O Programa Bolsa Família no jornal O Estado de São Paulo: 2003 a 2013 TAINAH BIELA DIAS Faculdade de Ciências Sociais Centro de Ciências Humanas e Sociais Aplicadas E-mail: [email protected] Resumo: Considerando que o desenho do Programa Bolsa Família, programa de transferência de renda condicionada do governo federal, estabelece, a partir das condicionalidades na área da educação, que o acesso a escola e a freqüência escolar são fatores importantes para acessar a “porta de saída” da pobreza, o problema geral desta pesquisa foi saber como um jornal de grande circulação nacional, no período entre 2003 e 2013, tratou do Programa Bolsa Família e as relações com a área de educação, em especial, a exigência de frequência escolar para os beneficiários. Desta maneira, o objetivo da pesquisa foi empreender uma investigação junto ao jornal O Estado de São Paulo, no período entre 2003 e 2013, com intuito de compreender como o Programa Bolsa Família foi apresentado durante este período. De maneira específica, esta pesquisa visou analisar as relações estabelecidas nos textos do jornal entre o PBF e a área de educação, especialmente, a exigência de frequência escolar mínima e verificar se houve diferenças entre as matérias sobre o PBF ao longo do tempo. Para a realização da pesquisa, foram lidos e classificados 60 exemplares do jornal O Estado de São Paulo, selecionados de setembro e outubro de 2003, outubro de 2008 e outubro de 2013. Uma vez que o lançamento do Programa Bolsa Família estava previsto para setembro de 2003, sendo adiado para outubro do mesmo ano, a seleção dos períodos temporais justificou-se no sentido de analisar as matérias sobre o PBF no ano de seu lançamento, cinco e dez anos depois. Concluímos que as críticas antes dirigidas às “portas de saída” foram desmistificadas ao longo do tempo da pesquisa. Inicialmente tratado como Bolsa Esmola, as criticas ao programa arrefeceram ao longo dos anos a ponto de, em 2013, o principal candidato da oposição à presidência da República ter defendido sua constitucionalização. Foram observados elogios do jornal ao desenho do PBF no momento de seu lançamento, especialmente na característica de focalizar nos mais pobres a transferência de renda, o que corrobora com a postura política do jornal em defesa do liberalismo econômico e do Estado mínimo e gerencial PROF. Dr. ANDRÉ PIRES Grupo de Pesquisa: Gestão e Políticas Públicas em Educação Centro de Ciências Humanas e Sociais Aplicadas E-mail: [email protected] Palavras-chave: Programa Bolsa Família, Educação, O Estado de São Paulo, Políticas Públicas. Área do Conhecimento: Grande área do conhecimento – Ciências Humanas, Área do conhecimento – Educação. 1. INTRODUÇÃO O objetivo da presente pesquisa foi empreender uma investigação junto ao jornal O Estado de São Paulo, no período de 2003 a 2013, com o intuito de compreender como o Programa Bolsa Família, programa de transferência de renda condicionada do governo federal criado em 2003, foi apresentado durante este período num periódico de circulação nacional e, de maneira específica, analisar como o jornal tratou as relações entre o PBF e a área da educação em seus 10 primeiros anos de existência. Para a realização da pesquisa, foram lidos e classificados 60 exemplares do jornal O Estado de São Paulo, selecionados de Setembro e Outubro de 2003, Outubro de 2008 e Outubro de 2013. A seleção dos períodos temporais justificou-se no sentido de analisar as matérias sobre o PBF no ano de seu lançamento, cinco e dez anos depois. 