ELETROMAGNETISMO I 2 11 FLUXO ELÉTRICO E LEI DE GAUSS 2.1 - A LEI DE GAUSS Esta lei é regida por princípios muito simples e de fácil entendimento. O conceito geral de fluxo como sendo o escoamento de um campo vetorial que atravessa uma secção qualquer, pode ser estendido para explicar o campo elétrico. Conceito O fluxo elétrico que atravessa qualquer superfície fechada é igual à carga total envolvida por essa superfície (Lei de Gauss) O trabalho de Gauss consistiu na formulação matemática do enunciado acima, que já era conhecido e entendido como óbvio. Em outras palavras, o fluxo total de qualquer escoamento é emanado por uma fonte envolvida por uma superfície fechada, não importando sua forma geométrica. Gostaríamos apenas de frisar aqui que a superfície tem que ser fechada para que possa envolver toda a fonte e se deixe atravessar pelo fluxo total resultante. Eletricamente, imagine uma distribuição de cargas envolvida por uma superfície fechada S (figura 2.1). y D Q Figura 2.1 Distribuição de cargas no interior de uma superfície gaussiana. S x Vamos agora tomar um incremento vetorial de superfície S admitido como plana. Este vetor terá uma orientação no espaço, perpendicular ao plano que tangencia a superfície S neste ponto (centro de S ) apontando para fora da superfície fechada. A densidade de fluxo que atravessará a superfície elementar S é dada pelo vetor Ds genericamente formando um ângulo com S em cada ponto da superfície fechada em questão. O fluxo elementar que atravessa S será então: Ds . S DsS cos (C) (2.1) é uma grandeza (escalar), resultante do produto escalar entre os vetores Ds e S . Nestas condições, o fluxo total que atravessa a superfície fechada S será então: d D .dS s s (C) (2.2) A integral resultante é realizada sobre uma superfície fechada (daí o símbolo S ), fruto de uma integral dupla. Esta superfície é freqüentemente chamada de superfície gaussiana. Assim, a Lei de Gauss é então matematicamente formulada como: UNESP – Naasson Pereira de Alcantara Junior – Claudio Vara de Aquino ELETROMAGNETISMO I s 12 Ds . dS Q (C) (2.3) A carga envolvida pode ser de qualquer tipo: cargas pontuais discretas, linhas de cargas, distribuição superficial de cargas ou uma distribuição volumétrica de cargas. Desta forma, a Lei de Gauss pode ser generalizada em termos de cargas em distribuições uniformes respectivamente volumétricas, superficiais ou lineares, conforme abaixo: sDs .dS v v dv (C) D s s .dS S SdS (C) sDs .dS L L dL (C) (2.4) A integral realizada sobre o lado esquerdo da equação pode ter um domínio diferente daquela realizada sobre o lado direito. Daí ressaltarmos na expressão intermediária o domínio S da superfície fechada daquele S contendo a carga superficial. Exemplo 2.1 Calcular o fluxo que atravessa a superfície de uma esfera de raio a metros, produzido por uma carga elétrica Q coulombs, concentrada no centro dessa esfera. Solução: Sabemos que na superfície de uma esfera de raio O produto escalar D S é então dado por: s a, a densidade de fluxo elétrico é: Ds Q 4 a 2 . a r ( C / m2 ) Q Q .â r a 2 sendd.â r sendd 2 4 4 a O elemento diferencial de área, conforme Fig. Os limites de integração foram escolhidos de modo que a integração seja realizada sobre a 2.2., em coordenadas esféricas é: superfície uma única vez. dS r 2 sen θdφdθ a 2 sen θdφdθ A integral de superfície será: 2 0 0 Q sen dd 4 Integrando primeiro em relação a e em seguida em relação a 0 Figura 2.2 Elemento diferencial de área Q Q sen d ( cos ) Q (C) 0 2 2 Ficando pois comprovado que: D .dS Q s s (C) Exemplo 2.2 Calcular o fluxo elétrico total que atravessa uma superfície esférica, de centro na origem, possuindo raio r = 10 m, sendo que a distribuição de carga é composta por uma linha de cargas ao longo do eixo z, definida por l = 2e2|z| C/m na região –2 z 2 m e l = 0 no restante. UNESP – Naasson Pereira de Alcantara Junior – Claudio Vara de Aquino ELETROMAGNETISMO I 13 Solução: Existem duas maneiras de se resolver este problema: Aqueles que adoram resolver integrais complicadas podem encontrar uma expressão para o campo elétrico em um ponto qualquer da superfície de raio r, e integrá-la em toda a superfície. Q 2 2e 2z dz (C) 2 Como a função módulo não é contínua, vamos dividir a integral acima em duas integrais: Q 0 2e 2 zdz 2 Aqueles um pouco mais espertos podem simplesmente integrar a função de distribuição de cargas ao longo de z, de -2 a 2 m. A lei de Gauss garante que os resultados serão os mesmos, para qualquer dos dois casos. 