a renda com outras atividades... alguns encontraram trabalho fazendo pequenos serviços para aqueles que recebem aposentadoria ou outro beneficio” (A. S.52, fevereiro de 2010). Na comunidade Santa Luzia do Jacarequara não há energia elétrica proveniente do Programa do Governo federal “Luz Para Todos”. Há, a nosso ver, uma enorme (in) sustentabilidade social na comunidade. Contudo algumas famílias reconhecem que após a implantação do Programa algumas coisas melhoraram como, por exemplo, a obtenção de ambulanchas, que serve para transportar moradores em caso de acidente e doenças graves para sede do município mais próximo, muita coisa ainda precisa ser feita do ponto de vista das políticas públicas. Com a ausência de apoio institucional e a vulnerabilidade das formas de obtenção de renda as famílias se veem diante, muitas vezes, no desafio do cumprimento das regras estabelecidas pelo plano de gestão e manejo da RDS Uatumã. É importante lembrar que 48 A definição dicionarizada de coivara, refere-se à palavra de origem tupi-guarani que designa a técnica de origem indígena, ainda hoje empregada no interior do Brasil, que consiste em pôr fogo em restos de mato, troncos e galhos de árvores para limpar o terreno e prepará-lo para a lavoura (CUNHA, 1998, p.111). 49 O ajuri é uma prática tradicional dos povos caboclos e indígenas da Amazônia, conhecida por muitos como "mutirão", na qual grupos e indivíduos se unem em solidariedade para, por exemplo, "limpar" o terreno para a nova roça. 111 quando se deu a assinatura do contrato entre as partes, ou seja, o governo e as famílias, contudo foram estabelecidos regras, dentre as quais a mais lembrada é que a roça agora limita-se a dois hectares por família, ficando proibido ainda a extração de madeira ilegal para venda. A partir do recebimento do PBF os moradores não deixaram de extrair os produtos da floresta ou mesmo plantar e cultivar a roça, porque a quantia recebida não supre as necessidades básicas tanto matériais, culturais e simbólicas das famílias. A esse respeito a pesquisa de opinião sobre o PBF nas RDS Rio Negro, Uatuma e Juma disponível na página da Fundação da Amazônia Sustentável mostra que a grande maioria entrevistada indica que deveria aumentar o valor do Bolsa Floresta Familiar. (Disponível:http://www.fas-amazonas.org / pt/ acessado em agosto de 2010). As grande maioria das famílias da comunidade Jacarequara participa do Bolsa Floresta Família há 2 (dois) anos, e são compensados por não desmatar com a a quantia de R$50,00 (cinqüenta reais) por mês. Para retirar tal quantia, existe um alto custo com transporte, pois a agencia bancária mais próxima está localizada no município de Itapiranga há cerca de 190 km de distância da comunidade Jacarequara, assim, muitos moradores optaram por receber a cada três meses como uma forma de otimizar os ganhos no processo, como se pode notar na figura. Figura 07: Dificuldades apontadas pelos moradores para recebimento do B.F. Os entrevistados afirmaram que o Programa Bolsa-Floresta mudou muito pouco a vida deles em termos de qualidade de vida, principalmente se levado em conta as perspectivas lançadas na fase preliminar de lançamento do PBF, Assim é possível dizer que a vida na comunidade sofreu alterações que até agora, não foram capazes de 112 transformar ou modificar positivamente as fragilidades e demandas para melhorar as condições de vida na RDS Uatumã. Considero uma ajuda, mas é uma ajuda de pouco alcance, muito restrito, pois qualquer família com sete ou oito pessoas não pode ficar dependente da quantia de apenas R$50, 00 reais, acho que muita coisa ainda permanece na mesma, a saúde e a educação, por exemplo, são os maiores problemas enfrentados em nossa comunidade. O governo poderia fazer mais para melhorar nossa vida, por isso ainda existem aqueles que mesmo recebendo a quantia de R$50,00(cinquenta reais), precisa de outras atividades que muitas vezes podem desmatar, mas fazem isso para dar o pão de cada dia para sua família (M. S. 34 entrevistada em março de 2010). Se retomarmos a discussão a quem interessa a floresta em pé, fica claro que o alvo são as populações locais, as implicações do PBF assim como seus argumentos homogeneizadores, tanto do enfrentamento das mudanças climáticas quanto no que diz respeito a valorizar o papel das comunidades tradicionais se limitam ao discurso oficial que acompanhado de um grande marketing verde. A busca do poder e o controle dos recursos naturais estão na base do discurso da floresta em pé. A partir do momento em que o discurso do poder assumiu o compromisso político com o chamado desenvolvimento sustentável50, e, ao que tudo indica, embora não tenha ficado devidamente claro aos olhos da mídia local e para além das fronteiras regionais, para o governo amazonense os povos tradicionais têm a sua parcela de contribuição no desmatamento da floresta. Razão para se reconhecer e valorizar esses povos que habitam no interior das UC que passaram a ser denominados sugestivamente de Guardiões da Floresta. Há de se pontuar que até agora não se viu nenhuma iniciativa ou discussão, de se criar uma política pública que impedisse a ação dos grileiros, das madeireiras e do agronegócio, considerados, também, os grandes desvastadores das florestas na Amazônia. Desta forma o Estado se desobriga de suas responsabilidades para com as populações que vivem da relação de interação com ambiente e joga a responsabilidade para os guardiões das florestas. Os moradores da comunidade Santa Luzia do Jacarequara dependem diretamente da relação do seu modo de vida com os recursos naturais, demonstram nitidamente que não são os grandes responsáveis diretos pelo desmatamento, e até mesmo após estabelecimento do PBF as comunidades enfrentam os sérios problemas de infraestrutura, ou seja, ainda não foram criadas as condições estruturais para que os moradores de Santa Luzia de Jacarequara abandonem completamente as atividades produtivas (que na visão da FAS 50 Cf. Viana, Virgilio. As florestas e o dês-envolvimento sustentável na Amazônia. Manaus: Editora Valer, 2007. 113 pode causar desmatamento) que muitas vezes garante o mínimo de sobrevivência, especialmente diante de severas variações do ciclo hidrológico na região. A Fundação Amazonas Sustentável estabelece que a principal condicionalidade do PBF é o compromisso das famílias com a conservação ambiental e o desenvolvimento sustentável, combatendo o desmatamento nas Unidades de Conservação ( FAS, 2009. p.33 ). As regras estão estabelecidas entre a FAS e as famílias que moram na comunidade Jacarequara, mas até o momento da realização da pesquisa, ainda não se dão de forma clara, pode-se notar a ausência de fiscalização das mesmas, seja diretamente pela FAS ou ainda pela AASRN, como por exemplo, aquela em que a família envolvida com o PBF tem que manter os filhos freqüentando a escola. Fica claro que a fundação parece transferir a fiscalização das regras para o Presidente da AACBU. De acordo com o presidente a Associação de moradores de Santa Luzia do Jacarequara: Até agora a fiscalização mais próxima que tivemos, foi a do presidente a AACBU, mais de vez em quando, mas eu sei que não podemos aumentar o roçado mais que dois hectares, embora todo mundo saiba que quando as coisas estão difíceis que muitos moradores de outras comunidades que não são do Jacarequara acabam por retirar madeira para vender ( S. A. 62 fevereiro de 2009). Uma enorme dificuldade não expressa pelos dados do discurso oficial do PBF é que tal política compensatória não tem sido capaz de minimizar as desigualdades socioambientais no Estado do Amazonas, ressalta-se também que os agentes em parceria precisam estar exercendo seus papéis legítimos para que, de fato, essas parcerias não acabem por subordinar essas populações em face à apropriação do discurso ambiental, falta de aprovação do plano de manejo florestal limita a potencialidade florestal e extrativista de prover renda para os moradores da RDS do Uatumã, que aguardam com ansiedade a oportunidade de poder praticar a atividade florestal sustentada e gerar renda de forma digna através da floresta. Dentre as atividades consideradas proibidas pelos moradores de Santa Luzia do Jacarequara, a mais lembrada refere-se a extração de madeira ilegal para venda e os limites para o cultivo da roça em dois hectares conforme a figura 8. Mesmo com a compensação do PBF, os moradores não deixaram de extrair os produtos da floresta ou mesmo plantar e cultivar a roça. Fato que não alterou de forma significativa a ausência de realizações do governo local em relação à infraestrutura na comunidade. 