19º CONGRESSO BRASILEIRO DE PSICODRAMA “A Humanidade no século 21” O PRINCÍPIO DA LOJA MÁGICA NO PSICODRAMA INFANTIL: UM ESTUDO DE CASO. AUTORA: ROSEMERY OTAKA YUKIMITSU ORIENTADORA: ROSANE RODRIGUES Introdução A Loja Mágica foi definida por Moreno (1997) como uma técnica aplicada a um grupo, em que o diretor (ou algum membro escolhido pelo mesmo) assume o papel de lojista e os participantes ou pacientes podem participar no papel de compradores. Na loja existem objetos de natureza imaginária que podem ser adquiridos através de permuta, ou seja, os participantes pedem algo que desejam e em troca entregam algum pertence de valor ao lojista no palco psicodramático. Moreno (1997, p. 35) afirma que pode ser “uma ideia, um sonho, uma esperança, uma ambição”, ou seja, algo de valor muito estimado pelo comprador, mas que da mesma maneira, deveria “sacrificar alguma coisa” ao dar em troca outro pertence de alto valor ao lojista. A partir da Loja Mágica de Moreno, outros psicodramatistas passaram a trabalhar com esta modalidade, porém criando características próprias ao fazer adaptações. Rosane Rodrigues é um exemplo disso. Fui apresentada à Loja Mágica de Rosane numa aula do curso de Psicodrama nível I do Instituto Sedes Sapientiae em São Paulo, a qual se tornou, naturalmente, minha referência de trabalho com esta modalidade. Havia peculiaridades importantes como a utilização de ego-atrizes, do Playback Theater e as negociações de davam de maneira diferente de Moreno, de modo que a Lojista (Rosane) pedia que os compradores deixassem na Loja objetos que não queriam mais em suas vidas. Mas o mais importante para mim naquele momento foi a experiência intensa e enriquecedora de participar de sua Loja Mágica. Tempos depois, durante o atendimento clínico de uma criança, pude lançar mão dos princípios desta modalidade e observar os benefícios que ela pode proporcionar também na psicoterapia bipessoal com crianças. Metodologia e Desenvolvimento O presente trabalho se baseia no relato de uma sessão de atendimento psicoterápico infantil ocorrido em outubro de 2012. Para contextualizar o caso, foram relatados fragmentos de sessões (algumas com os pais, outras apenas com a criança) que traziam conteúdos importantes que puderam ser trabalhados no processo de psicoterapia e especificamente na sessão descrita utilizando o princípio da Loja Mágica com a criança. O principal a ser relatado é que a queixa trazida pela mãe, pelo pai e pela escola era de que a criança apresentava baixo rendimento escolar, não escrevia com letra cursiva e que era um menino introspectivo, que pouco expressava o que pensava e sentia. O pai definia a si mesmo como um sujeito rígido que cobrava muito um melhor desempenho do filho, em muitos momentos propondo negociações como “se você começar a escrever com letra cursiva ganhará um novo jogo de videogame” (sic), porém a criança nunca conseguia atingir os objetivos colocados pelo pai. Os sujeitos do processo foram: Pedro1 de 9 anos, Larissa (mãe) de 28 anos e Rodrigo (pai) de 32 anos. A proposta metodológica de pesquisa para este trabalho foi qualitativa, tendo como método o Psicodrama. Discussão A sessão que será discutida trata-se de uma dramatização em que Pedro criou uma história sobre um sol que colocou óculos escuros e se machucou, pois os próprios raios solares foram refletidos nas lentes e feriram seus olhos. Pedro representava este sol e eu a lua e alguns planetas que conversavam com ele dependendo do momento. Com intuito de oferecer algo que o ajudasse a cuidar de seu machucado (como uma lojista que oferece um objeto a um comprador), perguntei do que ele precisava Sol/Pedro me respondeu que já oferecia luz e calor para os planetas, mas não recebia nada em troca. A partir disso, começamos as negociações no “princípio da Loja Mágica”, de modo que ao representar os papéis de lua e planetas, eu lhe perguntava o que gostaria de receber em troca da luz e calor já oferecidos. O Sol/Pedro fazia os pedidos e recebia sempre algum objeto dentro do que era possível do planeta produzir. Vou dar um exemplo: numa conversa com Plutão, o sol afirmou que gostaria de receber água para colocar numa piscina (já recebida pela lua), mas reclamou dizendo que neste planeta só tinha gelo. No papel de Plutão, expliquei que o gelo poderia ser colocado na piscina e depois que ele entrasse o gelo poderia ser derretido com seu próprio calor. O Sol/Pedro concordou e afirmou estar satisfeito com a troca. 