2. RESULTADOS OBTIDOS O lançamento do Programa Bolsa Família se deu de forma inusitada. Programado para ser lançado no mês de Setembro de 2003, teve que ser adiado primeiramente por estar em curso no Congresso Nacional a reforma tributária e, também, pelas indefinições referentes ao Cadastro Único (CadÚnico), visto que à época ainda não se sabia que ente governamental ficaria responsável por sua administração e com os custos da ampliação do Cadastro. Mesmo no mês de Outubro de 2003, quando finalmente foi lançado o Programa Bolsa Família, o Cadastro não estava completamente finalizado, fato este que, segundo matéria do jornal O Estado de São Paulo no ano de 2003, gerou festa para uns e decepção para outros, visto que nem todos receberam, no momento do lançamento, o benefício. Este fato denota as dificuldades de se unificar uma série de programas sociais preexistentes. Ao ilustrar os casos de Geni e Maria Rosa e expor a “festa” de Geni e a “decepção” de Maria Rosa, percebemos que o jornal não apresentou ao leitor informações adicionais que lhe permitissem discriminar quantos de fato se decepcionaram com o lançamento. No ano de 2003 também percebemos, por parte do jornal, uma série de elogios sobretudo à focalização, prevista no desenho do PBF. Os elogios do jornal, ao que podemos perceber, devem-se principalmente ao fato de o Programa concentrar seus esforços nos mais pobres. Entendemos que esta ênfase na saudação da focalização pode estar relacionada à própria postura ideológica do jornal em defesa do Estado mínimo e gerencial, de acordo com a definição de Bresser-Pereira (2000). Também no ano de 2003 existia uma preocupação com as “portas de saída” exposta nas críticas do empresário Antonio Ermínio de Moraes, que tratava o programa como “Bolsa Esmola”. As críticas do empresário estão calcadas na própria formação do modelo de proteção social brasileiro, que prevê que as políticas sociais devem ser preferencialmente dirigidas às pessoas que não possuem ou que perderam a capacidade de gerar renda pelo trabalho. No ano de 2008, marco de 5 anos do lançamento do PBF, foram encontradas poucas matérias que versavam sobre o Programa. Consideramos que isto se deve ao fato de que, à época, à ocorrência de outros fatos importantes no Brasil e no mundo, como as eleições presidenciais e a crise imobiliária norteamericana. O PBF foi citado em matérias que versavam sobre as eleições, sem destaques especiais. Por fim, no ano de 2013 foram encontradas matérias relacionadas à cerimonia de comemoração dos 10 anos do Programa. Em matérias relacionadas às eleições 2014, percebemos mudanças na percepção do Programa que, no ano do 2003, era visto como ponto fraco do governo Lula e, no ano de 2013, é visto como “aliado” da presidente Dilma Rousseff para as eleições. Além disso, vemos a defesa do candidato da oposição à presidência, Aécio Neves (PSDB), à constitucionalização do PBF. As críticas no tom de Antonio Ermínio de Moraes perderam espaço e o Programa se fortaleceu de tal forma que até mesmo o principal candidato da oposição propôs constitucionaliza-lo e torna-lo, efetivamente, uma política de estado. 3. CONCLUSÕES Entre as matérias que tratavam o Programa Bolsa Família como Bolsa Esmola, tal como encontrado no ano de 2003, até a defesa, pelo principal candidato da oposição do Partido dos Trabalhadores, de constitucionalizar o benefício, pode-se perceber que muita coisa mudou. Essas mudanças, sobretudo na sensibilidade com relação ao PBF, buscaram ser evidenciadas no presente trabalho. Como se viu, no ano de 2003 as críticas de Antonio Ermínio de Moraes foram ressaltadas pelo jornal O Estado de São Paulo, críticas estas que recaiam sobre as “postas de saída” e tratavam o Programa Bolsa Família como “Bolsa Esmola”, por uma característica de seu desenho de não exigir um tempo mínimo de permanência no Programa. Tais críticas, ao longo dos anos, arrefeceram. Algumas hipóteses podem ser levantadas, tais como o impacto de pesquisas que apontam que a média de beneficiários do Programa em atividade no mercado de trabalho é maior que a