114 115 Figura 08: Atividades agroextrativista proíbidas a partir da implementação do B.F. Fonte: (Jander, 2010). Na medida em que começamos a conhecer o universo sociocultural e as demandas sociais notamos que as muitas informações surgiam em descompasso com o marketing oficial, uma delas compreende a reivindicação de informações sobre a não contemplação do Bolsa-Floresta Renda (destinado ao apoio da produção de produtos, a arranjos produtivos e certificação de produtos que aumentem o valor recebido pelo produtor), pois este componente, apesar de integrar a 2anos o PBF ainda não fora realizado51na comunidade. Neste momento, surgem os primeiros indícios de ações incompletas na implementação do programa e que ao mesmo tempo, contradizem os objetivos tão propagados pela mídia, como por exemplo, a promoção e desenvolvimento do associativismo nestas comunidades. Porém estas estão ausentes em algumas realidades específicas na RDS Uatumã. Outro exemplo que acompanha o componente Associação é o componente Social que ainda não fora capaz de dar respostas relevantes as demandas apontadas pelos moradores tanto na saúde, como também na organização social no sentido de proporcionar melhores condições de vida na comunidade Santa Luzia do Jacarequara. Ao Observarmos que em algumas reuniões realizadas na Comunidade pelo Ceuc, o associativismo um dos esteios estruturantes do PBF, apresentam-se restritos a lideranças formais controladas pelas instituições de gestão governamentais. Assim no associativismo, 51 As informações colhidas no trabalho de campo compreendem o período de fevereiro de 2010. 116 ainda que muitas falas dos moradores da comunidade Jacarequara confirmem a participação na Associação Comunitária, esta se dá de forma restrita a reunião mensal, ou em oficinas de manejo realizadas pela SDS. Há a percepção por parte dos moradores entrevistados de que as atividades econômicas que estão sendo produzidas na comunidade como roças, plantio de frutas, extrativismo de castanha, não contribuem para o desmatamento (conforme a figura 09) e que, com a proibição de atividades que antes gerava renda, como a criação de gado, a extração de madeira já fazia parte do modo de vida que até agora foi responsável pela manutenção da floresta. Contudo, as ações de desmatamento têm sua raiz não no pequeno produtor rural, mas nas lógicas de produção e reprodução do capital, como esclarece a fala de uma das moradoras da comunidade: Em nossa comunidade vivemos principalmente da roça e do plantio de frutas, mas quando a situação fica difícil, principalmente, em períodos de seca, muitos buscam outras rendas como a pesca e o extrativismo, mas eu sei que em outras comunidades existem aqueles que retiram madeira ilegal para poder obter renda(M. J.36 março de 2010). 117 Figura 09: atividades que são permitidas segundo os entrevistados da comunidade Jacarequara. 3.2 Comunidade Nossa do Senhora do Livramento Localização e infraestrutura A comunidade Nossa Senhora do Livramento está localizada próxima ao município de São Sebastião do Uatumã nos paralelos S 02° 22’ 02” W 58°15’ 07” na margem esquerda do rio Uatumã, cerca de 9 km da foz do Rio Caribin, possui 12 famílias. A agricultura representa a principal atividade produtiva, pode-se citar o cultivo da mandioca, banana, milho e melancia. Os moradores vivem em casas feitas de madeira e têm o teto coberto com telha de zinco/alumínio apenas algumas possuem áreas com quintais. Estão localizadas próximas da igreja evangélica e da sede social. A paisagem desta comunidade caracteriza-se por uma escada que dá acesso a três pequenos chapéus de palha que fornecem sombra logo na entrada da comunidade. Os moradores entrevistados relataram a existência de fragmentos de cerâmica e outros materiais na chamada “terra preta”, facilmente verificada na decoração da sala em uma das casas visitadas. Muitos moradores são oriundos do município de Urucará foram atraídos pelo desejo do tão sonhado pedaço de terra, pela fertilidade do solo local e por vínculos afetivos de parentes que já residiam na área. Como apresentado anteriormente há uma forte presença de pequenos agricultores, que em sua maioria pratica a agricultura de subsistência, baseada pelo plantio e cultivo da mandioca, banana e outras frutas. De acordo com a liderança da comunidade o Sr J. M 48 a pesca de subsistência e eventualmente comercial é feita em pequena quantidade e a extração de madeira atende as necessidades de melhorias das moradias, construção de escolas, também enfatizou que antes da implementação do Bolsa-Floresta algumas pessoas da comunidade comercializavam de maneira ilegal para grandes madeireiras. 118 Se compararmos a comunidade Nossa Senhora do Livramento à comunidade Santa Luzia do Jacarequara notaremos problemas enfrentados semelhantes, mas com organização social distinta. A grande dificuldade enfrentada pelos entrevistados que têm filhos em idade escolar é a ausência de escola de ensino médio, fazendo com que muitos jovens deixem a comunidade para estudar no município de Itapiranga ou Urucará dependendo das condições de vínculos de parentesco existente. A comunidade também não conta com atendimento médico permanente, o único tratamento se restringe àqueles contra a malária, vísitas sazonais de agentes de saúde e endemistas, que trabalham com analise de lâminas e fornecimento de medicamentos para malária. A comunidade Nossa Senhora do Livramento está envolvida em um projeto da empresa Manaus Energia “Monitoramento e preservação de quelônios”, onde são protegidos tabuleiros de desova e utilizados berçários para aumentar a taxa de sobrevivência desses animais. No mês de Março a comunidade se prepara para um dia festivo que comemora a soltura de quelônios que também abrange outras atividades, de tal maneira que ao longe percebe-se que a comunidade está pronta para receber os visitantes e as outras comunidades, conforme a figura10: Figura 10 - Vista da comunidade do Livramento. Foto: Jander Cardenes (março/2010) Geralmente no mês de fevereiro/março é realizado um evento festivo que envolve a mobilização dos moradores, recebendo barcos de outras comunidades e representantes da 119 Manaus Energia e convidados. A comunidade está envolvida no projeto de Preservação de Quelônios da empresa Manaus Energia. Em setembro, os quelônios começam a chocar ovos. Os ninhos estão marcados e anotados em um caderno. Em aproximadamente 40-60 dias os ovos eclodem e são recolhidos para o berçário por um período de 4 a 5 meses. Neste dia, a comunidade visivelmente assume uma identidade e organização em torno da conservação, ocorre uma mobilização dos moradores na confecção de adereços geralmente relacionados ao tema do evento (Amar, Respeitar e Preservar). A comunidade Livramento recebe os visitantes com um café da manhã regional. Neste dia também são realizadas pela empresa Manaus Energia em parceria com outras instituições como o SENAI, oficinas de nutrição, corte de cabelo, torneio de futebol e apresentações culturais para os visitantes conforme apresenta a figura 11. Figura 11 – Festa cultural comemorativa da soltura dos quelônios. Foto: Jander Cardenes, (março/2010) Numa breve análise, este tipo de evento representa um momento de evidência da mobilização local, ao mesmo tempo em que expressa o espaço de uma espécie de identidade coletiva do grupo social local. Contudo, observamos neste momento que compreende a soltura dos quelônios nas chamadas “praias de quelônios” envolve um particular campo de interesses em torno do capital simbólico que vai desde o momento de 120 entrega de certificados a personalidades que contribuíram com o projeto até o espaço destinado a filmagem e fotografia. Neste campo de interesses diversos que