1 Nomes fictícios. No final da sessão, para encerrar a história, Pedro espontaneamente realizou um desenho em que o sol segurava seus óculos e escreveu: “Não preciso disso”. O principio da Loja Mágica utilizado nesta sessão aborda o tema das negociações da vida de Pedro, de maneira que elas aconteciam em muitos momentos em sua relação com o pai, como citado anteriormente. Nas negociações que realizamos no contexto dramático, a ideia de oferecer ao Sol/Pedro o que seria possível para os planetas produzirem faz um contraponto ao modelo relacional que o pai oferece ao cobrar da criança atitudes que ela ainda não podia ter. Por sempre ser apontado pelas suas dificuldades, Pedro pôde experimentar uma nova possibilidade na sessão, ao ser reconhecido como um sol que tinha calor e luz própria, ou seja, um ser com qualidades que merecia receber algo em troca pelos benefícios que oferecia. Dessa maneira, propus um novo modelo de se relacionar em um campo télico e saudável. Com a intenção de possibilitar o desenvolvimento de um eu que mostra quem é para o mundo, reconhece suas qualidades e se respeita (ao oferecer o que pode, não tentando cumprir com expectativas irreais) e na relação com um outro tu (terapeuta) descobre que pode ser valorizado pelos outros. Assim, no fim da sessão quando Pedro desenha o sol tirando os óculos e dizendo: “Não preciso disso”, acredito que ao receber os objetos mágicos pedidos, o sol pôde se fortalecer e se desfazer de uma proteção que também o feria, pois havia recebido o que acreditava que precisava para cuidar de si mesmo, podendo assim abandonar um recurso antigo que lhe trazia também sofrimento. Pode-se dizer que iniciei a sessão a partir de um role-taking do papel de logista, depois passei para um role-playing e role-creating ao introduzir elementos novos e diferentes das Lojas propostas por Moreno, René Marineu (também citado nesta monografia como uma referência de trabalho) e Rosane Rodrigues. Um exemplo disso foi quando, ao final de cada negociação com os planetas, realizávamos cenas em que o Sol/Pedro experimentava o objeto, diferentemente da proposta de Rosane e Marineau que se utilizavam de egos-auxiliares ou ego-atores que representavam o comprador em ação com o objeto. Tudo isso foi possível por meio da realidade suplementar que possibilitou abordar as questões de Pedro pelo viés da imaginação, podendo enriquecer a experiência de Pedro ao trazer novas possibilidades de ser e de se relacionar a partir de uma co-criação entre cliente e terapeuta, expandindo a espontaneidade e criatividade de ambos (pois também tive a possibilidade de desenvolver o meu papel de terapeuta). Considerações Finais Realizar esta monografia foi uma experiência muito enriquecedora, pois pude compreender com mais clareza a minha prática profissional ao me debruçar sobre os conceitos psicodramáticos, bem como conhecer e me aprofundar na modalidade da Loja Mágica que me desperta bastante interesse e entusiasmo. Pode-se dizer que a utilização do princípio da Loja Mágica trouxe benefícios ao cliente dentro de todo um processo psicoterápico (não excluindo a participação de Larissa e Rodrigo nas sessões de orientação dos papeis de mãe e pai), de modo que ele passou a se apresentar para o mundo com mais potencia, expressando mais seus desejos e mostrando maior interesse pelos estudos, não no sentido de tirar melhores notas para responder expectativas, mas num genuíno interesse em compreender os conhecimentos que estavam sendo passados na escola. Para o futuro procuro desenvolver uma maneira de adaptar a Loja Mágica como modalidade para se trabalhar com grupos de crianças em campo socioeducacional e terapêutico. Bibliografia básica BUSTOS, D. M. Psicoterapia Psicodramática. São Paulo: Brasiliense, 1979. CUCKIER, R. Psicodrama Bipessoal: Sua Técnica, Seu Terapeuta e Seu Cliente. São Paulo: Ágora, 1992. FONSECA FILHO, J. S. Psicodrama da Loucura: Correlações entre Buber e Moreno. São Paulo: Ágora: 1980. FILIPINI, R. Psicoterapia Psicodramática com Crianças: Uma Proposta Socionômica. Dissertação de Doutorado em Psicologia Clínica, PUC-SP. São Paulo, 2013. MORENO, J. L. Psicodrama. São Paulo: Cultrix, 1997. MORENO, Z. T. A Realidade Suplementar e a Arte de Curar. São Paulo: Ágora, 2001. RODRIGUES, R. Intervenções Sociopsicodramáticas: Atualização e Sistematização de Recursos, Métodos e Técnicas. In: Marra, M. M. e Fleury. H. J. (Org). Grupos: Intervenção Socioeducativa e Método Sociopsicodramático. São Paulo: Ágora, 2008. pp. 101-123.