2 2e2 zdz (C) 0 0 Q e2 z 2 e2z 2 0 Q 1 e4 e4 1 107,19 (C) Então: 2.2 - A RELAÇÃO CONSTITUTIVA ENTRE O FLUXO E O CAMPO ELÉTRICO Sabe-se que uma carga pontual cria um campo elétrico no vácuo expresso em coordenadas esféricas pela equação vetorial (1.6). Por outro lado, o exemplo 2.1 define o fluxo que este mesmo campo elétrico cria ao atravessar uma superfície esférica, portanto fechada. Uma análise imediata mostra que existe uma relação entre a densidade de fluxo D e o campo elétrico correspondente E definida pela permissividade 0 do meio, no caso, o espaço livre ou o vácuo. Vetorialmente esta relação constitutiva pode ser dada por: D 0 E (2.5) Exemplo 2.3 Considere uma linha infinita de cargas. Utilizando a Lei de Gauss encontre a expressão para o campo elétrico em um ponto do espaço, criado por esta distribuição linear. Solução: De discussões anteriores sobre o campo elétrico de uma linha infinita de cargas, vimos que o campo elétrico é radial e só varia com o raio r. S Portanto: D D r . a r ( C / m2 ) A superfície gaussiana selecionada é um cilindro de raio r e comprimento L, com eixo coincidente coma própria linha de cargas. D Aplicando a Lei de Gauss: S L D D.dS D dS 0 dS 0 dS lado Q D r S Q L 2 0 D D 0 topo rddz Dr 2L Q l (C / m2 ) 2 rL 2 r Figura 2.3 Superfície gaussiana em torno de uma linha infinita de cargas UNESP – Naasson Pereira de Alcantara Junior – Claudio Vara de Aquino base ELETROMAGNETISMO I D l E . a r . a r 0 2 0 r 14 ( N / C) Exemplo 2.4 Encontrar a expressão para o campo elétrico produzido por uma distribuição superficial infinita de cargas. Solução: D (curva) estará acima da superfície carregada e a outra metade abaixo dela. Aplicando então a Lei de Gauss: S Q D S D. dS 0 dS D dS D dS lado topo base s S DS DS Figura 2.4 Superfície gaussiana para uma distribuição superficial de cargas. D Da discussão do capítulo anterior, o campo elétrico produzido por uma distribuição superficial e plana de cargas terá a direção da normal à superfície, no ponto onde se deseja calcular o campo elétrico. A superfície gaussiana utilizada será um pequeno cilindro, de altura h e área de base S. Uma das metades da superfície cilíndrica s 2 ρ ρ D S â n ; E S â n 2 2ε 0 Por este exemplo chegamos à conclusão (em princípio absurda) de que o campo elétrico em um ponto, provocado por uma distribuição superficial de cargas, não depende da distância entre o ponto e a superfície. Não se esqueça de que este raciocínio foi feito para uma distribuição infinita de cargas, que não existe na prática. Uma distribuição superficial finita de cargas pode ser considerada como infinita se a distância do ponto de interesse à distribuição superficial de cargas for muito pequena, comparada com as dimensões da mesma. Para pontos mais distantes, a distribuição não exibe simetria especular e não pode ser considerada infinita, o que invalida a expressão acima. Exemplo 2.5 Dois condutores cilíndricos coaxiais, para efeitos práticos são considerados como sendo de comprimento infinito. O cilindro interno é maciço, de raio a. O cilindro externo, oco, possui raio interno b e raio externo c. Uma carga de densidade superficial s (C/m2) é colocada na superfície do condutor interno. Avaliar o campo elétrico em todo o espaço, a partir do centro dos cilindros (r = 0) até o exterior onde r > c. O meio entre os condutores possui permissividade elétrica 0. Solução: S1 E Figura 2.5 Corte transversal das superfícies gaussianas em um cabo coaxial S2 S3 a b S4 Quatro superfícies gaussianas (fechadas) cilíndricas