envolvem a presença de representantes, jornalistas, gestores e lideranças comunitárias da RDS, (Manaus Energia, SDS, IDESAM), conforme ilustra a figura 12. Com isso, queremos dizer que a noção de comunidade se constrói a partir da história e que é ela que nos ajuda a reconhecer a identidade característica de cada local comunitário. Mas é a história também que deixa claro, ao mesmo tempo, que essa identidade está em constante movimento e, portanto, a própria definição da comunidade não existe como um dado pré-existente como previsto na concepção no PBF. O processo organizativo de comunidades como a Nossa Senhora do Livramento na modernidade constitui relaborações identitárias e culturais “celebração móvel” formada e transformada continuamente em relação as formas pelas quais somos representados ou interpelados nos sistemas culturais que nos rodeiam. Na medida em que os sistemas de significação e representação cultural que rodeia a comunidade se multiplicam, também é possível estes assumirem uma multiplicidade de identidades possíveis, ainda que sejam temporariamente. (HALL, 2005). Ao longo da história da Amazônia é possível afirmar a grosso modo que a imposição de identidade reconfiguradoras deram-se no primeiro momento, pela colonização européia e as Companhias de comércio com suas formas de exploração; no momento subseqüente e ainda em curso as formas de integração nacional pelos projetos carregados de imagens obsoletas e do mito dos espaços vazios, subalternizando a todas as formas de exploração e violência dos povos, classes e etnias (SILVA, 2004). 121 Figura 12 - Moradores da comunidade Maracanarã e a soltura de quelônios. Outro fato que também merece menção corresponde à fala de um dos moradores de maneira discreta, mas com a legitimidade de quem viveu o episódio do processo de construção da hidrelétrica de Balbina: Esta empresa , hoje, responsável por Balbina, agora está aqui promovendo a soltura, mas também foi responsável pela criminosa inundação, contudo agora eles têm que ajudar a preservar o que ainda resta. ( A. G. 58, entrevistado em março de 2010). Neste sentido Thomé (1993), argumenta que a instalação da usina hidrelétrica fez parte de um plano de integração da Amazônia ao território nacional. Foi uma das principais metas do regime implantado. A instalação dos "Grandes Projetos" na região foi considerado o principal meio para viabilizar o objetivo. Os impactos do projeto tomaram proporções assustadoramente negativas, como, mínima capacidade de gerar energia, por área florestal destruída e invasão de territórios indígenas. Assim, neste momento emergem as lembranças de um momento histórico da região que apontam experiências traumáticas vividas por aqueles que testemunharam a construção da barragem de Balbina, ou seja, a construção do represamento da hidrelétrica de Balbina deixou marcas profundas nos modos de vida do local, sendo possível dizer que mesmo ausente nos discursos principais de projetos (como o de “preservação de quelônios’), reside por trás daquela ação (soltura de quelônios) uma considerável (dívida do Estado) história social marcadamente esquecida pelas ações conservacionistas, mas presente na memória coletiva daqueles que tiveram e ainda têm que se adaptar aos efeitos causados aquele ambiente. A totalidade dos moradores já recebe há dois anos o chamado pagamento do Bolsa-Floresta no valor de cinquenta reais a exemplo da comunidade anterior (Santa Luzia do Jacarequara). A maior dificuldade é o alto custo para ir até Urucará ou São Sebastião do Uatumã. Isto devido a distância, em torno de 205 km. Todos os entrevistados fizeram questão de frisar que a quantia recebida é insuficiente para suas necessidades básicas, sendo direcionadas como complemento para custear a compra do material escolar das crianças ou apenas um complemento mínimo de sua alimentação, conforme o relato do morador: Apesar da ajuda não se pode negar... o valor pago é muito pouco, mal dá para comprar cadernos e material escolar das crianças, ou mesmo para ajudar custear 122 os estudos dos filhos que vão estudar no município de Urucará ou São Sebastião em virtude da falta de escola de ensino médio( L. M. 30 entrevistado em março de 2010). É possível observar que algumas criações de animais na comunidade Nossa Senhora do Livramento têm apresentado os primeiros resultados com o investimento do Bolsa-Floresta Renda, a partir da criação de animais como carneiro e galinhas. No entanto foi interessante o relato de alguns casos específicos de moradores que têm encontrado grandes dificuldades de levar adiante a criação de carneiros e até mesmo de galinhas. Como uma forma de mudar de atividade econômica resolvi criar carneiros e galinhas, mas infelizmente tive que retirar o que sobrou da criação de carneiros para vender na cidade pois a onça devorou treze só este mês, se não fizesse algo não iria restar nenhum e teria um prejuízo maior ainda (Sr. J. M. 48). Aqui ressaltamos que mudanças na atividade econômica muitas vezes desprezam as especificidades do ambiente, ou seja, a Unidade de Conservação que agora inclui a temática das mudanças climáticas desconhecem a relação da fauna e do modo de vida das famílias que se organizam produtivamente a partir da disponibilidade dos recursos naturais. No que concerne o associativismo a forma de organização social tem como principal desafio a mínima participação ativa dos residentes da comunidade do livramento, contudo o atual presidente da comunidade demonstra o interesse em participar em todos os momentos assuntos que dizem respeito a RDS desde antes de sua criação. Tal fato é notório e aparece na crítica quanto ao caráter internalizado nas ações do governo que historicamente não pareciam bem claras no local, ou seja, a ausência ou ineficiência de ações caracterizadas pelos moradores como promessas oportunistas que se revelam em época de eleições. A esposa do líder da comunidade exerce liderança entre as mulheres da comunidade, com postura questionadora revela sua insatisfação quanto aos canais de participação no Programa Bolsa-Floresta e as reduzidas informações dos números orçamentários, o valor destinado e o que realmente foi utilizado pela comunidade, por exemplo, do Bolsa-Floresta Renda e Bolsa-Floresta Associação. Quando o programa iniciou prometeram céus e terra, vieram muitas pessoas, políticos, com o passar do tempo, começamos a notar que o movimento diminuiu, mas eu penso que nas reuniões, há pouca participação, tipo algumas coisas já chegam até nós, decididas... cabendo a nós escolher de acordo com as escolhas já feitas pelo pessoal do bolsa-floresta, ou seja, são apenas apresentadas a nós (C. M. 34, entrevistado em março de 2010). 123 Os moradores da comunidade demonstram pouco entendimento e revelam a existência de poucas informações que são muitas vezes imprecisas a respeito do BolsaFloresta Renda e Bolsa-Floresta Associação, como por exemplo, a liderança da comunidade desconhece o que sobrou ou mesmo o que realmente foi investido pelo BolsaFloreta Renda referente ao ano de 2008. Neste ano ocorreu uma espécie de mudança na escolha da atividade econômica, ou seja, a primeira escolha da comunidade mostrou-se inviável para a geração de renda dada a realidade específica da comunidade, ficando os recursos aguardando uma nova escolha. Quanto ao componente Bolsa-Floresta Familiar, os moradores afirmam que a quantia recebida ajuda relativamente, pois não dá pra suprir suas necessidades autenticas e que após o recebimento do Bolsa-Floresta Família, algumas atividades foram proibidas como extração de madeira e aumento da área do roçado e que muitos deixaram a criação de gado, (mesmo as pequenas criações) tida como uma espécie de poupança por ser um produto de grande liquidez. Uma das moradoras mostrou-se descontente com alguns aspectos da vida na comunidade, relatou que foram prejudicados com a cheia que praticamente arrasou com a produção da farinha (para consumo e venda do excedente) até mesmo a maniva de mandioca necessária para o plantio estava escassa e tinha alto custo. Quando resolvi receber a quantia de R$50, 00 (cinquenta reais) pensei que aumentaria o valor do BF, também pensei