média geral da população e o peso do apoio popular e eleitoral do programa. De qualquer maneira, é digna de nota esta transformação nas matérias dos jornais, na qual as políticas sociais deixam de ser compreendidas como ponto fraco para se converterem no “principal aliado” da busca pela reeleição da presidente Dilma Rousseff Em segundo lugar ressaltamos a importância de relacionar os elogios feitos ao Programa com a própria postura ideológica do jornal. Neste aspecto denotamos que o mesmo possui como princípios o liberalismo econômico e a defesa do Estado gerencial. Por fim, após 10 anos de existência e de tamanho sucesso, o Programa Bolsa Família se legitimou, enquanto programa de transferência de renda do governo federal, de tal forma que até mesmo o principal candidato da oposição, Aécio Neves (PSDB), ressaltou, em entrevista, a importância de “terminar” aquilo que foi feito pelo PT com a constitucionalização do Programa para, de fato, tornar-se uma política de Estado. Pode-se perceber que houve mudança da percepção pública no que diz respeito às portas de saída. No lançamento do PBF muitas eram as discussões a respeito das portas de saída pelo fato de o referido Programa não estipular tempo máximo de permanência, em contraponto a outros programas de transferência de renda municipais, tal como o Programa de Garantia de Renda Mínima do município de Campinas (SP), que estipulava o tempo máximo de permanência de um ano a seus beneficiários. Porém, dez anos depois, mais do que tratar da questão de “portas de saída”, o PBF consolidou-se, segundo Campello (2013), como porta de entrada a uma série de políticas sociais (assistência social, saúde, educação, etc.), fato este que também é esboçado no desenho do Plano Brasil Sem Miséria iniciado no governo Dilma Rousseff em 2011. Este fato corrobora para o entendimento, já apontado em pesquisas, de que a transferência de renda não é suficiente, por si só, para a redução da pobreza. AGRADECIMENTOS À Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUCC) e ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pelo auxílio à pesquisa; ao Prof. Dr. André Pires que orientou os trabalhos de pesquisa e aos meus pais pelo apoio em minha formação e em minha carreira de iniciação à pesquisa. REFERÊNCIAS 1. BENJAMIN, Walter. O narrador: considerações sobre a obra de Nikolai Leskov. In: BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. São Paulo: Brasiliense, p. 197-221, 1994. 2. BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos. A reforma gerencial do Estado de 1995. Revista Brasileira de Administração Pública. v. 34, n. 4, p. 7-26, 2000. 3. CAMPELLO, T. Bolsa Família – dez anos de contribuição para as políticas sociais. In: CAMPELLO, T.; NERI, M. C. (Orgs.). Programa Bolsa Família: uma década de inclusão e cidadania. Brasília: Ipea, 2013. 4. COHN, A. Cartas ao presidente Lula: Bolsa Família e direitos sociais. Rio de Janeiro: Azougue Editorial, 2012. 5. FONSECA, A. M. Família e Política de Renda Mínima. São Paulo, Cortez, 2001. Petrópolis: Vozes, 2000. 6. SILVA, Angélica Lima; PIRES, A. O Programa Bolsa Família: percepções das mães beneficiárias sobre a educação e a possível construção de uma vida nova para seus filhos. Comunicações. Piracicaba, artigo aceito para publicação, 2014. 7. OLIVEIRA, D. A. Educação básica: gestão do trabalho e da pobreza. 8. PIRES, A. Orçamento Familiar e Gênero: percepções do Programa Bolsa Família. Cadernos de Pesquisa(Fundação Carlos Chagas. Impresso). v. 42, p. 130-161, 2012. 9. SOUZA, Celina. Estado da Arte da Pesquisa em Políticas Públicas. In: HOCHMAN, Gilberto; ARRETCHE, Marta; MARQUES, Eduardo (Orgs.). Políticas Públicas no Brasil. Rio de Janeiro: Fiocruz, p. 65-86, 2007. 10. SUPLICY, E. Renda de Cidadania: a saída é pela porta. São Paulo, Cortez, 2004.