concêntricas de comprimento L são traçadas e as fronteiras entre elas serão por enquanto ignoradas. A primeira delas S1 possui um raio r < a. Portanto: c UNESP – Naasson Pereira de Alcantara Junior – Claudio Vara de Aquino ELETROMAGNETISMO I Q D dS 0 S1 Como a carga está distribuída na superfície onde r = a, E = 0 no interior do cilindro interno. A segunda superfície gaussiana S2 possui um raio a < r < b. D dS S2 L Portanto: 2 0 O campo elétrico no interior do cilindro externo, também condutor, é nulo. A quarta superfície gaussiana S4 é um cilindro externo maior de raio r > c. A carga induzida na superfície interna do condutor externo por sua vez induz uma carga oposta a ela de mesma magnitude na superfície externa do condutor externo, com raio c. Portanto: D dS Q L 2 rddz s 0 addz 0 S4 D2rL s 2 aL D 2rL S( c ) 2cL Q 2aLS a (C / m2 ) r D S(c ) Q 2as L c (C / m 2 ) r Como as cargas induzidas são iguais: Se a carga for expressa por unidade de comprimento, sua densidade linear ficará: l D dS S(c) S(c) dS S4 A carga total envolvida por S2 e a densidade de fluxo nesta superfície fechada são respectivamente: D s D dS 0 S3 S( a ) 0 interna com densidade s induz uma carga oposta de igual magnitude na superfície interna do condutor externo de raio b eletricamente neutro, e assim a carga total envolvida por esta superfície é nula. S(a ) dS A primeira integral é calculada sobre a superfície gaussiana de raio r e a segunda sobre a superfície carregada do condutor interno com raio a. Seguindo os exemplos anteriores, pela geometria, observamos que a densidade de fluxo possui o seu módulo constante em função da distância radial r. Portanto para S(a) = S vem: D 15 S(a ) 2 aL S( b ) 2bL S(c ) 2cL S( b) 2bL onde A correspondente densidade de fluxo será S(c ) c S( b) b S(a ) a a D l l (C / m 2 ) 2a r 2r E o campo elétrico será expresso por D l E . a r ( N / C) 0 2 0 r expressão idêntica à obtida para uma linha reta (infinita) eletricamente carregada. A terceira superfície gaussiana S3 é um cilindro com raio r, tal que b < r < c. A carga Embora as cargas sejam iguais em intensidade, as densidades superficiais não o são. Desta forma a D ext S( a ) l (C / m 2 ) r 2r Aplicando a relação constitutiva teremos o campo elétrico externo dado por UNESP – Naasson Pereira de Alcantara Junior – Claudio Vara de Aquino ELETROMAGNETISMO I D l E ext ext . a r ( N / C) 0 2 0 r 16 Em outras palavras, externamente ao conjunto, tudo se passa como se o campo fosse criado por uma distribuição linear de cargas ao longo do eixo do cabo coaxial. Esta é a mesma expressão para o campo produzido pelo condutor interno. Graficamente: O condutor externo não exerce influência sobre o campo elétrico produzido pela distribuição de cargas do condutor interno. E (N/C) a b c r (m) Figura 2.6 Comportamento do campo elétrico em função de r. 2.3 - COMENTÁRIOS A lei de Gauss fornece o fluxo elétrico total que atravessa uma superfície fechada envolvendo uma distribuição de cargas, ou seja, determina o fluxo criado por um campo elétrico. A intensidade ou módulo deste campo elétrico pode ser obtida pela aplicação direta da lei de Gauss e o emprego da relação constitutiva entre a densidade de fluxo e o correspondente campo elétrico. Neste caso, para que o vetor do campo elétrico seja conhecido, torna-se necessário o conhecimento da configuração ou disposição geométrica das suas linhas de força. Pelos exemplos que acabamos de resolver, podemos concluir que somente o conhecimento da simetria do problema nos permite escolher superfícies gaussianas adequadas. O não conhecimento dessa simetria torna a solução do problema pela Lei de Gauss extremamente complicada. Problemas que não possuem simetria conhecida são resolvidos de uma forma um pouco diferente, como será visto no próximo capítulo. UNESP – Naasson Pereira de Alcantara Junior – Claudio Vara de Aquino ELETROMAGNETISMO I 17 EXERCÍCIOS 1) Determine o fluxo que passa através de uma superfície fechada S envolvendo as cargas pontuais Q1 = 30 nC, Q2 = 140 nC e Q3 = ─ 70 nC. 2) Uma superfície gaussiana qualquer envolve duas cargas iguais em módulo e polaridades opostas. Há fluxo atravessando-a? Determine este fluxo em caso afirmativo. 