que o governo ajudaria também a desenvolver aquilo que a gente planta, ou então quem sabe aumentar o valor do Bolsa-Floresta para um salário mínimo...eu sei que está vindo muito dinheiro de fora para ajudar a preservar a floresta com tudo que agente ouve falar sobre o aquecimento global, é fácil dizer que nós que moramos no interior sem as condições básicas de saúde para não desmatar, mas eu queria ver também na pratica um maior apoio para nós aqueles que vivemos e dependemos diretamente da natureza (M.O. 53entrevistada em março 2010). A assistência técnica para a produção agrícola encontrada na região está limitada a programas governamentais de doação de sementes pelo IDAM , que nem sempre chegam nas mãos comunitárias dentro do período de plantio, muitos agricultores precisam se deslocar até aos centros urbanos, visto a dificuldade logística para a prática da extensão rural nas comunidades. Merece nossa observação que o repasse do PBF Renda, em um primeiro momento fora direcionado de acordo com a decisão da comunidade Nossa Senhora do Livramento e 124 por conseguinte ao pólo a que pertence52, ou seja, seria investido em equipamentos para construção de uma movelaria na RDS Uatumã. Contudo, apesar da aquisição de alguns equipamentos mostrou-se em descompasso com a predisposição; enquanto outros pólos como o da comunidade Nossa Senhora do Perpétuo Socorro do Maracaranã já tinha concretizado a instalação de tanques para criação de peixes. No momento seguinte, o pólo da comunidade Livramento optou pela criação de pequenos animais a partir do entendimento que seria uma atividade mais viável. Mas para muitas famílias a criação de pequenos animais como carneiros e galinhas esbarrou na ausência de apoio técnico, como nos esclarece o depoimento de uma das moradoras da comunidade Nossa Senhora do Livramento: Estavamos empolgados logo no início quando chegaram os primeiros pintinhos para começar nossa criação, mas houve muita demora para recebermos a ração, o que acabou comprometendo o tamanho dos frangos, tornando seu preço muito baixo para comercialização.(E. M. 37 março de 2010). Estes e outros depoimento revelam os limites e alcances do processo de implementação do PBF Renda, este não vem atingindo seus objetivos. Se a meta é promover arranjos produtivos sustentáveis e assim promover atividades que não produzam desmatamento, faz-se necessário não se limitar aos planejamentos técnicos concebidos e implantados de cima para baixo, direcionados para endossar o discurso da floresta em pé, negligenciando ou pondo em último plano, qualquer abordagem rigorosa que de atenção as especificidades e dinâmicas socioculturais, assim como aos interesses e conflitos sociais envolvidos em cada comunidade envolvida do PBF Renda. 3.3 Comunidade Nossa Senhora do Perpetuo Socorro do Maracaranã A comunidade Nossa Senhora do Perpetuo Socorro do Maracaranã está localizada nos paralelos S 02° 13’ 03” e W 58° 50’ 06” setor sul da reserva Uatumã, na margem esquerda do rio Uatumã, possui 28 famílias que residem em casas construídas nas áreas mais altas, local onde se assenta a sede social, a igreja (católica) e a escola de 1ª a 9ª série do ensino fundamental. As casas do comunitários estão localizadas próximas da igreja católica e da escola, conforme a disposição apresentada na figura 13 e 14 respectivamente: Os moradores da comunidade contam com alguma estrutura para criação de animais como curral, galinheiro e chiqueiro ; possuem casa de farinha, possuem ainda um tipo de barracão onde são feitas reuniões ou para receber visitantes. 52 sete comunidades integram o Pólo 2: Nossa Senhora do Livramento, Santa Luzia do Caranatatuba, Ebenezer, Cezaréia, São Francisco das chagas do Caribi, Monte das Oliveiras, Emanuel da Serra do Jacamim. 125 Fig escola da comunidade Maracaranã.Foto: JanderCardenes, março/2010. ura 13- Igreja e Figura-14: vista da entrada da comunidade Nossa Senhora do Perpetuo Socorro do Maracaranã, as casas estão localizadas na parte mais alta da comunidade em terra firme. Foto: Jander Cardenes, (março/2010) A distribuição espacial das casas da comunidade Nossa Senhora do Perpetuo Socorro do Maracaranã ocorre nas áreas mais altas em terra firme. Comparada às comunidades abordadas anteriormente (Santa Luzia do Jacarequara e Nossa Senhora do Livramento), esta se configura com melhor infra-estrutura, possui associação de moradores devidamente legalizada, gerador de energia, poço artesiano em funcionamento, clube de mães, sede social e posto de saúde com agente de saúde. Contudo, a ausência de programas do Governo Federal como o Programa Luz para Todos ainda não ultrapassou os limites de promessa pelo governo local, principalmente, em períodos de campanha eleitoral. O cotidiano na comunidade de Maracaranã está associado ao mundo rural amazônico representado pelas particularidades locais que misturam atividade da agricultura com atividade extrativista como a pesca, ou ainda com a criação de animais em 126 pequena escala, mas acima de tudo com uma profunda e intensa relação com a floresta de acordo com o regime das águas dos grandes e pequenos lagos da bacia do rio Uatumã. A comunidade está situada na entrada do lago Maracaranã que faz parte de um complexo de seis lagos, utilizando-os apenas para pesca de subsistência dos comunitários e pesca esportiva realizada pelos turistas que visitam a comunidade no verão. Uma empresa de turismo adquiriu uma área irregular e montou uma pousada próxima à comunidade após o decreto de criação da RDS do Uatumã. A empresa mantém o comunitário que vendeu a terra para ela como zelador, empregando sua esposa e filhos no período da pesca esportiva no auxílio a manutenção da estrutura, na cozinha e lavanderia, e desenvolve atividades turísticas na região dos lagos, como podemos observar na figura15. Figura 15 - pousada Tucuna localizada na Comunidade Nossa Senhora do P. do Maracaranã Fonte: ( IDESAM, 2008). Além da ligação dos moradores com lago Maracaranã para pesca de subsistência, a comunidade também recebe visita de barcos de turistas para pesca esportiva no verão. A caça é praticada para obtenção de proteína alternativa ao pescado, e a tradicional captura de quelônios. Porém foram relatados alguns casos de venda para restaurantes dos municípios próximos da RDS, desta forma são atividades para o consumo local e eventual comercialização. De acordo com o presidente da Associação dos moradores da comunidade existe a proposta do Governo Federal da construção de uma mini usina em Maracaranã, e que a empresa Manaus Energia informou que o projeto ainda está no Dep. de Engenharia da 127 UFAM e que está sendo articulado pelo Programa Luz para Todos do Governo Federal. Ressalta ainda a preocupação em relação ao Projeto se este vai impactar a cachoeira próxima ao local de instalação. Muitos dos moradores da comunidade entrevistados são oriundos de outras comunidades, municípios e estados diferentes, dentre eles Itacoatiara, Paraná da Eva e Vila de Balbina e do estado do Pará, e vieram para a comunidade em busca de terra. Podemos observar tal distribuição na figura 16. Figura 16 - motivos condicionantes para residir na comunidade Maracaranã. É preciso destacar que na comunidade Maracaranã, observa-se um melhor nível de organização social que em outras comunidades, principalmente na luta pelos seus interesses e necessidades. Por exemplo, os moradores desta comunidade são contrários a invasão de seus territórios por pescadores de fora, entendem que as pessoas que entram na reserva para retirar madeira ilegal ou praticar pesca intensiva estão roubando os recursos naturais que as famílias da comunidade dependem para sobreviver. Desta forma, antes mesmo da implementação do Programa Bolsa-Floresta os moradores da comunidade em sua totalidade já tinham o comprometimento com o manejo sustentável na maioria das vezes sem o apoio do governo local. Isto é provado em depoimentos de pessoas que voluntariamente fiscalizavam os lagos, principalmente por conta da grande incidência de “barcos comerciais de pesca” Ou seja, já enxergaram a necessidade da conservação dos recursos da região e de seu uso de uma forma, acima de tudo, sob controle da comunidade, conforme o relato de um dos comunitários: 128 Nós sempre nos preocupamos com a invasão de embarcações pesqueiras ou de pessoas que retiravam madeira de maneira ilegal na reserva. Antes mesmo do Programa Bolsa-Floresta, já estávamos cuidando do lugar onde moramos e da floresta (M. S. 41, entrevistada em março de 2010). A organização política da comunidade Maracaranã ocorre principalmente através da Associação dos moradores de Nossa Senhora do P. Socorro do Maracaranã, entidade de caráter político e com CNPJ regularizada e que realiza suas reuniões a cada segundo domingo do mês. Os cargos da associação comunitária são divididos hierarquicamente em presidente e vice-presidente, além dos tesoureiros, tendo a participação de mulheres como membros da diretoria. O atual presidente da associação destaca-se por sua capacidade de liderança caracterizada por suas decisões baseada na consulta aos outros membros da comunidade, exemplo disso, corresponde ao momento de explicação de nossa pesquisa e solicitação de sua permissão que se deu a partir da consulta dos membros de sua comunidade. Sem dúvida, a Associação é o principal mecanismo articulador na rede de relacionamentos que a comunidade mantém com as organizações governamentais ( INCRA, Prefeitura de Presidente Figueiredo, Manaus Energia) e não-governamentais, (IDESAM, FAS, SDS , Associação Agroestrativista e outras comunidades). A exemplo das demais comunidades abordadas o principal setor econômico existente é agricultura de subsistência com roças de macaxeira, mandioca e frutas, do extrativismo animal, com relevância da pesca e caça, e do extrativismo vegetal não madeireiro com extração da castanheira-do-Brasil, andiroba, e cipós entre outros, a qual nem sempre é suficiente para o sustento da casa. Geralmente o complemento da renda se dá através da aposentadoria ou do benefício como Bolsa Família oferecido pelo Governo Federal. No que se refere às atividades produtivas permitidas na RDS Uatumã, os moradores entrevistados apontam as roças (desde que não ultrapassem dois hectares, 33%) manejo de áreas para obtenção de madeira, extrativismo (da castanha,17%), pesca comercial (8%) destacados na figura 17 : 129 Figura 17- Atividades produtivas permitidas na RDS Uatumã. Contudo, é possível observar que até o momento de nossa abordagem na comunidade o plano de manejo da RDS Uatumã ainda não tinha sido aprovado, e que em determinadas situações, principalmente aquelas em períodos de seca, alguns moradores aproveitavam as áreas que ultrapassavam os limites de dois hectares, uma que vez que na época de coivara estes limites não são obedecidos. É interessante destacar que a exemplo das comunidades abordadas anteriormente (Santa Luzia do Jacarequara e Nossa Senhora do Livramento), a produção de farinha de mandioca também ficou comprometida devido a cheia de 2008. No entanto, ocorre uma pequena diferença na comunidade, a disponibilidade de manivas para o plantio estava garantida. Outra especificidade distintiva é a relação com a prefeitura de Presidente Figueiredo que possui proximidade com a comunidade e que mantém o apoio em alguns serviços básicos educação, saúde e transporte para o escoamento dos produtos destinados à venda. A totalidade das famílias desta comunidade recebe o pagamento de R$50,00 (cinquenta reais) referente ao Bolsa-Floresta Família há pelo menos dois anos. Para receber o pagamento de tal quantia, utiliza-se o transporte destinado para venda de produtos no município de Presidente Figueiredo. De acordo com o relato dos moradores entrevistados demonstra que a utilização do dinheiro proveniente do PBF serve para pagar a taxa mensal da Associação dos Moradores, sendo o restante investido em benefício da família na forma de compra do 130 material escolar para os filhos (29%) remédios (14%) e complemento da alimentação (43%), como demonstra a figura 18. Figura 18 - Gastos do valor recebido do BF Família. Segundo o presidente da Associação dos Moradores do Maracanã os reflexos do Programa Bolsa-floresta na melhoria da comunidade começam a serem sentidos pelo motivo já terem encontrado as condições materiais, estas anteriores a seu estabelecimento. O Bolsa-Floresta renda com certeza ajuda, mas ajuda muito pouco...o Bolsa Floresta Associação nem sabemos como é investido, mas o que realmente precisamos é de apoio do governo para obter a energia elétrica, apoio e acompanhamento técnico para agricultura e melhores condições de serviços públicos como educação e saúde. Na verdade as condições para dar dignidade para moradores que realmente ajudam a conservar a floresta (C. S. 61 entrevistado em março de 2010). A menção feita anteriormente à ajuda limitada refere-se a quantia recebida do Bolsa-Floresta Família, que ao mesmo tempo que é tida como uma ajuda também é percebida por um dos chefes de famílias, como uma espécie de controle do governo sobre as atividades na comunidade, conforme nos informa o comunitário: Minha vida está na comunidade Jacarequara, até agora fico pensando como as pessoas que não moram ou mesmo nunca estiveram na RDS Uatumã, tam pouco em nossa comunidade podem criar regras que afetaram , por exemplo, na minha renda, que antes era um pouco maior devido a poupança que tinha na forma de criação de gado... é claro que embora minha mulher receba o valor de R$ 50,00 (cinqüenta reais), preciso trabalhar com plantio que muitas vezes não traz ganho nenhum como foi o caso da enchente que acabou com meu roçado (N.O. 45 entrevistado em março de 2010). 131 De acordo com um dos coordenadores da Fundação Amazonas Sustentável a partir do momento em que as famílias se inserem no Programa Bolsa-Floresta ficam proibidas algumas atividades, que segundo os moradores são: aumentar o roçado para além de dois hectares53 (30%), a extração de madeira ilegal (40%) para venda e ampliar o pasto destinado a criação de gado (30%) como se pode observar na (figura 19). No entanto, também foi relatado que as atividades desenvolvidas no local, de certa maneira são destinadas a subsistência muito antes da chegada do PBF. Figura 19 - As atividades que foram proibidas a partir da implantação do Bolsa-Floresta na Comunidade Maracaranã. Podemos afirmar o componente BF Familiar é sempre o mais lembrado, isto se deve pelos entraves de implantação dos demais componentes que muitas vezes ainda sequer foram materializados nas comunidades, ao contrario do que se propaga no discurso oficial um exemplo claro é a realização da melhoria da infraestrutura e da comunicação entre as comunidades, tão propagados pela mídia na forma do marketing verde. Há diferenças específicas de cada componente do PBF, observadas principalmente nas comunidades aqui estudadas. A comunidade Jacarequara possui indícios inexpressivos do PBF Associação e Renda, enquanto que a comunidade Maracaranã o componente BFR 53 Um hectare de terra mede 10.000 m^2 , cabe ressaltar que de acordo com o Plano de Manejo elaborado pela SDS e IDESAM, que ainda não foi aprovado, estabelece as regras de utilização da RDS do Uatumã, é permitido o uso de até 3 (três) hectares por ano por família para áreas de roçado, sendo que a utilização de áreas acima de 3 hectares deverá ser aprovada pelo conselho deliberativo e autorizada pelo órgão gestor (AMAZONAS, 2008, p. 247). 