3) O eixo x contém uma distribuição linear uniforme de carga L = 50 nC/m. Qual o fluxo elétrico por unidade de comprimento que passa através de uma fita definida pelo plano z = 3 m limitado por y = ± 2 m? 4) Generalize para o problema anterior o caso de uma fita plana, paralela à linha carregada, mas que não possui simetria em relação a ela. 2 5) Dado o vetor densidade de fluxo ou deslocamento elétrico D 2xâ x 3â y (C/m ), calcule o fluxo total que atravessa um cubo de arestas com 2 m, centrado na origem de um sistema cartesiano tri-ortogonal e com as arestas paralelas aos eixos das coordenadas. 6) O eixo z de um sistema coordenado contém uma distribuição uniforme de cargas, com densidade l = 50 nC/m. Calcule o campo Elétrico E em (10,10,25) m, expressando-o em coordenadas cartesianas e cilíndricas. 7) Existem duas configurações lineares de carga, com densidades iguais, l = 6 nC/m, paralelas ao eixo z, localizadas em x = 0 m , y = 6 m. Determine o campo elétrico E em (–4,0,z) m. 8) Uma superfície fechada S envolve uma distribuição linear finita de cargas definida pelo intervalo 0 L m, com densidade de cargas l = –0 sen (L/2) C/m. Qual é o fluxo total que atravessa a superfície S ? 9) Na origem de um sistema de coordenadas esféricas existe uma carga pontual Q C. Sobre uma casca esférica de raio a uma carga (Q'- Q) C está uniformemente distribuída. Qual é o fluxo elétrico que atravessa a superfície esférica de raio k m, para k < a e k > a ? 10) Uma área de 40,2 m 2 sobre a superfície esférica de raio 4 m é atravessada por um fluxo de 15 C de dentro para fora. Quanto vale a carga pontual localizada na origem do sistema relacionado a tal configuração esférica? 11) Uma carga pontual Q = 6 nC está localizada na origem de um sistema de coordenadas cartesianas. Quanto vale o fluxo que atravessa a porção do plano z = 6 m limitada pelo intervalo –6 y 6 m; –6 x 6 m ? r z 12) Dado que D 30e b a r 2 a z (C / m2 ) em coordenadas cilíndricas, calcule o fluxo total que b sai da superfície de um cilindro circular reto descrito por r = 2b m, z = 0, z = 5b m. 13) Na origem de um sistema de coordenadas esféricas existe uma carga pontual Q = 1500 pC. Uma distribuição esférica concêntrica de cargas elétricas de raio r = 2 m tem uma densidade UNESP – Naasson Pereira de Alcantara Junior – Claudio Vara de Aquino ELETROMAGNETISMO I 18 s = 50 pC/m2. Qual a densidade de cargas de outra superfície esférica, com r = 3 m, concêntrica com o sistema, para resultar D = 0 em r > 3 m? 14) Um capacitor de placas paralelas, tendo o ar como dielétrico de permissividade 0, contém 2 uma distribuição superficial de carga S C/m na armadura positiva. Por indução, existe uma carga de mesma distribuição e polaridade oposta na armadura negativa. Desprezando o efeito de borda (espraiamento do campo elétrico), use a lei de Gauss para calcular o campo E para a região entre as placas e fora delas. 15) Uma película infinita com densidade uniforme s = (10-9/6) C/m2 está localizada no plano definido por z = – 5 m. Outra película com densidade s = (–10-9/6) C/m2 está localizada em outro plano z = 5 m . Calcule a densidade linear uniforme, l , necessária para produzir o mesmo valor de E em (5,3,3) m, supondo que esta última se localize em z = 0, y = 3? 16) Certa configuração engloba as seguintes duas distribuições uniformes. Uma película carregada com s = -60 nC/m2, uniforme, em y = 3 m, e uma reta uniformemente carregada, paralela ao eixo x, com l = 0,5 C/m, situada em z = –3 m, y = 2 m. Aonde o campo E será nulo ? 17) Tem-se a seguinte distribuição volumétrica de cargas: – 2 C/m3 onde –2 < y < –1 m, 2 3 C/m para 1 < y < 2 m e = 0 para todo o restante. Use a lei de Gauss para determinar D em todo o espaço. Esboce o gráfico Dy vs. y. UNESP – Naasson Pereira de Alcantara Junior – Claudio Vara de Aquino