132 possui contornos de maior perspectivas por parte de alguns moradores da comunidade, caracterizado pela implantação de tanques redes, para piscicultura e aguarda ainda os benefícios do ano referente a 2009. Esta ação tem encontrado entusiasmo em alguns moradores responsáveis pelos cuidados a quem mesmo se refere, conforme o relato do morador: O PBF Renda apesar de está ainda em fase inicial, acho que é muito bom poder contar com este projeto, sinto que aqueles que realmente participam tendo como responsabilidade o cuidado e a alimentação dos peixes vão ter sucesso, mas falta mais informações sobre os direitos e investimentos feitos na comunidade (A.O, 28 entrevistado em março de 2010.) O grande nó das perspectivas que estão por detrás do discursos e disciplinarização/controle de grupos do poder que propogam o lema: “valorizar a floresta mantendo-a em pé” está no reconhecimento do aporte e na repartição dos benefícios. Alguns entrevistados afirmaram que são diretamente interessados em manter a floresta em pé, contudo, a utilização dos recursos naturais na comunidade orienta-se pelo modo de vida, e ainda que existam atividades de extração de madeira, estas são conduzidas pela lógica mercantil da região amazônica que, de certa maneira, explora a condição de vulnerabilidade por aqueles que não conseguem encontrar alternativas para o sustento de sua família e acabam por retirar madeira de maneira ilegal para vender a pessoas ligadas a grandes madeireiras, nas palavras do morador: Vi meus filhos nascerem e crescerem na comunidade, sempre ensinei de que precisamos da floresta e do rio para viver. A tarefa de utiliza-la de forma correta não é porque as pessoas são boas ou más. Desmatar a floresta não é nosso interesse, por exemplo, conheço pessoas ( não desta comunidade) que para ter renda dependem exclusivamente da agricultura ou da venda de banana ou farinha, mas perderam toda plantação devido a enchente de 2008 que inundou os roçados (A. G. 61. entrevistado em março de 2010). De acordo com um dos representantes da diretoria da associação Maracaranã não houve uma melhoria diretamente na vida da comunidade, contudo pode ser apontada como avanço significativo a aquisição feita a partir do Bolsa-Floresta Social de uma ambulancha54 que possui base no local. Contudo, o comunitário considera que em dois anos de Programa, pouco foi realmente efetivado, e a ausência de informações referente a quantia a ser investida na comunidade, por exemplo, nem mesmo nos anúncios publicitários veiculados na mídia ou no discurso do governo do estado, possuem informações sólidas quanto ao repasse do Bolsa-Floresta Associação. Assim, demonstra-se 54 O termo ambulancha refere-se ao barco destinado exclusivamente para transporte em casos de emergência, a Associação é quem arca com as despesas do combustível. 133 não só uma imprecisão de informações que ainda não parecem claras, como os próprios alcances deste componente. “o que eu sei sobre o PBF é que muito foi prometido e ainda não existe, permanece uma espera por melhorias, eu já chequei a pensar se não é melhor ficar sem receber os R$50,00, eu sei que é humilhação de tão pouco que é para deixarmos outras atividades que garantiam em momentos difíceis uma certa renda, mas ainda espero que melhore, as condições de vida, a saúde, educação, mas até agora, o que agente fica sabendo é muito pouco a respeito da manutenção ou qualquer mudança nos valores a que temos direito, falta melhor comunicação por parte deles” (C.G. 41 entrevistado em março de 2010). A exemplo das outras comunidades estudadas esta demonstra pouca informação do processo dinâmico que envolve os componentes do Programa, sendo que a totalidade dos entrevistados afirmaram a ausência e/ou limitações do acesso a informações institucionais sobre as transformações em torno do Programa Bolsa-Floresta Associação. Cabe ressaltar que outro grande problema enfrentado a exemplo de todas outras comunidades do Uatumã, é a precariedade e ausência de comunicação 55 entre as comunidades da RDS Uatumã e o governo local assim como a rede de instituições governamentais e não governamentais. Nota-se nas comunidades abordadas especialmente na comunidade Nossa Senhora do P. Socorro do Maracaranã uma espécie de fragmentação dos componetes do PBF. É também relevante observar que nesta comunidade, dentre os entrevistados, dois moradores afirmaram ter conhecimento de algumas famílias da RDS Uatumã (referia-se outra comunidade) que continuaram ampliando as áreas de roçado através de queimadas, que ultrapassavam os limites do estabelecido nas regras do Programa BF que embora de maneira isolada existiam casos de pessoas que não moram na reserva, no entanto mantém casas na comunidade e recebem o BFF. Esta comunidade também realiza projeto de preservação de quelônios, trabalhando com apoio técnico da empresa Manaus Energia, na vigilância de tabuleiros de quelônios, criando os filhotes em berçários e cuidando dos mesmos até que atinjam o tamanho mínimo para retornarem aos rios. Neste mesmo dia, paralelo a soltura de quelônios, também são realizadas atividades que promovem a interação de outras comunidades e visitantes, como café da manhã coletivo, torneio de futebol e oficinas promovidas pela empresa, conforme se pode observar na figura 20. 55 Até o momento da execução da pesquisa observamos a inexistência de qualquer aparelho tecnológico que permitisse a comunicação entre as comunidades. 134 ura Oficina de educação na comunidade Maracaranã Fig 20 - Foto: ( Jander Cardenes, Jan/2010) Ao longo da observação direta notou-se que a comunidade Maracaranã desenvolve entre seus comunitários laços afetivos com o lugar, que geralmente decorrem de anos de vivências e experiências de adaptabilidade ao ambiente, atribuídas as relações humanas, conforme o depoimento de um dos moradores de Maracaranã: “Quando saí de Santarém não tinha um lugar e cheguei na comunidade encontrei um pedaço de terra para viver, encontrei a tranquilidade que não tinha na cidade, este foi o lugar que escolhi para viver, mas isto antes da criação do reserva, aqui enfrentei muitos problemas, mas continuo a viver com minha família.” (J. A 54. Entrevistada em março de 2010). Se compreendermos a noção de lugar na perspectiva proposta por Tuan (1983), como um mundo de significados organizados, perceberemos como é possível o estabelecimento dessas relações que se firmam na medida em que os homens recobrem de sentimentos, de afetividade, a comunidade em que habitam e constroem suas vidas.Este autor trata a relação entre espaço e tempo na construção do lugar. O lugar é uma área que foi apropriada afetivamente, transformando um espaço indiferente em lugar, o que por sua vez implica na relação com o tempo de significação deste espaço em lugar. Assim o lugar permite aos homens a acolhida, o reavivamento da memória, a recriação dos sonhos, a satisfação de necessidades, a construção e reconstrução da identidade, a percepção das especificidades, a realimentação das crenças e valores, dentre outros aspectos. Em outras palavras, o lugar está permeado de subjetividade, não se limita 135 apenas a circunscrição física, mas um conjunto de relações sociais, de elementos econômicos, de histórias, de sonhos, de valores, de crenças, de subjetividades, não se restringindo, unicamente, aos limites geográficos (TUAN,1983). Embora nosso estudo exigisse maior aproximação daquilo que Bourdieu (2004), denominou de habitus, dentro dos limites das diversas realidades sociais existentes no cotidiano, observou-se que existem laços simbólicos e materiais ainda que menos visíveis aos olhos das instituições governamentais e não governamentais, mas que existem estão presentes nas relações comunitárias, produtivas e familiares, seja na socialização dos recursos naturais, seja na maneira de se organizarem diante das regras de controle, ou do acesso aos serviços públicos básicos, mas principalmente na visão de mundo, do ambiente da RDS Uatumã. As comunidades Santa Luzia do Jacarequara, Nossa Senhora do Perpetuo Socorro do Maracanarã e Nossa Senhora do livramento assumem comportamentos e condutas a partir da dinâmica de seus aspectos culturais com diferenças específicas, mas que estão em contato com os postulados impostos pela modernidade como: dívida social, déficits de cidadania, ilegalismos/legalismo/poder disciplinar, lealdade e sacrifícios, desserviço ambiental, alcance das Metas do Milênio da ONU. A relação do processo de enfrentamento das mudanças climáticas e o crescente debate em torno do reconhecimento que os serviços ambientais e que as populações rurais prestam, estão ancorados na visão ambientalista, no caso do PBF abrange somente na retórica (dos donos do poder) a dimensão cultural e a inclusão social das comunidades da RDS Uatumã. Estamos diante de um novo panorama que emerge na Amazônia com antigas lógicas institucionais a serviço da acumulação do capital, que historicamente mantiveramse sob novas versões dos processos que configuram e reconfiguram as identidades dos sujeitos sociais, envolvidos nos conflitos do enfrentamento das mudanças climáticas. Assim, temos neste panorama a disputa pelo poder de controle dos recursos naturais, serviços ambientais, e o modo de vida das comunidades que vivem na RDS Uatumã. Além disso, não podemos deixar de mencionar que ao situarmos a inclusão de discussões das mudanças climáticas na gestão das Unidades de Conservação no Estado do Amazonas, estaremos tratando de uma visão de ambiente como algo objetivo e externo às relações sociais, formalizadas diretamente pelo trato técnico das ações e parcerias socioambientais. 136 CONSIDERAÇÕES FINAIS A Amazônia constitui o principal signo ecológico do mundo contemporâneo e o estado do Amazonas parece ter assumido no cenário ambiental brasileiro o lugar de destaque no imaginário daqueles que naturalizam as questões sociais, emerge uma espécie de referência para a mídia nacional e estrangeira no tema mudança climática. Contudo, este mantém em suas ações a contradição de enfrentar a crise climática a partir da mesma lógica que o causou. Está problemática está inserida de diferentes formas nos discursos científicos, agora no âmbito das discussões das mudanças climáticas globais e seus efeitos locais, que norteiam novos postulados para parcerias socioambientais caracterizadas por formas emblemáticas e restritas a visão biologizante que ofusca e tende naturalizar os aspectos sociais do modo de vida nas Unidades de Conservação no estado do Amazonas. Esta visão é pratica corrente nas entrelinhas dos discursos como “fazendo valer a floresta em pé” e tem encontrado espaço nas fontes de financiamentos e de acordos feitos em nome dos povos tradicionais. Neste sentido, a polêmica sobre as prováveis causas do desmatamento e a polêmica que gira em torno dos principais responsáveis pelo aquecimento global encobre o pano de fundo dos debates sobre as mudanças climáticas que trata da apropriação e distribuição dos recursos naturais pelos mecanismos da lógica da acumulação capitalista, ou seja, a apropriação estatal ou privada dos recursos ambientais comunitários, em nome 137 do fardo desproporcional de desmatamento e contaminação promovida, historicamente nesta importante região mundial (SILVA, 2000 e ALIER, 2007, p.256). Na Amazônia, os povos tradicionais estiveram e permanecem esquecidos pelas políticas públicas, como dizia Berta Becker, em vários momentos da historia da Amazônia, atravessando a ditadura até os dias Atuais, continuaram esquecidas. Ainda é cedo, para avaliar as ações em processo do PBF, mas em se tratando de um governo que oito anos com total descaso pelo as áreas rurais onde lhe falta tudo não pode ser considerado moderno quando o foco está em sobrepor a questão ambiental como ela não fosse social. Porque o “núcleo duro” do desmatamento esse o governo estadual faz vista grossa. Se a opção pelo desenvolvimento sustentável, conceito este em si tão desgastado politicamente, em suas cinco facetas – o social, o cultural, o ecológico, o econômico e o político, continuam sendo um imperativo se quiser manter ilhas de sanidade que sobreviverão ao caos que o modelo atual de desenvolvimento está instalou no planeta. O debate desencadeado pela inclusão das mudanças climáticas na gestão das UCs no Amazonas acabam envolvendo diretamente o modo de vida das famílias rurais, especialmente aquelas que moram RDS Uatumã. Assim para além das questões que envolvem os aspectos morfoclimáticos, Becker (2009), defende que a Amazônia requer um novo padrão de desenvolvimento, e tem condições de realizá-lo contando com seu patrimônio natural, destacando-se os serviços ambientais. Para tanto, terá que superar desafios científicos e, sobretudo, políticos quanto à decisão de como valorá-los. Neste sentido, é importante assinalar que os serviços ambientais só contribuirão para o desenvolvimento regional se superarem o padrão histórico de exploração de seus recursos. A proposta de livre regulamentação do mercado de serviços supõe a acentuação das desigualdades relativas à distribuição das vantagens econômicas, impactos e riscos ambientais decorrentes dessa modalidade de organização do capital. Pode-se constatar que o Programa Bolsa-Floresta tem contribuído para modificar a lógica das estruturas de produção rural no Uatumã, muitas vezes passando por cima das especificidades culturais e da legitimidade de escolhas tradicionais geralmente ligadas a terra e ao rio. Contudo, no plano político o que realmente está em jogo é a titularidade, ou seja, trata-se do pagamento ou não do que a floresta produz. Assim, ninguém está pagando nada, ou muito menos dando solidariamente fragmentos de serviços sociais, que são direitos garantidos constitucionalmente às populações da Amazônia junto ao Estado. Mas, está em jogo um potencial atividade econômica, os serviços ambientais. Neste sentido a inclusão das mudanças climáticas ganharam tamanha força enquanto estadualização do 138 tema expresso na ampliação das UCs no Amazonas, e a criação das condições jurídicas atendem aos interesses individuais com o propósito de obtenção de lucros futuros, em um campo de poder extremamente desigual, uma das exigências da disseminação de uma política de desregulamentação capaz de subtrair quaisquer barreiras aos movimentos dos grandes grupos do capital privado (CHESNAIS, 1991). Observamos que a apropriação ambientalista das pessoas que vivem na RDS Uatumã e que dependem do ambiente para produzir e reproduzir seu modo de vida tende a apagar a situação de exploração econômica e dominação política que estes grupos sofreram durante as últimas duas décadas para concebê-los como potenciais parceiros nos novos projetos de desenvolvimento sustentável, sendo o Programa Bolsa-Floresta a perfeita expressão deste modelo. A partir disso, fica claro que não podemos perder de vista, portanto, que os moradores da RDS Uatumã são também fruto de processos históricos, governamentais de exploração da Amazônia, sendo relegados à margem das economias nacionais e internacionais. As abordagens críticas respeito do processo de implantação dos componentes do Programa Bolsa-Floresta trazem à luz do conceito de políticas públicas, profundas ausências e ineficiências das ações do poder governamental local. Outro aspecto que pode ser relacionado as transformações que se processam no Estado do Amazonas corresponde a legitimidade do setor privado expresso na cadeia de sustentação e manutenção da FAS, fato que diretamente implica uma série de determinantes sociais que envolvem os efeitos do Programa Bolsa-Floresta na RDS Uatumã, assim sendo possível identificar uma espécie de rede de diferentes agentes que lutam e configuram um campo ambiental, onde a formulação e execução de Programas sociais, como o Programa Bolsa-Floresta tem feito prevalecer os interesses econômicos sobre as metas sociais diante das demandas sociais que vivem na UC do Uatumã. O debate ainda a ser devidamente desenvolvido sobre o direito de uso da floresta enquanto um bem de uso comum e essencial à qualidade de vida, principalmente daquelas que dependem diretamente para sua produção e reprodução social e cultural. Assim, do ponto de vista sociológico apontamos a fragilidade da legitimidade das chamadas parcerias que emergem nas questões ambientais na Amazônia e particularmente no estado do Amazonas, assim instituir verticalmente regras de acesso e utilização dos recursos naturais para aqueles que historicamente estiveram invisíveis para as políticas públicas dos planos de desenvolvimento econômico no Estado do Amazonas 139 Outro aspecto aparece na forma da inclusão dos debates das mudanças climáticas globais e aqueles que começam a alcançar as dimensões locais, onde as estratégias consistem na ampliação das Unidades de Conservação no estado do Amazonas, levando as ao status de principal instrumento de conservação das florestas pelos organismos nacionais e internacionais. Contudo este processo ainda encontra-se preso na camisa de força de suas diretrizes ideológicas que orientam e reorientam o controle da fiscalização, partindo da perspectiva da “naturalização” da sociedade local das UCs e assim se limita à implantação de técnicas produtivas adequadas aos objetivos da conservação. Com isso, os problemas decorrentes das práticas de uso dos recursos naturais da população local sobre a conservação foram reduzidos aos efeitos negativos das primeiras sobre a segunda. A face do Programa Bolsa-Floresta mais evidente em todo este panorama na RDS Uatumã mostrou-se centrado na obtenção do valor direcionado a famílias que antes de assumirem qualquer identidade de cunho “ecoverde” nas imagens veinculadas na rede de mídia global, que, aliás, tem sido o principal mecanismo do ponto de vista institucional, o carro chefe da política ambiental no estado do Amazonas. Todos os processos engenhosamente planejados pelos tomadores de decisão que emergiram no estado do Amazonas a partir do ano de 2003 e que postularam o PBF tiveram dentre outros objetivos criar as condições políticas do Programa Zona Franca Verde, que por sua vez fortaleceu e ampliou o sistema estadual de unidades de conservação absorveu as linguagens da pauta mudanças climáticas . Consideramos que existe uma espécie de zona obscura e pouco clara em torno das questões ambientais do Estado do Amazonas, principalmente com a inclusão das mudanças climáticas e os recursos disponíveis para o enfrentamento do mesmo que lança mão de um grande aparato publicitário que e do forte “marketing verde” ancorado na imagem dos chamados guardiões das florestas e da visão emblemática dos defensores da Amazônia. Também constata-se que o ideário de desenvolvimento sustentável da política ambiental do Estado do Amazonas permanece no estágio dos limites discursivos, pois até agora não se traduzem nas ações praticas, resguardando a lógica de intervenções governamentais pretéritas que ainda se mantém estruturalmente viciadas em atender aos interesses individuais locais em detrimento do acesso aos direitos coletivos. A chamada parceria entre FAS e as comunidades da RDS Uatumã tão divulgada nos sites e informes publicitários preconizam uma unidade entre o social e o natural, mas na realidade concreta apresentam profundas dicotomias, a principal delas, parte do princípio que os aspectos sociais são pensados como a parte do natural no processo de 140 gestão do PBF, aliás, fato presente nas ações de projetos das instituições que atuam nas UCs no Amazonas. Outro fato importante para o entendimento do debate em torno dos serviços ambientais tem sido a constatação de experiências onde o Estado falhou em reconhecer os direitos coletivos dos povos indígenas e comunidades tradicionais, demonstrando que os mecanismos de mercado são incapazes de assumir a responsabilidade sobre a vida no planeta. Pode-se dizer que por vezes a organização comunitária de algumas comunidades da RDS Uatumã assume a identidade ambiental frente as fontes de acesso e de promoção dos serviços básicos, historicamente negligenciados pelo poder governamental estadual e nacional nas ausências ou ineficiências das políticas sociais no Estado do Amazonas. É possível afirmar que as diretrizes ideológicas da Fundação Amazonas Sustentável-FAS acomoda em seus alicerces a dicotomia do espaço público-privado tomando lugar ou assumindo a natureza decisória do Estado que verticaliza as tomadas decisórias, pensando as políticas publicas de maneira generalista ignorando a historiografia e as especificidades culturais de cada comunidade envolvida no Programa Bolsa-Floresta na RDS Uatumã. Emergem instituições que se auto intitulam uma espécie de Hobin Hood verde da modernidade, que tira dos ricos para dar aos pobres, pelo menos é como o discurso oficial através do marketing verde apresenta o Programa Bolsa-Floresta. Contudo, esta representação fictícia da realidade, está o entendimento de enfrentamento das mudanças climáticas, existe uma transferência do ônus das degradações para os países e classes sociais mais vulneráveis, subordinadas ao poder de controle dos recursos naturais pelos donos do poder local, resultando em uma distribuição desigual dos impactos e riscos decorrentes das atividades produtivas (CHESNAIS e SERFATI, 2003). Diante da perspectiva de situar o PBF no cenário das políticas sociais, entendemos que na articulação entre as políticas sociais e a política econômica, esta última vem sendo privilegiada, no caso do PBF deixa de ser uma ação exclusiva do Estado. Este empresariamento ou privatização das políticas sociais responde a importantes determinações político-ideológicas. Contudo, não se configura em uma desobrigação do Estado pela questão social, mas uma ação do Estado capitalista neoliberal de reprodução ampliada do capital que contribui para hierarquização e a desigualdade na prestação de serviços, mas principalmente, reforça a ideologia do individualismo como valor moral radical. 141 Foi possível perceber que os componentes do Programa Bolsa-Floresta ainda estão distantes da concepção de política pública, pois já nasceram comprometidas em sua base, pois o trato da coisa pública, ou seja, compromisso do Estado que são contrários aos interesses particulares orientados pela lógica da dinâmica capitalista. Apesar de que o Programa Bolsa-Floresta mostrou-se na observação in lócus em contraste com as imagens bastante veinculadas a mídia, e apesar de ter iniciado o seu estabelecimento há mais de três anos, apresenta-se ainda em fase de implantação e funcionando em algumas comunidades de maneira incompleta. Se tomarmos o componente Bolsa-Floresta Associação, por exemplo, este visivelmente ampliou o poder do cargo de liderança representativa da AACBU, porém ainda não tem sido capaz de promover a participação direta dos moradores da RDS Uatumã, ou mesmo de projetar a organização social de acordo com suas especificidades culturais, sendo preciso identificar que algumas comunidades se organizam em torno da produção rural e nem sempre organizam-se em torno de questões ambientais. Com isso necessitam estabelecer negociações para uma definição mais maleável de acordo a cada caso a implementação do Programa Bolsa-Floresta. Torna-se importante destacar a existência de um certo grau de associativismo nas comunidades Livramento, Jacarequara e Maracanarã, mas não necessariamente leva ao estabelecimento de relações de reciprocidade e confiança com o órgão gestor do Programa Bolsa-Floresta e as demais instituições governamentais e não governamentais que se articulam na RDS Uatumã. Também foi possível notar o distanciamento de algumas comunidades em relação a interlocução com dirigentes da AACBU, em razão a problemas de natureza pessoal e familiar, envolvendo a disputa entre famílias pelo poder de dirigir a Associação. Assim, o que seria um ponto de chegada em nosso estudo torna-se, na verdade, apenas um ponto de partida para novos estudos, que embora exista um grande número de entidades organizadas não significa uma sociedade articulada ou que a colaboração faça parte das atividades empreendidas. Dessa forma, os resultados da pesquisa empírica desmentem que o engajamento em associações gere virtudes cívicas, mas mostram que não necessariamente virtudes como cooperação, reciprocidade e confiança são construídas pelo simples fato de se criar organizações. Ademais, os resultados empíricos obtidos vãos na contramão do que diz Putnam, quando este destaca que uma das formas de se gerar relações recíprocas baseadas na confiança seria através de sistemas de participação cívica, este último representado pelas associações voluntárias. 142 REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS ABRAMOVAY, R. Funções e medidas da ruralidade no desenvolvimento contemporâneo. Rio de Janeiro: IPEA. Texto para discussão n.702, 2000. ACSELRAD, H. As Práticas Espaciais e o Campo dos Conflitos Ambientais. In: ACSELRAD, H. (org.) Conflitos Ambientais no Brasil. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2004. ALBAGLI, Sarita. Convenção sobre diversidade biológica: uma visão a partir do Brasil. In: BECKER, Bertha. GARAY, Irene (orgs.). Dimensões Humanas da Biodiversidade. Petrópolis: Vozes, 2006. ALEXANDRE, A. F. Ambientalismo político, seletivo e diferencial no Brasil. 2003. Tese (Doutorado) - Universidade Federal de Santa Catarina. 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